
Ando meio de mal humor, ultimamente, e talvez por isso mesmo tenha querido mergulhar em boas lembranças de infância e reproduzir aquilo que para mim durante muito tempo foi sinônimo de Natal: panettone com sorvete de nozes.


Mas valeu a pena. Valeu MUITO a pena. É o melhor (juro) sorvete de nozes que já provei na minha vida! Melhor do que a lembrança que tinha do da minha tia! Foi o primeiro sorvete que me fez sorrir e dar pulinhos de felicidade pela sala, pois quando provo algo sensacional, eu tendo (no melhor estilo Ana Maria Braga) a ficar meio ridícula. Fui correndo para a sala, colherinha em punho, dar o sorvete para que Allex provasse. Se existia algo que pudesse convertê-lo de walnut-hater para walnut-lover seria isso. (Pausa dramática.) Mas ele não gostou. "Eu ODEIO nozes", disse ele, enfaticamente, indo à cozinha beber água. "Ok, você me convenceu", respondi. "Se você não gostou disso, você realmente odeia, detesta, abomina nozes, e eu nunca mais vou fazer nada com nozes para você: eu desisto." De fato, ele admitiu que para quem gosta da coisa, o sorvete ficou o céu. E ficou: é o paraíso dos amantes de nozes.


Primeira fermentação. Almocei um sanduíche qualquer, sem paciência ou espaço físico para preparar uma refeição decente em meio a tanto ingrediente de panettone espalhado sobre minha diminuta bancada. Tudo ia bem, principalmente depois de ficar sabendo que panettones, assim como outras massas muito ricas em gordura, não podem fermentar demais, ou colapsam no forno. O ideal é que ela chegue a 3/4 da fermentação, para que a massa ainda tenha "forças" para expandir no forno.
Misturei o restante dos ingredientes daquela etapa, e fiquei surpresa ao ver como a massa combinou-se e tomou vida, pois a quantidade de farinha parecia-me muito maior do que o necessário. Segunda fermentação. Aproveitei para tirar uma soneca, pois ando dormindo muito mal, e estava bastante cansada. No meio da soneca, no entanto, toca o telefone. Reunião para discutir reunião. Prazos estourando. Naquele dia mesmo. Às 7 da noite. Hein???? Mas são 14h30, e eu tenho um panettone fermentando!
Lá fui eu reler a receita e fazer contas. Chovia muito e o trânsito prometia continuar infernal, de modo que eu deveria sair com uma hora de antecedência. Mas ainda restavam duas fermentações e mais duas horas de forno! E eu não estava disposta a jogar comida fora! Ai, ai, ai...
Passei o resto da tarde olhando no relógio e levantando o pano de prato que cobria a massa, na esperança de já ter fermentado o suficiente e eu poder passar para a próxima etapa. Etapa melequenta, diga-se de passagem. Massa fermentada: hora de incorporar as frutas e a manteiga amolecida. Abri a massa com os punhos, coloquei tudo no centro e fechei as abas, começando a sovar, me considerando muito esperta.Logo senti-me burra novamente, ao ver a manteiga fugindo pelos cantos da massa, e logo ela desmanchara-se e tornara-se impossível de ser sovada à mão. "Não é possível", falei para o cachorro, "deve ter algo errado com a receita". Cheguei a checar novamente todas as medidas, e era aquilo mesmo, 225g de manteiga. Com a bancada engordurada além do que uma pessoa normal suportaria, apanhei a massa aos punhados e joguei-a na batedeira com o gancho, usando-a em velocidade baixa para terminar de sová-la. Enquanto isso (ai, ai...) pus-me a limpar a mantegaiada que se espalhara pelo granito.
Na batedeira, a massa comportou-se melhor, lembrando-me do brioche melequento que fizera outro dia. Troca de tigela. Terceira fermentação. Brinca com o cachorro, olha no relógio, lê um pouco, olha no relógio. Ah, quer saber? Já tá bom, não vai crescer mais que isso. Depois da fermentação, massas muito meladas tendem a ficar mas manipuláveis. Então não foi difícil formar duas bolas e depositá-las nas formas de panettone (de ferro, compradas por meu pai quando eu era criança) forradas de papel manteiga. Amassa um pouco no fundo e... última fermentação. Nesse momento eu já estava torcendo para que alguém cancelasse a maledetta reunião.
Corta em cruz, pincela com manteiga e forno, finalmente. Por 45 minutos, até que começasse a dourar. Abre o forno e coloca um naco de manteiga sobre cada um. Queima o dedo na forma, uma bolha infla sob a pele quase que imediatamente. Isso é normal. Minha confiança entre panelas e fornos pelando é a de uma criança que nunca se queimou na vida, e eu tendo a acreditar que minhas mãos são mais resistentes ao calor do que de fato são. Mais uma hora de forno. Douradinhos, douradinhos, meus dois panettones. Abaixa o fogo e cobre com papel alumínio. Falta pouco! Falta pouco!
Está pronto, tira do forno, tira da forma, deixa esfriar, se arruma prá reunião, escova os dentes, dá jantar pro cachorro, tira foto do panettone (não dá tempo! não dá tempo!), polvilha açúcar, embala um deles, amarra uma fita, bota na sacola, pega o guarda-chuva, sai de casa prá pegar o carro da mãe a 3 quarteirões, dá o panettone quentinho de presente ("não sei se ficou bom, ainda não experimentei o meu, cadê a chave do carro?"), vai prá reunião, pega trânsito, chega 45 minutos atrasada, assim como todo mundo, reunião acaba, vai encontrar amigos, leva 45 minutos prá dar a volta no quarteirão e estacionar no bar, conversa vai, conversa vem, volta prá casa. Respira. Dorme.
Hoje experimentei meu panettone. Nham-nham! Ficou muito gostoso. Macio, leve, perfumado. Queimou um pouco na base, pois esqueci-me de forrar com um círculo de papelão. Mas nada de mais. Perfeito. Mas trabalhoso. Para quem não tem o hábito, recomendo começar com este panettone, o mais fácil que já fiz. Ainda assim, maravilhoso. E poder, enfim, combiná-lo ao sorvete de nozes, foi a compensação perfeita para um dia corrido e tudo o que eu precisava para me deixar de bom humor de novo. Retornam os natais da minha infância, e prevejo muitos panettones com sorvete de nozes daqui em diante (e alguns de baunilha para o walnut-hater-husband).
As receitas "postarei" mais tarde, pois tenho de sair correndo para (mais) uma reunião.