quinta-feira, 7 de abril de 2022

Primavera, primavera, primavera. Falei que é primavera? É primavera.

April showers, May flowers. Chove, primavera, chove.

 

Era a "última" semana de inverno (oficial).

Meto aspas e parênteses assim na frase como marca da minha revolta anual contra as primaveras quentes e abundantes de flores dos marços e abris (abrils?) de outros pedaços do hemisfério norte. A gente aqui bem sabe que lá em Toronto a última neve é sempre na segunda semana de abril, e que não dá para se empolgar muito com os quinze graus surpresa no meio de março - peguei o trouxa que achou que o inverno tinha acabado. Mas a vizinha aqui em Ottawa já avisou pra só plantar o jardim no fim de maio, que ainda tem geada vindo por aí. Enquanto isso há ainda montinhos de gelo sujo aqui e ali, neve na sombra e gelo nas trilhas, e a lama e os galhos no canteiro morto fazem meu quintal parecer jardim de casa abandonada.Só falta a janela quebrada à pedra.

Ainda assim, permito-me alegria com qualquer raio de sol que esquente, qualquer temperatura de camiseta, qualquer convite que a varanda faz para um café. Um café que se mantenha quente até o fim. Quem já levou xícara de chá para fora, no pico de -30 graus do inverno, aprende rápido lições de física. O universo tende à entropia e o quentinho do seu chá vai sumir em 3, 2, 1. Puff. Chá gelado.

Obrigada, temperaturas positivas da pseudo-primavera canadense, por permitir a manutenção da quentura do café por uns minutinhos.

Primavera lembra que a gente também é bicho, ao contrário do que eu sempre digo, que bicho também é gente. Assim que você vê aquela cadeira seca e sente aquele ar que não dói o rosto, sente nas entranhas uma agitação, um fuzuê um je ne sais quois nas entranhas, e tudo o que você quer é ser conduzido para um espaço que não tenha teto, não tenha parede mas dê pra botar uma rede. E ali no great outdoors, você se dá conta de que, no mesmo dia em que toda a sua civilizada humanidade se dignou a botar a cara para fora da sua casinha climatizada, os gansos e as gaivotas voltaram, os racoons estão procurando restos dos seus churrascos alucinados de inverno, e os Chipmunks já começaram a fazer buracos no gramado do seu vizinho que acabou de descongelar (o gramado, não o vizinho). Red-winged black birds já estão bicando cabeças de pedestres, robins estão tentando fazer um ninho na luminária da sua porta, e, óbvio, sua filha encontrou a primeira aranha embaixo da cama. 

Coelhinho, se eu fosse como tu, continuava aparecendo todo dia, porque eu acho você muito fofo.


Você não é especial, e aquela vontade louca de começar um projeto criativo novo é só seu corpo primata e selvagem reagindo à mudança de estação. Isso e as alergias. Ah. As alergias. 

A primavera este ano tem um gosto mais doce. O fim do inverno e do March Break também anunciaram a reabertura completa de Ontario. Bares, restaurantes, museus, galerias, cafés, estádios, piscinas, bibliotecas, todos os espaços se enchem mais uma vez de vida. Respiro aliviada o ar fresco da certeza de que esse ano meus shows, meus eventos, minhas viagens, minhas corridas, nada disso será cancelado. Inspiro a saudade da vida normal com a antecipação de quem guardou o último pedaço de bolo para depois e o esqueceu no fundo da geladeira. Lembra esse bolo? Lembra como era bom? Abre o pote. Pega um garfo. Dá pra comer bolo de novo. Vê só que delicia.

Primeira saída do ano, depois de 826 quarentenas.

 

Plena desse furor primaveril, e da esperança de ver flores e borboletas novamente (seis meses de inverno fazem qualquer um começar a acreditar que verão é um conceito inventado e uma alucinação coletiva), comecei a escrever nova histórias, projetos de novos livros, me enfiei em projetos de ilustrar histórias dos outros, inscrevi-me em cursos, montei finalmente minha agenda de treino para a maratona de Ottawa, inscrevi-me em concursos, editais, antologias, pintei, desenhei, fiz planos. Planos! Lembra fazer planos? Ai que bolo bom, né?

