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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Julho veio, julho foi, o verão que acaba, um bolo mármore.


Minha cunhada, na Noruega, faz sempre a piada: esse ano a gente perdeu o Verão, porque ele caiu numa terça-feira. Aqui em Toronto, apesar de termos tido vários dias de temperaturas altas e sol forte, o Verão, que tanto custou a chegar, parece querer fugir rapidamente. Os dias de 34oC se intercalam com alguns de 17oC, a brisa quente, devagar e úmida foi substituída pelo vento frio que arrasta as nuvens e traz a chuva, e o sol começou a se por a cada dia mais cedo. A noite já não cai às dez da noite, mas às nove, e o coração palpita a essa contagem regressiva, sem querer desperdiçar as últimas oportunidades de aproveitar a estação que se vai.

O dia amanhece cedo. No início, quase antes das cinco da manhã, agora já às seis. Sabendo como são seis meses sem usar a varanda, levo meu cappuccino para fora, para o cheiro da rua e do parque, para o som das gaivotas, dos casais de Cardinal que fizeram ninho no topo do prédio, e da obra intensa logo ao lado, que inicia suas marteladas em horários surreais.

As crianças têm seu tempo de desenhos e video-game enquanto me sento à prancheta e ao computador para trabalhar por um par de horas. Escrevo meu livro, pinto aquarelas, resolvo pepinos. Enquanto isso o forno trabalha: um bolo simples, uma porção de pão-de-queijo da Marina ou aqueles muffins de sempre, adaptados aos ingredientes disponíveis.

Cada vez mais as receitas básicas me atraem. A baunilha, a laranja, os ovos e o creme. Sabores limpos e claros, processos simples, resultados que falam mais ao coração da criança que fui e das crianças que fiz do que ao adulto gourmet que um dia almejei ser.

Desliguem tudo, nada mais de telas, computadores, tvs, celulares, é hora de olhar a janela, hora de ver o dia que se estende lá fora e mergulhar no seu ar quente enquanto ele há. Hora de levar o cão a um passeio longo, sem coleira, a correr por entre seus companheiros caninos, cheirar uns rabos, latir um tanto; mandão, esse cão que lembrou que é pastor desde que pisou em terras canadenses. É hora de subir em pedras, de escalar árvores, cutucar insetos, procurar as últimas amoras que os esquilos e os passarinhos ainda não apanharam.

O retorno à casa é uma parada breve. Banheiro para quem precisa, enquanto monto o piquenique.

Piquenique é sinônimo de Julho. 



O piquenique é o almoço, é o lanche da tarde, tudo num só. É meu atestado de férias, sem hora, sem pressão, sem cobrança. O abandono total e completo daquela expectativa irreal do Piquenique Na Provence de tantos livros de cozinha que eu colecionara ao longo da vida, com quiches e macarons, e saladas, e pães recheados, e louças e talheres em cestas de vime com alças para guardanapos de linho. Essa história linda em livro mas que na realidade é um grilhão do perfeccionismo e da memória fabricada. O que meus filhos querem é estar do lado de fora, é brincar e correr e não sentir fome. Quando mostro a foto do almoço de legumes e restos de waffles, alguém ri: "Mas isso é almoço?!". No verão Canadense, é almoço qualquer petisco que lhe permita ficar o dia todo na grama. Não há tempo de voltar para casa e bater um arroz com feijão. Não há tempo para os deliciosos cochilos de tarde toda após a manhã de praia. O Verão vem sorrateiro e vai embora sem aviso, e o tempo que se passa à mesa e à cama é tempo de Verão perdido.

Apanho um pouco do que saiu do forno e esfriou na bancada, ou mesmo o que restou dos waffles ou panquecas do café da manhã. Se sobrou pão, monto sanduíches, de prosciutto com manteiga e alface, de tahini, abacate e pepino. Se sobraram crepes, recheio de pouco queijo e da sobra da salada de ontem e faço rolinhos refrescantes e fáceis de comer.

Apanho legumes como salsão, cenouras, pepinos, tomatinhos. Junto as frutas que houver: morangos, cerejas, mirtilos, pêssegos, melancia, ameixas amarelas (que noutro dia uso para fazer essa torta deliciosa). Um queijo? Um queijo, em cubos, se houver. Meto os potes, que não são especiais, mas meramente os da escola, e as garrafas de água na mochila, com uma toalha de acampamento, leve e compacta, os trajes de banho dos pimpolhos num saco plástico e um livro para mim. Às vezes vamos à pé, às vezes as crianças vão de bicicleta, às vezes precisamos pegar o metrô. O cão, ainda de coleira, esperando, vai junto sempre.

As crianças decidem a qual parque vamos. A diversão é essa. Num dia, ao Splash Pad, esse complexo de chafarizes gratuitos em vários parques da cidade. Todos os playgrounds têm Wading Pools, piscinas circulares e cônicas, rasas, cuja água é trocada e tratada por funcionários temporários da prefeitura umas três vezes por dia. Todos os playgrounds são diferentes. Alguns parecem castelos medievais de madeira. Alguns são complexas estruturas de metal para crianças se pendurarem das formas mais escalafobéticas. Alguns têm imensos tanques de areia com pás de construção civil e água para enormes diques e canais. Alguns são simples, mas são sempre uma agradável novidade quando encontrados.

Laura quer testar os Monkey Bars de todos os parques da cidade, num ponto em que cria bolhas nas palmas das mãos de tanto se pendurar. As bolhas estouram e viram calos, pois ela não se importa com a dor. Vejo seus músculos se desenvolverem ao longo das férias. Thomas encontra os mesmos amigos em parques diferentes. We go to the best parks, diz uma mãe para mim, depois da terceira vez em que nos encontramos ao acaso.



Quando chegamos, todos querem comer. Arrancamos os sapatos, sentamos na grama e disponho as opções do dia. Peço para que comam bem e com calma antes de sairem correndo. Nunca gostei do hábito que via com frequência no Brasil e continuo vendo aqui, da babá ou da mãe com o saco de biscoito aberto e a criança ao longo de três horas "snacking" enquanto brinca. Ou come, ou brinca. É preciso dar tempo ao corpo para que ele entenda o que está fazendo e se dedicar integralmente a isso. É preciso prestar atenção ao que se faz. Não dá para prestar atenção à subida do trepa-trepa com um sanduíche na mão. Não dá para prestar atenção ao gosto do pêssego quando se está cavando no tanque de areia.

Claro, isso nem sempre funciona. As vezes catam um bolo e saem correndo.

Às vezes eles sentam. Comem sem pressa. Explicam em detalhes seus planos para aquele dia. Vou botar o biquini e brincar na water, mamãe. Vou construir um castelo no sand box para esse galho em forma de dragão destruir. Vou chamar aquele menino para brincar de Grounders, para brincar de Tag, para brincar de Hide And Seek.. Mamãe, I'm going to be a Zombie! Os nomes das brincadeiras já são outros. O inglês se intromete em nossa conversa.

Eles correm para longe. Combinamos que não podem sair da área do Playground. Afago o cão, guardo os potes até a hora do lanche. Olho em volta. Abro meu livro.

Às vezes passam-se cinco horas.

Noutras vezes, passam-se duas, e eles querem procurar um parque diferente. Vamos a dois, três num dia. Vamos ao lago.



Às vezes ficamos no lago.

Às vezes saímos do lago para um parquinho, do parquinho para o lago, do lago para casa.

Às vezes ficamos perto de casa. Noutras andamos seis, sete quilômetros.

Eles correm, escalam, sobem, descem, escorregam, puxam, empurram, constroem, destroem, criam, falam, gritam, andam, contam, conversam, discutem, correm de novo.

Fico impressionada com sua energia. Com seu potencial para a vida. Com o modo como enfrentam seus medos. Como se desafiam. Como conseguem.



Penso nas crianças trancadas em casa. Enlouquecendo pais. Tanta energia prestes a explodir dentro de corpos tão pequenos. Pequenas bombas nucleares. Nos dias em que, preguiçosa, largo os dois em frente à TV, sei que aquela que precede a bronca explosiva é minha culpa. Meia hora de parquinho faz milagres. Seis horas são felicidade plena.

Penso no privilégio que é estar aqui. E em como era estar lá. Do esforço necessário para fazer em São Paulo o que faço aqui. Converso com uma amiga que mora num bairro paulistano com muito relevo e ela conta das dificuldades, do filho não poder andar de bicicleta nas calçadas irregulares, de ter de andar um bocado até encontrar um parquinho, de ter de ficar vigiando a criança o tempo todo, de ter de pegar carro para conhecer um parque diferente. Neide Rigo comenta no Instagram sobre festas em parques, sobre balões amarrados em bancos de praça. Uma pessoa conhecida comenta comigo como acha cafona as bandeirinhas e balões nas árvores, o bolo imenso de aniversário na mesa de concreto. Fico fula. Cafona é teu nariz. Cafona é não usar o espaço público que teu imposto paga. Cafona é a gente ter de morar em condomínio fechado com escolta armada para teu filho ter espaço pra andar de bicicleta. Todo mundo tem direito ou deveria ter direito de usar os parques. De fazer um piquenique sem ser chamado de farofeiro, de fazer um aniversário numa praça. Toda praça deveria ter um playground, todas as calçadas, se fossem apropriadas para cadeiras-de-rodas, seriam também para bicicletinhas de criança. Todo bairro deveria ter uma infinidade de praças e parques. E todas as pessoas deveriam poder sentar na grama e relaxar um pouco no fim de semana.

