quarta-feira, 18 de abril de 2012

Voltando? Talvez. Com muffins.

As férias do blog me fizeram bem. Colocaram minha cabeça e minhas prioridades em ordem. Fizeram-me perceber que eu não escrevia para os outros, mas para mim. E isso é muito bom, e é como deve ser. Senti falta não de compartilhar meu almoço, mas um leite de coco caseiro, um truque para reaproveitar spaghetti, um jeito mais fácil de pensar o cardápio da semana. Alguma coisa que teria sido bom ter lido quando precisei, para não me sentir tão louca, tão perdida. Andei também relendo alguns dos meus textos favoritos na internet, as poucas crônicas do Extreme Frugality, publicadas na finada Gourmet, e pensei quão órfã me sentia desde que os textos foram interrompidos, e me identifiquei com alguns dos emails que recebi durante essa pausa.

Mas não foi apenas isso o que percebi nesses meses: também vi como foi libertador cozinhar apenas para minha família, para mim, sem pensar quão fotogênico ficou um bolo ou o melhor ângulo do espinafre. Simplesmente comida quente, do fogão à mesa, para a boca ávida do (não tão) pequeno matador de dragões. Como os fracassos retumbantes foram menos retumbantes por não implicar na ausência de um post, por não parecer que eu falhei não apenas para mim, mas para um sem número de leitores. Os fracassos se tornaram não apenas toleráveis, mas contornáveis. Os macarons no lixo não doeram tanto. Ficou a vontade de tentar novamente. Sem pressa. Sem pressão.

Nesse espírito, e na correria desenfrada que tem sido meu trabalho esse ano, meu estilo de cozinha sofreu algumas mudanças. Aquela velha história de um prato inteiramente novo a cada refeição, porções exatas, calculadas para não sobrar, acabou. Pelo menos por enquanto. E me tornei uma grande adepta da reciclagem dos pratos: o feijão que vira frijoles refritos, a quinua que vira bolinho, o risotto que vira arancini, o spaghetti que vira fritatta – porque se Thomas não gosta de algo hoje, basta misturar com ovo que ele comerá amanhã... Peguei esse hábito de cozinhar os pacotes inteiros de feijão e deixá-los separados em porções já pensando "esse é sopa, esse é salada, esse é hambúrguer vegetariano...". E cozinhar sempre o dobro do que preciso de cereais como arroz integral ou quinua, perfeitos para utilizar num stir fry ou bolinhos rapidíssimos no dia seguinte, tudo sempre cheio de legumes.

Meu livro favorito ultimanente tem sido o How To Cook Everything Vegetarian, do Mark Bittman, que tem estado constantemente aberto em minha cozinha pelos últimos dois meses. Os pratos diários tem saído tão variados, que há já muitos meses não me lembro de comprar um pedaço de peixe, e me vejo em estado de puro choque quando ouço alguém dizer "não gosto de legumes". COMO É POSSÍVEL???

E Thomas tem sido puro orgulho gastronômico. Come sozinho, com suas mãozinhas exploradoras ou com garfinho e colher, que ele usa para espetar a comida do prato e levar... à outra mão, que então coloca o pedaço na boca. Mastiga com seus seis dentinhos, emitindo contentes "nhom-nhom-nhom". Adora comidas apimentadas. Numa reunião de amigos, peguei-o mastigando uma castanha de caju com caiena que eu preparara para os adultos. E frutas. Principalmente banana. Seu bolo de aniversário foi obviamente de banana.

Agora que ele completou um ano, estou devagarinho deixando-o comer coisinhas um pouco mais doces. Não sempre. De vez em quando. Porque é feito em casa. Porque tem bons ingredientes. E porque não importa o chocolate; como pode lhe fazer mal, com sarraceno e caqui? Porque não vai ser danoninho. Não no MEU turno.

Esses muffins foram o exemplo perfeito de algo que teria me tirado do sério há meses atrás. Porque eles estavam se esforçando para dar errado. De verdade. Meu forno que não anda confiável, minha cabeça cansada e distraída, eu já ter estragado outros muffins do mesmo livro, a manteiga gelada que talhou na adição dos ovos de uma vez e depois terminando de estragar miseravelmente na adição do iogurte... Mas deram certo. Muito certo. Deram certo porque decidi ouvir o tiozinho sábio invisível sentado no meu ombro, que me sussurrou: "joga fora e faz de novo, do seu jeito!".

