quinta-feira, 10 de março de 2022

Enquanto isso


Enquanto isso, as crianças pegaram covid. Assim, nos quarenta e cinco do segundo tempo, quando ninguém mais acreditava que pegaria qualquer coisa. Primeiro Thomas. E no fim da quarentena de cinco dias dele, praticamente sem sintomas, foi a vez da Laura. E eu que já estou acostumada com isso de quarentena, que nunca se viu tanta quarentena no mundo quanto aqui no Canadá, larguei (quase) tudo o que estava fazendo e meio que (quase) tirei férias. Assim, jogando a toalha mesmo.

Thomas brincou de tocar uma sineta lá do seu quarto toda vez que queria algo, e eu fiquei brincando de stairmaster2000, subindo e descendo três lances de escada a cada vez que a sineta tocava. Laura achou graça de fazer a mesma coisa na vez dela, e depois de duas semanas, acho que virei o cão de Pavlov, e subo e desço escada sem motivo nenhum se ouvir um sino tocar. 

Primeira semana, todo mundo confinado, e eu sabia que seria impossível trabalhar direito com a Laura, que não gosta de brincar sozinha, pendurada no meu pé pedindo pra ver o que eu estava fazendo o tempo todo. Enquanto eu terminava uma pintura encomendada, já com prazo atrasado, ela sentava no chão ao meu lado e desenhava também, não sem me interromper vinte e sete vezes para perguntar por que é que eu nunca tinha usado aquele tablete de tinta rosa, ou porque é que eu ainda não tinha botado o verde das árvores. 

Vai ver um desenho, criança.

Paz.

Tinha também newsletter para entregar, e ainda bem que a semana anterior tinha sido produtiva, e eu havia escrito crônicas novas todos os dias e rabiscado um bocado de cartuns no meu caderno. Ainda bem que eu tinha resolvido burocracias e marcado reuniões e ido ao correio, e foi como se o universo tivesse me pegado pela mão e me feito resolver tudo o que precisava ser resolvido antes de poder declarar férias covídicas em casa.

Ainda bem também que eu tinha ido à biblioteca catar os livros reservados antes de descobrir a criança encovidada. 

Entre uma sineta e outra, sentei minha cansada busanfa na poltrona e li desavergonhadamente.

Curioso que a criançada aprendeu a respeitar meu tempo de leitura cedo na vida. Mas nunca tendo visto mamãe trabalhando fora de horário escolar, têm certa dificuldade de me ver curvada sobre minha mesa e concluir que não estou disponível.

Aprendizagens.

Agora ensino que quando mamãe tá lendo também é trabalho.

Calhou que nessa do universo pegar pela mão, num surto de siricotico, um dia antes de o pimpolho desenvolver sintomas leves e testar positivo, eu enchi o carrinho do mercado como se me preparasse para uma hecatombe nuclear. Dessas intuições inexplicáveis, já que desde que me mudei para essa casa, tenho ido diariamente ao mercado para comprar os ingredientes do jantar, no melhor estilo "moro em Paris e minha geladeira é um frigobar". Só que eu moro em Ottawa e minha geladeira é imensa e está sempre vazia. 

Minto. Sempre tem queijo. E um vinho. Acho que isso prova que meu cérebro anda confuso e realmente acha que mudou pra Paris. 

Só quem conhece o subúrbio de Ottawa vai saber quão ridícula foi essa última frase.

Enquanto isso, me enchi de vontade de cozinhar. Vontade de fazer pão, que fazia tempo não surgia. Vontade gerada pela necessidade, já que tinha farinha mas não tinha pão, essa uma coisa que eu não tinha comprado no mercado antes de ser trancafiada em casa. 

Fui direto no pão de forma de sempre, sem dificuldades. E fazer pão, mesmo que por necessidade, não pareceu obrigação. Lembrei o que me encantava no processo. Peguei-me mesmo com saudade do gosto do meu pão. 

