Mostrando postagens com marcador fontes de sabedoria. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador fontes de sabedoria. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 7 de março de 2018

Fevereiro, vida tranquila, um post em duas partes


Cerca de um ano antes de virmos para Toronto, minha cunhada me emprestou um livro pequenininho em italiano chamado Novecento, de Alessandro Baricco. No livro, esse homem que nasceu num barco e nunca saiu dele, um dia diz que quer descer para a terra. Por quê?, perguntam. Para ver o mar onde ele vivera a vida toda de outro ponto de vista.

Aquilo ficou gravado dentro de mim. Porque é preciso sair da ilha para ver a ilha, segundo Saramago, e percebi que confortavelmente inserida no contexto da minha existência no Brasil, eu jamais conseguiria enxergar a ilha, ver minha vida de outro ponto de vista. E eu vinha tentando, havia muito tempo, com todos esses processos de auto-ajuda encaixotados que peguei para mim, da naturebice, no minimalismo, do moda parisiense, dos livros de parenting, sem perceber que usar os óculos dos outros para enxergar pode ajudar mas não é a solução.

Em fevereiro fizeram seis meses que mudamos de país.

Durante esse tempo houve uma dezena, uma centena de desastres miniaturas dentro de mim, quebrando-me inteira por dentro, obrigando-me a reorganizar os pedaços e montá-los de um jeito novo, de novo e de novo. Demorei para me dar conta de que aquele quebra-cabeça emocional era tão difícil porque continuava forçando as peças dentro de um molde velho, gasto e torto.

Estava na hora de jogar o molde fora e montar aquelas peças livres no ar. Olhar para cada uma delas e decidir se elas ainda combinavam com as outras, se ainda tinham lugar. Muito como desentulhar uma garagem cheia de tralha, mas ao invés de olhar para os objetos em volta, você olha para aquele imenso espelho de cristal dentro de si. E abdicar de um pedaço do que você achava que queria ser, ou um pedaço da pessoa que você queria que os outros acreditassem que você era, é bem mais difícil do que jogar fora um abajur.

Mas quando você sai da ilha e se encontra à deriva nesse mar sem referências, você se dá conta de que todas aquelas pecinhas que formavam o que você acreditava ser sua identidade não passavam de bagagens externas. Eu sou uma pessoa que faz. Eu sou uma pessoa que tem. Eu sou uma pessoa que usa. Eu sou a pessoa que é filha de... Sou a pessoa que é mãe de... Eu sou uma pessoa que gosta de... coisas, pessoas, ações fora de mim. Todas essas malas pesadas que a gente carrega com a gente para fora da ilha e não nos permitem nadar para longe. E ali você está, na marolinha, achando que é alto-mar.

Fui nadando para longe e largando um baú medieval repleto de tralha emocional a cada braçada, e agora sento aqui nesse meu barquinho simples, olhando a ilha. O balanço do mar me conforta e meus olhos divisam as formas da terra firme claras sob o sol. E o que eu vejo não é bom nem ruim, apenas é.

Tudo mudou em mim.

Dou-me conta de que cada mudança de casa na minha vida foi o passinho que eu aguentava para longe da ilha que eu sabia que teria de deixar definitivamente um dia para me conhecer de verdade. Coisa louca, que muita gente não precisa fazer, mas que para mim era imprescindível. Não é que eu não me sentisse confortável no Brasil. Eu não me sentia confortável em mim mesma.

Agora o barco navega tranquilo. Tempestades ocasionais aqui e ali, mas a diferença crucial entre o antes e o agora é essa recém-descoberta calma frente ao conflito. Isso que tenho tentado ensinar aos meus filhos, isso de aprender a identificar suas emoções, ainda que abruptas e explosivas, e lidar com elas de forma tranquila. Isso de resolver os problemas sem perder a cabeça. Isso que eu não sabia fazer mas vi os professores canadenses ensinando às crianças. Oi, tia. Pode me ensinar isso também? Essa coisa linda de não perder a calma? De ficar zen? De se respeitar e respeitar o outro e exigir respeito? Adorei isso, quero tentar também.

E tudo flui. Essa vida tranquila que eu sempre busquei e que estava dentro de mim, escondida atrás de uma muralha de coisas que não eram eu, uma floresta de vitimismo, um mar inteiro de infantilidade e um deserto de ausência de responsabilidade pela minha própria vida.

E a gente se resolve um pouco e as coisas se resolvem em torno por osmose, porque a natureza assim funciona. E as crianças imitam o adulto, seja ele descompensado ou feliz. Que me imitem feliz então, que aprendam a respirar fundo e enfrentar seus medos, e tentar coisas novas, e resolver pepinos, e amar, e pedir desculpas, e dar a vez ao outro mas também exigir respeito.

As crianças vão aos pouquinhos nadando também para longe da ilha e entendendo que o mundo é grande e que as pessoas são incrivelmente diferentes e interessantes, e que todo mundo pode ser amigo desde que haja conversa. E conversando eles vão, aprendendo inglês em ritmo de trem-bala, contando histórias e aprendendo histórias, e Laura quer viajar para outros países e Thomas diz que vai morar no Japão um dia. E eu vejo esses dois seres imensos, desde quando a mão deles é tão grande?, fazendo lição-de-casa sozinhos e preparando o café de manhã, e recortando papéis coloridos e desenhos em folhas sulfite para criar seus próprios jogos de tabuleiros, e brincando metade em inglês, metade em português, e me dá uma tranquilidade imensa vê-los apanhar os livros da estante para folheá-los no sofá, em silêncio, por muito tempo, enquanto ouço uma música e preparo o jantar.

Passei fevereiro todo refazendo meu portfolio. Entra lá: www.anaelisagranziera.com

A vida anda mais devagar, ainda que bastante ocupada.

Numa quinta-feira corrida, voltamos da escola para a rotina de sempre: banho, lição, brincar, jantar, cama. Está um fim de tarde lindo, no entanto, um céu azul claro brilhante diferente da noite que caía cedo no auge do inverno e a sala inteira se ilumina e refresca como havia meses não acontecia. Acabáramos de assar biscoitos, e enquanto Thomas roubava um ainda quente da última fornada, pergunto se querem ir ao parque estrear os patins de gelo que apanhara usados na escola. Pensei que o jantar sairia atrasado, que era uma "school night", que Thomas não fizera a lição ainda. Mandei as favas as preocupações, o controle da rotina, e fomos. E as crianças patinaram pela primeira vez na vida, e Laura não parava de dizer o quanto AMAVA aquilo, e eu, ainda sem meus patins, sentei e vi o por-do-sol cor-de-laranja deitando sobre o rinque branco, e éramos praticamente só nós ali quando a noite caiu e continuei ouvindo seus risos e o raspar das lâminas no gelo sob a lâmpadas amarelas do parque.

Voltamos para casa no escuro, jantamos pipoca e Thomas disse para que eu não me preocupasse, pois ele faria a lição de manhã antes de ir à escola. Na manhã seguinte, ao invés de mandar consertar meu celular quebrado, comprei-me um par de patins para poder acompanhá-los no rinque. Prioridades.

O celular quebrou enquanto eu tirava essa foto, quando tropecei no cachorro e caí em cima do celular.
Senti-me estúpida e peguei birra do Instagram por alguns dias.

Patinei pela primeira vez na primeira festa de aniversário para a qual Thomas fora convidado. Os pais haviam reservado um espaço para fogueira num parque ali perto, do lado do rinque público de patinação. Havia smores e cachorros-quentes feitos na fogueira, e pipoca. Eram apenas meia-dúzia de crianças e os respectivos pais. Nossos pés chafurdavam na lama criada pela neve que se derretera nos dias anteriores. As crianças ajudavam os adultos a alimentar o fogo e saíam correndo para patinar mais um pouco. Era tudo simples e bom. O som dos pássaros, do fogo, das crianças.

Deslizar no gelo foi aterrorizante e maravilhoso. Fazer algo novo. Vencer meu medo de quebrar um braço ao cair. Eu já escorregara no gelo ao correr com o cão num parque e já sabia quão doloroso isso podia ser. As crianças estavam em êxtase ao me ver fazendo algo pela primeira vez, como eles. Mamãe não sabe tudo. Mamãe também está aprendendo. Se mamãe cair, tudo bem. Então se a gente cair, tudo bem também. Depois é a vez do papai. A gente quer ver o papai tentar também. 

Fevereiro se foi e levou com ele muito de quem eu achava que precisava mostrar para os outros que eu queria ser. E o que sobrou foi apenas eu. Eu que só quero uma vida tranquila.

Já estou com saudades da neve, pode?


.....

Agora vamos às praticidades da vida. Era preciso que entendessem isso aí em cima para entenderem isso aqui embaixo.

Em fevereiro minha cozinha começou a se aventurar de novo. Janeiro foi o mês em que Thomas decidiu que não queria mais levar fruta para a escola. E que tinha vergonha de comer salada na frente dos amigos. Pudera, bastou uma olhadela no almoço dos coleguinhas, num dia em que ajudava a professora, para entender. Era um tal de pão branco sem nada e sucrilhos de almoço que me deixou de cabelo em pé. Além disso, ele veio me explicar que não tinha lá muito tempo para comer, que os amigos engoliam a comida meio de qualquer jeito e saíam correndo para brincar ou jogar Ball Hockey, atividade gratuita que a escola oferece nos intervalos de almoço umas duas vezes por semana durante o inverno - e na qual Thomas se inscreveu assim, sozinho; fui descobrir que ele estava jogando um mês depois.