Meu Verão ficou infinitamente mais fácil aqui. Mas me lembro de que o esforço em São Paulo, ainda assim, valia a pena. Se houvesse um parquinho, parávamos nele. Levávamos sempre piquenique, mesmo que o local de destino fosse abarrotado de opções para comer e beber. Farofeira sim, vai lamber sabão. Pesquisava atividades gratuitas para crianças. Íamos a museus gratuitos e entrávamos em galerias particulares pelo caminho. Qualquer coisa que fosse novidade era excitante e interessante. A mesma prerrogativa do brinquedo, mas aplicada a experiências. Lembro das crianças terem detestado a exposição do Museu da Escultura. Mas adoraram a água que espirrava sob a marquise de concreto: Splash Pad brasileiro. Bicicleta, só dentro do condomínio. Mas quando visitávamos minha mãe, usávamos as pernas. Subíamos a pé até a Paulista para ir ao Trianon, contar quantas aranhas-de-jardim gigantescas encontrávamos entre as árvores até chegar ao parquinho. Parquinho caidinho, sem manutenção, mas o bastante para duas horas de brincadeira entre aquelas árvores de folhas verde-escuras brilhantes de mata atlântica das quais sinto saudades. E íamos ao Masp, e olhávamos a cidade, e caminhar com eles pelo lugar onde cresci era enxergar com olhos novos o que minhas retinas já deixaram de registrar.

O tempo no trânsito era mais difícil. Não havia mesmo nada a se fazer do lado de fora do condomínio, e invariavelmente eu precisava planejar uma ida a São Paulo. Uma hora e meia dentro do carro. E as tardes de Verão acabavam cedo por causa das chuvas. Chuvas que às vezes faziam minha volta para casa se arrastar por três horas.

O medo dos assaltos era difícil. Fecha o vidro, dá a mão, não corre para longe, cuidado com o carro, cuidado com a bicicleta, cuidado com aquele homem, cuidado.

Mas ainda assim, tentávamos. Tentávamos estar do lado de fora. Olhar aquela cidade com a inocência dos meus filhos. Viver ali a vida que eu imaginava em outros lugares. Dois anos antes de imigrar, eu decidira não esperar vir para o Canadá para ter a vida que eu queria ter. Decidira que não ia suspirar de inveja de quem vivia no interior ou em cidades européias. Eu crio o meu mundo. E criei para minha família aquela realidade. Eu queria minha vida tranquila imediatamente, e não num futuro condicionado por uma dezena de variáveis.

Eu já tinha lá o que tenho aqui.

Aqui só ficou mais fácil, pois o ambiente é favorável.

Fecho meu livro e voltamos para casa.

Cheios de areia e terra e grama e lama e suor, as crianças são coagidas a ir para o banho. Penso no jantar. Às vezes penso numa sobremesa. Ambos sempre de improviso. Olho a geladeira. Hoje tem curry. Meu curry sem receita. Refogo cebola e alho e gengibre fresco picados em azeite. Douro junto 1 colh. (chá) de cada especiaria: cominho, coentro e mostarda em grãos; cardamomo, canela, chinese five spice, cúrcuma, todos em pó. Sal, pimenta caiena  e pimenta-do-reino a gosto. Refogo qualquer legume que eu tenha à disposição ou nenhum se não houver. Junto grão-de-bico ou lentilha, com seu caldo. Tomate em lata ou umas colheres de extrato de tomate. Leite de coco. Cozinho até engrossar. Cubro com uma cama de coentro fresco. Acompanha arroz. Se houver pepino, uma raita. Se não houver, uma colherada de iogurte é o que as crianças pedem para amansar a pimenta do curry.



Se o jantar sai rápido, dá tempo de improvisar a sobremesa. Frutas com chantilly batido na hora são frequentes. Morangos e ameixas e figos e cerejas. Nos dias de calor, todos querem sorvete. Não tenho máquina de sorvete e ninguém quer andar até o NoFrills para pegar o sorvete pela metade do preço. Bato manga congelada com uma colherinha de limão no processador. Melhor sorvete de manga do mundo. Bato bananas congeladas com morangos, mel e iogurte. Fica mais molinho, mas agrada a todos. Então tento algumas receitas de No-Churn Ice Cream com leite condensado, como fazia minha avó, que batia uma lata de leite condensado, duas de creme de leite e suco de limão e me dava para comer na varanda da chácara. Aquele limão que um dia respingaria no dorso de minha mão e faria uma mancha marrom sob o sol forte do interior; uma mancha que demoraria trinta anos para sumir quase que completamente.

Preparo ESTA RECEITA com frutas vermelhas congeladas e é um sucesso, ainda que eu sinta mais que os outros o doce agressivo do leite condensado. A versão de limão de minha avó fica muito doce para o meu paladar e o de Laura. Mas descubro que esmigalhar por cima os biscoitos de Tahini da Alice Medrich, ligeiramente salgados, equilibram a sobremesa e dão um gostinho de torta de limão. Por último, tento o de baunilha, de Tessa Kiros, de gemas cruas, leite condensado e creme de leite. Ele me lembra o sorvete de creme da Kibon da minha infância, doce e denso. Bom, mas sinto falta da delicadeza dos sorvetes feitos na máquina. Quem sabe no próximo verão?

Num dia com muitas cerejas, carnudas, rubi, suculentas e saborosas, resolvo fazer um clafoutis. Apanho o livro de Gynette Mathiot, I Know How to Cook, e preparo a receita ipsis literis. Acho estranho que a 1/2 xícara de açúcar de confeiteiro vá toda por cima da sobremesa terminada e não na massa, mas prossigo. Todas as vezes em que embarquei na estranheza daquelas receitas, elas se mostraram deliciosas. Desta vez no entanto, eu tinha uma pulga atrás da orelha e deveria ter dado ouvidos a ela. O Clafoutis ficou denso e com gosto forte de massa crua de panqueca. Não estava ruim. Mas claramente precisava do açúcar ali dentro. 

 Por isso, foi com curiosidade mórbida e desconfiança que resolvi testar um bolo do mesmo livro. Todas as receitas salgadas são ótimas, por mais escalafobéticos que alguns detalhes possam ser. No entanto, eu nunca preparava nenhum doce dele. Era um bolo mármore. Que ao invés de usar cacau em pó na massa de chocolate, usava chocolate ralado e não especificava que tipo de chocolate. Um bolo assado por 1 hora a 120oC. Sim, CENTO E VINTE. Isso não pode estar certo. Ainda assim, me joguei. Arrisquei. E como acontecera com a sopa de peixe engrossada com maionese, e tantas outras receitas esquisitas desse livro, o resultado foi mágico. Foi o melhor bolo mármore que fiz até hoje. A textura é compacta, macia e úmida, algo que vinha perseguindo há anos, uma vez que todos os bolos-mármore que fazia pareciam ligeiramente secos. O sabor do chocolate é intenso e as raspas de limão na massa branca trazem vida ao bolo. Delicioso.

Empolgada com o tal bolo, e tendo apanhado o livro Sweet, de Ottolenghi, na biblioteca, resolvi tentar repetir o sucesso com outra receita estranha. Esse bolo mármore também tem um processo diferente, em que se bate a manteiga amolecida direto na farinha e se mistura os ovos já batidos com o leite. Estava tudo indo bem até a hora de fazer as misturas das duas massas. A massa de café e chocolate levava só duas colheres de chá de cacau, o que achei muito pouco para tingir a massa. E a de cardamomo levava 1 colh e meia de chá de cardamomo, o que me pareceu coisa demais. Resultado, um bolo de textura ok, ligeiramente seco na boca, com ausência de chocolate e excesso de cardamomo, que acabou me lembrando gosto de remédio. As crianças detestaram. "O outro era muito melhor, mamãe."

Mais uma vez, ponto para os clássicos.

E nos clássicos, continuo mergulhada nos italianos. No meu desafio de acabar com toda a despensa antes de comprar mais comida, coisa que geralmente cria pratos um pouco esquizofrênicos, o spaghetti com ragù de lentilhas da Tessa Kiros aparece sempre. Você cozinha as lentilhas com sálvia fresca e alho, sem refogar. E então acrescenta as lentilhas cozidas com algum caldo a um molho de tomates feito de tomates em lata e cebola refogada em azeite. Deixa apurar. Tempera e polvilha com salsinha em abundância. Não apenas é delicioso mas, com um pouco mais de lentilhas, faz um pacote de 450g de spaghetti render mais de seis porções. Afinal. passamos o mês todo com o filho da prima de Allex hospedado em casa, estudando inglês, e eu estava tentando fazer as refeições renderem três porções de adulto, duas de crianças que já comem como adultos e uma extra para o almoço de Allex no trabalho.


 Depois de brincar e ler histórias, às vezes no horário de sempre às vezes mais tarde porque as partidas de Exploding Kittens ou Zombie Dice ou Uno com o pai se estenderam noite adentro, as crianças vão dormir. Elas sabem que estão indo dormir tarde quando o sol já se pôs.


Eu apanho meu livro novamente e vou à varanda, aproveitar aqueles dias em que posso ficar sentada do lado de fora por um longo tempo sem perder a sensação dos dedos.

Sento com Allex e fazemos o balanço dos últimos doze meses. As expectativas que tínhamos, as frustrações, as conquistas. O que melhorou, o que piorou, o que ficou igual.

