segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Pato, Purê, Paris, Mãe, Maçã, Maquiagem



Título de doido. Mas vem comigo.

Depois de um ano e meio de reeducação alimentar e muita, muita corrida, eu finalmente me sentia bem comigo mesma. Estava em forma, com uma rotina saudável, o trabalho apontava para direções animadoras, e tudo ia muito bem. Tão bem, que decidi que era hora de vir o primeiro pimpolho.

O primeiro pimpolho veio, e com ele aquele choque em perceber que um filho não era apenas mais uma tarefa incorporada ao seu dia, mas meio que o seu dia inteiro. Junto com todo o amor e a coisa doida que é ver aquela fofura se tornando um ser humano independente e com personalidade, veio aquele outro choque: eu sou mãe. Rolou uma bizarrice de sair me livrando de roupas que eu não julgava mais apropriadas para minha nova fase, rolou um stress de querer ser um modelo de perfeição natureba suprema para meu filho, e, como toda a despirocação para um extremo, o pêndulo volta todo o caminho e você despiroca pro lado oposto não muito tempo depois. E de jogar fora minha saia curta e sair vestida igual à minha mãe de sessenta anos, eu comprei um novo par de coturnos, usei meu short jeans até ele ter mais buracos do que jeans de fato, e... pintei o cabelo de roxo. ROXO. Mesmo. Inteiro. Roxo.

Eu quis pintar o cabelo de roxo minha adolescência inteira, mas não conhecia na época um cabeleireiro que tivesse uma tintura mais ousada do que o vermelho que a Claire Danes usou em Minha Vida de Cão. Precisei esperar ter mais de trinta anos, mais coragem e mais saco cheio daquilo que eu achava que esperavam de mim por ser mãe.

Erro.

Pintar cabelo colorido é um comprometimento. E eu já estava comprometida com meu filho e meu trabalho. Cabelo colorido que a gente não tem tempo de cuidar fica um show de horror. E pouco tempo depois de pintar o cabelo, eu engravidei de novo, e tive de passar nove meses com o cabelo descolorido-amarelo-piupiu, manchado de roxo-desbotado e com textura ressecada de cabelo de Barbie enfiada na piscina cheia de cloro.

Olhar para isso no espelho durante quase um ano não foi legal.

O cansaço de trabalhar, cuidar de casa, de criança na fase dos terríveis dois anos e de um bebê recém-nascido também não ajudou.

Passaram-se quatro anos desde o nascimento do meu primeiro filho, e parecia que o trabalho ainda não tinha engatado de novo do jeito que era, eu não conseguira voltar a correr todos os dias, a segunda gravidez deixou meu abdome mais flácido do que a primeira, não dava tempo de ir ao cabeleireiro, e aos poucos eu fui esquecendo de cuidar de mim. A gente fica trancafiada em casa, olhando só pra criança, pra prancheta e pro computador, e começa a achar que dá pra ir buscar os filhos na escola de chinelo e sem pentear o cabelo. Eu tivera aquele plano lindo de vestidos de cintura marcada, mas me via todo dia com o mesmo moletom velho.

:(

A gota d'água foi ir ao supermercado com minha filha, eu vestida de mendigo, ela fazendo uma birra escalafobética porque estava entediada e o moço dos frios estava demorando vinte minutos para cortar 200g de queijo Prato, e aparece, linda, radiante, perfumada, uma das mães da escola, super simpática, e sempre impecável – aquele tipo que você quer muito odiar, porque ela tem tempo de lavar o cabelo e você não. Ela vem, conversa, e eu me sentindo um lixo, tentando impedir a pimpolha revoltada de escalar a prateleira de vinhos. Estrelinha para a mãe simpática que teve a classe de ignorar a birra e agir como se nada estivesse acontecendo. [Sério, você que não tem filhos, nunca, nunca olhe feio para uma mãe tentando conter a birra do filho em local público. Você simplesmente não sabe o que está de fato acontecendo, e a mãe já está se sentindo suficientemente mal sem precisar de olhares de julgamento sobre sua capacidade materna.]

Voltei para casa querendo chorar de raiva. Raiva de mim.

Então, num dia particularmente cansativo, marido chega em casa, liga o rádio e coloca Charles Aznavour. Eu sorri, contente pela delicadeza: ele sabe como gosto de Chanson Française e como esse tipo de música melhora meu humor. Ouço um "pirulim!" vindo do meu celular ao lado, de capinha roxa como um dia fora meu cabelo. Apanho o aparelho para pegar uma mensagem do wasapp e demoro um bocado a entender quando vejo uma imagem de uma confirmação de vôo.

Para Paris.

Amo meu marido, pois nos momentos em que mais preciso, ele sabe como me motivar novamente. Seja com um cafuné, minha cerveja favorita ou uma viagem para um dos lugares que mais quero conhecer na vida.

Comecei a pesquisar loucamente sobre Paris. Coisas pra fazer, para ver, para comer. E o que vestir. Porque no auge do cabelo roxo, eu estava na Itália. Em outra viagem de uma semaninha que marido usou para me resgatar das minhas nóias "Maternidade x Individualidade". E, de cabelo roxo, maquiagem feita, me sentindo estilosa mas meio cheinha (estava na primeira semana da gravidez e não sabia, inchada sem saber por quê), vem um velhinho e, ignorante do fato de que falo italiano, virou pro colega e me chamou de Medusa.