Janeiro eu passei preocupada tentando convencer a criança a comer fruta e verdura, e fiquei me enfiando em sites natureba-vegan-gluten-free-vida-sem-queijo para tentar inventar novas formas de enfiar coisas verdes na lancheira dele. Fiquei lá passando sabão no coitado, discursando à mesa cada vez que o lanche voltava, e vi logo que um sinal de que eu precisava mudar alguma coisa era o fato do meu filho levar as mãos às orelhas e fazer cara de exausto enquanto a ladainha prosseguia. 

Nisso, caí de gaiata no canal relaxante da Lu Azevedo, coleguinha ilustradora e brasileira que mora em Vancouver. Mais ou menos de gaiata, pois eu já conhecia o canal antigo, o Fala Maluca, cujos videos eu assistia para tentar me situar nesse futuro incerto que seria mudar para o Canadá com filhos. Mas o que eu não sabia era que ela havia partido em "carreira solo" e tinha criado esse canal que para mim é a versão em video da maternidade-sussa da Maria, do Seis Mais Dois. Quando ela fez um video mostrando o que mandava de almoço para os filhos na escola, logo caí em mim que eu andava complicando demais as coisas. (Aliás, sempre me deixa contente assistir a seus videos, pois parece que estamos sempre mais ou menos alinhadas em algumas coisas da vida - andava falando para uma amiga sobre comon mudara meu relacionamento com as crianças nos últimos meses, e vai lá a Lu e faz um video sobre disciplina positiva que é praticamente um resumão do que eu tentava explicar.)

Larguei mão geral e se meu filho diz que não dá pra comer mais que um sanduíche, então sanduíche será. Sanduichinho, macarrão, nori, cenoura, mini-pretzel e passas cobertas de iogurte, os dois últimos comprados a granel na loja de orgânico. E bolo e muffin e cookie feitos pela mamãe, porque a maior graça é poder fazer essas coisas toda semana. E aí que vem o pulo do gato: as frutas que Thomas não come em natura na escola, ele come nos doces que eu faço.


Como esse bolo de banana com chocolate do livro da Magnolia Bakery. Muito bom. Era para ter amendoins, mas como na escola não pode, omiti, e não fez falta.

CHOCOLATE CHIP BANANA LOAF
(do livro The Magnolia Bakery CookBook)

Ingredientes:
  • 1/3xic. manteiga sem sal, amolecida
  • 1/2 xic. açúcar
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1 1/2 xic. bananas maduras, amassadas
  • 1/3 xic. leite
  • 2 xic. farinha de trigo com fermento (eu usei farinha comum, adicionei 1 colh (chá) de fermento e uma pitada de sal)
  • 3/4xic. chocolate chips
  • (se quiser usar os amendoins, é só acrescentar 1/2 xic. de amendoins sem sal e sem pele, picados

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte e enfarinhe uma forma de bolo inglês de cerca de 21cm.
  2. Na batedeira, bata a manteiga e o açúcar até que fique clara e fofa. 
  3. Junte os ovos, um a um, batendo bem. Junte a banana e o leite e misture.
  4. Adicione a farinha e misture apenas até que esteja tudo incorporado. 
  5. Junte os chips com a ajuda de uma espátula e passe a mistura para a forma.
  6. Asse por 45-55 minutos, até que um palito inserido saia limpo. 
  7. Deixe que esfrie na forma por uns 20 minutos antes de desenformar,.


PORÉM... é claro que a nutricionista esquizofrênica dentro da gente começa a achar que a criança está comendo muito açúcar, muita farinha branca e aquela coisa toda. (Se for comparar com criança-padrão canadenses e brasileiras, meus filhos não comem quase nada de aç[ucar, mas a nossa cabeça adora achar problema com o qual se preocupar e fica tentando resolver o que já está resolvido, simplesmente pelo prazer de resolver alguma coisa. - Tivesse resolvido os problemas de verdade dentro de mim, não ficaria enchendo tanto o saco dos meus filhos.)

E daí que eu catei todas as receitas da Kim Boyce (do livro Whole to the Grain) que eu tinha anotado e saí tentando encontrar um denominador comum entre elas, um template para criar outros muffins com outras farinhas integrais e outras frutas, pois sempre gostei dos muffins altos, massudinhos e pouco doces dela. E assim fiz. E nasceu o Muffin de Salada de Frutas. Com todas as frutas que Thomas se recusou a levar para a escola naquela semana. E ficou ótimo, principalmente quentinho com manteiga. E Thomas amou. E eu achei que meus problemas estavam resolvidos.



MUFFIN DE SALADA DE FRUTAS
(Rendimento: 12 muffins)

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. de farinha de trigo
  • 1 xic. farinha de trigo integral 
  • 1/2 xic açúcar mascavo (eu tentaria 3/4 xic também, para algo mais doce)
  • 1 colh (chá) fermento
  • 1 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/2 colh. (chá) canela
  • 3/4 xic. manteiga derretida (150g, aproximadamente)
  • 2 ovos grandes
  • 1 (colh) chá extrato de baunilha
  • 1 xic. iogurte natural
  • 1/2 xic. leite
  • 2 xic. de frutas picadas grosseiramente, como maçãs, peras, bananas, caquis, abacaxi.

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Forre a forma de muffins com forminhas de papel.
  2. Misture com um fouet todos os ingredientes secos numa tigela. Em outra, misture a manteiga derretida, os ovos, a baunilha e o iogurte e o leite, até que fique homogêneo. A massa não pode ficar líquida. Ela precisa fazer um montinho e ficar ali quietinha, sem espalhar. Isso garante aqueles muffins altos com domos grandes.
  3. Junte os líquidos aos secos e misture com uma espátula apenas até que a farinha suma. Junte as frutas.
  4. Divida a massa entre as formas. A massa VAI FICAR PARA FORA, mais alta que as formas. Desde que esteja firme, está tudo bem, ela não vai vazar. Vai inflar e firmar bonitinho sem virar aquela gororoba de quando tudo espalha, achata e afunda. Asse por cerca de 25 minutos, ou até que um palito inserido no meio de um deles saia limpo. 
  5. Retire do forno e deixe esfriar cinco minutos antes de comer. 

Mas Laura não comeu.

Porque aqui a grande diversão dos dois parece ser me deixar culinariamente louca.

Thomas ama nozes e castanhas e sementes e qualquer coisa crocante. Laura detesta. DETESTA.
Laura pede e devora qualquer fruta. Thomas diz que só gosta de melancia.
Thomas me pede para fazer mingau pelo menos uma vez por semana. Laura reclama sempre que eu faço mingau.
Ela adora tomate cereja. Ele nem encosta.
Ele adora edamame. Ela faz cara de nojo.
Ele adora sanduíche de almoço. Ela só quer prato quente.

Não tem saída.

Parece que eles só têm pontos em comum no que se refere às porcarias. Eu queria dizer que eles concordam na pizza, mas Thomas gosta de massa fina e Laura gosta de massa grossa.

Em fevereiro eu larguei mão de me preocupar demais com isso, virei para os dois, e disse: vocês vão levar o que tiver em casa e o que eu tiver tempo de preparar. Comeu, comeu, não comeu, traz de volta. E é isso aí.

E é isso aí.

E uma coisa puxa a outra. Se eu não fico aflita com o almoço deles, posso relaxar e me divertir mais nas outras refeições. E me deu vontade de fazer pão de novo, para variar um pouco o pão do sanduíche, e porque o pão integral das padarias daqui meio que não têm gosto de coisa nenhuma.

Catei um livro na biblioteca e achei essa receita aqui. Fiquei meio ressabiada com a quantidade absurda de fermento e cortei pela metade. Mas deixo aqui a quantidade original e, você conhecendo o fermento que usa, pensa bem o que fazer a respeito. O pão ficou fofo e delicioso, e eu faria de novo várias e várias vezes.

Thomas amou as sementes no pão.
Laura destestou e comeu só o queijo. >_<



BIRDSEED BREAD
(receita de um livro de baking de uma autora canadense. Preciso pegar o nome. Não curti muito o livro mas esse pão ficou muito bom. Fotografei a receita mas esqueci de anotar o nome do livro.) 
Rendimento: 2 pães

Ingredientes:
  •  2 xic. água morna
  • 5 colh (chá) fermento ativo seco (usei metade)
  • 3 colh (sopa) óleo vegetal (usei azeite)
  • 1 colh (sopa) suco de limão
  • 2 colh (sopa) mel
  • 2 colh (sopa) açúcar mascavo
  • 1 colh (sopa) melado ou extrato de malte
  • 1 colh (sopa) sal
  • 1/4 xic farinha de centeio
  • 1 xic. farinha de trigo integral
  • 1/2 xic. sementes de girassol
  • 2 colh. (sopa) de farelo de trigo (omiti pois não tinha)
  • 2 colh (sopa) de linhaça (depois vi que era moída, mas usei inteiras)
  • 2 colh (sopa) de sementes de gergelim
  • 3 a 4 xic. farinha de trigo branca 
  • mais sementes para polvilhar

Preparo:
  1. Unte duas formas de pão e posicione sobre uma assadeira.
  2. Na tigela da batedeira planetária, misture a água morna, o fermento, o óleo, mel, açúcar e melado, até que tudo esteja dissolvido. Se o fermento não for do tipo instantâneo, deixe uns cinco minutos ativando antes de prosseguir. (Fermento instantâneo dissolve rápido na água - o meu aqui não é, e se eu não der uns minutos, as bolinhas de fermento continuam inteiras na massa do pão.)
  3. Junte todos os ingredientes menos a farinha branca e misture. 
  4. JUnte 2 xicaras da farinha branca e misture por alguns minutos. 
  5. Vá misturando na batedeira com o gancho aos poucos o restante da farinha branca, até obter uma massa grudenta mas que pareça razoavelmente manipulável. Talvez você não precise de toda a farinha.
  6. Cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1 hora ou até dobrar de tamanho.
  7. Divida a massa em duas partes, e deixe descansar por 15 minutos. Molde como dois cilindros do comprimento da forma. Espalhe as sementes pela bancada e role os pães sobre elas para que grudem na superfície. Coloque-os dentro da forma, cubra e deixe que fermentem novamente até que estejam ultrapassando a borda da forma. Enquanto isso, aqueça o forno a 190oC.
  8. Coloque os pães no forno e imediatamente abaixe o forno para 180oC. Asse até que estejam com a crosta dura e dourada, cerca de 35-40 minutos. Esfrie nas formas sobre grades.




Pode ter sido minha maratona de The Great British Bake Off  seguido do The Great Canadian Baking Show que me transformou na louca da padaria novamente. Pode ter sido o fato de eu ter encontrado um lugar para comprar farinha de trigo orgânica em sacos imensos e mais baratos - pensa a pessoa que usa um saco de 11kg de farinha em um mês. Sei que devo a isso o fato de ter encontrado ESSA RECEITA PERFEITA DE CINNAMON BUNS, sucesso absoluto com 100% da família. Catei a receita do Smitten Kitchen mas omiti tudo o que não pertencia a um Cinnamon Bun, e é isso aí. Pense macio. Úmido. Doce. Delicioso. E PRÀTICO. Você faz ele todo num fim de tarde, começo de noite e deixa fermentando durante a noite na geladeira para ir direto para o forno. Vinte minutos depois, eis o melhor café-da-manhã de sábado do mundo. :D A massa é feita na batedeira, e é uma delicinha de abrir e enrolar e cortar.

 
Daí que as crianças pediram bolo de chocolate e eu, que andava feliz e tranquila, catei o tal livro do Birdseed Bread e resolvi fazer um bolo dele com sour cream que parecia muito bom e muito simples. Havia um mês eu encontrara cacau Valhrona numa loja de importados e andava enrolando para abrir, usando o baratinho da Hersheys até então. Lá fui eu. Três quartos de xícara de cacau Valhrona. TRÊS QUARTOS DE XÍCARA.
E o bolo ficou assim:


Falei que foram 3/4 de xícara de cacau Valhrona? Pois é. No mesmo dia, a máquina de lavar e secar roupa quebrara, com todas as toalhas de casa, sujas e molhadas, dentro. E eu tinha queimado consideravelmente meu braço na tampa de uma das panelas ao preparar o jantar (a bolha se foi, a cicatriz ficou.) Laura resolveu virar no Jiraia e fazer as birras mais escalafobéticas do mundo. Daquelas que você se surpreende pelos vizinhos não terem chamado a polícia. Daquelas que te dão vontade de levantar, ir embora e não voltar mais. Daquelas que fazem você pensar por que diabos resolveu ter filhos mesmo. E quando meu marido me mandou um recado perguntando como estavam as coisas e eu expliquei, ele perguntou se eu queria que ele voltasse mais cedo, pois eu deveria estar um caco.

Foi aí que me dei conta de que não, eu não estava um caco. Eu estava tranquila. Já ligara para a administradora do condomínio requisitando o reparo da máquina (que, diga-se de passagem, ainda não foi consertada até o momento em que eu escrevo - toda uma epopéia). Lidara com a queimadura feia no braço com a mesma calma com que lidara com a vez em que chanfrei a ponta do dedo cortando salsinha, ou quando rasguei o outro dedo na lâmina serrilhada do processador: cuidei e segui a vida. Mantive-me zen-budista frente à reencarnação de Cthulhu que era minha filha e resolvi sem castigo nem escândalos adicionais, e terminamos o dia tranquilos ouvindo música. E quando o Gólgota emergiu da minha forma de bolo, eu soltei um palavrão cabeludo, tirei a porcaria do forno, suspirei e disse a mim mesma: Meh. É só um bolo. o_O Isso foi inédito. As crianças roubaram uns pedaços cozidos de bolo da beirada da forma, eu deixei tudo esfriar para jogar fora e limpar o piso do forno, catei um livro mais confiável e... fiz outro bolo.


 CHOCOLATE SOUR CREAM CAKE WITH CHOCOLATE CHIPS
(Do livro The Magnolia Bakery Cookbook)

Ingredientes:
  • 3 xic. + 2 colh (sopa) farinha de trigo
  • 1 1/2colh (chá) bicarbonato
  • 1/4 colh (chá) sal
  •  85g chocolate 100% cacau (unsweetened chocolate, difícil de achar no Brasil, mas que eu substituía com sucesso por chocolate 85% ou 90% cacau)
  • 1 1/2 xic. café forte ainda fervendo
  • 3/4 xic (150g) manteiga sem sal, amolecida
  • 2 2/3 xic açúcar mascavo
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1 1/2 colh (chá) extrato de baunilha
  • 3/4 xic. sour cream (se não tiver, deixe o creme de leite fresco com uma colher de vinagre fora da geladeira por algumas horas e use)
  • 2/3 xic. chocolate chips

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 160oC. Unte e enfarinhe uma forma bundt ou de tubo com capacidade para 12 xícaras.
  2. Numa tigela, peneire a farinha, bicarbonato e sal.
  3. Em outra, coloque o chocolate 100%. Adicione o café fervendoe misture até derreter o chocolate. Deixe esfriar por uns 10 minutos.
  4. Na batedeira, bata a manteiga e o açúcar até que fique fofo. Junte os ovos, um a um, batendo bem. Junte a baunilha. 
  5. Adicione os ingredientes secos aos poucos, batendo apenas até incorporar, em velocidade baixa. Junte o sour cream. Junte o chocolate derretido em três partes.Incorpore os chips. 
  6. Passe a mistura para a forma e asse por 70-80 minutos, até que um palito inserido no meio saia limpo. DEixe esfriar por 20 minutos pelo menos na forma antes de desenformar.

A vida não é horrível. O universo não está te perseguindo. O mundo não está contra você. É só um bolo de 14 xicaras que você meteu numa forma onde só cabiam 12. É só uma birra de criança porque a criança tem f*cking 5 anos e está aprendendo a controlar as emoções. É só uma máquina de lavar que tem conserto e o prédio tem lavanderia. E é só uma bolha no braço para acompanhar as dúzias de marcas de guerra que você adquiriu na cozinha durante sua vida.

Finito. Caput. No more drama. Porque a vida no fim é isso: tem muito mais birra de criança, machucado e máquina quebrada do que dia de piquenique, todo mundo fofo e céu azul com borboletas. E se você for deixar um bolo afundado estragar seu dia... bom... você está lascado, pois está destinado a uma vida de miséria e frustração. Vida tranquila não é vida de comercial de margarina. É aceitar que a vida tem uns momentinhos mequetrefes e desastres estrambólicos mas não deixar isso te destruir. A gente é melhor que isso. A vida é muito curta pra chorar por bolo explodido no forno. Limpa tudo e segue a vida. É só um bolo.

Quando estou alegre, quero que a cozinha reflita isso. Saio buscando muito mais cores e mais vida para a mesa combinar com meu humor. Daí que catei o livro Plenty More na biblioteca, que me trouxe belíssimas surpresas, como um COZIDO DE ERVILHAS E ALFACE ROMANA maravilhoso (no qual usei edamames ao invés de favas, pois era o que tinha e Laura comeu sem saber o que eram) e esse BOLO DE COUVE-FLOR sensacional, que preparei acompanhado de uma salada de alface romana, abacates e watermelon-radish, esse rabanete grandalhão que quando cortado parece uma melancia, lindo e delicioso. Esse foi um jantar tão bom que as crianças pediram repeteco para a escola, até com o tal rabanete e alface acompanhando, e a lancheira voltou vazia, vazia.



Acabei estendendo meu empréstimo do livro por mais 20 dias para poder fazer outras receitas.
E outra coisa que valeu muito a pena fazer e que rendeu igualmente almoços escolares bem sucedidos foi essa TORTA SALGADA do blog Smitten Kitchen. Aliás, tenho cozinhado tanto dessa fonte que sinto que preciso ir até Nova York e dar um abraço na Deb por isso, mas acho que ela acharia esquisito esse abraço de uma completa desconhecida. ;)

A receita original era com batatas e espinafre, mas substituí por brocolis branqueado e puxado no alho, e algumas fatias de bacon douradas e picadas. O restante do recheio de ovos e queijo, mantive igual. Também arrisquei estender a massa mais fina para conbrir minha assadeira, um pouco maior que a dela, e o risco compensou, pois a torta ficou um desbunde de boa. Fria, dava para comer os quadrados com a mão, o que facilitou no almoço da escola. De novo, torta acompanhada de salada de alface, watermelon radish, cenouras e sementes de abóbora.