E no meio dessa vontade veio vontade de fazer sorvete. Há quanto tempo não fazia sorvete! Se é para celebrar saudade, pego a saudade do maracujá. Essa fruta que não se via em Toronto e aqui, veja só, tem no mercado do lado de casa. Do pequenino, europeu, com preço de coisa europeia, mas de mesmo aroma de infância que os amarelões lá do Brasil.

"Esse é o melhor sorvete que eu já comi", disse Allex.

"Dos que eu já fiz?", perguntei.

"Não, da minha vida."

"Faz isso SEMPRE", pediu Thomas.

"Sempre não, mamãe. Só de vez em quando", disse Laura. "Porque é tão bom que eu não quero que vire comum e perca a graça."

Menina esperta.

Sol.

 

Que essa é a graça da primavera. O sol sair de vez em quando, no meio de uns dias gelados. O musgo surgir de repente, brilhando verde, ao pés das árvores, depois de seis meses de neve. O dia bonito que puxa pra fora e amanhã joga pra dentro, de chuva, vento e geada. Alegrias pontilhadas num rabicó de inverno. 

Há muitos pássaros cantando lá fora, interrompendo o longo silêncio invernal. Os robins e os chickadees mergulham dos galhos aos restos de neve no chão, buscando as sementes de girassol que lhes joguei em novembro, antes da primeira nevasca. Eles bicam bolas de neve cravejadas de pontos pretos, sob a garoa, agitados de felicidade pela promessa de dias melhores. Como eu e o sorvete de maracujá.

....


 

 SORVETE DE MARACUJÁ

(da última edição do livro The Perfect Scoop, de David Lebovitz)

Rendimento: faz só 750ml


Ingredientes:

  • 1/2 xic (125ml) polpa de maracujá fresca ou congelada, sem sementes (eu usei polpa congelada), mais uma colher bem cheia de sementes de maracujá para colocar no final
  • 1 xic (250ml) creme de leite fresco
  • 6colh (sopa) (90ml) leite integral
  • 7 colh (sopa) (85g) açúcar
  • Uma pitada de sal
  • 3 gemas de ovo
  • raspas de uma laranja pequena (opcional, e eu não usei)

 

Preparo:

  1.  Misture numa tigela grande a polpa de maracujá e 1/2 xic do creme de leite. Posicione uma peneira sobre a tigela.
  2. Numa panela pequena, misture o leite, o açúcar, o sal e o restante do creme de leite e coloque em fogo médio-baixo para aquecer até quase a fervura.
  3. Numa outra tigela, bata as gemas com um fouet ligeiramente. 
  4. Devagar, vá juntando a mistura de leite quente às gemas, batendo sempre com o fouet. Quando estiver tudo misturado, volte o líquido à panela e leve ao fogo baixo.
  5. Cozinhe, misturando com uma espátula, raspando bem o fundo, num movimento em 8, até que a mistura engrosse um pouco, cobrindo as costas da espátula e ficando com consistência de iogurte líquido. NÃO DEIXE FERVER, ou a mistura vai talhar. 
  6. Passe o creme pela peneira sobre a mistura de maracujá, junte as raspas de laranja se estiver usando, e misture com a espátula até que pare de sair vapor. (SE sua tigela for de metal, você pode colocá-la sobre outra tigela com gelo para acelerar o processo.
  7. Leve a mistura à geladeira por algumas horas (da minha experiência, a textura do sorvete melhora se você deixar a mistura na geladeira durante a noite), e coloque na sorveteira, seguindo as instruções do fabricante. Quando o sorvete estiver quase pronto, junte as sementes reservadas, para que a máquina termine de incorporá-las. 
  8.  

 


Já que estamos no tema dos pontilhados, vamos também de biscoito de aveia com passas. Não encontrei aqui no blog essa receita, que é minha favorita por ser tão fácil, e que adaptei de uma outra, de chocolate chip cookies. (Para voltar aos chocolate chip cookies, basta trocar a aveia por nozes ou pecãs picadas, as passas por chocolate chips, e omitir a canela e noz moscada. Esta receita é tão simples que Laura fez sozinha. "Agora EU sou a baker da casa. Eu que faço todos os doces", ela anunciou. 


 

BISCOITOS DE AVEIA COM PASSAS

Adaptado não sei mais de onde. Faz 18 biscoitos imensos ou até uns 48 pequenininhos, a gosto do freguês.

Ingredientes:

  • 1 xic. (230g) manteiga sem sal, derretida
  • 3/4 xic. açucar mascavo apertado na xicara
  • 3/4 xic açúcar
  • 1 colh (chá) sal
  • 2 colh (chá) extrato de baunilha
  • 2 ovos grandes
  • 2 1/4 xic farinha de trigo
  • 1/2 colh (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh (chá) canela em pó
  • 1/4 colh (chá) noz moscada ralada na hora
  • 2 xic uvas passas escuras, sem sementes
  • 2 xic de aveia laminada ou em flocos


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180oC, com as grades posicionadas nos terços inferior e superior do forno. Forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga.
  2. Numa tigela grande, coloque a manteiga derretida, os dois açúcares, sal e baunilha, e misture com um fouet até que o açúcar tenha se dissolvido na manteiga e a mistura esteja homogênea.
  3. Junte os ovos, um a um, e misture bem. 
  4. Troque para uma espátula e incorpore a farinha, bicarbonato, fermento, canela e noz moscada, até quase ficar homogêneo. Não tem problema e ainda houver traços de farinha não misturada nesse ponto.
  5. Junte as passas e a aveia e misture até que a massa esteja uniforme e as passas estejam bem distribuídas.
  6. Use uma colher para tirar porções iguais de massa e distribuir nas assadeiras. Deixe espaço entre os montinhos de massa para que ela espalhe. (Calcule o dobro do tamanho do montinho) Como a aveia absorve muito líquido, no entanto, a massa fica mais firme do que a versão original da receita, com choocolate e pecãs, e não espalha tanto (no caso da receita original, a massa era levada à geladeira por uma meia hora antes de ser porcionada). Eu gosto de usar os dedos molhados com água para achatar os montinhos um pouco, para que os biscoitos assem num formato mais uniforme e não fiquem tão gordinhos no meio, mas fica a gosto do freguês. 
  7. Leve as assadeiras ao forno e asse por no mínimo 15 minutos, trocando as assadeiras de posição no meio do cozimento. O tempo de cozimento vai depender do tamanho do biscoito. Já fiz estes em porções de 1 colh. (sopa), que ficam mais crocantes por inteiro, os da foto são de montinhos de 2 1/2 colh (sopa) (que é o volume daquela colher de sorvete com mecanismo que solta a bolinha) e já fiz os biscoitões americanos da receita original, em que cada bolinha de massa tem 1/4 xícara (4 colh. sopa), e esses são os que ficam mais chewy no meio, por conta do tamanho. O meio termo é o que mais gosto. Para os biscoitos da foto, o tempo foi cerca de 18 minutos, até que as beiradas tivessem dourado bem. A parte debaixo do biscoito precisa estar de um dourado castanho bem caramelado. Se estiver da mesma cor da parte de cima, ainda não está pronto. 
  8. Retire as assadeiras do forno e deixe que esfriem sobre grades por alguns minutos, antes de transferir os biscoitos diretamente à grade para esfriarem. Ao esfriarem, eles ficarão crocantes. A massa pronta e formada em bolinhas pode ser congelada por meses e vai direto ao forno, precisando apenas de uns minutos a mais para cozinhar.

Cozinhe isso também!

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