:(

Adoro acreditar que sou o tipo de pessoa que não se importa com a opinião dos outros. Mas eu me importo sim, e aquilo doeu. Então, sim, quis saber o que vestir. Não só para não fazer muito feio, mas porque não fazia ideia do clima de lá na época em que vou.

Acabei caindo em um monte de sites de moda, coisa em que não fuçava havia anos. Eu sempre curti dar uma fuçada em sites de moda e sempre gostei de maquiagem, razão pela qual ninguém da família entendia porque diabos eu andava tão porqueira. Mas no pós-filhos, todas as vezes em que tentei me inspirar nesses sites para me arrumar mais, foi uma frustração atrás da outra. Porque você via um look legal, e percebia que tinha todas as peças menos AQUELA jaqueta que era o que compunha tudo de um jeito fantástico. E a grana pra comprar aquela jaqueta? Quem tem? Eu não. Ou quando você tinha TODAS as peças necessárias para ficar fantástica como aquela foto, mas você então se dava conta de que a razão pela qual a foto era maravilhosa era o fato de a mocinha ali ter dez anos a menos e não ter nenhuma pelanca marcando na camiseta. Todo mundo sabe como isso é troncho e besta, mas como te pega de jeito em momentos em que você está mais insegura. E o pior era perceber que aos trinta e cinco anos eu ainda estava insegura feito meu eu-adolescente. Muito disso vinha do fato de que eu ainda não conseguia me enxergar com meus trinta e cinco anos.

Por isso amei a coisa toda do Parisian Chic, do minimalismo francês e do "capsule wardrobe". Que coisa genial. Finalmente parecia ter encontrado algo que casava minha falta de tempo para ficar pensando em roupa de manhã, minha muquiranice, minha falta de saco para comprar roupa, meu desejo de minimalismo e praticidade e minha vontade de voltar a sair por aí... bonita. Olhei meu guarda-roupa e me dei conta de que já metade dele era preto, branco, cinza e listrado: fácil de combinar. O problema é que havia tantas, tantas outras peças escalafobéticas, difíceis de combinar, velhas capengas, que a vida de manhã cedo andava difícil e eu acabava usando sempre a mesma porcaria fácil e confortável, mas velha e mal ajambrada.

Fiz a rapa nos livros, mas também fiz a rapa no guarda-roupa. Mandei embora uma quantidade absurda de coisas velhas ou que eu não usava, comprei três ou quatro blusas básicas, uma botinha e um tênis para substituir o velho rasgado que fora pro lixo, e reorganizei meu armário, maravilhada com a mudança. Agora tudo combinava, nada tinha cara de farrapo, e, principalmente, tudo vestia bem no meu corpo, mesmo ele ainda não estando do jeito que eu gostaria. Finalmente fui ao cabeleireiro e deixei lá uma aquarela e meia por uma hidratação e um corte perfeito [eu meço coisas caras em termos de quantas aquarelas preciso vender para pagar por aquilo].

E enquanto continuava a fuçar em coisas de Paris, caí num vlog de viagem da Chata de Galocha (de quem eu nunca ouvira falar, veja só como sou alienada com algumas coisas...) e adorei o jeito dela; identifiquei-me com muitas coisas pessoais suas. E ainda que não tenha me interessado muito pela parte da moda, pois acho que temos gostos diferentes e eu realmente gostei da ideia do minimalismo francês, dei-me conta de que eu já havia sido uma pessoa que se dava quinze minutos para passar um creminho, só pra ter aquela coisa gostosa de ir dormir com o cheirinho gostoso que você escolheu. Aquele cuidadinho com você. Aquele cuidado que eu tinha parado de ter nos últimos quatro anos, tão preocupada em cuidar dos outros.

Voltei a usar um creminho. A passar hidratantezinho especial pro rosto. A passar maquiagem antes de sair de casa. E de repente a vontade de correr voltou. Voltou forte o bastante para me forçar a sair e correr e treinar ANTES de cuidar de qualquer tarefa de casa ou de trabalho. Pois eu sempre fui muito responsável, e acreditava que precisava primeiro dar conta das obrigações, para então ter lazer. Nunca me dei conta de que bastava encarar a corrida e os cuidados comigo como uma tarefa tão prioritária quanto responder email de cliente ou lavar a louça.

E voltei a correr de manhã, junto com o cachorro. Coisa pouca por enquanto, 3,5km, que é a volta do muro do condomínio, com direito a duas ladeiras consideráveis. Volto para casa, e faço um treino bom de kettlebell, que sumiu com a corcunda de mãe, tem botado aquela pelanca no lugar e fez meus braços e pernas afinarem super rápido, além da maravilha que é simplesmente ficar mais forte (não grande, que kettlebell não incha músculo, mas FORTE): poder pegar um filho em cada braço sem morrer de dor nas costas, por exemplo, é lindo. Se sentir saudável novamente é fantástico.