 E é isso aí. Vida tranquila.


sexta-feira, 26 de maio de 2017

Apfelstrudel de aniversário e taturanas

Eu tinha tirado uma foto linda, com chantilly do lado. Mas ela sumiu. Fué.
Começou no início do mês, quando, após alguns pequenos grandes estresses (ou como canta KT Tunstall, "...my miniature disasters and minor catastrophes..."), ganhei de presente uma gripe querendo virar sinusite, um torcicolo de três dias que não passava nem com o tipo de remédio forte que tenho medo de tomar, e uma série de noites insones por nenhum motivo além do excesso de diálogos inventados em minha cabeça.

Meus músculos e minha vias aéreas só começaram a retornar ao estado natural quando consegui acalmar a mente um pouco e silenciar algumas daquelas vozes. Digo algumas, pois outras tantas ainda me mantêm acordada vez ou outra ou no mínimo me provocam sonhos suficientemente intensos para me fazer acordar cansada.

Santa meditação que me ajuda um bocado.

Santo marido que escuta toda a minha incessante verborragia, pacientemente, e me acalma, me apoia, me ajuda a quebrar correntes e me libertar do que não me permite crescer. Como a música do Paul McCartney

Mas quando eu achava que voltaria a dormir tranquila, foi a vez do Thomas voltar da escola com um febrão de 39,5oC que durou três dias. E um tosse-tosse-tosse ininterrupto. E dor de ouvido. Corre para levar ao médico, porque, da última vez, ele demorou para reclamar do ouvido e a infecção quase lhe perfurou o tímpano. Dá-lhe remédios, noites checando temperatura, dias faltados na escola.

Mencionei que fiquei cuidando do pimpolho com um talho aberto na ponta do dedão, cortado pela lâmina do processador que estava na gaveta?

Pois é. Vai vendo.

No primeiro dia em que Thomas melhorou... Laura teve febre. E lá vamos nós outra vez. Noites de cof-cof-cof, termômetros, narizes entupidos.

Na tarde em que tudo parecia ok, ninguém reclamando muito, mas ainda todo mundo meio borocoxô e entupido, resolvi aproveitar o dia bonito para ir lá fora arrancar as folhas mortas da cúrcuma. Vou juntando tudo num canto, e vejo umas outras folhas da couve-de-bruxelas, todas comidas de bicho, e resolvo arrancá-las também. Sinto algo no dedinho, como o arranhar de um espinho. Recolho rápido a mão e termino de jogar fora as folhas.

Só quando termino o serviço é que a queimação começa a vir. Meus dedos começaram a inchar e se avermelhar e pareciam pegar fogo.

"Me queimei numa taturana...", anunciei à família. 

Não qualquer taturana. Vou descrever só pelo prazer tétrico de causar aflição a outras pessoas... É uma filha da mãe cor-de-laranja peluda com cara de pomponzinho fofo, não maior que um moranguinho, e que calha de ser uma das mais tóxicas que há. Meus dedos queimavam por fora como se os tivesse pelado em água fervente, e corria uma dor no meio dos ossos e nas articulações até meu ombro, como se esmagassem meu braço num torno mecânico.

Nunca senti dor igual. Ela causava enjoos. Não conseguia parar de chorar.

"Putz, Ana, isso demora umas doze horas pra passar", proferiu Allex, pesquisando rapidamente o que fazer naquele caso. Nem consegui responder. Ele apanhou um pote grande na cozinha, virou uma garrafa de água gelada da geladeira, e enfiou minha mão lá dentro. Então me deu o Tylenol mais potente que tínhamos em casa, o mesmo que eu tomara depois de arrancar os dois dentes do siso no mesmo dia, e um copo de Bourbon. E me fez companhia, me mostrando coisas estúpidas da internet para me fazer rir.  E cuidou das crianças, das tosses, dos termômetros, dos narizes escorrendo.

Quando fui dormir, dois Tylenol 750mg e 3 doses de Bourbon depois, a dor no braço diminuíra e se concentrara na mão. Os dedos inchavam muito ainda, a água gelada já não fazia mais efeito, e eu sentia agulhas espetando os dois dedos queimados.

"Está melhor?", perguntou Allex.
"Melhor que antes, mas caramba! Nem aquela vez que eu fiz uma pururuca na minha mão no grill do forno doeu desse jeito! Consegue imaginar o que acontece com um passarinho que tente comer esse bicho?"
"Passarinhos são mais espertos que a gente. Eles sabem que não podem encostar em taturanas."
"Humm... E se fosse uma joaninha? Uma joaninha caindo em cima de uma taturana?"
"Acho que ela fritaria, coitada."
"Essa taturana é a raquete elétrica da natureza."

Eu mencionei as três doses de Bourbon?

E sim, eu já pururuquei minha mão no grill aceso do forno. Um milésimo de segundo. E o dorso da minha mão tinha uma linha grossa de pele cor de carvão com uma espuma branca por cima. Ainda tenho a cicatriz. Não doeu nada em comparação com o estrago dessa maldita taturana.

No dia seguinte, a dor era como se eu tivesse queimado os dedos no forno. Tolerável, dentro do espectro de machucados de cozinha pelos quais eu já passei na vida. Considerando a pururuca na mão, eu digo.

Enquanto Allex preparava meu cappuccino, lembrei-me de agradecer a ele pela ajuda no dia anterior. E enquanto Thomas se arrumava para ir à escola, ainda meio amuado, Laura conseguiu fechar o próprio dedo na dobradiça da porta.

Que acontece? Sério?
Preciso benzer essa família.

Ainda bem que a cozinha, com todas as suas imprevisibilidades, ainda me parece mais estável do que a bagunça da vida em geral. Quando tudo desanda, eu me enfio na cozinha o dia todo e produzo a maior quantidade de pães e bolos que posso, para sentir que ainda tenho algum controle sobre essa bagunça generalizada. Para ter algum conforto.

No meio desses dias caóticos, foi aniversário do Allex, e todo ano é a mesma coisa.

"Você quer bolo de quê?", pergunto.
"Não gosto de bolo."
Fué.
"Mas eu gosto de Apfelstrudel!", ele diz.
"Eba!!"

Pronto. Apfelstrudel de aniversário. Para esse homem lindo, amor da minha vida, melhor amigo, única pessoa que entende meu senso de humor, que me faz cappuccino italiano todas as manhãs há anos, e ouve todas as vozes cheias de caraminholas da minha cabeça quando estou aflita, que me deu meus filhos fantásticos e cuida tão bem deles, que me deu meu cachorro maravilhoso que é a encarnação do amor na Terra, e que cuida de mim com doses de Bourbon e carinho quando eu queimo minha mão numa taturana altamente tóxica. Allex é minha pessoa. Que me ajuda a ir para frente. E eu tento ser essa pessoa para ele também. Às vezes com sábios conselhos. Às vezes com Apfelstrudel.

Sim.

Essa é AQUELA receita de um milhão de anos atrás, dos primórdios do blog, antes das crianças nascerem. A receita da Oma. Que na época eu me senti mal em publicar porque me parecia uma coisa muito da família do Allex, e da qual eu não queria simplesmente me apropriar depois do falecimento da Oma, que havia sido pela época daquele post.

Trocentos anos depois, meus filhos têm o sobrenome da família alemã, e eu já fiz isso vezes o suficiente para, sim, me apropriar. Fora que eu perguntei e ninguém se importou de eu dividir a receita aqui.

Como toda receita de avó, a original eu achava um pouco imprecisa em alguns aspectos, então já naquela época fui pesquisar para tornar a receita um pouco mais confiável para alguém sem tradição alemã e que nunca fez Apfelstrudel na vida. A Oma costumava esquentar uma tigela e deixar a massa descansando embaixo da tigela quente. Quando descobri que o descanso serve para relaxar o glúten, mas que a massa não deve ressecar de maneira nenhuma, troquei isso por pincelá-la com azeite e embrulhá-la em filme plástico. A massa relaxa e sai super macia e pronta para ser esticada ao máximo. A Oma também abria a massa passando os dedos por baixo dela, como se fizesse cócegas. Mas isso pode mais facilmente produzir buracos. Optei por outra técnica, que usa o dorso das mãos e os antebraços, num movimento que parecem os braços de uma dançarina de dança do ventre. Assim é mais difícil rasgar a massa. Oma usava margarina. Eu uso manteiga. Ela usava óleo. Eu uso azeite. Já testei o recheio com a quantidade dada de açúcar e com metade, e descobri que com metade o recheio tende a vazar menos e você não sente diferença na doçura (já que você descarta o líquido açucarado antes de montar o Apfelstrudel. A receita dizia forno forte por 20 minutos, mas não há meios de um Apfelstrudel sair assado por dentro assim. Pelo menos não no meu forno. Eu tentei. Ele fica cru. Não sei se foi escrito errado ou se, como no caso dos suspiros da minha avó, o forno dela era meio mágico. No meu caso, uso forno moderado por pelo menos 45 minutos.

E voilà. Apfelstrudel.
Começando a abrir com o rolo. Nessa hora, a massa é macia como massa de pão.

Eu costumo abrir com o rolo até começar a ficar transparente.
Eu nunca mais consegui abrir a massa tão grande quanto daquela primeira vez. Mas esse tamanho é já muito bom.
Pedacinhos de manteiga sobre a massa a cada rolada que ela der.
Um dia eu vou ter um forno e uma assadeira onde caiba um Apfelstrudel em linha reta.


APFELSTRUDEL DA OMA (quase nada adaptado; família alemã, não fique brava!)
Rendimento: o bastante para um almoço comemorativo de família alemã de tamanho moderado. No caso dos quatro habitantes dessa casa, durou 3 dias de sobremesas e cafés da manhã, porque Apfelstrudel no café da manhã é MUITO bom. 

Ingredientes:
(massa)
  • 3 1/2 a 4 xíc. farinha de trigo e mais para polvilhar
  • 1 pitada de sal
  • 1 colh. (sopa) vinagre
  • 1 colh (sopa) azeite
  • 1 colh (sopa) manteiga, em temperatura ambiente
  • 1 ovo
  • 1 xíc. água morna
(recheio)
  • 5-6 maçãs grandes (de preferência Gala, mas usei até Fuji orgânica, e sempre fica bom - vale a pena experimentar com maçãs mais ácidas também)
  • 1 xic. uvas passas (claras ou escuras)
  • suco de 1 limão tahiti ou siciliano (você pode colocar um pouco das raspas também)
  • 1 colh (chá) canela em pó
  • 1/2 - 1 xíc açúcar (as duas quantidades funcionam, siga sua preferência)
  • 1 xic. nozes picadas (opcional - eu nunca coloco porque o marido odeia nozes)
  • farinha de rosca para polvilhar 
  • uns 50g de manteiga para distribuir na massa

Preparo:
  1. Numa tigela, misture 3 1/2 xic de farinha ao restante dos ingredientes e misture com um garfo até obter uma massa macia e úmida e que se possa sovar sem que grude nos dedos. Se ainda estiver grudenta, junte o restante da farinha. Sove um pouco dentro da tigela, não como um pão, mas simplesmente amassando até que fique bem lisa e uniforme, mais como você faria à massa do macarrão. 
  2. Amasse para que fique já num formato retangular, pincele com azeite toda a superfície e embrulhe em filme plástico. Deixe descansar em temperatura ambiente por meia hora, enquanto você aquece o forno e prepara o recheio. 
  3. Pré-aqueça o forno a 205oC.
  4. Descasque as maçãs, retire os miolos e fatie fino as frutas. Coloque as fatias numa tigela grande e misture com o suco de limão (raspas também, se quiser), as passas, as nozes, se estiver usando, o açúcar e a canela. Deixe descansando um pouco. (Lembre-se de guardar as cascas e os miolos das maçãs para fazer geleia depois!)
  5. Enquanto isso, estenda uma toalha limpa sobre a mesa e polvilhe com um pouco de farinha de trigo. 
  6. Na hora de abrir a massa, saiba que você NÃO PODE PARAR O PROCESSO. Se a massa secar, você não conseguirá abri-la nem enrolá-la. Desembrulhe a massa, que deve estar macia, lisa, uniforme e úmida, mas sem grudar nada. Coloque no centro da mesa e comece a abrir com o rolo, do centro para fora, mantendo o formato retangular e tentando manter a espessura sempre uniforme por toda a massa. O pulo do gato está aqui: quanto mais você conseguir abrir com o rolo, melhor, pois a massa ficará toda na mesma espessura e você evitará o excesso de bordas grossas, que serão aparadas depois.Polvilhe com bem pouca farinha se necessário, mas se a massa estiver na textura certa, não será preciso.
  7. Quando você estiver conseguindo enxergar um pouco através da massa, e ela estiver com pelo menos uns 50cm, enfarinhe um pouco as mãos e os antebraços e enfie-os embaixo da massa, perto do centro. Comece a mover os braços como uma dançarina, deixando que a massa relaxe o peso sobre seus pulsos e seja esticada quando você afasta um braço do outro. É aflitivo, parece que você vai rasgar a massa, mas faça com delicadeza e confiança. Se rasgar, não tem problema, prossiga para outro pedaço. Só NUNCA tente amassar e começar de novo, isso não dá certo. Aprenda a conviver com os buracos. É como a vida. ;) Vá alternando as áreas da massa, andando em torno da mesa, tentando manter mais ou menos a mesma espessura. Se a massa dobrar em algum pedaço, desdobre e estique para que não grude, tente erguê-la e estendê-la como uma toalha, usando as beiradas da mesa para que o próprio peso da massa ajude a deixá-la no lugar e esticá-la. Quando o centro estiver bem transparente, vá trabalhando as bordas puxando delicadamente. Tem alguns videos que podem ajudar a visualizar o processo: https://www.youtube.com/watch?v=dPlBhVCSPfs e https://www.youtube.com/watch?v=rxkzryG-jUc.
  8. Quando a massa estiver bem transparente (no meu caso, consigo ver perfeitamente a estampa da toalha), pois quanto mais fina, mais crocante fica, apare com uma tesoura de cozinha as bordas que ficaram grossas, tentando manter mais ou menos um formato retangular. Minha mesa tem 70x100cm, para se ter uma ideia mais ou menos do tamanho que ficou minha massa na foto. 
  9. Polvilhe a massa com um punhado de farinha de rosca. 
  10. Apanhe o recheio. Escorra o excesso de líquido que ficou no fundo da tigela. (Não jogue fora - congele junto com as cascas e miolos de maçã e use para fazer aquela geleia.) 
  11. Distribua o recheio sobre 1/3 da área da massa mais próxima de você (e que tiver menos buracos), preservando uns 5-8cm de borda.  Lembre-se que você vai enrolar o strudel no sentido do comprimento. O tamanho do strudel será o lado mais curto. 
  12. Apanhe um dos lados compridos da massa e dobre aqueles 5cm de borda por cima do recheio. Repita do outro lado e depois com a borda do lado mais curto. Pense nas dobras de um envelope, pois é exatamente isso.
  13. Agora, volte para a ponta da mesa, segure a toalha firmemente e erga o bastante para que a ponta do strudel role sobre si mesmo uma vez. Distribua belisquinhos de manteiga sobre a massa, apanhe a toalha e faça rolar sobre si mesmo outra vez. A cada vez que a massa rolar, distribua um pouco de manteiga, até que ela termine de rolar sobre toda a massa sem recheio. 
  14. Com cuidado, pegue o strudel e o acomode sobre uma assadeira, com a borda final da massa virada para baixo, para que não solte. Distribua mais manteiga por cima. SE não couber na assadeira,NÃO CORTE. Dobre, enrole, faça uma ferradura, um caracol, tanto faz, tudo funciona.
  15. Leve ao forno quente por uns 45 minutos, até que esteja moderadamente dourado e sequinho. Não importa o que você faça, a tendência é vazar líquido mesmo. E ele VAI queimar. Ignore. Apenas quando você tirar o Strudel do forno, antes que ele esfrie, use duas espátulas grandes para removê-lo e colocá-lo numa assadeira limpa, pois se esse caramelo queimado esfriar, o Strudel vai ficar grudado. Nas próximas vezes, você pode tentar usar mais farinha de rosca  para absorver o líquido. Mas vazando ou não, fica sempre delicioso. A marca do bom cozimento da massa é se ela se quebrar ao ser cortada. O recheio deve estar úmido mas a massa interna não pode estar molenga e com gosto de farinha - isso quer dizer que ficou cru por dentro.
  16. Você pode polvilhar o Apfelstrudel com açúcar de confeiteiro antes de servir. Pode servir morno, acompanhado de sorvete de baunilha, ou frio, com chantilly batido na hora. Depois que esfriar, mantenha na geladeira. Reaquecido no forno ficar com gosto de fresquinho de novo. 

Acredite: é mais difícil explicar do que fazer. Como você tem que abrir a massa bem rápido para que não seque, você leva tanto tempo para preparar quanto uma torta de maçã comum. A parte chata mesmo é descascar as maçãs. 

Espero que gostem. ;)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Um mês de Dorie Greenspan, a bizarrice do Hygge, livros e coisas que se vão

 

Daí que num dia desses caí num artigo bizarro sobre um livro dinamarquês sobre HYGGE. O artigo dizia que o tal livro seria tão influenciador de comportamento quanto o livro da japonesa que ensina a dobrar roupa havia sido no ano passado. Curiosa que sou com relação a comportamento de massa e estilo de vida de outros povos, fui atrás para saber do que se tratava, e... fiquei preocupada com a humanidade.

O livro fala sobre o estilo de vida dinamarquês, e como esse povo cercado de inverno por todos os lados faz para ser (segundo aqueles pseudo-estudos que surgem do nada), o povo mais feliz do mundo. O livro vende que o segredo para a felicidade eterna é uma vida caseira, cercada de gente da qual você gosta, em momentos gostosos em que você de fato está com essas pessoas e não com seus celulares, e, principalmente, o habito de chegar em casa, colocar uma roupa confortável, fazer um chá, acender umas velas e ficar aconchegadinho num canto gostoso do sofá, à meia luz, lendo um bom livro.

Oi.

Prazer.

Meu nome é Obviedade.

Fiquei em choque ao ver quanta gente está escrevendo a respeito, fazendo videos a respeito, como se o ato de ficar gostoso no sofá, com uma calça de moletom, um chá, um livro e uma luz aconchegante fosse uma grande novidade no reino do bem-estar.

Brinquei com o marido que eu sou a pessoa mais Hygge do mundo. Porque eu faço isso toda santa noite desde que me conheço por gente. Que mundo bizarro é esse, em que você precisa de um livro pra ensiná-lo a simplesmente relaxar a bisteca e curtir um momento em paz num cantinho aconchegante? O povo está assim TÃO alucinado que não sabe mais relaxar?  o_O

Bom.