E enquanto o irmão estava trancado no quarto, Laura resolveu que queria fazer brownies. E escolheu a receita, e separou os ingredientes - mamãe, qual desses potes é Nutmeg? - e ligou o forno, e derreteu manteiga, e misturou tudo, e botou na forma - mamãe, segura a panela pra eu raspar, que é muito pesada - e tirou do forno, e desenformou, e cortou em quadradinhos, e depois ficou regulando que ela era quem decidia quando quem ia comer o quê, que ela que tinha feito sozinha. E aí tomou bronca que eu sempre faço bolo e não fico regulando. E aí todo mundo ganhou brownie. 

E eu embasbacada com o tamanho dessa menina que lê receita e usa o forno.

Daí me deu um negócio com pão de aveia, e eu não conseguia achar aqui no blog uma receita de um livro da falecida revista Gourmet, um livro grande de capa verde que vendi antes de mudar para o Canadá, e cuja receita de pão de aveia eu jurava de pé junto que havia postado aqui. A receita está no Epicurious. Delícia de pão de aveia. Mas a cabeça de pudim usou duas formas muito grandes e o pão, tadinho, ficou baixinho, baixinho. Mas muito bom.

E aí abriu a porteira, e já que a gente estava na cozinha, que tal fazer um biscoito? Um biscoito, assim, com muitas NUTS, bem NUTUDO, já que ninguém está indo pra escola mesmo, e eu não preciso me preocupar com essa pataquada de comida nut-free. 

Eu tinha exatamente a quantidade de avelãs para esse biscoito, e há alguma coisa incrivelmente satisfatória em ter exatamente a quantidade de ingredientes que você precisa para uma receita que acabou de escolher. Não tem? Sou só eu? Deve ser minha librianice, ou meu Virgem na casa XYZ que eu nunca lembro, então. 

Minha parte preguiçosa ficou profundamente comovida pelo fato de o biscoito ser todo feito no processador, ser do tipo que se fatia e bota na assadeira, e não precisar sequer descascar as avelãs. Coisa linda da tia. 

Quando veio a vez da Laura, Thomas foi para a escola, que o governo disse que podia. Mixed feelings. Por um lado ele ficou fulo de não poder faltar mais uma semana, e por outro, aliviado de não ter mais trabalho de escola acumulado. Laura no quarto toca sino mas eu consigo trabalhar. Tranquilamente, aliás, que a criança teve tosse só por dois dias, e se não fosse covid, dava um chá de camomila, mandava largar mão de ser sem vergonha e mandava pra escola. 

Vira e mexe ela toca o sino e quando eu subo lá achando que é importante, ela diz Mamãe, eu fiz um joke! E eu ouço a piada com toda a paciência. Ela tem disso de querer inventar piada, mas ainda não pegou bem o jeito dos trocadilhos. Tá melhorando, Laura, eu digo. Allex acha que ela vai ser comediante de Stand Up.

E trabalhando estamos. 

Escrevendo como se a vida dependesse disso. 

Conversando com editoras. 

Mandando portfólio de ilustração a torto e a direito.

Procurando galerias e cafés em Ottawa e Montreal.

Ou seja, o corre.

Mas no meio desse corre que antes me consumia, agora a cozinha me chama, velha amiga. Vontade de fazer um bolo, né minha filha?

Mas corre também rola, o corre de verdade. Teste negativo, máscara na cara, corro isolada na floresta, sem encontrar alma que não seja esquilo e passarinho. Corre, que em maio tem maratona. Foram dois meses sem quase correr, por conta das temperaturas muito baixas, baixas mesmo, vinte e trinta negativos, que nem agasalho e balaclava davam conta. Agora é correr (literalmente) atrás do prejuízo e torcer pra ter treinado direito quando for dia da prova.


E enquanto isso fui ao Brasil em fevereiro, bate-e-volta, e resolvi perrengue, e vendi meus livros, e nadei na praia, e comi pastel. E voltei com saudade de andar na rua de chinelo e regata, o que me faz ficar rancorosa desse março ainda fazendo -8. Aqui em Ottawa ainda tem neve que caiu em dezembro. 

