quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cena de um casal no shopping e uma sopa picante com queijo

Um casal passeia despreocupadamente no shopping, quando, de repente, a mulher agarra seu companheiro pelo braço e o puxa em direção a uma loja de cozinha em liquidação. O homem, acostumado já aos rompantes consumistas de sua esposa, não faz caso e se deixa levar. Ela aponta para uma travessinha cor de tomate maduro, apanha a peça nas mãos e solta um longo, dengoso e inapropriado-para-sua-idade: "onhonhóoooooooh, que butitchiiiinhu.... cutchi-cutchi..." O marido, sem saber onde enfiar a cara, concorda discretamente, na tentativa de acalmar a mulher maluca, e observa que há já muitas travessas em casa.

"Mas essa é piquinininha...!", tenta a mulher, com olhos pidões.
"E o que você faria nela?", perguntou ele, resistindo, buscando um furo em sua estratégia.
"Aaaaaaaah... um monte de coisa...! Um clafoutizinhozinhoinho, por exemplo... porção para dois!", retrucou, com uma cara de pamonha que sempre fazia seu marido rir. "Eu sei que não tem mais espaço", continuou ela, mostrando ainda estar em pleno domínio de suas faculdades. "Mas é tãaaaaaaao bonitinho... Eu vou levar, vai! Fica aí, que vou no caixa."

Ele apanha a peça de suas mãos, e, num menear de cabeça, sorri e diz: "Dá aqui. Vou te dar de presente, porque sei que você fica toda feliz quando tem coisa bonita onde fotografar sua comida."

: )

O mais incrível é que, na verdade, não fazia idéia do que faria com a tal travessa quando a ganhei. Mas desde que ela chegou à cozinha, foi usada praticamente todos os dias, justamente por ser pequena o suficiente para comportar porções para um casal. E, desta vez, com poucos ingredientes para uma sopa para dois, não foi diferente.

Queria uma sopa de legumes que pudesse ser feita com o que havia em casa, e sem nenhum grão ou cereal. Admito: é muito difícil pensar em uma sopa que não leve nenhum feijão, ervilha, pão ou batata, ou que não seja engrossada com farinha. Quando encontrei essa receita no livro de Heidi Swanson, sabia que teria um jantar delicioso. A sopa é mais rala, por não ter nenhum agente espessante (leia-se ingrediente com amido), então a quantidade de caldo é crucial para determinar sua consistência. Vá acrescentando aos poucos até chegar no ponto desejado. Aviso: ela é bem picante, mas o queijo equilibra bem a força da pimenta.

SOPA DE PIMENTÕES ASSADOS E TOMATE
(Adaptado do livro Super Natural Cooking, de Heidi Swanson)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 2 porções


Ingredientes:
  • 1/2 lata de tomates italianos pelados, com seu suco
  • 1/2 pimentão vermelho sem as sementes
  • 1/2 pimentão amarelo sem as sementes
  • 1 cebola pequena cortada em quartos
  • 1 dente de alho grande inteiro, com casca
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça, sem as sementes
  • 3 colh. (chá) de azeite de oliva extra-virgem
  • 1 1/2 - 2 xíc. de caldo de legumes
  • 1/4 colh. (chá) de páprica picante
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 bolas grandes de mozzarella de búfala
  • folhas de manjericão para decorar (opcional)

Preparo:
  1. Aqueça o forno a 180ºC. Disponha os pimentões, a cebola, o alho e a pimenta em uma travessa refratária pequena. Tempere com sal, pimenta e 1 colh. (chá) de azeite e leve ao forno já quente por meia hora, ou até que as pontas dos vegetais estejam chamuscadas. Vire-os no meio do cozimento.
  2. Retire do forno. Exprema o alho para fora da casca, descartando-a. Bata os legumes no liquidificador junto com o caldo e os tomates.
  3. Coloque a sopa em uma panela pequena e reaqueça em fogo baixo. Junte a páprica e acerte o sal e a consistência.
  4. Abra as mozzarelle com os dedos e coloque uma no centro de cada tigela. Despeje a sopa à volta do queijo, derrame o resto do azeite em fio sobre ele e sirva imediatamente.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O milagre do peixe que não fede

Procure "peixe" neste blog, e você ficará frustrado. Nunca faço peixe. Para não ser radical, acho que preparei um pedaço de salmão desde que me casei. E não é por ser semi-veggie, ou por não saber cozinhar um pedaço de peixe. Ah, o motivo é muito mais frívolo: o cheiro, la puzza incredibile que fica impregnada em todo o meu pequeno apartamento.