Ainda bem, eu ainda sei relaxar, então não devo estar tão louca assim. Naquela foto ali em cima, eu tinha acendido uma velinha perfumada que minha mãe me deu de Natal, e estava aconchegadinha em uma de suas mantas. Acho que aprendi a arte do aconchego com ela. Ela que continua produzindo mantas de sofá e xales de bebê, feitos à mão, cheias de amor, de uma tal forma que eu não conheço uma pessoa que, tendo uma de suas mantas, não sinta ciúmes da mesma quando outra pessoa resolve usá-la. O exemplo mais próximo que tenho é meu marido: morre de ciúmes da manta verde que ganhou da sogra há quinze anos, quando ela a tricoutou para que ele se enrolasse para jogar video-game no inverno. Tá vendo? Hygge. Minha mãe é dinamarquesa e nem sabe. ;)

Quem tiver curiosidade, pode fuçar no Instagram da mamãe, cheia de mantas uma mais linda que a outra, todas à venda (ela envia pelo correio!): @ceciliagaiarsa

E foi num dia destes, aconchegadinha no sofá, que resolvi fuçar nos livros parados na estante. 

Depois das semanas de janeiro em que consegui alimentar a família (muito bem) por quase meio mês usando só o freezer e a despensa, sem ter que ir à feira ou ao mercado, resolvi unir o útil ao agradável e testar um livro do qual cozinhara pouco, E AO MESMO TEMPO, testar um outro jeito de planejar as refeições. Eu sempre fui de fuçar nos livros, escolher algumas receitas para fazer e meio que girar em torno delas durante a semana, mas sempre depois de ir à feira e comprar o que eu bem quisesse. Daí que sempre apareciam receitas interessantes às quais faltavam dois ou três ingredientes, e eu saía para comprar os tais itens, o que acabava estourando meu orçamento no fim do mês.

E manter-se no orçamento tem sido uma coisa muito importante aqui em casa.

Eu já tinha decidido vender os livros da Dorie Greenspan sobre comida francesa e mais outros aqui de casa, mas resolvi que antes eu queria cozinhar deles algumas coisas que nunca tinha preparado, para desencargo de consciência. Abri o danado e selecionei umas doze receitas com ingredientes mais ou menos em comum e que não envolvessem nada exorbitantemente caro, fiz a lista de compras, e prometi a mim mesma tentar não fugir daquilo até o fim do mês, e ver o que eu conseguiria produzir na cozinha com as sobras daquelas receitas feitas inteiras e se isso me faria economizar algumas patacas.

A lista das receitas selecionadas do livro, em princípio, foi essa:
- Tourteau de Chèvre (que eu não fiz)
- Gougères (que eu não fiz ainda)
- Pissaladière
- Corn soup
- Côte d´Azur Cure All Soup (que não fiz)
- Orange Scented Lentil Soup
- Chuncky Beats and Icy Red Onions
- Couscous Salad
- Eggplant "Tartine"
- Roast Chicken for the Paresseux (que eu não fiz)
- Fresh Orange Pork Tenderloin
- Boeuf à la Mode
- Roasted Salmon and Lentils
- Swiss Chard Pancakes (Farçous)
- Salted Butter Breakups
- Honey Spiced Madeleines

E a lista de compras de ingredientes, esta aqui, considerando alguns poucos itens que eu já tinha em casa, como grão de bico no freezer, por exemplo:
- Queijo Gruyère (um nacional qualquer)
- Cebolas (um monte, por causa da Pissaladière)
- Cenouras
- Salsão
- Batatas
- Pepinos
- Berinjelas
- Beterrabas
- Tomates Cereja
- Pimentões coloridos
- Azeitonas Pretas
- Azeitonas Verdes
- Anchovas
- Laranjas
- Extrato de tomate (que eu fiz ao invés de comprar)
- Lentilhas
- Couscous marroquino
- Farinha de trigo
- Tomilho (o meu morreu)
- Milho verde
- Coentro
- Lombo de porco
- Frango (acabei não comprando)
- Salmão
- Acém (acabei comprando músculo de novilho orgânico)
- Folhas de salada

Fui às compras, então, e resisti bravamente à tentação de comprar qualquer item fora da lista que não fossem os básicos leite, manteiga, ovos e farinha. Confesso que senti dificuldade na banca de orgânicos da feira. Como resistir a lindos chuchus e abobrinhas? Só que não estavam na lista e eu não escolhera fazer nada do livro que levasse chuchu ou abobrinha. Mordi o dedo, contive a tremedeira e consegui me ater à lista. Ufa.

Ter a lista das receitas colada ali na geladeira e todos os itens necessários já comprados tornou minha rotina de cozinha muito mais fácil. Escolhia já no dia anterior o que fazer de almoço e jantar de acordo com o tempo que eu teria para cozinhar, e já pensava se as sobras poderiam ser congeladas ou reaproveitadas de outra forma já no dia seguinte. Nisso, o livro ajudou bastante, tendo pequenas notas sobre a conservação do prato ou quais partes poderiam ser feitas com antecedência. Todos os ingredientes estavam ali, dos principais aos temperinhos, e não ter de ir outra vez ao supermercado já foi grande fator de economia.

No dia das compras me planejei para "processar" tudo o que podia e que sabia que estragaria mais rápido, ou mesmo preparar pratos inteiros para ir direto ao freezer, como foi o caso da sopa de milho. Fiz a sopa no momento que as espigas estavam mais frescas e ela foi inteira direto para o freezer, em porções suficientes para dois diferentes jantares para dois adultos e duas crianças. A sopa só foi consumida no meio e no fim do mês, e foi muito prático ter aquilo ali já pronto. Ela era deliciosa, cremosa, adocicada, e a farofinha de bacon por cima ficou muito boa. Super diferente de outras sopas de milho? De fato não, mas muito boa.

CORN SOUP
Rendimento: diz 4 porções, mas somos em 4 e comemos duas vezes. Nossas porções de sopa são pequenas, no entanto, nunca comemos mais que 2 conchas cada um.

Ingredientes: 
  • 3 espigas de milho, debulhadas (reserve a espiga)
  • 3 xic. leite
  • 2 colh (sopa) manteiga
  • 1 cebola grande, picada
  • 1 talo médio de salsão, fatiado fino
  • 1 cenoura média, descascada e fatiada fino
  • 1 dente de alho, picado
  • 2 xic. água
  • 2 ramos de tomilho
  • 2 ramos de alecrim
  • 1 folha de louro
  • Pimenta-do-reino branca moída na hora
(guarnição)
  • cebolinha picada
  • 1 pitada de pimenta caiena 
  • 2 tiras de bacon cozido até ficar crocante e picadinho

Preparo:
  1. Coloque as espigas reservadas no leite e leve à fervura. Desligue, cubra a panela e deixe em infusão enquanto prepara o resto da sopa. 
  2. Em outra panela grande, derreta a manteiga. Junte a cebola, uma pitada de sal e cozinhe em fogo baixo, por 5 minutos, até que a cebola amacie bem mas não doure. Junte o salsão, a cenouta, grãos de milho, alho e sal e cozinhe até que os legumes estejam macios. 
  3. Junte a água, o leite com as espigas, as ervas, e 1 colh (chá) de sal. Leve à fervura, abaixe o fogo e e cozinhe por 20 minutos. 
  4. Retire as espigas, o louro e quaisquer ervas que você consiga pescar fora e descarte. Bata a sopa no liquidificador com cuidado. Acerte o tempero e sirva com a guarnição. Sem a guarnição, a sopa congela maravilhosamente.

Em seguida, apanhei os tomates ultra-maduros que eu comprara mais baratos na banquinha de orgânicos e pelei, tirei as sementes, cortei e joguei na panela com sal na proporção de 1 colh.(sopa) de sal para cada 1kg de tomate. É muito? Claro que é. Mas o objetivo é conservar meu extrato de tomate por 1 ano. Cozinhei até os tomates desmancharem, até o molho reduzir a um terço de seu volume, e então bati no liquidificador para ficar bem liso. Espalhei numa assadeira o mais uniformemente possível e levei ao forno bem baixo por meia hora. Nesse tempo, espalhei novamente, juntando o molho reduzido un pouco mais pro canto, limpando a parte exposta da assadeira com um papel-toalha, e voltando ao forno. E assim, de meia em meia hora, juntando, limpando, juntando limpando, até aqueles 4kg de tomates iniciais virarem um potinho de 3/4xic. Espesso, brilhante, de um impressionante vermelho escuro. Coloquei num pote esterilizado, cobri de azeite e levei à geladeira, onde meu extratinho vai durar um ano, desde que eu cubra de azeite sempre que pegar umas colheres.

Essa receita não era da Dorie, mas de um livro de cozinha calabresa que eu já vendi. Mas como a carne assada dela pedia extrato de tomate, achei que valia a pena fazer o meu, delicioso, orgânico, sem porcarias, antes da carne.