Dia cinco de Agosto faz um ano que entramos naquele avião com nossas sete malas rumo a uma cidade que eu não conhecia. Já parece distante aquele mês de aflição e aventura na casa velha do AirBnB. A correria enlouquecida do aluguel do apartamento, da compra dos colchões e dos pratos na Ikea e a volta de metrô para casa às dez da noite, crianças dormindo no meu colo. Acordar a primeira vez no apartamento vazio e comer pão com manteiga sentados no chão. Descobrir o caminho para a escola. Descobrir onde comprar verduras e que cara tem o creme de leite. Esperar o PR Card chegar para buscar o cão no Brasil. Ficar doente enquanto marido viaja. Descobrir a neve. O inverno que chega rápido e demora para ir. Patinar no gelo. Descer encostas de trenó. O silêncio da natureza gelada. A alegria das primeiras plantas verdes nascendo numa Primavera fria. Ficar sem ver meus pais por seis meses. Um ano sem tomar café com minha melhor amiga.

Um ano.

Eu queria que esse Verão tivesse aquele mesmo gostinho de quando chegamos aqui. De parques e piqueniques. Eu fizera daquele primeiro verão exatamente o que eu imaginara no Brasil, o que eu tentava produzir em São Paulo, apesar das dificuldades. O Verão chegou de novo e está indo embora. E foi um reviver delicioso daquele Agosto. De parques e piqueniques. Mas sem a correria de achar apartamento, sem a aflição da chegada, sem a desestabilização da ausência de referências. Um Verão de descanso. Merecido. Depois de um ano.





BOLO MÁRMORE "FRANCÊS"
(Do Livro I Know How to Cook, de Gynette Mathiot)
Rendimento: 1 bolo de 21cm.

Ingredientes:
  • 1/2 xic. manteiga sem sal (100g) em temperatura ambiente
  • 1 xic. açúcar
  • 3 ovos, separados
  • 1 2/3xic. farinha
  • 1/3 xic. leite
  • 1 colh. (chá) fermento químico em po
  • 60g chocolate ralado (usei 70%)
  • 1/2 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 1/2 colh. (chá) raspas de limão (tahiti ou siciliano)

Preparo:
  1. Aqueça o forno a 120oC ou o mais baixo que seu forno tiver. Unte uma forma de bolo inglês com manteiga e polvilhe com farinha, batendo para retirar o excesso.
  2. Bata a manteiga com o açúcar até que fique macia e pálida. Junte as gemas, uma a uma, e misture até que fique homogêneo. 
  3. Misture a farinha e o fermento e uma tigela e reserve.
  4. Junte a farinha em duas partes e o leite, alternadamente. Junte a baunilha.
  5. Bata as claras em neve até obter picos firmes e incorpore à massa. Divida a massa em duas partes iguais. 
  6. Numa das partes, incorpore o chocolate ralado. Na outra, as raspas de limão. 
  7. Coloque colheradas alternadas das duas massas na forma, que deve ter 2/3 de seu volume preenchido. Leve ao forno por 1 hora ou até que esteja dourado e um palito saia limpo ao ser inserido no centro. (No caso de seu forno não assar a 120oC, fique de olho a partir dos 45 minutos. O meu assou em exatamente 1 hora a 120oC.)
  8. Deixe esfriar por 10 minutos antes de desenformar. O bolo fica delicioso ainda um pouco morno e maravilhoso no dia seguinte.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Frio, mexilhões, minhas tralhas, minha cozinha

Mexilhões com tomate. Simples, bom e barato. Morri de orgulho da criançada pedindo mais e mais.
Numa manhã, tomávamos café à mesa sob a janela, e fomos surpreendidos por uma mancha escura no céu, sobrevoando o prédio e se afastando em direção ao sul. De todos os lados, vimos pontos negros surgindo de trás das árvores, dos prédios, das casas, e se unindo àquela massa de pássaros.

"Os gansos foram embora", eu disse, em mono tom, anestesiada por aquela visão.

Houve um momento de empolgação por aquela demonstração da natureza. Mas o que restou, conforme terminávamos nossas panquecas e sentíamos o café esfriando no fundo da xícara, foi uma estranha sensação de abandono. Como o silêncio antes da tempestade.

Alguns dias depois, os corvos chegaram.

Dois anos antes, em nossa visita a Vancouver, eu havia ficado impressionada pela quantidade de corvos na cidade, na mesma proporção de pombas em São Paulo, e surpreendi-me ao chegar a Toronto durante o fim do verão e não encontrar nenhum deles.

E ei-los aqui agora. Pretos, imensos, empoleirados sobre os semáforos, sobrevoando os parques de árvores desfolhadas, grasnando alto seu chamado metálico como o cinza das nuvens que acobertam o céu, buscando naqueles que não fugiram do inverno seu alimento.

Veio a primeira neve e um frio inesperadamente intenso, recorde de temperaturas baixas para esta época do ano, e lá fomos nós para a rua, empacotados como presentes, sentindo o vento cortante no rosto, em direção à escola.

-17oC.

Frio.


O vento. Havia ouvido falar do vento, mas você só entende quando o sente, como uma parede gelada a ser transposta. Ou, como brinquei com amigos, como se alguém espancasse você constantemente com um bacalhau da noruega congelado.

Thomas escorrega no chão gelado e aterrissa em cheio sobre o bumbum. Ainda bem, a calça de neve é fofinha e ninguém se machuca. Eu patino um pouco sobre a mistura de folhas e gelo na calçada perto da escola. Gnocchi tenta me puxar para o lado, derrapa e espatifa o focinho na neve.

Quando chegamos à escola, sou surpreendida pelo clima alegre. Não se vê ninguém amuado nos cantos, encolhido, tremelicando. Todas as crianças correm pelo pátio, fazem bolas de neve, divertem-se com a fina cobertura branca no playground. Olho para o lado, e Laura está deitada, rindo, agitando braços e pernas, fazendo um anjinho naquele um centímetro de neve que jaz sobre o chão de cimento.

Quando as crianças entram na escola quentinha, Gnocchi me puxa para o parque em frente, alucinado. Solto sua guia e ele corre feliz sobre a neve, calda em riste de alegria, latindo e me chamando para correr atrás dele; e ao fazer isso, aqueço um pouco mais meu corpo e me dou conta de que aquele cão, descalço e desagasalhado, está sequer tremendo sob a sensação térmica de -17oC. Evoluída sou eu, certo? que tenho de gastar os tubos em casacos e botas e luvas e camadas de blusas e calças térmicas para não congelar, e lá vai o Gnocchi, rolando no gelo contente. Ok, então.

Volto para casa e preparo um Chai bem quente, aquele chá preto com especiarias, leite e açúcar mascavo. Uma xícara imensa, que ganhei de presente de aniversário do marido junto de chás especiais, um kettle e o livro novo do Neil Gaiman.

O kettle é um apetrecho muito útil por aqui. É vantajoso ter algo que esquente água mais rápido e usando menos energia, uma vez que o fogão é elétrico. Além do kettle, repus também rapidamente meu processador de alimentos e minha batedeira. Como disse no post anterior, foi muito bonito isso de tentar viver uma vida simples com uma tigela e uma colher de pau, mas quando o assunto é facilitar minha vida para prover as refeições da família em casa, na escola e no trabalho, não tive dúvidas e corri atrás dos meus queridos eletrodomésticos.

No restante da cozinha entretanto, as coisas de mantiveram mais acomodadas no reino da simplicidade. Como agora tenho poucos livros de cozinha, foi possível sentar e folheá-los e ter uma noção mais exata do que eu de fato precisava. Basta de ter uma forma especial para uma receita só.

Compramos louça na Ikea apenas para o realmente necessário.

E para o baking em geral, apanhei numa loja:

  • UMA assadeira bem grande de bordas baixas, onde asso legumes e faço minha pizza retangular toda sexta-feira.
  • UMA forma retangular de 23x33x5cm, onde faço bolo, lasanha, barrinhas, o que for; ou seja, faz as vezes de travessa também.
  • DUAS formas de pão de 23x13x8cm, que fazem pão de forma grande o bastante para bons sanduíches.
  • DUAS formas de bolo inglês de 22x10x8cm, porque quase todas as receitas de bolo inglês que tenho fazem dois bolos, e congelar um para outro dia é sempre esperto.
  • UMA forma redonda de aro com mola de 23cm, para bolos e cheesecakes.
  • UMA forma de 22x5cm para bolos em geral (dava para usar a de mola para tudo, mas bolos de massas muito líquidas correm o risco de vazarem).
  • UMA forma de muffins com 12 cavidades.
  • UM refratário de vidro quadrado de 20cm, para brownies e qualquer outra coisa, na verdade.
  • UM prato refratário de vidro para tortas de 23cm, que pretendo usar para quiches também.
  • E a forma de furo no meio, com capacidade para 12 xícaras, velha, riscada e amassada, roubada da minha mãe; essa forma que fez todos os bolos de cenoura da minha infância.


Também me arranjei um jogo de 8 tigelas de vidro refratário que se encaixam uma na outra, economizando espaço no armário: a maior sendo perfeita para fermentar receita dupla de pão, e a menorzinha, sinceramente... não imagino ela servindo para nada além de separar algum ingrediente delicado em pequena quantidade - é tão pequena, na verdade, que virou piada aqui em casa, a mini-mini-mini-mini-mini-tigelinha. Mas todas as outras entre esses extremos têm sido diariamente usadas para misturar ingredientes, separar ovos, derreter manteiga, ou simplesmente guardar restos na geladeira.

Comprei-me aqui um raspador de massa, colheres e xícaras medidoras, uma jarra de vidro medidora, duas espátulas de silicone, um descascador de legumes, e um único fouet, pois meu antigo ficou com minha mãe. Mas trouxe duas colheres de pau, as únicas que sobraram da minha coleção: uma pequena, presente de minha cunhada, e uma grande, boa para mexer polenta e panelões cheios. Fora isso, na viagem para apanhar o Gnocchi, trouxe na mala minha máquina de macarrão, presente de minha mãe quando casei, a máquina alemã de Spaetzle, presente da minha sogra, e meu passa-verdura, que uso para fazer desde geleia de maçã até purê de batatas.

Só que de todos os utensílios de cozinha comprados aqui, o que mais gostei foi meu rolo de massa: inteiriço, bem comprido, com extremidades que afunilam. É o melhor rolo que já tive, infinitamente mais fácil de usar do que aqueles que giram sobre um eixo.

É lógico que estar num ambiente novo, numa cidade nova, num país novo, deixa você desnorteado. E minha cozinha com certeza passou por esse processo. Primeiro, encantada com os ingredientes à disposição que eu sempre cobiçara lá no Brasil, saí metendo os pés pelas mãos e comprando mais do que o necessário, tentando fazer todas as receitas de uma só vez. Animei-me com a biblioteca do bairro e saí retirando livro de cozinha atrás de livro de cozinha, acreditando que prepararia mil pratos de cada um. Sem saber o que era mais barato e onde, perdi dias incontáveis indo a todos os mercados do bairro, várias vezes por semana e saindo de cada um deles mais perdida.

O que aconteceu, no entanto, quando voltei da viagem do Gnocchi, foi que fiquei doente. Um bocado doente. Todo o stress dos meses anteriores parecia ter finalmente atingido seu ápice naquelas duas viagens internacionais em menos de cinco dias, e na tensão de embarcar meu melhor amigo numa gaiola. Meu sistema imunológico explodiu enfim, quando pus os pés em casa, e passei quase vinte dias me sentindo um lixo.

E esses vinte dias me fizeram pensar mais um bocado.

E eu olhei para aqueles livros emprestados da biblioteca e concluí que essa fase havia passado. Que eu não queria fazer nada complicado, que eu não queria correr até o outro lado da cidade para um ingrediente especial, e que eu não tinha mais paciência para comida que não tivesse gosto de comida de pai e mãe. Devolvi todos os livros.

E cansei dessa correria por preço baixo em supermercado longe. Noutro dia, encontrei um casal conhecido no metrô. Eles estavam indo até um mercado umas duas estações para leste, pois o frango lá era muito mais barato. Fiquei pensando que eles estavam gastando pelo menos 12 dólares indo e voltando de metrô os dois juntos, e que provavelmente isso cobriria a diferença de preço entre o frango do mercado lá longe e o daqui da vizinhança. Fora o tempo. Tempo é precioso.

Resolvi que iria apenas uma vez por semana ao mercado. Porque qualquer mercado aqui é a quinze minutos à pé de casa. Levo o cão comigo, passeamos juntos, e resolvo a compra da semana no mercado orgânico, comprando apenas o que está em promoção, e o que falta, no mercado barato, vinte minutos na outra direção, onde também tem a padaria de que gosto, a biblioteca, a farmácia, a loja a granel e a loja de bebidas.

Tudo resolvido num dia só. A gente cozinha com o que tem. Se os ingredientes não se encaixam em nenhuma receita, a gente inventa. E se faltar alguma coisa, ok, eu pego na semana que vem. Basta de pulinhos no mercado, que eu perco tempo e gasto dinheiro.

A gente se vira com o que tem: conchiglie com broccoli salteado no alho, azeite e pimenta calabresa. O parmesão tinha acabado, então fiz o que os italianos pobres do sul faziam: dourei farinha de rosca caseira em azeite, alho e salsinha (usei um filé de anchova amassadinho junto para trazer o umami do queijo), e polvilhei por cima no lugar do parmesão. 

Isso começou a me dar mais tempo para respirar, e um norte na cozinha. E percebi que fico empolgada com coisas bestas como receber por email o flyer com as promoções do mercado orgânico  para a semana. Sento no domingo, analiso o flyer, e escolho umas duas ou três receitas-chave para preparar na semana seguinte. Há sempre uma carne e um peixe interessante em promoção. E tenho me aproveitado disso, pois como aconteceu nos últimos anos, meu vegetarianismo parece hibernar durante o tempo frio, e meu lado carnívoro aflora.

Quem quer comer salada enquanto faz -5oC lá fora? Eu não.

Pense num almoço bom. :)
Comecei a trocar as saladas dos meus almoços solitários por torradas com verduras refogadas ou variações sobre o tema. Num dia em que achei inhame no mercado, descasquei-os, ralei-os na parte grossa do ralador, e apertei-os em forma de panquequinhas na frigideira bem quente com manteiga, até que as panquequinhas dourassem. Assim, um inhame virou uma panqueca. Num dia, cobri com folhas de beterraba refogadas em alho, azeite, uma folha de louro e uvas passas. Polvilhei com salsinha e hortelã, nozes e queijo feta esmigalhado. Sensacional, e durante a semana toda repeti a receita apenas para mim, até que os ingredientes acabassem.

Numa semana, fiz o dobro da receita de cozido de carne com cenoura da Tessa Kiros, cuja metade congelei. E comprei Vermelho para preparar no forno com tomates e servir com arroz, e seis filés renderam bastante para o jantar e para levar de almoço no dia seguinte. Faço o dobro de molho de tomate para a pizza de sexta, pois o o molho que resta cobre macarrão cozido de manhã para o almoço da segunda.

Já tinha preparado isso antes no Brasil, mas a carne aqui me pareceu mais marmorizada e mais maturada, então ela dourou mais fácil e ficou extremamente macia. Melhor picadinho que já fiz. As batatas, bem cerosas e de polpa clarinha, produziram um purê branquinho e delicioso.
Há sempre um saco de 3 libras de maçãs diferentes em promoção no mercado, e levo quase que um por semana para casa. As abóboras do Halloween renderam não só decoração, mas uma Pumpkin Pie devorada em dois dias, e meia receita extra de massa de torta no meu freezer. No mesmo dia do cozido de carne, descongelei a massa, abri, e recheei com as maçãs, poquíssimo açúcar (as maçãs Gala estavam bem doces), canela, noz moscada e manteiga, e fiz uma galette para a sobremesa, bem rústica e de improviso.

O novo saco de maçãs, Golden Delicious, está virando barrinhas de maçã e aveia, receita de um dos livros do Magnolia Bakery. Claro que a receita pedia uma lata de apple pie filling, e claro que eu fiz meu próprio recheio (4 xícaras cheias de maçãs descascadas e fatiadas + 1 colh (chá) canela + 1/3 açúcar + 3 colh (sopa) amido de milho cozinhando na panela em fogo baixo apenas até a maçã soltar um pouco de líquido, a maçã amaciar e o amido engrossar - deixe esfriar completamente antes de usar). Thomas anda numa fase em que se recusa a comer frutas no lanche da escola, então saio metendo frutas nos snacks que posso produzir em casa.

O que sobrou de purê de abóbora virou Pumpkin Spice Muffins para levar para a escola, que Thomas me ajudou a fazer, empoleirado no banquinho da cozinha. Nenhuma receita que achei na internet me agradou, e acabei inventando em cima daquela mesma receita básica de muffin da Martha Stewart do post anterior.

Cavoquei a abóbora, as crianças desenharam as caretas com canetinhas, e eu cortei com uma faquinha.

Depois de cavocar com uma colher e separar as sementes, cozinhei a polpa no vapor até conseguir transformá-la num purê com o passa verdura. Depois coloquei sobre uma peneira grande e fininha, sem apertar, e deixei pingando o excesso de água durante a noite na geladeira. No dia seguinte o purê estava bem sequinho, pronto para usar na torta.

Esta semana, os mexilhões estavam em promoção. Mexilhões lindos assim, em suas conchas negras como os bicos dos corvos, como eu nunca encontrava em São Paulo. Não sei porque, eles vinham sempre fora de suas conchas, sufocados em sacos plásticos. E eu perguntava aos peixeiros como diabos saberia se estavam bons, se estavam fora de suas conchas. E eles nunca sabiam me responder. Esses vieram fresquíssimos. De 4kg, acho que 4 conchinhas foram para o lixo, quebradas. Os outros moluscos espiavam por dentro das conchas abertas, e quando lhes tamborilava os dedos, toc-toc-toc, eles se fechavam rapidamente. Um truque que fez sucesso com a pimpolhada.

Da próxima vez vou fazer assim para as crianças. :)

O jantar foi um panelão de mexilhões com tomate e fatias de pão. Thomas passou o alho sobre as fatias e as colocou sobre a grelha, e depois me ajudou a colocar os mexilhões cuidadosamente na panela. As crianças se refestelaram. Tanto, que tive medo de que tivessem dor de barriga. Afinal, comemos em três uma porção para seis pessoas. Allex preparou um miojo, pois durante quinze anos juntos, eu não sabia que ele não podia nem com o cheiro dos mexilhões. Uma pena, pois estava delicioso. Guardei uma porção extra de mexilhões ainda vivos para meu almoço no dia seguinte, e os preparei gratinados, e ficaram ainda melhores.

E assim as coisas vão caminhando e se encaixando, e eu vou reencontrando o simples na minha cozinha, e o conforto, e a rotina, lembrando de não estressar demais com nutricionismos, e simplesmente relaxar e preparar comida gostosa de comer. Agora que toda a burocracia da mudança está resolvida, basta deixar a vida terminar de se assentar em seu novo local.

Depois daquele dia gelado, as temperaturas subiram de novo. Peguei-me passeando o cão à noite na chuva fininha, a 8oC, e falando para o marido que "estava uma noite gostosa para passear". Ou comentando de manhã com as crianças, ao ver os 3oC marcados no aplicativo do celular, que "não precisa botar muito agasalho porque o dia está mais quente". Referência é tudo na vida.

Que venha o inverno gelado. Que eu sei que assim que estivermos confortáveis, vem toda uma nova adaptação ao frio mais intenso, à neve que não derrete nunca, ao vento absurdo. Mas tudo bem. Respira fundo e encara a bucha. Vou continuar caminhando até o mercado, Gnocchi ao meu lado, contente em apanhar meu cream cheese sem gomas, as maçãs de um tipo que nunca provei, a carne de boizinho sem antibiótico em promoção. O bom do frio é que o sorvete não derrete no caminho. Só fico com um olho no céu para os corvos à espreita. Esse bife é meu, sai prá lá. Opa, um olho no chão também para não escorregar no gelo de bunda no chão. 

ZUPPA DI COZZE (Mexilhões em caldo de tomate)
Do livro Twelve - A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros).
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 1,5kg mexilhões em suas conchas
  • 3 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 3 dentes de alho, descascados e picados, + 1 dente extra para esfregar no pão
  • pimenta calabresa à gosto
  • 1 maço pequeno de salsinha, picado
  • 1 lata de 200g de tomate pelado, com seu suco, transformado em purê
  • pelo menos 6 fatias grossas de pão italiano ou de casca grossa e crocante


Preparo:

  1. Lave cuidadosamente em água fria corrente os mexilhões, tirando qualquer sujeira grudada nas conchas. Se houver barba, segure, e com movimentos para cima e para baixo, arranque-as. Jogue fora qualquer mexilhão que esteja aberto e não feche sua concha ao ser cutucado. Os outros, coloque numa tigela, cubra com um pano úmido e deixe na geladeira até a hora de usar. 
  2. Aqueça o azeite numa panela grande. Junte o alho, a pimenta e metade da salsinha.
  3. Quando o alho perfumar, junte os tomates e cozinhe por 5-10 minutos, até apurar um pouco. Tempere com sal e pimenta do reino
  4. Junte os mexilhões, misture bem, aumente o fogo e tampe. Cozinhe por cerca de 6 minutos, ou até que os mexilhões tenham aberto suas conchas. Descarte qualquer um que tenha permanecido completamente fechado. 
  5. Polvilhe o resto da salsinha. 
  6. Grelhe o pão e esfregue o alho em sua superfície quente e dourada. Sirva o pão acompanhando os mexilhões e seu caldo, imediatamente.   


COZZE GRATINATE (mexilhões gratinados - lembrando que gratinar não quer dizer derreter queijo por cima, ao contrário do que o povo acha)
Do livro Twelve - A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros.
Rendimento: 6 porções - fiz uma porção só para meu almoço, mas vale a pena ter a receita inteira para fazer

Ingredientes:

  • 1kg mexilhões em suas conchas
  • 1 maço médio de salsinha, picado
  • 4 dentes de alho, descascados e picados
  • 100g (1xic) farinha de rosca caseira
  • 4 colh (sopa) de azeite + extra para regar
  • Fatias de limão


  1. Preparo:
  2. Lave cuidadosamente em água fria corrente os mexilhões, tirando qualquer sujeira grudada nas conchas. Se houver barba, segure, e com movimentos para cima e para baixo, arranque-as. Jogue fora qualquer mexilhão que esteja aberto e não feche sua concha ao ser cutucado. Os outros, coloque numa tigela, cubra com um pano úmido e deixe na geladeira até a hora de usar. 
  3. Pré-aqueça o grill do forno ou ligue o forno na temperatura máxima.
  4. Coloque os mexilhões numa panela grande, ligue o fogo alto, tampe e cozinhe por alguns minutinhos apenas até que abram. Remova do fogo. Descarte qualquer um que permaneça completamente fechado.
  5. Abra os mexilhões e descarte a concha vazia, mantendo só as metades com os moluscos. Volte-os para a panela, ou para uma travessa refratária se eles não couberem numa camada só na panela.
  6. Misture bem o alho, salsinha, azeite e farinha de rosca numa tigela. Com uma colherinha, distribua a mistura sobre os mexilhões. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Regue com mais um fio de azeite e leve ao forno por 5-10 minutos, até que a mistura de farinha de rosca esteja dourada. 
  7. Sirva imediatamente com as fatias de limão.





terça-feira, 17 de outubro de 2017

Um post imenso para o mês de Setembro e reaprendendo a cozinhar e ser


Almoço solitário: Salada de abobrinha amarela, rabanetes, alface romana, ovo cozido e pão de centeio, com azeite, limão e cebolinha. Iogurte com mel e frutas de sobremesa.

Na segunda-feira após meu aniversário, acordei decidida a não me deixar mais abater pelas pequenas coisas. Talvez por ter conhecido outros imigrantes brasileiros passando por apuros bem mais significativos, o que sempre coloca seus problemas em perspectiva; ou talvez por efeito daquele ótimo artigo, "The subtle art of not giving a f*ck", de Mark Mason.  Finalmente me senti pronta para "stop distributing f*cks everywhere".

A manhã fora como todas as outras, mas diferente. Acordamos no mesmo horário, fizemos as mesmas coisas. Andei com as crianças até a escola como sempre. Esperei que entrassem e saí para dar conta dos afazeres e pepinos a resolver.

Andei vinte minutos para norte até o mercado orgânico, buscando bons tomates em lata, creme de leite de verdade, e grãos e castanhas a granel. Voltei com duas sacolas da Ikea cheias de boa comida, sentindo o peso delas machucar um pouco as dobras dos dedos. Parei por um instante naquela avenida residencial, endireitei os ombros, respirei fundo e olhei em volta. O céu estava de um azul de Maio, e pensar nisso foi imediatamente estranho. Esta referência perder-se-ia com o tempo, e meu céu de Maio estava fadado a se tornar um céu de Outubro. Os dezoito graus vinham mornos com o sol das onze e meia, e o vento agradável levava meus cabelos soltos e pilhas de folhas alaranjadas, avermelhadas, amareladas, em espirais pela rua a se chocarem contra os carros estacionados. Eu ouvia o som do trânsito na rua de trás quase abafado pelo cantar insistente de dois ou três pássaros. Nesses dois meses tive como meta tentar conhecer os passarinhos da cidade, com saudades do meu Bem-te-vi, e pesquisei cantos e cores e bicos e penas, até descobrir os nomes dos meus cantores cotidianos. Eu sabia que aqueles cantos breves e em coro caótico vinham do Finch, esse pardalzinho que aqui anda em enormes bandos, e não solitário como no Brasil. Aquele outro distante era de uma gaivota que pairava acima dos prédios no fim do quarteirão. E o último, meu favorito, era do Blue Jay, pássaro símbolo da província.

Fora no primeiro dia de escola das crianças, na mesma semana em que nos mudamos para este apartamento, que ouvi o Blue Jay pela primeira vez. Thomas achara que aquele canto muito alto e metálico fosse de um gavião. Laura, de uma gaivota. Eu olhava para cima, buscando nos galhos o emissor do canto, e me dando conta da impossibilidade de se encontrar algo cuja aparência você não conhece. Um passante se aproximou, percebendo nossa curiosidade, e explicou: esse canto é do Blue Jay.

Todas as manhãs, no caminhar para a escola e de volta, ouvíamos o Blue Jay cantar. As crianças gritavam seu nome para os galhos altos, na esperança de que ele respondesse ao chamado; mas ele, que é tido como um pássaro tão cara-de-pau, tinha decidido esconder-se de nós.

Um dos passarinhos que consegui avistar, o White-breasted Nuthatch
E foi assim durante todo o mês de Setembro. Eu me agarrava à possibilidade de enxergar o pássaro em meio à folhagem, como quem espera um sinal de bom agouro. Às vezes outros passarinhos surgiam para me animar, lindos, interessantes, de cantos bonitos. Mas o Blue Jay continuava a brincar com meus sentimentos.

E meus sentimentos não estavam para brincadeira.

O mês de Agosto se fora, aquele mês de aventura, de exploração, de férias de verão, de piqueniques e parquinhos, de brincar na água, de imaginar como seria quando tivéssemos nosso próprio lar. Depois de tanto tempo de incertezas, de malas pelo caminho, de nos sentirmos deslocados e desconfortáveis, parecia óbvio que depositássemos toda a nossa futura paz de espírito no novo apartamento. Em nossas mentes, ter um espaço nosso seria ter de volta nossa rotina, nossa vida, nosso conforto.

Contudo, não é isso o que acontece quando você muda permanentemente para um país novo com meia dúzia de malas e duas crianças. Com Allex trabalhando desde o primeiro dia em Toronto, a mudança do AirBnb para o apartamento novo foi no mínimo atabalhoada, com direito a sair da Ikea em horário de fechamento, com Allex levando no carro os três colchões e lençóis de que precisávamos para dormir àquela noite e eu voltando com as crianças de metrô às dez da noite, pois não cabíamos junto no carro e o Uber não nos aceitaria sem os booster-seats das crianças. Foi bom acordarmos em nosso próprio apartamento, mas logo percebemos que sem cabides ou uma mesa onde comer, continuávamos vivendo num eterno acampamento.