No reveillon de 2006 para 2007, eu resolvi que cozinharia o jantar para minha irmã e meus amigos: risotto de limão e filé de salmão com ervas. Fomos até o mercado municipal atrás de peixe fresco em conta, uma vez que no supermercado ele estava os olhos da cara. Geladeirinha em mãos, comprei metade de um peixe, pois [pode me chutar agora] eu queria tentar terminar de limpá-lo e cortá-lo em porções.

Trouxe o peixe para casa, empolgada, até dar-me conta de que não tinha uma tábua onde cortá-lo, a não ser minha tábua de madeira. Pensei no fedor do peixe na tábua onde corto chocolates, e apanhei o rolo de filme, forrando-a com meia dúzia de camadas plásticas. O peixe esparramou-se sobre a tábua, preguiçoso. O dia estava muito quente. Era preciso trabalhar rápido para que ele voltasse o quanto antes à geladeira.

Abri meu livro de técnicas no conjunto de fotos de um peixeiro habilidoso limpando um enorme salmão. Olhei para a foto. Olhei para o peixe. Segurei minha faca. Afiei-a na chaira. Ela cortou a carne do salmão como manteiga, mas, ao atingir o couro, nada. Pressionei mais forte. Ahn-ahn. Droga. Apanhei a tesoura e, desajeitadamente, comecei a cortar aquela pele indesejada que segurava uma gordura também indesejada.

Ok. É preciso tirar as espinhas, pois o peixeiro deixara um bocado delas para minha diversão. Apanho uma pinça e começo... e continuo... e continuo... e termino. Hora de cortar os pedaços. Calculo mais ou menos um filé de 120g e corto... até atingir o couro. F*ck. Pego a tesoura. Nem ela faz o trabalho direito, e termino com filés cheios de rebarbas.

Pego o primeiro filé. As ervas estão prontas. Basta criar um corte no couro e enfiá-las na fenda. Tento cortar com a faca. Nada. Afundo a ponta da lâmina na pele. A pele não cede; a carne coralina e macia afunda e começa a se desmanchar. Não, não, não! Pára tudo. Para falar a verdade, nem me lembro como diabos consegui criar aqueles dois míseros cortesinhos supericiais sobre os filés de peixe. Entucho os buraquinhos de ervas. Azeite. Cubro com filme plástico e deixo na geladeira até de noite.

Na hora marcada, apanho a assadeira, ingredientes e duas frigideiras antiaderentes de bom tamanho e levo para a casa de meu amigo. Enquanto ele toma conta do risotto, eu aqueço as frigideiras e finalizo os peixes. Um a um, os convidados recebem seus pratos. O peixe ficou bom. O risotto de limão corta a gordura do salmão. Sucesso.

Fogos de artifício. Vinho espumante. Feliz ano novo. Voltamos para dentro do apartamento e somos bombardeados direto no nariz pelo pungente odor de peixe que a fritura deixou na casa toda. Lavo as frigideiras e a assadeira, guardando-as e levando-as de volta.

No dia seguinte, começo todo um processo de esfrega panela, passa limão, passa vinagre, deixa de molho, bota incenso, lava a mão com três sabonetes diferentes, lava o cabelo, e o cheiro persiste, como se nunca mais fosse embora, como se fôssemos conviver com aquele odor pelo resto de nossas vidas.

De fato, acho que demorei uma semana inteira para parar de sentir peixe por toda a casa. Trauma. Nunca mais. Nunca, nunquinha. Peixe, não. Quer peixe, come fora de casa. Eu não faço.

Então, dois anos depois, vem a nutri me entupir de proteína. Ovo, queijo, queijo, ovo. Uma semana depois, não quero mais olhar para nenhum dos dois. Quero outra coisa. Atum em lata. Sardinha em lata. Ingredientes que limitam minha criatividade. Só consigo pensar em salada Niçoise. Mas não quero mais salada.