E a carne ficou muito boa. Usei músculo de novilho, orgânico, que estava num preço muito bom, e essa foi a carne braseada que fiz que ficou mais saborosa e macia. Não era quase em nada diferente das outras receitas básicas de carne braseada no vinho, a não ser pelo fato de ela marinar no vinho e com todos os legumes durante a noite e depois ser cozida por umas 2-3 horas no forno nesse caldo. Também as anchovas e o extrato de tomate contribuem bem para o umami do prato. Muito bom. Muito mesmo. Mas dado que o resto do processo é o mesmo das receitas mais clássicas francesas e italianas, apenas pensei que da próxima vez que fizer qualquer uma delas, vou mariná-la no vinho antes de cortá-la em pedaços e incluir na refoga dos legumes as tais anchovinhas. As fotos que achei internet afora, procurando um link para a receita, mostram uma linda carne fatiada. A minha se desmanchou inteira ao tentar cortá-la, o que eu não considero de modo algum um defeito. :)

Achei besta ficar usando uma frigideira para fazer tudo e transferir para o panelão, coisa que eu só faria se minha caçarola não pudesse ir direto no fogo. Como podia, selei tudo na caçarola mesmo. Não usei conhaque, pois n~~ao tinha (deglacei com água mesmo) e não usei caldo de carne, pois acho um pleonasmo usar caldo de carne numa carne que já vai cozinhar com os legumes e ervas que dariam sabor ao caldo. 

BOEUF À LA MODE
Rendimento: de novo, diz que serve 6 pessoas, mas aqui em casa deu 1 refeição para os 4 e mais dois almoços só eu e as crianças. Pratos pequenos. Segredo da vida longa e da cintura estreita. ;)

Ingredientes:
  • 1 pedaço inteiro de acém com 1,7-2kg, limpo mas não totalmente sem gordura
  • sal e pimenta-do-reino
  • 1 cebola, em meias-luas finas
  • 1 cenoura. descascada e em pedaços
  • 1 talo de salsão, em pedaços
  • um bouquet garni com 1 folha de louro, as folhas do salsão, 2 ramos de salsinha, 1 ramo de alecrim, 2 ramos de tomilho, amarrados
  • 1 garrafa de vinho tinto (750ml)
  • 1 colh (sopa) azeite
  • 4 xic de caldo de carne (usei água e o caldo ficou muito saboroso assim)
  • 3 colh (sopa) óleo (usei azeite de novo)
  • 3 colh (sopa) conhaque (omiti)
  • 4 anchovas
  • 2 colh (sopa) extrato de tomate

Preparo: 


  1. Massageie a carne com sal e pimenta e coloque numa tigela bem grande ou ziploc bem grande. Junte os legumes, as ervas e o vinho, o azeite, misture e feche bem o ziploc ou cubra a tigela com filme. Leve à geladeira por toda a noite. 
  2. No dia seguinte, remova a carne da marinada e seque com papel-toalha. Deixe voltar à temperatura ambiente.
  3. Coe a marinada, reservando os legumes e ervas e colocando o líquido numa panela. Leve essa panela ao fogo alto e reduza pela metade, cerca de 10 minutos. Junte o caldo (ou água), leve à fervura novamente, desligue e reserve.
  4. Aqueça o forno a 180oC. Coloque a caçarola de ferro em fogo alto com 2 colh (sopa) de óleo. Sele bem a carne, dourando de todos os lados. Retire para um prato grande e tempere com sal e pimenta. 
  5. Coloque mais uma colher de óleo na e junte os legumes coados. Cozinhe por uns 10 minutos. Como eles estão úmidos, não vão pegar muita cor, mas vão pegar gosto. Tempere com sal e pimenta, junte o conhaque se estiver usando, raspando o fundo com uma colher de pau, e junte o conteúdo da panela à carne. 
  6. Volte o panelão para o fogo e misture 1/2 xic. do caldo reservado ao extrato de tomate e anchovas, amassando para dissolver tudo muito bem. Junte o restante do caldo, as ervas, sal e pimenta, coloque de volta a carne e os legumes e leve à fervura. 
  7. Desligue, cubra com papel alumínio, coloque a tampa por cima e leve ao forno por 1 hora. Você pode ou não abrir tudo pra ver como estão as coisas e virar a carne de quiser. Mas não precisa. Cozinhe por mais 1h30 ou 2h, (tempo total 2h30-3h) ou até que a carne esteja macia. 
  8. Experimente o molho. Retire a carne e reduza mais, se preferir. Descarte o bouquet-garni. Sirva a carne fatiada com purê de batatas.



A salada de beterrabas com cebolas era simples e não tinha nada de muito diferente a não ser o mel no vinaigrette de mostarda. Confesso que o mel de fato arredondou os sabores, trazendo a mostarda e a cebola mais para o universo adocicado da beterraba assada. Fez muito sucesso com as crianças, e prometi a mim mesma lembrar sempre do mel nas próximas vezes. Mas é só isso. Um vinaigrete de mostarda que leva uma colherinha de mel, em cima de beterrabas assadas e cebolas fatiadas e geladas. Outra que fez sucesso foram essas panquecas de espinafre, Farçous. Meramente uma panqueca de espinafre, feita nas mesmas proporções de uma panqueca americana, mas batida com algumas ervas, cebola e alho, e um pouco de espinafre (já que não havia swiss chard), que você meio que frita ao invés de fazer de só dourar. Apesar de não ter ficado convencida pela fritura, as panquecas ficam saborosas e de fato congelam fantasicamente bem. A receita inteira faz umas 40 unidades, e vão do freezer para uma assadeira e em menos de 5 minutos estão quentinhas para o almoço. MUITO práticas e renderam 3 refeições diferentes, com salada verde, com a tal salada de beterraba e com salada de tomates. Mas não acredito que vá usar de novo a receita do livro (porque faço panquecas assim sem receita) ou mesmo fritá-las, que achei que deu mais trabalho que o necessário.


A pissaladière foi uma receita que escolhi para criar base de comparação com outras que já fiz. E essa, acredito, foi a melhor de todas. Pequena, alimentou bem acompanhada de salada verde dois adultos e duas crianças numa única refeição. A massa é crocante e delicada, bem fina, e a cobertura de cebolas, ainda que clássica, estava bem temperada e numa boa proporção. Pode ser também que eu finalmente tenha aprendido a caramelizar cebolas, coisa que eu não tinha coragem de levar a cabo há dez anos atrás, quando morria de medo de queimá-las. ;) Fico sem saber, então. Thomas, que não é muito fã de cebolas, adorou e repetiu a pissaladière e decidiu que agora  não tem mais cisma com elas.

O lombo com laranja ficou delicioso, apesar de um prato feio, daí a não ter fotografia. Não sei se me convenceu aquele monte de casca e polpa de laranja no molho, mas o sabor estava muito bom e todos rasparam o prato. Talvez não Thomas, que achou a coisa toda meio esquisita. "Garçom, derrubaram suco no meu prato!", disse Allex, engraçadinho. Mas a verdade é o que sabor era muito bom e o prato é muito fácil e razoavelmente rápido. Ficou ótimo com arroz. Faria de novo? Acho que sim, mas talvez adaptando para aquele jeito que a Rita Lobo fez, na TV, só com o suco. A receita é bem parecida, a não ser pelas cascas e gomos que a Dorie usa e pelo fato de a Rita usar bacon e legumes.

Mas o que faria de novo mesmo é o curry basicão da página seguinte do livro, no qual usei a outra metade do lombo que sobrara. Esse sim ninguém estranhou e todo mundo lambeu a tigela. Mas curry é curry. É sempre bom e é sempre igual. O tipo de curry que faço a olho e com os pés nas costas, uma mão segurando a Laura e um olho no Thomas embaixo da mesa. O porco ficou muito bom mas confesso que sumiu um pouco ali: podia ser carne, podia ser frango, podia ser peixe, podia ser tofu, meio que o sabor continuaria o mesmo. Mas seria sempre delicioso. É curry, afinal. Acho que uma excelente receita-base para quem nunca faz curry.


E com o que sobrou de laranjas veio essa sopa de lentilhas, maravilhosa, diferente. Pimpolhada adorou o iogurte na sopa, e o desenho bonito do branco sobre o marrom austero dela. De novo, pense numa sopa de lentilhas com azeite, cebola, salsão, cenoura, caldo de legumes e lentilhas. Basicona. A única diferença foi colocar um pedaço de casca de laranja de 3x6cm, sem a parte branca, 6 grãos de pimenta-do-reino, 1 cravo e um pedaço de gengibre de uns 3cm, picado. (Isso para uma sopa usando 1 xic de lentilha). O pulo do gato é bater tudo no liquidificador junto, especiarias, casca e tudo. Ficou muito bom. O coentro para finalizar foi adição minha.



Para dar um tempo nas carnes, fiz a salada de couscous com pimentão, grão de bico e frutas secas, que ficou muito saborosa. Mas, novamente, tive a sensação de que não precisava de fato de uma receita de livro para executar aquele prato. Depois de tanto tempo cozinhando, aquela mistura de sabores era meio intuitiva. Ao menos Dorie não esconde isso e ela mesma menciona na nota o fato de a receita nunca ser feita da mesma forma, sendo constantemente improvisada. Ainda assim, um bom almoço, com direito a repeteco, pois faz muitas sobras.

Agora essa berinjela assada coberta de uma salada/vinaigrette de tomate, pepino, azeitonas e alcaparras me surpreendeu um bocado. Todos adoraram e o que eu acreditei que renderia sobras para o jantar, foi devorado imediatamente numa só refeição. Merece infinitos repetecos com infinitas variações. Só pincelar com azeite fatias grossas de berinjela e levar ao forno até dourar e ficar macia. E cobrir com essa saladinha de tudo isso aí picado: pepino, tomate-cereja, salsão, cebola, alho, azeitona verde, alcaparra, orégano, sal pimenta e vinagre. Fácil.