E se você não me viu no Brasil tá tudo bem, que as coisas estão caminhando e vai ter livro novo logo mais. E livro novo logo mais quer dizer viagem ao Brasil logo logo. Viagem sem covid, imagina que alegria!

E falando em logo logo, dizem que logo logo o governo aqui vai liberar todo mundo de usar máscara, e meus filhos não veem a hora de ir à escola sem elástico puxando atrás da orelha e os óculos embaçando o tempo todo. E eu não vejo a hora de sorrir pra moça do caixa quando ela me diz bom-dia.

E aqui confinadinha em casa, olhando pela janela, vejo a luz pelas copas das árvores feito luz no fim do túnel. Uma alegria besta de que parece que finalmente vai, vai embora, pandemia, e todos os planos que a gente fez para esse ano vão de fato vingar. Show, passeio, viagem, encontro, corrida. Lembra? Ai, que alegria.

Esse covid nos quarenta e cinco do segundo tempo tem um jeito estranho de fim de show bom de stand-up comedy. Show bom de stand-up comedy é bom quando o comediante consegue amarrar na última piada a primeira que ele contou. Full circle. A primeira quarentena aqui foi no March Break, as férias de março, em 2020, quando a gente achava que ia durar uma semana e durou 104. A última quarentena, encovidada, termina no dia em que começa o March Break de 2022, se deus quiser, pra nunca mais voltar. Full circle. 

Nesse March Break eu vou tirar férias.  

.....

 


BISCOITO FÁCIL DE AVELÃ

(Do livro Chewy Gooey Crispy Crunchy, da Alice Medrich)

Faz entre 36 e 46 biscoitos, dependendo da espessura


Ingredientes:

  • 2/3 xic avelãs inteiras e cruas, com casca
  • 1 1/4xic farinha de trigo
  • 1/2 xic + 1 1/2 colh (sopa) açúcar
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 6 colh (sopa) manteiga sem sal, gelada
  • 1 colh (chá) essência de baunilha
  • 2 colh (sopa) água gelada


Preparo:

  1. Coloque no processador as amêndoas, farinha, açúcar e sal, e pulse até que as avelâs estejam bem picadas.
  2. Junte a manteiga em pedaços, e pulse até que a mistura pareça uma farofa.
  3. Junte a água e a baunilha e pulse mais algumas vezes, até que a farofa umedeça, como quando você mistura farelo de biscoito com manteiga derretida para fazer base de cheesecake. Pare aí. Você não quer que vire uma massa. Precisa ser farelos úmidos, mas que quando amassados com a mão, formem uma massinha. (Você pode picar as avelãs bem miudinho com a faca e fazer toda a mistura esfregando a manteiga na ponta dos dedos, como massa de torta, se não tiver processador.)
  4. Forre uma forma de pão de 13x23cm com papel alumínio, no fundo e nas laterais. Despeje os farelos ali e pressione bem com as mãos para formar uma camada fina, lisa e compacta no fundo da forma. Alternativamente, forme uma massa retangular sobre papel-alumínio numa assadeira, tentando deixar bem compacto em com paredes retas e cantos retos. Embrulhe o papel alumínio em volta da massa e leve à geladeira por duas horas.
  5. Preaqueça o forno a 180oC e coloque as grades nos terços inferior e superior.
  6. Desembrulhe a massa e corte fatias de no máximo 0,5cm, levando as tirinhas com a lâmina da faca até duas assadeiras untadas ou forradas com papel-manteiga. Deixe um espaço de 2cm entre os bicoitos.
  7. Leve ao forno por 12 a 18 minutos, trocando a posição das assadeiras no meio do cozimento, ou até que fiquem dourados e com as bordas dourado-escuras. Deixe esfriar sobre uma grade para que fiquem crocantes.

Cozinhe isso também!

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