De repente me olhei no espelho e pela primeira vez vi aquela pessoa de trinta e cinco anos na minha frente. Mas não era mais uma mulher cansada vestindo as roupas da faculdade. Eu realmente gostei do que vi. :)

Nunca pensei que essa viagem a Paris seria o empurrãozinho que me faltava para voltar a ser Ana Elisa. Busquei a mim mesma durante todos esses anos nas minhas atividades, tentando voltar a ser a Ana que lia, a Ana que trabalhava, a Ana que que ia a museus, a Ana que saía à noite com os amigos, e esqueci completamente que, antes de ser alguém que fazia coisas, eu era simplesmente alguém que precisava de um pouco de carinho de mim mesma, e que eu só precisava olhar no espelho e gostar de mim de novo. E gostando de mim, eu me permito relaxar mais, eu me cobro menos, eu me estresso menos com coisas bestas. Até com a bagunça da casa, veja só.

Claro que a pesquisa sobre Paris rendeu dezenas de anotações sobre lugares e coisas para comer no meu pequeno guiazinho azul. E minha curiosidade foi atiçada a tal ponto, que comecei a ter uma vontade louca de preparar pratos franceses.

Pato é com certeza uma carne bem comum na França, bem menos do que aqui no Brasil. O que é uma pena, pois acho uma delícia, e no que se refere às coxas e sobrecoxas, tão fácil de preparar quanto frango.

Os pimpolhos adoraram, e no dia seguinte o Matador de Dragões veio pedir pra comer pato de novo. As maçãs assadas, as cebolas, o molho, o purê de batatas bem amanteigado, tudo combina e se complementa de um jeito tão perfeito... você precisa colocar no garfo bocados com todos os elementos ao mesmo tempo. E a gordura do pato, que a receita manda retirar duas vezes durante o processo, eu guardei num pote na geladeira para dourar batatas alguns dias depois. Delícia. :D

Às vezes me pergunto se eu compartilho demais das minhas loucuras aqui. Mas então penso que pode ter outra mãe cansada se afundando em obrigações e que possa, de repente, querer um empurrãozinho para voltar a se cuidar também. Eu me enganava dizendo a mim mesma de que não precisava de nada disso. Tentei me enfiar pelas vias naturebas mais extremas, mas eventualmente a gente tem que dar o braço a torcer e admitir que é muito lindo e ecológico o conceito de usar vinagre e bicarbonato pra tudo, mas que eu curto mesmo é um cheirinho de lavanda, e que meu cabelo meio ondulado, meio cacheado, precisa sim de um creminho modelador de vez em quando, e que eu amei o modo como o bb cream tirou um 5 anos do meu rosto (nunca tinha usado nenhum tipo de base antes, e agora estou apaixonada por esse troço). ;) Eu acho que eu mereço algum cuidado, eu mereço um tempo para mim, eu mereço sentar e ler um livro ao invés de tirar pó dos móveis e eu com certeza mereço um jantarzinho de pato assado enquanto a viagem a Paris não chega.

PATO COM MAÇÃS E CEBOLAS
(Ligeiramente adaptado do ótimo Good Things to Eat, de Lucas Hollweg)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 4 cebolas bem pequenas, descascadas e cortadas em quartos
  • azeite de oliva
  • 4 pernas de pato (coxa e sobrecoxa juntas)
  • sal e pimenta-do-reino
  • 2 grandes galhos de alecrim fresco
  • 3 anis-estrelados
  • 1 pau de canela, quebrado ao meio
  • 4 maçãs, sem miolo e cortadas em quartos
  • 200ml vinho branco seco (usei um pouco de Calvados com água, pois não tinha o vinho na hora)
  • 1 colh. (sopa) mel


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 240ºC.
  2. Espalhe as ervas e especiarias em uma assadeira. Misture as cebolas com um pouco de azeite e disponha na assadeira, sobre as ervas. 
  3. Esfregue as pernas de pato com azeite e tempere generosamente com sal e pimenta. (Pode abusar um pouquinho do sal. Eu coloquei bem mais do que costumo usar na comida e mesmo assim havia partes mais internas da carne sem sal.)
  4. Disponha as pernas na assadeira e leve ao forno, imediatamente abaixando a temperatura para 180ºC. Cozinhe por trinta minutos.
  5. Regue o pato com a gordura que tiver se depositado na assadeira, então retire quase toda ela, deixando apenas 2 colh. (sopa), mais ou menos. Junte as maçãs, volte ao forno e cozinhe por mais 30 minutos.
  6. Retire a gordura novamente, deixando qualquer molho escuro ou meleca grudada na assadeira. Misture o vinho ao mel, junte à assadeira, raspando com uma espátula de madeira, para soltar qualquer coisa grudada no fundo que vá formar o molho. Volte ao forno por 15 minutos. 
  7. Cheque o tempero e sirva quente, regado de molho. Lucas Hollweg sugere acompanhar com purê de batatas, batatas assadas ou uma salada de agrião. Eu fui com o purê de batatas e acho que fui bem feliz na minha escolha.  

Cozinhe isso também!

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