E outra que será repetida à exaustão foi essa misturebinha de fígado de frango. Não é patê, não é terrine, é só uma coisinha rápida para comer com o pão. Servi no almoço com uma salada de tomates mas depois me vi assaltando a geladeira tarde da noite para acabar com o que estava no potinho, tão, tão, tão bom. Não sei se foram as cebolas caramelizadas, se a pimenta-da-jamaica ou a mera sugestão de servir com maionese. Mas eu amei esse negócio e vou fazer pelo resto da vida. É só esquentar numa frigideira 1/2 xic. de azeite e fritar 2 cebolas picadas. Drene as cebolas e então doure 450g de fígados de frango limpos e cortados ao meio no óleo restante na frigideira, por uns 2 minutos cada lado, para que cozinhem mas ainda fiquem rosinha por dentro. Seque em papel toalha, deixe descansar um minutinho, pique grosseiramente e junte à cebola. Reserve o óleo da frigideira. Tempere o fígado e a cebola com sal e pimenta, 1/4 colh (chá) de pimenta-da-jamaica e 1-2 ovos cozidos picados. Se parecer muito seco, junte o óleo da frigideira. Aperte bem numa terrine ou potinho, cubra bem e gele por algumas horas. Sirva no pão com maionese caseira. Nham!

Aliás, essa receita não estava na minha lista. Mas quando fui visitar minha mãe, ela me deu uma bandejinha fígado congelado, e resolvi que aproveitaria para testá-la, ao invés de fazer o clássico patê de sempre ou o crostini de fígado à toscana de sempre. Esse aliás, foi um ponto incrivelmente positivo do livro: ele é muito coerente, e me vi cozinhando cem por cento do tempo dele, mesmo na hora de improvisar com as sobras.

E assim de improviso saiu esse "cake" salgado de bacon, gruyére e figo seco, acompanhado de uma salada de tomate com molhinho de mostarda e iogurte. Um Cake Salé comum no preparo. O que sobrou virou piquenique na piscina do clube, cortado em cubinhos e acompanhado com tomatinhos cerejas e pepinos, e fatias grossas foram levadas de lanche da escola. As crianças adoraram e Laura AMOU comer "bolo" no almoço, sem ser de sobremesa. :)

Também rolou Spaetzle com ervas num domingo em que as crianças pediram linguiças na churrasqueira. E na lista de pratos para fazer no fim do mês, quando tudo o que é fresco já acabou na gaveta de legumes, sobrou ainda Gnocchi à la parisienne e gougère para acompanhar uma sopinha simples. Ainda não fiz nenhum dos dois, mas pretendo.

Até nos doces acabei me enveredando. O quatre-quarts, aquele bolo clássico francês, em que todos os ingredientes têm o mesmo peso, é muito fácil e foi devorado em duas sentadas. Achei confuso apenas Dorie mencionar que o topo fica bem dourado, quando o meu dourou apenas nas laterais, e todas as fotos que encontrei internet afora mostravam o mesmo domo pálido. Depois do quatre-quarts, fiz também sablés de chocolate e croquants, biscoitos que Thomas e Allex adoraram.  Menciono isso porque Laura, como sempre, preferiu comer bananas a biscoitos. Não há um único biscoito que eu tenha feito até hoje que ela de fato goste. Ela morde uma vez ou outra, diz que está satisfeita, que não gostou muito e vai pegar uma fruta. Essa é a única frescura alimentar dos meus filhos da qual eu não reclamo. ;)

Os sablés são os mesmos de sempre, ficaram bons mas iguais a quaisquer outros sablés de chocolate. Os croquants são bons para quando se quer usar claras congeladas: Basta misturar 2 claras a 1 1/4xic de açúcar, 1 xic. de castanhas picadas grosseiramente (usei avelãs e amêndoas) e 1/2 xic. + 1 colh(sopa) de farinha. Vai ficar uma massaroca nada ver com massa de biscoito. Coloque numa assadeira com silpat em porções de 1 colh (chá ) com espaço de 5cm entre elas. Tente deixar montinhos com forma de bolinhas. Leve ao forno a 205oC por 8 minutos ou até dourarem.

Foi um mês que correu muito fácil em matéria de culinária. O salmão feito num pedaço inteiro por 12 minutos no forno ficou no ponto perfeito, e as lentilhas que acompanhavam... bom, ficaram lentilhas. Os butter breakups ficaram maravilhosos, e depois vou fazê-los de novo para poder fotografar e colocá-los aqui no blog direitinho. As madeleines são madeleines comuns, mas com deliciosas especiarias e um gostinho de mel. Mas decidi que não faço madeleines com tanta frequência a ponto de querer manter aquela imensa forma de 36 madeleines. Então quem quiser comprá-la, está à venda.

O mês terminou e o resultado foi uma economia gigantesca no mercado, onde comprei apenas os itens da lista acima e mais leite, ovos, farinha e manteiga. Comemos muito bem, não gastamos muito, e agora posso mandar o livro de consciência limpa.

Mas Ana, por que diabos você vai vender o livro se você gostou dele?????

Porque apesar de tudo ter ficado muito bom, o livro é bem grande para o espaço que tenho para ele no momento, e ocorre que fora algumas ideias de sabores diferentes, a base das receitas é clássica e, de novo, já tenho meus livros clássicos de coração. Anoto as receitas que quero fazer de novo e desapego. Quando fizer uma carne braseada da Marcella Hazan, vou marinar a carne e juntar anchovas. O chopped liver eu já decorei na minha cabeça. Há ainda muitas outras receitas no livro que me interessaram, mas também há nos livros que escolhi manter, e agora estou numa fase em que realmente, de verdade, quero zerar, gabaritar, arrasar com os poucos livros que escolhi para serem meus livros clássicos da vida toda. O que não quer dizer que não pretenda continuar cozinhando de outras fontes e passando essas dicas a vocês também. Vocês, essas três pessoas queridas que ainda lêem o blog, depois que o youtube bombou e todo mundo parou de ler. ;) hahah

Se ainda resta alguém querendo pegar um livro usado mas muito bom, fica aqui a lista dos livros e tranqueiras que não tenho usado mesmo. Desapego monstro. Rumo à etapa final. ;)
As tranqueiras de cozinha Le Creuset estão todas fantasticamente excelentes, nem parece que usei tanto. Embalo tudo maravilhosamente bem para que nada quebre e faço reza brava. Hahaha.
Se alguém se interessar por alguma coisa, mande-me um email para lacucinetta@gmail.com com seu endereço completo para cálculo de frete, ok?

Como sempre, agradeço imensamente a todos que por todos esses anos acompanharam o meu acúmulo de livros e utensílios, e que agora estão ajudando na libertação dos mesmos. :D
Antes que alguém ache ruim, só posto isso aqui porque sei que aqui tem muita gente que gosta de cozinha, de livros, de formas, e que "me conhece" o bastante para saber que não estou sacaneando ninguém. O que não sair por aqui vai acabar sim no Mercado Livre e afins, mas acho sempre meio chateação vender e comprar de gente que a gente não conhece... :(

Novamente, obrigada! :D

Vou ali ficar toda "Hygge" com os livrinhos que sobraram, lendo um José de Alencar emprestado da mamãe e tomando um chazinho de erva-doce. ;)

R$50,00 + frete
SUZANNE GOIN - Sunday Suppers at Lucques (sobrecapa com sinais de uso, interior em excelente estado)
DAVID FRENKIEL & LOUISE VINDAHL - Green Kitchen Travels (excelente estado) 
DARINA ALLEN - Forgotten Skills of Cooking (capa rasgada na lombada, interior como novo)
STEPHANIE ALEXANDER &  MAGGIE BEER - Sabores da Toscana (em português de portugal) - pouquíssimos sinais de uso e excelene estado
KIM BOYCE - Good to the Grain (excelente estado)
NIGEL SLATER - Notes from the Larder (capa ligeiramente gasta, interior perfeito) 

R$35,00 + frete
FRANCINE SEGAN - Dolci - Italy´s Desserts (excelente estado)
FRANCES MAYES -In Tuscany (excelente estado)
JOHn SEYMOUR - The SElf Sufficient Life and How to Live It

R$25,00 + frete
MARC VEYRAT & GÉRARD GILBERT - La cuisine paysanne   (excelente - tamanho pocket, mas lindo, cheio de fotos)
THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (novo)
MICHAEL POLLAN - Cooked 
THE ABC OF COOKERY (Livro produzido pelo governo britânico para educar as pessoas a cozinhar durante a primeira guerra)

TRANQUEIRAS:
MOEDOR de grãos de ferro Botini - R$65,00 + frete 
CANUDOS de alumínio para cannoli pequenos (10cm), 12 unidades - R$15,00 + frete
Forma de MUFFIN MINI com 24 cavidades, da Wilton - R$35,00 + frete
LE CREUSET - Cj de 6 ramequins com capacidade de 1xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$270,00 + frete
LE CREUSET - Cj. de 8 ramequins com capacidade de 1/2xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$240,00 + frete (R$30,00 cada)
LE CREUSET - 1 mini-cocotte com tampa, cor de laranja, capacidade de 1 xic., perfeito estado, como nova - R$55,00 + frete 

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails