sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A tristeza do cappuccino

Se existe uma coisa que me deixa profundamente frustrada com esse país (além da corrupção, do "jeitinho brasileiro", e da indiferença do povo) é o leite. Porque vamos e venhamos, esse é um blog de culinária, e se é para reclamar de alguma coisa, que reclamemos de leite.

A frustração se expande, na verdade, não apenas pelo leite puro, mas por toda a gama de laticínios produzida aqui. E não há nada que exponha de forma mais grandiosa a porcaria que aceitamos consumir todos os dias como viajar para um país que respeita seus laticínios (e seus consumidores). Um exemplo "high end" é a burrata, essa espécie de mozzarella cremosa por dentro que agora entrou na modinha em restaurantes e pizzarias brasileiras, e pela qual o povo paga o dobro do preço, sem saber que estão comprando gato por lebre. Ainda estou para provar aqui algo que sequer tenha condições de se comparar com a burrata pugliese que comemos em Roma. Aquele queijo com sabor de leite fresco, dissolvendo na língua, um dos alimentos mais gostosos que já comi na vida. Allex e eu não conseguíamos comer cada pedacinho sem suspirar de alegria. Comprei algumas marcas de mozzarella de búfala disponíveis por aqui, a preço de ouro, diga-se de passagem, e elas eram ácidas e sem gosto. Não vou nem arriscar experimentar o que vendem como burrata.

O mesmo com a ricotta. Segundo Allex, o que constituiu a melhor refeição de sua vida foi um mero ravioli de ricotta com espinafre. E estava, de fato, absolutamente fantástico. A ricotta não era um mero "preenchedor de espaço"; ela era extremamente fresca, cremosa e saborosa por si só, sem precisar de muitos temperos, e mesmo se sobressaindo ao espinafre. Nunca na vida provei ou preparei algo parecido. Porque não há ricotta aqui que se compare. Também sem ter disponível uma ou outra marca mais premium, mais fresquinha e cremosa, que eu costumava comprar a granel, experimentei já duas marcas disponíveis aqui (inclusive a Balkis, que se vende como coisa premium), ambas ressecadas e com gosto de soro azedo.

E o iogurte? Quão difícil é encontrar um iogurte industrial que tenha suficientes bactérias para transformar um litro de leite em iogurte? Desde que me mudei, experimentei três marcas diferentes, e as três falharam. O da Batavo foi o único que conseguiu transformar o leite em iogurte, mas ainda assim, as bactérias eram tão poucas, que o iogurte, apesar de firme, ficou viscoso, com textura de cola branca. E quando se consegue o iogurte, ele é ralo, porque o leite não se sustenta, tem pouca gordura, e é preciso reduzí-lo, acrescentar creme, e torcer para dar certo.

E o cappuccino, o delicioso e simplíssimo cappuccino, café espresso bem tirado e espuma cremosa de leite, até esse recentemente sumiu daqui de casa. Porque, como já havia sido discutido em post e comentários por aqui, a maior parte dos leites brasileiros têm uma porcentagem mínima de gordura, e apenas alguns se salvavam para o cappuccino. Dos frescos, pasteurizados (daquilo disponível em São Paulo e imediações), só o Xandô. Dos UHT que eu experimentei, só o Leitíssimo, que apesar de ser UHT se salva por não ser homogenizado (o leite é engarrafado com a mesma gordura que sai da vaca, como deveria ser).

Então noutro dia Allex veio me dizer, horrorizado como normalmente só eu fico com notícias sobre comida, que havia prestado atenção às embalagens dos leites na gôndola do supermercado e que agora todos estavam anunciando em letras grandes que o leite continha 3% de gordura. "Mas isso parece muito pouco", rebati. "Era light?" "Não", respondeu ele, "leite integral mesmo, falando de 3% de gordura como se fosse benefício." E fomos conferir. E de fato, leites que costumavam ter na tabela nutricional 6 ou 7% de gordura, tinham cortado a quantidade pela metade. (Lembrei-me depois de post publicado que era 6-7g de gordura saturada por porção, e não porcentagem.) Que tristeza.

Então chegou o dia em que ele abriu uma garrafa de leite pasteurizado para preparar seu cappuccino de manhã cedo. Estranhamente, o leite ferveu, mas não espumou. "Devo ter feito algo errado", balbuciou ele, guardando o leite fervido na geladeira para que Thomas bebesse depois e colocando mais uma porção na leiteirinha de inox. Lá foi ele no vapor da máquina de espresso de novo, com toda a atenção do mundo. De novo, ferveu, não espumou. Imprecações. Apanhei a garrafa e lá estava o selinho: 3%.

E eu fico pensando, quão difícil é vender para outro ser humano algo de qualidade e não apenas algo que encha seu bolso de dinheiro mais rápido. Pois estamos pagando cada vez mais caro por um litro de leite que é constituído, na verdade, de cada vez mais água, apesar de ser descrito como "integral". Desculpem-me o palavreado, mas integral o caralho. Até quando o governo vai continuar criando uma legislação que proteja as empresas de modo que elas possam nos enganar dessa forma e sairem impunes? Ah, desculpem-me, esqueci que a maioria dos deputados tem fazenda de gado. Erro meu.

Se não tenho uma mozzarella que preste ou uma ricotta que seja comestível, resta fazer meu próprio quejo, mas como isso é possível, se nossos leites mais premium não passam de mijo de vaca? Minhas tentativas de produzir mozzarella foram todas infrutíferas, pois o leite é ralo demais.

Leite orgânico não é opção para mim, infelizmente, porque ou é B (cadê o leite A???) ou o Santa Luzia cobra 7 reais o litro. Aparentemente, o único jeito de beber leite que seja de fato leite, e não "alimento similar a leite" é tendo minha própria vaca.

Enquanto isso a gente continua mosca-morta, sem ler rótulo do que compra como quem assina contrato sem ler, e pagando caro por uma pilha de merda, acreditando feito gente cor de rosa no reino do pirlimpimpim que as grandes empresas estão aqui para pensar na sua felicidade e no seu bem estar.

Cozinhe isso também!

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