Tentamos manter tudo simples e comprar apenas conforme a necessidade fosse aparecendo, o que parecia e é de fato mais sensato se você não quer correr o risco de viver entulhado de tralhas outra vez. Acredite, o processo de expurgar tudo o que havia em nossa casa no Brasil foi traumático a ponto de eu proibir meu marido, que é doido por eletrônicos, de ter qualquer cabo em casa que não esteja conectado a alguma coisa. Desafiei-me a analisar as coisas com calma e não sair simplesmente comprando de novo tudo o que tinha no Brasil. Eram já dois meses sem batedeira, sem liquidificador, sem processador, sem computador, sem televisão. A casa tinha uma mesa com bancos e um sofá. Nossas coisas pequenas couberam todas nos armários embutidos, então a sensação era de muito espaço livre.

Uma amiga, vendo o tour pelo celular, comentou: "nossa! parece uma casa sueca! super minimalista!" Ao que eu suspirei e respondi com uma sinceridade acachapante: "Minimalismo é uma m*rda."

Ela riu, e eu expliquei: é lindo o espaço vazio, os tons neutros, e funciona super bem no Pinterest; mas sem as MINHAS coisas desordenando esse exceço de ordem, eu me sinto perpetuamente morando num quarto de hotel. Depois de um dia inteiro de perrengue, voltar para "casa" não trazia aquele conforto emocional que se esperava.

Além dessa dificuldade de reconhecer o espaço como lar, havia a ainda constante ausência da rotina invisível. Lembra dela? Pule uns três posts para trás e você vai entender do que estou falando. 

As coisas estavam todas em armários, mas ninguém sabia onde nada estava. Alguém ligava, e eu me dava conta de que eu não tinha uma Bic e um Post-it para anotar o recado. Todo dia faltava alguma coisa em casa que todo ser humano tem sempre em casa mas a gente não tinha.  Você passa o dia andando 9km indo a diversos lugares diferentes para tentar resolver o mesmo problema, e ao fechar a porta atrás de si, descobre que continua entrando na sala feito uma barata tonta, SEM TER ONDE APOIAR A BOLSA. E quando larga a bolsa no chão e apanha dentro dela o item que finalmente encontrou depois de toda aquela maratona, descobre que veio faltando uma peça e que você vai ter que ir lá onde Judas perdeu as botas no dia seguinte de novo para trocar o maldito. E isso se repete uma, duas, cinco, sete vezes.

Cometemos muitos erros. Os banais, os imbecis, aqueles por falta de atenção, por cansaço, por falta de conhecimento, e isso nos faz sentir incapazes boa parte do tempo.
Algumas coisas que vieram comigo e me trazem conforto: minha panela, o pano de pão, minhas facas, meu pilãozinho italiano.
E não é apenas a rotina invisível que se demora para entrar nos eixos: a própria rotina principal da casa, aquela que acreditávamos que teríamos de volta uma vez que nos mudássemos e todas as roupas estivessem nos cabides... essa foi a bolha ilusória mais difícil de romper. No Brasil, tínhamos uma rotina matinal muito gostosa. Pelo fato de Allex trabalhar perto de casa, ter horário flexível e a escola ser a cinco minutos de carro. Eu não sabia como estava confortável nos nossos hábitos e horários até vê-los modificados em sua integralidade. Agora Allex trabalha longe e entra mais cedo na empresa. As crianças entram mais tarde, em horários diferentes, e saem só bem depois do almoço, também em horários diferentes. Com tudo ainda meio atrapalhado de manhã, nunca consigo tirar as crianças de casa no mesmo horário. A escola fica a dez minutos a pé, mas cada dia as crianças vão numa velocidade, e às vezes me pego irritada porque estamos nos atrasando, e  quando deixo que eles venham em seu ritmo, enfrento toda uma birra porque o sinal tocou e eles não tiveram tempo de brincar no pátio antes de entrar na sala de aula. Quando vou buscá-los, eles nunca querem vir direto para casa. Brincam no parque até o fim da tarde, e eu vou ficando aflita, sabendo que ainda vai demorar uma hora para fazer o jantar, e eu não quero que eles durmam tarde porque acordamos às 5h30 na manhã seguinte, e quando voltamos para casa, é banho, jantar e cama, tudo na correria, e quase que não dá tempo de fazer a lição de casa do Thomas, que no primeiro ano, é simplesmente ler um livrinho de história escolhido pela professora.

O cachorro ainda não está aqui, então uma vez que todos foram para o trabalho e para a escola, eu fico completamente sozinha. Não desgosto disso, sou meio eremita mesmo, mas não ficava tanto tempo sozinha assim desde antes das crianças nascerem, desde antes de adotarmos o Gnocchi.

Quando parece que conseguiremos ter um dia de calma e começar a estabelecer uma rotina, calha que precisamos sair correndo de novo para ir a Ikea comprar o sofá e o beliche das crianças, procurar um aspirador de pó em promoção na Canadian Tire ou correr atrás de documentação. Foi um mês intenso em que, se não nos sentíamos em casa, era porque não conseguíamos parar tempo suficiente dentro dela para observar essa transformação do espaço.



Não me leve a mal. Quando de fato conseguimos parar tudo e passearmos, foi maravilhoso. Ir ao parque, à praia do lago, colher maçãs. Momentos tão bons que compensaram toda a ansiedade dos outros dias. Um suspiro relaxado, um oásis na ventania, nos dando a certeza de estarmos no lugar certo.



Com certeza foi uma vitória pessoal e fonte de alegria usar as maçãs colhidas para produzir essa torta, sem medidores, sem balança, sem receita, só sentindo a textura, tendo uma vaga ideia de quanta farinha eu havia posto na tigela ou quantas maçãs eu precisava para preencher a torta. O resultado me deu a sensação de poder conquistar o mundo, e fiquei com a sensação de que minhas avós teriam ficado orgulhosas. :)

Mas no fim do dia você volta à sua casa com cara de quarto de hotel vazio, e não reconhecer as coisas à sua volta, não entender os códigos sociais ou as coisas mais simples, como onde eu me registro para receber minha conta de luz, são o bastante para fazer você se sentir a deriva, tentando se manter de pé no convés de um barco em plena tempestade, sem ter onde se segurar. Sua mente e seu coração ficam frágeis, e você se pega de olhos marejados e coração apertado por coisas que em outras épocas teriam sido banais.

Mas além de se deixar perturbar pelas pequenas coisas, por todos os erros cometidos, todos os tropeços, todas as pequenas dificuldades, Setembro foi um mês de muita preocupação. Quero buscar meu cachorro. Minha passagem fora comprada com antecedência, pois você precisa reservar o espaço do cachorro no avião e marcar no Vigiagro a produção do documento de viagem. Tudo muito bem calculadinho e planejado. Chegando aqui, descobrimos que precisamos esperar o recebimento de nosso PR Card, o Green Card canadense, para poder sair do país. Sem esse documento, você não pode entrar de volta. E é claro, o prazo para receber o documento ultrapassa a data da viagem. Remarco tudo. Duas vezes. Um baita perrengue. A companhia aérea erra o dia do cachorro. Tenho que reorganizar tudo, e Allex, que vai perder dia de trabalho para ficar com as crianças, se lasca mais ainda. No meio do caminho, descobrimos que a imigração ainda tem o endereço do AirBnb, e o site do governo não reconhece nossa identificação para que consigamos atualizar o endereço. Esperas telefônicas de 45 minutos para falar com a imigração. Emails sem resposta. A data da viagem chegando de novo e eu sem saber se um turista qualquer vai receber na casa antiga os documentos mais importantes de nossas vidas. Tento falar com a hostess do AirBnb mas sou ignorada. Cogito a possibilidade de ir todos os dias à casa velha fuçar na correspondência, mas sei que isso é crime.

Eu quero meu cachorro.

No fim das contas, a tensão causada pelas semanas sem resolução do problema do PR Card e da viagem foram fazendo com que os pequenos perrengues normais da adaptação a um novo país mudassem de proporção. Tudo parecia infinitamente mais difícil. Eu me sentia o tempo todo burra, incompetente, perdida e, principalmente, sozinha. Cantou Fred Mercury: I´m naked and I´m far from home. Quando minha tia me disse que eu choraria muito na banheira depois de imigrar, achei que fosse exagero. Não era não. Aquela sena ridícula de chorar no metrô por trás dos óculos escuros, porque o consulado estava fechado no único dia em que você podia ir lá aquela semana, aconteceu. E a constatação triste de que eu não corria o risco de encontrar ninguém conhecido no caminho que me visse chorando pirou tudo.

Busquei refúgio na cozinha. Preparar minha comida parecia a receita ideal para voltar a estabelecer uma rotina e encontrar um porto seguro em meio à tempestade.

A primeira surpresa é, depois de quinze anos levando meus temperos de uma casa para a outra, é difícil improvisar naturalmente uma refeição quando você não têm seus molhos e especiarias favoritos à mão. Fiz um esforço para lembrar dos essenciais e novamente não cair na pegadinha de sair estocando coisas que eu não usaria com frequência.

A segunda surpresa é que eu de fato gostava dos meus eletrodomésticos: como é frustrante querer transformar a couve num pesto e não ter um processador, como é irritante querer fazer uma vitamina de manhã e não ter um liquidificador. Rapidamente as crianças começaram a perguntar quando eu faria waffles ou sorvete, e eu percebi que ter a batedeira realmente me ajudava a produzir tantos pães por semana lá no Brasil.

Mas eu não queria gastar dinheiro e queria provar para mim mesma que podia ter uma vida simples sem tralhas. Certo?

Hmmm....

Outra coisa que entrou no caminho da rotina na cozinha foi essa novidade de ter de preparar o almoço da escola e o do Allex. As crianças têm dois momentos de snack e o almoço. Mas elas não podem levar NADA com castanhas por questões de alergias. É lei. Parece estúpido, uma vez que as crianças também são proibidas de dividir o lanche com o colega. E isso logo me aborrece. Eu adoro castanhas. Thomas ama nozes e amêndoas, e frequentemente levava um punhado delas para lanche da escola. Dois terços das minhas receitas de biscoito levam alguma espécie de castanha. Acabo ficando mais irritada com isso do que deveria, e mais um pouco pelo fato de não conseguir me organizar o bastante para dar conta dos almoços. Allex tem microondas no escritório. As crianças não: se a refeição veio fria, ela é comida fria mesmo. As crianças comem pratos frios, como rice noodles, saladas e sanduíches frios no almoço sem o menor problema, foram acostumadas assim quando almoçavam comigo. Allex, por sua vez, detesta comer almoço frio. Então tenho de pensar em refeições sem castanhas, que possam ser comidas frias ou requentadas, que se mantenham bem na térmica ou requentem bem no microondas sem virar uma gosma, que não fermentem dentro da térmica, que não vaze, que seja apetitoso e que sustente todo mundo até o jantar. Mas que também seja natural. E tenho que montar tudo, com dois lanchinhos diferentes, nutritivos e fáceis de comer, às 6 da manhã todo dia, enquanto preparo também o café da manhã, mando criança escovar dente e botar a roupa.

O engraçado é que foi tanto tempo sem rotina de verdade, que minha sensação é der apagado completamente da memória o meu jeito de fazer as coisas, de cozinhar, de me organizar. Estou reaprendendo tudo de novo. E claro que, num momento em que você busca familiaridade e conforto, encarar mudanças e reaprendizagem termina de puxar seu tapete.

Sentia-me sem nenhum norte, sem saber onde me apoiar e sem saber para onde ir a partir de então. Setembro foi um mês difícil.

Num momento mais crítico, converso com duas grandes amigas, separadamente, e não consigo disfarçar a exaustão na voz. Divido com elas meus perrengues, minhas frustrações, minha ansiedade. Uma delas, muito sensata, tendo passado pela mesma experiência dois anos antes, diz, quando pergunto se ela já se sente em casa num país estrangeiro: "você precisa saber o que está buscando, para saber se as suas decisões estão aproximando você desse objetivo ou afastando; se você muda de país sem saber o que você quer disso, você só mudou o cenário."

Ficou dolorosamente claro que eu andava buscando nas árvores um pássaro cuja cor eu não sabia.

E então, esta outra amiga exasperou-se com um outro relato meu, dizendo que eu fora atrás de qualidade de vida, e que não fazia o menor sentido tomar decisões que tivessem o resultado oposto.Você está tornando tudo mais difícil para você, e não há nenhuma necessidade disso, ela disse. Tentando fazer mais do que se pode, tentando provar um ponto sabe-se lá para quem - se um processador vai facilitar sua vida e melhorar seu humor em casa, vai lá e compre o processador de uma vez, foi pra isso que você vendeu suas coisas, para poder recomprar o que fosse importante. 

Ter isso no freezer com certeza me remete ao lar.
E as duas, uma depois da outra, disseram que era preciso se perdoar por todas as burradas e pés metidos pelas mãos que havíamos cometido e ainda cometeríamos, e, sem dúvida, nessa situação em que quase todas as nossas referências são jogadas para o alto, buscar sim algum conforto que seja familiar. Admitir cansaço, e apenas descansar.

Aqueles conselhos ressoaram durante dias na minha mente, mas foi preciso todo um episódio específico de excesso de preocupação com coisas estúpidas, gasto desnecessário de tempo e energia, e obtenção de resultados medíocres, para que as palavras se arraigassem em meu cérebro e eu de fato entendesse que aquele recomeço não significava apenas uma mudança de endereço, mas a oportunidade de parar de cometer os mesmos erros de sempre.

Foi doloroso como um tijolo baiano no pé ler, àquela noite, o artigo de Mason, e encontrar uma frase mais ou menos como"se você se importa com muitas coisas pequenas, talvez você não tenha algo realmente significativo com o que se importar".

Com o que eu me importo, então?

O que eu quero?


EU QUERO UMA VIDA TRANQUILA. Repeti isso à exaustão nesse blog nos últimos anos, e sempre me surpreendo quando percebo que esqueci o que quero. Eu quero uma vida tranquila.

Começo a desenhar em linhas suaves na minha mente o que uma vida tranquila representa para mim. E me dou conta de que já tenho todo o desenho completo realizado. Só preciso respirar fundo e parar de puxar meu próprio tapete. Simplesmente aceitar as mudanças que vieram e tornar minha vida tranquila dentro dessa nova rotina contra a qual eu parecia estar lutando. Parar de dar importância ao que parece diferente e difícil, e simplesmente "don't give a f*ck anymore". Dar importância com mais parcimônia.

Respiro fundo, e naquela segunda-feira, decido que quero minha vida tranquila AGORA. Não só depois que tudo estiver resolvido. O PR Card não chegou a a viagem é em cinco dias? Fazer o quê? Eu tenho até 24 horas para alterar a data outra vez, e nada mais está nas minhas mãos. Logo, me preocupar com isso é inútil.

Acordo cedo sem pensar se estou cansada ou não, sem pensar se dormi mal ou não. Allex, que levanta cinco minutos antes, traz um cappuccino quentinho para mim. Dou-me conta de que ele tem feito isso todos os dias há já mais de uma semana, e ver o primeiro hábito instaurado na nossa nova rotina me faz sorrir. Acordo cedo pensando que terei muito tempo para fazer várias coisas até o horário de sair para a escola. Para garantir que não haverá mais correria atradasada no meio da rua, coloco um despertador no celular para a hora limite de nossa saída, ainda dando tempo de as crianças brincarem antes da aula.


 Deixo as crianças ajudarem como podem e como querem durante o café. Enquanto elas comem e fazem uma dose mínima de sujeira com a geleia sem que eu esteja olhando (e se eu não estiver olhando, eu não me irrito), preparo o almoço de todos, dando prioridade para o do Allex, que sai mais cedo. Minha linha de produção de marmitas vai funcionando bem, e Allex pega sua marmita pronta, dá-me um beijo e sai, e as crianças vêm ver o que há para comer e fecham as tampas e guardam tudo em suas respectivas lancheiras. Deixo que brinquem enquanto faço um pouco de exercício. Só um pouco. Não precisa ser um treino inteiro. Um exerciciozinho só para lembrar meu corpo de como ele funciona. Visto-me com calma, coloco maquiagem, e enquanto as crianças colocam a roupa que lhes dá na telha, sento-me para aí sim comer uma fatia de pão, pois nunca tenho fome às 5h30 da manhã. Quando saímos, saímos sem pressa. As crianças entenderam que chegando cedo, têm mais tempo de brincar antes da aula, e deixo que decidam por elas e arquem com as próprias consequências. Basta dizer que não terão tempo de brincar para que saiam correndo vinte metros à frente em direção à escola.

Eu fora então ao mercado de orgânicos decidida a comprar a MINHA comida, com todas as naturebices a que eu tinha direito. Passara dois meses de adaptações e frustrações, com a ideia fixa de que era prudente economizar em tudo, sem exceções. Mas o mercado barato tem um sortimento limitado, e muita coisa que vem dos Estados Unidos é mais lixo do aquilo que eu já considerava porcaria no Brasil. Não encontrar bom tomate em lata sem bizarrices dentro, por besta que soe, havia me deixado deprimida por dias. É um problema estúpido. Mas comida é uma parte muito importante da minha vida, e eu havia vindo para cá acreditando que encontraria variedade e produtos de qualidade. EU ME IMPORTO COM COMIDA. E só estou me importando com outras coisas idiotas, por não estar respeitando aquilo que é de fato importante para mim.

E no mercado de orgânicos encontrei meu tomate em lata. E meus legumes, e bacon de porco feliz, e as nozes e castanhas que, apesar de não poder botar no almoço das crianças, eu posso botar no meu. E comprei snacks, bolachas de arroz, chips de banana da terra, cenouras baby coloridas, para facilitar de manhã cedo o preparo dos almoços, e passei na Staples para comprar canetas e um bloco colorido de post-it, para voltar a criar a lista de ingredientes da despensa e a lista de refeições da semana, que sempre foi a melhor coisa do mundo para me organizar. E sim, até catei minha carteira e comprei meu processador, pois não poder fazer um pesto de brócolis ou transformar as sobras do arroz em bolinhos, ou transformar o pão amanhecido em farinha de rosca, andava quebrando minha cabeça e tornando minha rotina na cozinha consideravelmente mais difícil. Minha amiga tinha razão, e ela ficou felicíssima quando mandei a foto do processador desembalado.
Almoço solitário: pão sourdough torrado com uma colherada de tahini, cavolo nero refogado em alho, tomates e queijo feta esmigalhado.
É bom ter gente próxima que bota a gente nos eixos quando começamos a tropeçar por aí. Mesmo que esteja cada uma de um lado do mundo. Essas duas mulheres fortes que me fazem pensar mais devagar, olhar as coisas com outros olhos e simplesmente don´t give a f*ck. Relaxar. Tirar o peso dos ombros.