[*Suspiro*]

Vou comprar peixe fresco.

Mas onde? Não há peixarias no meu bairro. E meu mercado de confiança só vende peixes em bandejas, e não quero passar o sufoco de ter de cortá-los com tesoura novamente. Dou o braço a torcer, então, e vou ao outro supermercado, de uma grande rede, que acho uma zona e detesto. "Recebemos peixes frescos diariamente", dizem eles. Olho para o salmão. Sua carne emaciada e pastosa me diz o oposto. Eles não fedem, mas também não estão tinindo de frescos. O salmão nas bandejas tem um tom cor-de-laranja terrivelmente suspeito. Viro as costas e vou embora.

No meu mercado de confiança, encontro uma geladeira vazia. "Recebemos peixe fresco hoje, às 10 horas, mais ou menos, se você quiser voltar." Eu quero. Estou saindo do mercado e vejo um caminhão refrigerado com enormes letras azuis dizendo "Pescados" estacionando. Volto uma hora depois e compro salmão embalado no dia, coral, brilhante, bonito, com o nome e endereço do fornecedor, e bacalhau fresco, que só comera na Califórnia e achara muito delicado e diferente. O bacalhau vai para o freezer. Arranco o filme plástico do peixe e cheiro. Sem cheiro. Bom, muito bom. Sabendo disso, resolvo arriscar e o coloco diretamente na tábua. Apanho minha faca nova, alemã, afiadíssima. Ela corta a carne feito manteiga. E, para minha surpresa, também o couro, de uma só vez, sem fazer força.

Felicidade é uma faca de qualidade.

Guardo a outra porção de peixe muito bem embalada na geladeira e preparo meu almoço. Coloco no forno uma porção de legumes para acompanhar a cevada cozida, e adapto uma receita de Jamie Oliver para que produza molho para apenas um filé de peixe.

Peixe na frigideira. Oh-oh. O cheiro. La puzza. Oh, não! Mas ele não parece tão forte. Finalizo o peixe no forno, monto meu prato e almoço. Delícia. Nem parece dieta.

Volto à cozinha e começo a limpar a sujeira. Estranhamente, ela não cheira a peixe. Não de forma ruim. Ela cheira a almoço. Delicioso almoço. "Alguém preparou algo gostoso aqui hoje." Lavo a louça, limpo a tábua, guardo a faca. Cheiro a tábua. Madeira. Cheiro a faca. Aço. Se é que aço tem cheiro. Cheiro a frigideira. Um odor muito suave, que desaparecerá ao longo do dia. Lavo as mãos.

Vou trabalhar, e, quando volto para fazer um chá, sinto cheiro... de cozinha.

Que maravilha...

Peixe fresco é outra coisa mesmo.

SALMÃO AO MOLHO DE ANCHOVA E ALECRIM
(Ligeiramente adaptado do livro How to Cook, de Jamie Oliver)
Tempo de preparo: 10 minutos
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 1 filé de salmão de 130g, com pele
  • 2 colh. (chá) de azeite
  • 1 colh. (chá) de suco de limão
  • 1 colh. (chá) de folhas de alecrim fresco
  • 1 filé de anchova de uns 5cm
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Em um pilão, amasse o alecrim e o filé de anchova até virar uma pasta. Junte metade do azeite e o suco de limão e misture bem, até formar um molho que possa ser derramado sobre o peixe.
  2. Esfregue a outra metade do azeite sobre o peixe, dos dois lados. Tempere com sal e pimenta.
  3. Aqueça bem uma frigideira que possa ir ao forno. Não precisa ser antiaderente, mas precisa estar MUITO quente. Se não estiver, o peixe grudará. Coloque o filé com a pele para baixo na frigideira em fogo médio-baixo e deixe cozinhar por 2 minutos. Vire o peixe com uma espátula, com cuidado, e leve a frigideira ao forno por 3 -4 minutos, até que ele esteja rosa-claro.
  4. Disponha o salmão no prato e derrame o molho sobre ele.

Cozinhe isso também!

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