quarta-feira, 20 de maio de 2009

Nunca confunda suas pimentas

Chamara minha mãe e minha irmã para um jantarzinho sossegado num domingo sem marido. Um macarrãozinho simples basta, pensamos. Vou para a cozinha, coloco água para ferver, separo o spaghetti, abro a lata de tomates pelados, corto cebola, alho, cato umas ervas nos vasos da sala. Então, ao abrir a geladeira para apanhar o queijo, vejo aquela bandejinha de pimentas sortidas que eu comprara há algum tempo ali, implorando por algum uso.

Veja bem: gosto de pimenta. A convivência com meu marido, que gosta de qualquer comida apimentada, fez com que eu me apaixonasse também pelas danadas. Algumas ali na bandejinha eram velhas conhecidas: dedo-de-moça, malagueta, pimenta-de-cheiro, jalapeño. Outras, bonitinhas e de formatos e cores variadas, eram interessantes desconhecidas despertando suaves dejà vus; já as havia visto em algum lugar.

Achando-me grande conhecedora, apanhei uma pequena, arredondada, enrugadinha, que me lembrava uma pequena abóbora disforme, e pensei: ah, é a cambuci, ela é docinha. Minha irmã não gosta muito de pimenta, então essa vai só dar uma aromatizadinha.

Abri-a com a faca e raspei fora suas sementes, ajudando um pouquinho com a ponta dos dedos. A intenção, como fizera com todas as outras pimentas da bandeja, era plantar aquelas sementes nos vasos da sala (a maioria já brotou, por sinal). Comecei a fatiar a pimenta, e senti seu aroma forte atingir meu nariz. Surgiu a dúvida. Nunca provara a cambuci antes. Talvez fosse melhor experimentá-la antes de colocá-la no molho, só para garantir.

Estiquei meu dedo e pressionei-o contra um pedacinho tão pequeno de pimenta, que tive justamente de apanhá-lo como se fosse um cisco na bochecha de alguém. Botei na boca.

...

Minha mãe correu da sala para a cozinha, tentando entender o que estava acontecendo. Eu arfava, meus olhos derramavam lágrimas grossas, e minha boca inteira parecia estar sendo consumida por um pedaço de carvão em brasa. Curvei-me bruscamente sobre a pia da cozinha, abri a torneira e comecei a lavar a boca com a água, o que, no entanto, só piorou a situação. Meus dedos, que haviam tocado as sementes, agora terminavam de contaminar meus lábios e minhas bochechas, de modo que todo o meu rosto começou a arder como se tivesse passado oito dias exposta ao sol de um deserto. Minha mãe olhava, desnorteada, enquanto minhas bochechas ficavam cada vez mais manchadas de vermelho vivo.

Lembrei-me de um episódio do MithBusters, em que concluíam que o melhor remédio para pimenta era leite. Eu detesto leite puro, e ainda assim tomei dois copos inteiros e, em total desespero, comecei a lavar minhas mãos e meu rosto com o leite. Confesso: melhorou um bocado.

Agora eu podia ao menos respirar com mais calma e explicar à minha mãe, horrorizada, o que havia acontecido.

"O que houve???", perguntou ela, finalmente, me vendo mais calma, ainda que a vermelhidão de meu rosto e o ardor nas pontas dos dedos, na boca e nas bochechas fosse durar até a hora de dormir.
"Confundi minhas pimentas", expliquei, ainda um tanto sem ar, olhos lacrimejando e vias aéreas provavelmente desentupidas até a próxima encarnação.
"Como assim?"
"Pensei que fosse uma cambuci. Mas era uma scotch bonnet."

[Scotch bonnet: parente da habanero, e uma das pimentas mais ardidas do mundo. Tirei ou não tirei a sorte grande...?]

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails