segunda-feira, 17 de março de 2008

Pizzoccheri e o fim do trauma com trigo sarraceno



A primeira vez que experimentei trigo sarraceno foi em uma polenta nera muito mal feita, e não sabia onde cuspir o pedaço que colocara na boca. Eca... No entanto, vivo segundo aquilo que digo para amolar os outros: é impossível dizer que você não gosta de algo até que prove esse algo de todas as maneiras possíveis (diria que fui muito influenciada pelo modo de pensar de Hume, ainda que não conheça nenhuma experiência culinária do filósofo).

Foi toda uma confluência de coincidências que fez com que eu tivesse na geladeira todos os itens necessários para esse prato típico da Lombardia, região no norte da Itália. Pizzoccheri é um tipo de massa feita de trigo sarraceno, com um sabor bastante peculiar, terroso, que, ao menos a mim, lembra a quinua. Quando vi que o prato levava repolho, não tive dúvidas, pois já não sabia o que mais fazer com o coitado.

Meu único erro, no entanto, foi resolver abrir a massa no braço, como fazia minha avó. Mas logo dei-me conta de que um dos motivos pelos quais a velhinha de um metro e meio conseguia abrir massa de macarrão com o rolo em poucos minutos era o fato de seu rolo ser muito mais pesado do que meu pobre rolo de 1,99. Pior, o trigo sarraceno não possui glúten, razão pela qual a massa, mesmo misturada ao trigo comum, é bastante farelenta, dura e seca. Na próxima, máquina de macarrão nela.

O resultado da investida de meu ego inflado foi uma espécie de fettuccine muito mais espesso do que deveria, pesado e massudo, ao invés de leve como toda massa caseira. Entretanto, isso não influenciou o sabor do prato. Nunca pensei que a mistura de batatas, trigo sarraceno e repolho branco ficaria tão incrivelmente saborosa. O repolho mesmo, que pode ter um sabor pouco atraente depois de cozido a não-descendentes de alemães, combinou tão bem com o gosto forte do trigo, que sou obrigada a recomendar o prato a pessoas que dizem detestar o coitado do vegetal.

Claro, é preciso dar crédito ao queijo deliciosamente derretido em camadas em meio à massa e vegetais, e ao abuso de manteiga pontilhada de sálvia fresca e alho, escorrendo por todos os lados. A receita original pedia queijo Fontina, mas convenhamos: os queijos "tipo Fontina" encontrados por aqui são o olho da cara e têm gosto de... bem... queijo prato. Fui prática e econômica e usei o que tinha em casa, obtendo absoluto sucesso.

PIZZOCCHERI (Ligeiramente adaptado do livro Culinária Itália) Tempo de preparo: 1h Rendimento: 4 porções Ingredientes:
  • 200g de farinha de trigo sarraceno
  • 100g de farinha de trigo comum
  • 3 colh. (sopa) de leite
  • 3 colh. (sopa) de água
  • 1 ovo
  • 1/4 de repolho branco
  • 200g de batatas
  • 100g de manteiga
  • 1 dente de alho
  • algumas folhas de sálvia fresca
  • 100g de queijo prato fatiado
  • 100g de parmesão ralado
Preparo:
  1. Misture as duas farinhas, a água, o leite, o ovo e sal a gosto, até formar uma massa uniforme e maleável. Sove um pouco e, com a ajuda de uma máquina de macarrão (a não ser que você tenha força, paciência e um rolo pesado), abra a massa até que fique bastante fina (1mm). Corte em tiras da espessura de um dedo, cubra com um pano e reserve.
  2. Corte as batatas em rodelas de 1cm de espessura, descascando antes, se preferir (eu gosto da textura da casca ecoando a textura da massa). Coloque em uma panela grande com muita água e leve ao fogo alto até levantar fervura.
  3. Enquanto isso, fatie o repolho em tiras de 0,5cm. Quando a água das batatas ferver, junte 1 colher muito cheia de sal e o repolho, misturando bem e cozinhando por cerca de 15 minutos.
  4. Junte a massa às batatas e ao repolho, misturando cuidadosamente com um garfo, e cozinhe até que a massa esteja cozida mas al dente. Escorra bem.
  5. Em uma panela menor, derreta toda a manteiga com o alho picado e a sálvia em tiras finas, desligando o fogo quando o aroma ficar forte.
  6. Pegue uma travessa grande e funda e coloque uma camada de batatas, repolho e massa. Derrame um pouco da manteiga derretida e cubra com fatias de queijo. Repita a operação até que acabem os ingredientes. Mas ao invés de terminar com queijo prato, polvilhe todo o parmesão e sirva imediatamente.

Cozinhe isso também!

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