Joguei fora e comecei de novo. Do meu jeito. E ficaram deliciosos, e macios, e complexos. Mas eles são engraçados. Se você nunca provou farinha de trigo sarraceno na vida, saiba que ela é peculiar: seu sabor é terroso, forte e específico – posso até dizer, um gosto adquirido. Recomendo que, antes de comprar um quilo da farinha, experimente um prato de soba (massa japonesa de trigo sarraceno). Gostou? Então vá em frente. Porque eu não daria um desses muffins a alguém só acostumado a brigadeiro. O primeiro sabor que atinge você como um murro ao mordê-los é justamente o sarraceno, que então se dissolve no cacau da massa, nos nacos de chocolate amargo derretido e nos pedaços de caqui quase caramelizados. Então tudo fica bem. Mas a primeira mordida é estranha, pois seu cérebro se sente enganado, depois de olhar para aquele bolinho e concluir apenas "chocolate".

Use bom cacau. Escuro e perfumado. Fuja dessas marcas com cheiro de giz. Gaste um pouco mais num cacau que presta. Use o dinheiro que você costuma gastar naquele iogurte que faz ir ao banheiro. Você vai me agradecer. Use caquis bem maduros e doces. Meça as farinhas com mão leve, principalmente o sarraceno, que não tem glúten e tende a dar uma consistência mais pesada e arenosa aos produtos assados. Se derem certo, aproveite. Se não derem, acontece. Há alguns dias atrás joguei três assadeiras de macarons de avelãs no lixo. Shit happens. Não se cobre muito. Tente de novo depois.

MUFFINS DE CHOCOLATE, CAQUI E SARRACENO
(ligeiramente adaptado do livro Good to the Grain, de Kim Boyce)

Ingredientes:
  • 1 xic. farinha de trigo sarraceno
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca orgânica
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) cacau em pó (não-adoçado)
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh. (chá) sal
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 85g manteiga sem sal*
  • 1/4 xic. açúcar orgânico claro
  • 1/4 xic. açúcar mascavo
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 xic. iogurte natural (preferencialmente caseiro)
  • 2 xic. polpa de caqui (corte o caqui ao meio e remova a polpa com uma colher de chá, para manter os pedaços pequenos)
  • 110g chocolate amargo (50-70%) picado
*A autora especifica manteiga gelada, mas ela pode talhar na adição dos ovos, então use em temperatura ambiente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte e enfarinhe muito bem 12 forminhas de muffins**. 
  2. Peneire os ingredientes secos numa tigela. Junte à mistura qualquern fibra das farinhas que sobrar na peneira.
  3. Na tigela da batedeira, coloque a manteiga e os açúcares e bata em velocidade baixa até que tudo esteja misturado. Aumente para velocidade alta e bata por pelo menos 5 minutos, até que a manteiga esteja clara e cremosa.
  4. Numa tigelinha, quebre os dois ovos e misture bem com um garfo. Raspe as laterais da tigela da batedeira com uma espátula e ligue novamente a batedeira, em velocidade média. Acrescente os ovos à manteiga pouco a pouco (use uma colher de sopa), batendo bem a cada adição. 
  5. Junte 1/3 da mistura de farinha e bata em velocidade baixa, apenas até que esteja incorporado. Junte metade do iogurte e bata novamente. Continue alternando, batendo a cada adição apenas o suficiente para que não haja traços de farinha ou iogurte na massa, que estará mais densa e pesada do que uma massa de muffin normal.
  6. Desligue a batedeira e, com uma espátula, incorpore a polpa de caqui e o chocolate, misturando bem. 
  7. Divida a massa nas 12 formas. A massa continua densa e vai crescer pouco e para cima, então não se preocupe se ela ultrapassar a borda.
  8. Leve ao forno por cerca de 35 minutos, ou até que você toque o topo dos muffins e eles estejam firmes como um bolo. Retire a forma do forno. Torça os muffins para fora da forma e coloque-os apoiados sobre as bordas das forminhas na diagonal, para que esfriem mantendo a crocância da casca. Eles são melhores comidos no mesmo dia, mas podem ser guardados em pote fechado por até dois dias, ou embalados e congelados, para serem reaquecidos depois.
**A autora diz que a receita dá para 8 muffins. Mas como não apenas eu, mas outros internautas por aí tiveram tanto sucessos quanto resultados desastrosos com essa proporção, preferi mais muffins menores a um único tapete de massa mal assada, como já aconteceu. No entanto, como a massa é bem densa, acredito que até seja possível assá-los em 8 formas apenas. Caso queira fazê-lo, intercale as formas com massa com outras cheias de água quente até a metade, para garantir cozimento por igual. Por sua conta e risco. 


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