Almoço solitário: bolinhos de arroz e lentilha com tomates heirloom, pepinos, abacate, alface, cebola roxa e uma colher gorda de iogurte.
E naquele dia de Outubro, voltando do mercado, olhei em volta, para a luz do sol passando através das folhas das inúmeras árvores de Maple plantadas na cidade, e percebi que pela primeira vez desde que cheguei aqui, estava me sentindo em casa, que meu dia estava sendo tranquilo, e que eu estava feliz. Estava fazendo aquele caminho pela enésima vez sem pensar, reconhecendo as casas, o cheiro das plantas, até mesmo o Pepe, o esquilo preto com a ponta do rabo branca, que está sempre no meu quarteirão, e que me faz lembrar da gatinha do desenho do Pepe Le Pew.

A consciência daquela sensação encheu meu peito de uma alegria quente. E porque às vezes a vida é poética assim, quando ouvi o canto do Blue Jay e levantei os olhos para procurá-lo, avistei aquele pássaro grande como um Bem-te-vi, azul, azul como nunca imaginei, cantando empoleirado no galho acima de minha cabeça.

A partir daquele dia o aperto no coração e a ansiedade se foram. As coisas começaram a parecer mais naturais e os contratempos, menos ameaçadores. A casa começou a ficar com cara de casa, os dias começaram a ficar mais parecidos. Entro em casa, tiro os sapatos, penduro minha bolsa no armário. Tenho um lugar para jogar as chaves. Faço um chá, sento no sofá, abro um livro. I´m finally home. 

Depois daquele dia, tive a primeira noite bem dormida em terras canadenses. Dois bons dias depois, meu cartão de residente permanente chegou, me dando a certeza de que agora posso fazer a viagem para buscar o Gnocchi e tornar nossa mudança completa.

Setembro foi um mês difícil mas necessário.

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Outubro é o mês em que fiz 38 anos, em que meu marido cumpriu sua promessa, feita há dois anos, de comemorarmos esse aniversário comendo hambúrguer em Toronto, e foi a primeira vez em que meus filhos de fato se lembraram sozinhos de que eu fazia anos. O bolo foi o de sempre, de chocolate da Alice Medrich com a cobertura de sempre, uma camada só, simples, que eu deixei as crianças lambuzarem de cobertura e cobrirem de velinhas coloridas. Passei o dia ouvindo Thomas cantando Happy Birthday To You. 
 

Tivesse mantido tudo o tempo todo simples como aquele bolo e essas receitas, talvez não tivesse me estressado tanto. É claro que me encantei com a variedade de couves, de abobrinhas, a possibilidade de comprar porco orgânico e salmão selvagem. Mas no fim o melhor a se fazer é se manter naquilo que é familiar e confortável. Por isso, todas as sextas-feiras tenho feito A PIZZA RETANGULAR. Depois de três semanas, todos já chegam em casa sabendo que sexta tem pizza, e isso é muito bom. Rotina, sabe? ;) Primeiro apenas mozzarella, depois com gorgonzola, e então comecei a usar outros toppings, distribuídos junto com o queijo, como o que sobrou da linguiça de ontem, pimentões fatiados, brócolis cozidos, couve, o que houver. 


Não dá para esquecer nunca da torta de liquidificador da minha mãe, que eu faço numa tigela com um fouet: quase não sobrou para levar de almoço no dia seguinte, e já sei que vale a pena fazer uma simplesmente com esse fim. 

Esse era de framboesa e chocolate. :)
Engraçado que no Brasil as crianças não pareciam ligar muito para muffins, mas aqui eles andam absolutamente entusiasmados, e preparar muffins de qualquer coisa que seja é fácil e prático para o lanche das crianças. Busquei na internet uma receita básica que eu pudesse alterar como quisesse, pois tinha apenas duas tigelas, farinha, ovos, manteiga leite e açúcar, e encontrei ESTA AQUI da Martha Stewart que fica deliciosa. Buttermilk no lugar de leite e uma pitada extra de bicarbonato os deixaram ainda melhores, e eu tenho brincado loucamente com a receita, fazendo-os com framboesas e chocolate, trocando o açúcar por mascavo e carregando a mão nas especiarias, usando sementes e frutas diversas, sempre com sucesso. Depois de prontos e frios, coloco-os num saco no freezer e tiro só os necessários para o lanche do dia seguinte. Eles descongelam durante a noite e parecem fresquinhos na hora do lanche. 

Outra descoberta do reino da simplicidade foi ESSE BOLO DE BANANA do The Kitchn. Ao procurar banana bread no blog, fiquei besta ao descobrir que não tinha nenhuma receita simples como eu queria. E a da Tessa Kiros que eu tinha no livro eu trouxe, apesar de simples, usava a batedeira que eu não tinha. Esta receita foi uma deliciosa surpresa. É perfeita e as crianças fizeram sozinha. Fica úmido, macio, compacto, com aquela casquinha brilhante e resistente à mordida de bolos da infância. 

Kedgeree de cenoura e couve-flor da Bela Gil, com coentro e amêndoas por cima. Amêndoas só no meu, que as crianças não podem levar na escola.

Tenho usado muito como inspiração o site Green Kitchen Stories, e até voltando a algumas receitas da Bela Gil. (O kedgeree de cenoura e couve-flor, que eu fiz com arroz branco orgânico, ficou um desbunde, as crianças levaram de almoço e rasparam o pote.) A ideia de simplesmente ter vários grãos e leguminosas cozidos e prontos para usar e apenas combinar isso com um punhado de vegetais e folhas, uma colher de iogurte, um queijo ou um ovo, tem facilitado a montagem dos almoços.  Sem contar que tirar a carne da jogada facilita e barateia as compras. Nisso, lembrando da época sem filhos em que eu almoçava sozinha, tenho voltado aos meus almoços leves de saladas, bruschetta ou uma sopa simples. Isso aliado ao fato de andar TANTO por aí me fez perder TODO o peso extra adquirido nos meses anteriores à viagem. 
 
Batatas previamente cozidas, pimentões, tomates, cebolas, alho e alecrim assados em azeite até caramelizarem. Juntei ervilhas congeladas apenas para cozinharem no calor do forno, queijo feta que aqueceu deliciosamente, polvilhado de salsinha picada e acompanhado de fatias de pão desse lindo pão de centeio marmorizado da padaria.

Uma das saídas mais brilhantes que tenho usado do Green Kitchen é isso de simplesmente jogar a refeição toda numa assadeira. SE você não sabe o que fazer de jantar, jogue os legumes na assadeira com azeite e temperos básicos e asse até dourarem. Jogue folhas por cima, e frutas, e queijos e o que houver, e você tem uma refeição. Achou que é pouco? Uma fatia de pão completa. Ou uma fruta de sobremesa. Ou uma salada. Enfim. No-brainer.

Uma adaptação da sopa de grão de bico e repolho da Marcella Hazan.
Voltar a fazer minhas listas nos post-its na geladeira foi maravilhoso. Uso tudo o que tenho em casa, preparo tudo o que posso com antecedência no fim de semana ou na segunda, e vou apenas finalizando ou montando durante a semana. Tenho feito cada receita em porções gigantes, para sobrar para o dia seguinte ou poder congelar. Sempre que preparo um molho de tomates, preparo o dobro. Sempre que cozinho feijões, cozinho tudo. Vai tudo congelado e eu tenho refeições emergenciais para as semanas subsequentes. Tenho no meu freezer no momento:
  • cenouras picadas
  • salsão picado
  • ervilhas congeladas
  • massa folhada
  • sopa de grão de bico e repolho
  • grão de bico cozido
  • feijão preto cozido
  • arroz branco cozido
  • molho de tomate
  • guanciale
  • miolos de maçã para fazer geleia
  • aparas de legumes para fazer caldo
  • bolinhos de arroz e lentilha para irem direto para o forno
  • cozido marroquino de berinjela

 Estou mantendo sempre um estoque mínimo de opções de snack que não precisem de preparo:
  • chips de mandioca ou de banana da terra (que no momento estou comprando mas depois vou começar a fazer)
  • diferentes tipos de bolhacha de arroz (aqui você encontra uns que vem com trigo sarraceno, com quinoa, com cevada...)
  • cenouras baby orgânicas (eles adoram as coloridas)
  • tomates cereja
  • frutas para serem levadas inteiras (as crianças estão pirando na variedade enorme de maçãs que há aqui)
  • pepinos
  • pimentões
  • queijos


Vida tranquila também quer dizer acordar tarde de sábado e comer panquecas com maple de almoço. Também quer dizer jantar pipoca na terça-feira. Também quer dizer muito spaghetti caccio e peppe e fusilli com molho de tomate. Também quer dizer não fazer pão e ir até a padaria do bairro, onde você compra pão do dia anterior pela metade do preço.

Agora só falta o Gnocchi aqui para me acompanhar nas idas ao mercado e nos passeios de metrô. 

Não vejo a hora de por minhas mãos naquele cãozinho peludo delícia que me espera. ^_^




 



Cozinhe isso também!

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