terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Como um supermercado vira refeição e a simplicidade dos ingredientes

De uma cervejaria artesanal aqui perto.

 Quem estava esperando um post de Natal aqui, lascou-se.

O Natal anda devagar quase parando. Ainda mais porque meus pais (💓) vieram visitar por dez dias no início de Dezembro, e eu é que não ia ficar enfurnada na cozinha - fui é passear. Hoje foi o primeiro dia em que assei biscoitos, os Spekulatius de sempre, porque marido pediu e porque a receita é simples o bastante (e certeira) para triplicar e presentear os professores que foram mais que pacientes e carinhosos com meus filhos nesse semestre.

Aquela lambança de um biscoito por semana, panetone, panforte, torroni e o caramba... eh... cansei.

Além disso, se você me perguntar o que vou preparar de ceia de Natal, a resposta será um sonoro "não sei!". Passei os últimos trinta dias matutando no cardápio, sem chegar a conclusão nenhuma. Será  o primeiro Natal que passaremos apenas nós quatro, e, sem ter uma multidão para alimentar, confesso estar meio perdida. Pensei em vários cortes de carne diferentes de diferentes animais, mas mesmo o mercado municipal não tem aquilo que eu desejava. Então, no melhor estilo Vida Tranquila, dei de ombros e decidi que vou cozinhar o que eu encontrar de interessante no mercado orgânico uns dias antes: ao invés de correr todos os açougues de Toronto e me estressar procurando especificidades, vou na lei do mínimo esforço. Tenho zero interesse de transformar o que deveria ser um bom momento em família numa fonte inesgotável de estresse culinário. Qualquer coisa que encontrar vai bem com batatas. E ficando na cozinha italiana e francesa, nada pedirá temperos exóticos que me façam sair explorando ansiosamente supermercados de outras vizinhanças.

Enfim.

Sou melhor com comida de todo dia do que com comida de festa.

Então estou tentando aplicar à comida de festa a mesma estratégia que uso com a de todo dia.

Porque toda semana, aqui, é sempre igual. Chega sábado e domingo, e eu dou uma vasculhada rápida na geladeira, na despensa e no freezer em busca do que há e do que falta.

Simplificar a cozinha foi um ato de amor próprio. O que um dia fora uma aventura deliciosa, uma empolgante exploração de sabores e técnicas desconhecidas na busca da minha identidade na cozinha, ao longo do tempo tornou-se um fardo, um peso nos ombros provocado pela pressão da nutricionista louca e da chef megalomaníaca dentro de mim, impulsionada pelo mundinho internetístico que me fazia sentir sempre incapaz e insatisfeita com a comida que eu colocava à mesa. Levanta a mão quem segue no Instagram as mães hipster-vegan-gluten-free-quarenta-e-sete-tipos-de-castanha-dentro-de-um prato e não fica depois se sentindo uma mãe nhanha e uma cozinheira meleta porque o seu filho nunca experimentou falafel de moyashi  com queijo de semente de abacate e molho de umbu e sal do himalaia, e agora o paladar dele está arruinado para sempre e ele com certeza não vai mais ser uma pessoa incrível quando crescer.

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Parar de surtar na batatinha com essas coisas e voltar a comer comida foi a melhor coisa que fiz por mim e pela minha família. Eu continuo adorando várias receitas que aprendi nas minhas fases naturebas mais enlouquecidas, assim como aprendi horrores quando tinha uma obsessão doida por confeitaria francesa e técnicas complicadas.

Mas basta.

Chega uma hora na vida que você só quer curtir seu macarrãozinho. Com glúten.

A cozinha ficou mais fácil de gerenciar, a lista de compras diminuiu e ficou mais barata, e, a não ser quando coloco nozes nas coisas, não ouço mais nenhum mimimi da família. É mais fácil reutilizar as sobras, há menos itens perecíveis com os quais me preocupar, o desperdício é zero, eu passo menos tempo do meu dia pensando em comida e mais tempo... fazendo qualquer outra coisa, e todo mundo está saudável e feliz.

Ainda tenho a tendência de overthink. Pensar demais e me inventar preocupação é minha maldição, e tenho que lutar contra isso constantemente. No caso, cortar os gatilhos para esse comportamento é o que mais funciona para mim e me dá paz de espírito. Razão pela qual sumi do Instagram, para quem estiver se perguntando. Internet em geral alimenta meu monstro.

Chega de alimentar o monstro.

Prefiro alimentar minha família.

A lista que deixo no Keep é essa, de tudo o que é essencial na minha cozinha. Deixo a lista na ordem em que encontro os produtos no meu mercado. Os itens em azul são aqueles que eu compro quase que invariavelmente toda semana.
  • 3 tipos de fruta (quantidades depende da fruta)
  • 2 tipos de legumes (idem)
  • 2 tipos de folhas (idem)
  • Cebolas
  • Alho
  • Salsão / Aipo
  • Cenouras
  • Salsinha
  • Cebolinhas
  • Avocados
  • Limas /limões
  • 500g de algum grão, normalmente arroz
  • 500g de qualquer tipo de leguminosa (grão de bico, feijão ou lentilha)
  • milho para pipoca
  • 1kg de aveia laminada 
  • 4 litros de leite
  • Iogurte integral (eu compro um pote de 1,75kg, e sai o mesmo preço de fazer o meu e esse é muito bom)
  • Creme de leite fresco (um potinho de 500ml)
  • 1 ou 2 tabletes de manteiga (cada um vem com 450g; depende das receitas a fazer na semana)
  • 500g queijo cheddar branco
  • 500g queijo mozzarella para a pizza
  • 1kg de parmesão
  • 2 caixas de ovos com 12 unidades cada
  • 1 pacote de 250g de prosciutto ou bacon (que uso essencialmente para refogar com cebola e dar gosto a pratos simples)
  • 1 pacote de cereal matinal (tem uma marca orgânica de que gosto muito que usa vários grãos integrais e não tem quase nada de açúcar)
  • 5kg de farinha ( normalmente trigo branca, mas pode ser integral também)
  • 1kg de alguma farinha especial (polvilho, trigo sarraceno, centeio ou farinha de milho para polenta)
  • Cacau em pó (que é mais versátil para ter sempre do que barras de chocolate)
  • Fermento químico
  • Fermento biológico seco
  • Bicarbonato de sódio
  • 2 pacotes de macarrão (de 450g cada)
  • 1 lata de tomate pelado (de 750g, dá para o molho da pizza e mais algum preparo)
  • Azeite de oliva
  • Óleo de semente de uva (que uso quando não quero o gosto forte do azeite, ou para frituras)
  • Vinagre de maçã
  • Tahini (resquício da minha onda uber-natureba, mas que adoro)
  • Manteiga de amendoim natural (que adoro comer no iogurte com frutas)
  • Mostarda de Dijon
  • Ketchup
  • Azeitonas
  • Mel
  • Melado de cana
  • Sal
  • Pimenta-do-reino
  • Açúcar
  • Açúcar mascavo 
  • Extrato de baunilha
  • Café em grão
  • Chás variados
  • 1 pacote grande de chips de tortillas de milho sem sal
  • pão e/ou tortillas de trigo frescas

É  claro que às vezes coloco na lista itens especiais, como um chocolate, um peixe, uma erva diferente, castanhas. Mas essa lista é, via de regra, o que eu faço questão de ter sempre em casa para o bom funcionamento da minha cozinha e da minha sanidade.

Então chega sábado e domingo, varro com os olhos os armários da cozinha e tico no aplicativo tudo o que ainda tem (mesmo que seja bem pouquinho, porque só compro mais quando REALMENTE não tem mais) e tudo o que acabou. Aí entra o pulo do gato: ANTES de botar TUDO o que falta na lista, eu faço o exercício mental (e essa é minha parte favorita, acreditem) de tentar criar refeições com o que há no armário, no freezer e na despensa, como se fosse impossível ir ao mercado àquela semana. Há semanas em que consigo cozinhar apenas com o que está ali, por mais vazia que a geladeira pareça, e vou ao mercado apenas para a manteiga e o leite do café da manhã. Há outras em que todos os vidros e prateleiras estão vazios (por conta do esforço em usar o que tem dos outros dias) e volto de fato carregada da lista toda ali em cima. Mas isso é bem mais raro.

Sabendo quantas refeições consigo produzir com o que tenho, sei exatamente o que eu de fato preciso comprar da lista para completar as refeições que faltam. Anoto as refeições num quadrinho na geladeira, mais o menos na ordem do que vai estragar mais rápido para aquilo que pode esperar mais. E faço a listinha do Keep.

O mais comum é que eu volte do mercado mais ou menos assim, faltando apenas o saco de batatas e o leite, que esqueci de fotografar:

Em sentido horário: couve-flor, lentilhas, cevadinha, creme de leite fresco, ovos, azeitonas pretas, broccolini, folhas de mostarda, cenouras, alho, echalotas (compra de impulso), avocados, grapefuit, 3 tipos diferentes de maçã (duas de cada) e bananas.

 Parece pouco para a semana, mas é preciso lembrar que só faço os jantares. Allex sempre leva de almoço a porção que costuma sobrar do jantar anterior, e o almoço das crianças varia entre diferentes tipos de sanduíche, macarrão com legumes e queijo, ou algum bolinho feito com sobras de grãos e legumes. O meu almoço também faz uso de sobras e quase sempre uma fatia de pão, como mostrei no post anterior. Também isso não costuma contar para o final de semana, quando saímos para comer ou inventamos alguma porcaria no improviso. Fim de semana é dia de almoçar sanduíche, jantar pipoca, e descansar a cabeça.

O cardápio inventado vai para o quadrinho da geladeira. Se eu tiver qualquer ideia diferente para os almoços das crianças e o meu, anoto embaixo.
  
Naquela semana, em que eu tinha umas três linguiças que haviam sobrado dos cachorros-quentes do fim de semana, pensei nas lentilhas e alguma verdura escura. O flyer do mercado dizia que as folhas de mostarda estavam em promoção, então elas foram as escolhidas. Também em promoção estavam os broccolini e a cevadinha. Logo, decidi não comprar arroz aquela semana e levar cevadinha no lugar, que havia muito tempo não comia. Levei o bastante para o jantar com as sobras e mais um tanto para produzir orzotto na semana seguinte.

A promoção se estendia às couves-flor, que eram mais em conta se levadas em par. Uma delas virou aquele bolo de couve-flor maravilhoso do Ottolenghi, e outra virou cobertura de pizza, cheia de azeitonas pretas, segundo a receita do Jim Lahey

Eu pretendia assar as batatas com ervilhas num tray bake, mas de última hora resolvi cozinhá-las e misturá-las a um pouco daquele pesto de folha de erva-doce que ainda havia no freezer. Acompanhei com ovos fritos e um purê de ervilha que estava uma delícia, mas que as crianças não gostaram. (Uns dias depois, o purê de ervilha recusado foi misturado a ovos e farinha e fermento e transformado em  panquequinhas para o lanche da escola. Sucesso.)

Os abacates foram para meu almoço junto com aquele grapefruit pequeno, as maçãs foram para os lanches da escola, e as bananas viraram bolo. O creme de leite e os ovos viraram sorvete de baunilha e a despensa estava novamente vazia no domingo seguinte. 
 

As lentilhas com salsicha não têm segredo. Dourar as linguiças na panela até estarem cozidas, dourar cebola e alho na gordura das linguiças e mais um fio de azeite, e juntar as lentilhas já cozidas, misturando bem para os gostos apurarem. (No caso, minha lentilha sempre leva cenouras e louro.). Uma bela polvilhada de salsinha e um fio de vinagre e pronto. Servir. As folhas de mostarda foram branqueadas e puxadas no azeite e alho. Só.

No caso da cevadinha, eu tinha uma memória fugaz de um prato da Heidi Swanson com cevadinha e raspas de limão, temperada como se fosse um risotto. Primeiro branqueei o broccolini, e depois usei a água do legume para cozinhar a cevadinha. Quando ela estava no ponto, refoguei os broccolini em azeite, alho e pimenta calabresa, juntei a cevadinha com um pouco de caldo, para os gostos se misturarem, e quando o líquido evaporou quase todo, juntei uma bela quantidade de azeite, raspas de limão siciliano, uma espremida do limão para trazer acidez, e um belo punhado de parmesão ralado. O ovo frito é sempre meu acompanhamento favorito para completar uma refeição.



O jeito que melhor funciona para mim na hora de pensar no que fazer para comer, é fazer um quebra cabeças de PRINCIPAL + ACOMPANHAMENTO QUENTE + SALADA com o que tem na geladeira, tentando trocar os papéis dos legumes, como se fosse um jogo de combinações em que as posições não podem se repetir. Ou seja: quem é acompanhamento quente hoje, amanhã tem que ser salada ou principal. O brócolis pode ser o principal se estiver gratinado, por exemplo, e o arroz é o acompanhamento. Mas se o arroz, por sua vez, for de forno, com ovos e queijo, o brócolis e só refogado e acompanha. A cenoura num dia é cozida e temperada com manteiga, no outro dia vai dentro do soufflé, e no outro é raladinha como salada. Se o principal for mais robusto e já tiver legumes, pulo ou o acompanhamento quente ou a salada. 

Eu era muito fã de pratos únicos quando éramos só Allex e eu. Mas com crianças, é com certeza mais fácil pensar em pares ou trios de pratos. Se Laura ou Thomas teimam de não gostar de algo, tem sempre outro elemento no prato para mantê-los alimentados. A única obrigação deles é experimentar de tudo. Mas não precisam gostar nem precisam comer um monte do que não gostaram.(Aliás, sempre foi a melhor estratégia com os dois: eu dizia que só precisava experimentar, e que não precisava gostar; se não gostassem, não precisavam comer mais; mas se eles nem experimentassem, eu nunca saberia que eles não gostam, e então continuaria preparando aquilo TODOS OS DIAS; em contrapartida, se eles experimentassem e não gostassem e me dissessem, eu NUNCA MAIS faria aquilo para eles. FUNCIONA SEMPRE. E quase sempre eles acabam gostando.)

O fato de ter os pratos ali anotados não quer dizer que eu vá de fato prepará-los. Mas tendo eles ali, e sabendo quanto tempo eles levam para ficar prontos, posso trocar, misturar e reinventar, ou escolher de acordo com o meu dia o que é melhor preparar. Se o dia foi um lixo e eu mando tudo às favas e preparo um spaghetti cacio e pepe, não tem problema. Como comprei pouco, nada vai estragar só porque não usei naquele dia. Não há pressão. A cozinha é leve.

No fim, como disse, o exercício de criatividade quando há pouco na geladeira é o que mais empolga como cozinheira. Quem me recomendou o show Salt Fat Acid Heat, com certeza sabe o quando adorei o último episódio, quando Samin Nosrat diz que o que a faz feliz é cozinhar ingredientes simples, de todo dia, que estão disponíveis o ano todo, como cenouras e batatas. Demorei muito para entender esse prazer, contaminada pelos shows e livros de cozinha cheios de ingredientes exóticos e caros para o brasileiro médio. 

Daí que quando o Masterchef Profissionais propôs aquela prova de cozinhar com uma cebola como elemento principal, eu tive essa epifania: se você quer ser um bom cozinheiro, não precisa de nada mais do que cebola, cenoura e salsão. Não apenas como temperos, mas como elementos em si. Quantas refeições você consegue fazer numa semana, se tiver apenas esses três legumes em mãos? Inúmeras. 

Náo existe foto bonita de salsáo gratinado, ainda mais com essa nhaca de luz branca horrorosa do meu teto.
E houve mesmo uma semana depois desta das fotos, em os únicos legumes na minha geladeira eram esses três. E rolou clafoutis de cebola com cenouras vichy, teve risotto de salsão (super delicado) com caldo caseiro, teve arroz integral com salada de cenoura e um incrível salsão gratinado da Marcella Hazan, que estava delicioso. Sim, salsão gratinado. Você tira os filamentos mais duros dos talos externos de uns dois maços de salsão, corta em pedaços de uns sete centímetros e branqueia os pedaços em água fervente. Numa panela larga, você refoga um pouco de cebola e umas fatias picadas de prosciutto na manteiga e azeite, junta os pedaços de salsão, e um de pouco de caldo de carne, só o bastante para brasear. Eu não tinha caldo de carne, mas tinha o caldo do cozimento de grão de bico (que estava bem temperado e uma delícia), e foi isso que usei. Deixa o caldo ferver até quase sumir e o salsão ficar macio. Coloca os talos de salsão numa travessa refratária como se fossem canoinhas, espalhando as cebolas e prosciutto por cima. Polvilha generosamente de parmesão e leva ao forno médio-alto até formar uma casquinha dourada. MARAVILHOSO. Thomas, que não gosta de salsão cru, repetiu e pediu para fazer sempre. Laura, como sempre, para ser do contra, ama salsão cru, mas não gostou dele cozido. Minha sina. Eu faria sim isso de novo. Com simples cogumelos refogados e um panelão de arroz integral, foi uma refeição deliciosa.   

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O que eu como em um dia (quer dizer, uma semana, mais ou menos...), muitos reaproveitamentos, um bolo simples e um sorvete de baunilha

As frutas sao da Laura, eu nao sou tao saudavel assim.

CAFÉ-DA-MANHÃ

O dia amanhece tarde. O sol não dá as caras antes das sete da manhã. Ainda são seis e alguma coisa, uma preguiça-monstro impera, e não fosse o fato do marido acordar dez para seis para correr ou meditar, acho que jamais acordaria. Está frio lá fora, chove, e não me animo para a rotina-loucura matinal com as crianças. Mas o cão vem batendo o rabo entre a parede e a cama, panc, panc, panc, panc, feliz e contente pedir por comida e carinho, e seu bafo quente e suas lambidas em meu nariz escapando para fora das cobertas me convencem.

Levanto.

Há mais de meia hora as crianças já estão de pé, brincando no quarto ou desenhando na sala. Já saio do quarto vestida de roupa de corrida e de cama feita, para não me animar a voltar ao travesseiro. O ruído da cafeteira moendo grãos de café e ligando a caldeira é confortável. Acendo as luzes da sala e da cozinha conforme caminho pelo pequenino apartamento. Ainda é noite fechada lá fora.

Thomas dá comida ao cão e pergunta o que há de café. Tem pão, tem cereal, tem waffles de ontem. Quer uma torrada? Laura apanha as frutas do prato azul da bancada, uma faca pequena e começa a preparar seu prato. Ela sempre come frutas no café da manhã. Um bocado delas. Naquela manhã, kiwi e romã. Faço torradas para o resto da família, douradas com manteiga na frigideira. Thomas come várias com mel ou geleia, Allex come duas. Uma torrada basta para mim, pois nunca tenho fome assim que acordo. Uma torrada solitária, com uma passadela extra de manteiga e uma pitada de sal para acompanhar meu cappuccino de todo dia. Nessa semana, no entanto, minha torrada vem sempre com esse estranho queijo-que-não-é-queijo que minha cunhada trouxe da Noruega. Pense um doce de leite. Mas sem açúcar nenhum. Estranhíssimo e delicioso.

Como assim, de pé, sobre a tábua de corte onde já saio preparando o almoço das crianças. Allex sempre leva restô-dontém, mas as crianças raramente têm tempo para uma refeição decente, o que sempre me entristece. Mas bola para frente. Ando sempre buscando alternativas para enfiar mais legumes nos lanches.

Naquele dia, resolvo fazer um rolinho de ovo com legumes, uma espécie de omelete de forno para usar as nove claras que eu tinha no freezer, e que eu não queria transformar DE NOVO em Angel Food Cake. Ossos do ofício de quem faz sorvete em casa - arrumar novos modos de usar as claras que sobram. Encontrei essa receita internet afora, preparara na noite anterior e deixara já pronta na geladeira para a manhã seguibte  Os adultos adoraram. As crianças, no entanto, não se animaram. Thomas achou que tinha queijo demais e ficou muito salgado, mas a verdade é que usei a quantidade de sal pedida na receita, sem me dar conta de que o sal que compro é bastante salgado (tem disso, sal que é mais salgado, sal que é menos salgado). Ovos salgados mais queijo cheddar, realmente ficou meio além da conta. Então, se for fazer a receita, lembre-se de salgar a gosto e com cuidado. Já Laura não gostou foi da textura, e é sempre disso que ela reclama quando dou algo essencialmente macio para ela comer: frittata, gnocchi, Spaetzle, omelete, e até crepioca são sempre sumariamente reprovados por ela por conta da textura.




Olha que fofura! Dá pra acreditar que eles não gostaram? Eu adorei, mesmo muito salgado.

Enquanto todos terminam de se arrumar e colocar nas lancheiras seus almoços, coloco roupas para lavar, louças na lava-louças, passo um pano na mesa e na bancada da cozinha (quando uma das crianças não se anima a fazer essa limpeza), alimento meu fermento, e verifico minha lista de coisas a fazer do dia.

Allex já saiu correndo para o trabalho que fica longe.

Quando todos estão prontos, saímos para a escola. Eles de casacos de inverno, eu tilintando de frio num agasalho leve de corrida, puxando o cão comigo e pedindo para que os dois acelerem o passo para mamãe não congelar até chegar na escola. É o primeiro dia de sensação térmica negativa do Outono. Chove leve.

Beijinhos, recomendações, abraços, jogo a criançada para dentro da escola e imediatamente começo a correr, puxando o cachorro para o parque, buscando me esquentar com a movimentação.

LANCHE DA MANHÃ

Quando chego em casa, depois de alguns quilômetros corridos (as vezes três, às vezes sete, às vezes nenhum, depende do que tenho para fazer no dia e da colaboração do cão), a fome bate. São nove e quarenta e cinco. Dez da manhã quando a corrida foi longa. Tomo um banho rápido, dou mais comida e água ao cão e preparo o que considero meu segundo café da manhã, desta vez apreciado em silêncio, com calma, sentada à mesa. Simples e, assim como a torrada com manteiga, todo dia tudo igual: meia xícara de iogurte natural, a fruta que houver, uma colher de manteiga de amendoim (sem açúcar, apenas amendoim, e quando tenho na geladeira, substituo por nozes picadas) e um fio de mel. Acompanha uma xícara de chá, que, assim como meu café, tomo sem açúcar -  acho que açúcar estraga o gosto das bebidas.

Ok, sou saudável sim. Mas minhas frutas vem sempre aqui, com iogurte.
A partir daí, o dia começa. Pintar, desenhar, escrever, resolver pepinos, responder emails, terminar um trabalho, prospectar clientes, costurar joelho de TODAS as calças das crianças e passar aspirador na casa (coisa que leva cinco minutos - vantagem do apartamento pequeno) para recolher toda a areia que se solta dos pelos do cachorro quando a lama do parque seca. 

ALMOÇO

Às dez para meio dia já tenho fome e começo a preparar minha torrada, que gosto de chamar carinhosamente de Tartine, pois isso me faz sentir mais inclinada a caprichar na preparação. 

Uma de minhas favoritas: abacate e grapefruit, azeite, sal e pimenta-do-reino. O pãozinho da vez é aquele integral de aveia do post passado.
Quase toda semana compro ingredientes específicos para meus almoços, pois sei com quê meu apetite se anima nesse horário e o que me satisfaz sem precisar de grandes malabarismos culinários. Abacate é um item praticamente obrigatório na minha cozinha. Pepinos apareceram durante todo o verão, mas agora que esfriou estão custando um rim. Tahini é uma pastinha que passo no meu pão com frequência, e sempre tenho potinhos de hommus que preparo de batelada e congelo para quando precisar. Agora no frio, o grapefruit é minha primeira escolha para acompanhar o abacate.
Nesta semana, no entanto, havia apenas um avocadozinho na geladeira e, por algum motivo, acabei não comprando mais. Às vezes me divirto NÃO indo às compras e me desafiando a criar refeições com tudo o que sobrou na geladeira, no freezer e na despensa. Doida de pedra.
Num dia, havia sobrado do jantar anterior uma Salada Siciliana de Erva-doce e Laranja (na qual usara azeitonas ao invés das nozes, para o marido e a filha não reclamarem). Pensei naquela erva-doce que passara a noite marinando em suco de laranja e limão, e pesquisei na internet: o que fazer com picles de erva-doce. Acabei caindo Neste Site que sugeria, veja só, uma torrada, e adaptei como bem entendi. Havia sour cream na geladeira (que aqui é grosso como um iogurte grego), que misturei a salsinha picada, sal e pimenta-do-reino e passei a colheradas generosas na minha torrada grelhada em azeite. Cobri com dois filezinhos de anchova cada, e então a salada de erva-doce. Corrigi a acidez da salada com mais um pouco de suco de limão, polvilhei com as folhas da erva-doce e o que restara da salsinha, um fio de azeite e NHAC!
Inventando com os restos: sour cream, anchovas e um "picles" falso de erva-doce.
Num almoço, eu apanhara um tantinho de maionese que sobrara da batelada do sábado anterior e misturei a ovos cozidos, cenoura ralada, salsão picadinho, cebolinha e salsinha, um nada de mostarda, sal e pimenta, e recheei sanduíches de pão integral de aveia para o almoço das crianças. O que restou no potinho, virou meu almoço também. Boa e velha salada de ovo.



No dia seguinte, eu tinha uma baguette grelhada no azeite, hommus de edamame (que eu preparara num dia em que me deu um siricotico e eu não tinha grão-de-bico), cenoura ralada, queijo feta, cebolinhas, sal, pimenta-do-reino e azeite como almoço. Uma versão aberta do wrapp de tortilla que eu mandara de lanche para as crianças. (Que Thomas amou e Laura odiou, porque ela detesta edamame.)  E chá. Quando não bebo água durante o almoço, bebo chá. A água, aliás, na minha garrafa azul, está sempre comigo.

Hommus de edamame, cenoura ralada, queijo feta e cebolinhas picadas.

Purê de abóboras com lentilhas, queijo feta, salsinha, cebolinha, limão e azeite.
 Mais um dia, mais um aproveitamento de restô-dontém. As abóboras com lentilha do jantar foram amassadas com um garfo até quase virarem purê, e ligeiramente aquecidas. Cobriram a baguete douradinha, e ganharam mais feta, ervas, limão e azeite. Esse almoço acabou me deixando mais satisfeita do que eu pretendia, e pensei que era melhor ter preparado uma torrada só. Detesto sensação de barriga cheia depois do almoço, pois fico letárgica e pouco produtiva. Mas estava uma delícia, de qualquer forma.
Por último, repeti para mim o almoço que mandara para as crianças: wrapp de tortilla com hommus, cenoura ralada, as beterrabas assadas que haviam sobrado de outro dia, salsinha, cebolinha, queijo feta, umas gotinhas de limão, azeite, sal e pimenta-do-reino, tudo enroladinho e pronto pra comer. Adivinha! Adivinha! Thomas adorou. Laura detestou. Por quê, Laura? Por quê? Por causa da textura do queijo, mamãe. >_<
Wrapp de tortilla de trigo com hommus, beterrabas assadas, cenoura ralada, queijo feta, salsinha, cebolinha, limão e azeite.

De barriga cheia, levo o cão para um passeio, aproveito para ir a mercado ou biblioteca ou onde precisar ir com o bichinho junto, e volto para trabalhar mais um pouco e adiantar, de repente, algum processo do jantar. (Aliás, peraí, que enquanto escrevo isso, deixei minha cevadinha cozinhando, e acho que ela começou a queimar. Nãaaaaaao!)

SNACK

São quase três horas e preciso buscar as crianças. Em dias chuvosos como hoje, sei que voltaremos para casa assim que eles saírem da aula, e então apenas tomo mais uma xícara de chá e saio. (Quando está muito frio, o chá vai comigo numa caneca térmica.) Em dias sem chuva, em que sei que eles quererão brincar meia hora ou mais e que demoraremos para voltar para casa e fazer o jantar, belisco algo com minha xícara de chá. Uma banana, uma metade de maçã que ficou na geladeira são habituais opções. Às vezes cato um talo de salsão ou uma cenoura que sobrou de algum lanche deles de outro dia e dou uma passadela rápida no pote de hommus. O normal, no entanto, é só o chá mesmo, pois não tenho fome nesse horário.

Naquela manhã mais tranquila, eu preparara rapidamente um bolo simples para que as crianças levassem de lanche durante a semana. E o motivo para ter usado as claras nos rolinhos de ovo ao invés de um bolo, foi que eu tinha intenção de usar a calda das peras cozidas do post anterior para molhar o bolo. Reduzi a calda um pouco e reguei todo o bolo pronto com ela.

E como houvesse bolo pronto ali pedindo para ser experimentado, naquela tarde meu snack foi uma fatia de bolo ainda morna.

Pound cake de azeite de oliva, regado com a calda das peras cozidas.
Como eu queria uma base bem neutra para a calda de pera, usei óleo de semente de uva, que é bem suave, no lugar do azeite. Você pode também usar um óleo vegetal neutro, se quiser.

POUND CAKE DE AZEITE DE OLIVA
(Do livro Sinfully Easy Delicious Deserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 2 bolos ingleses ou 1 bolo de furo no meio (forma de 10-12 xic. de capacidade)

Ingredientes:
  • 3 xic. farinha de trigo
  • 2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 2 xic. açúcar
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1 xic. azeite de oliva
  • 1 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 5 ovos ainda gelados da geladeira
  • 1 xic. de leite integral

Preparo:
  1. Posicione a grade do forno na parte inferior e pré-aqueça o forno a 180oC. Unte e enfarinhe a(s) forma(s) ou forre o interior com papel-manteiga, se estiver usando as formas de bolo inglês.
  2. Numa tigela, misture a farinha e o fermento. Reserve.
  3. Na tigela da batedeira, bata o açúcar, sal, óleo e baunilha até que esteja tudo bem misturado. 
  4. Junte os ovos, um a um, batendo bem a cada adição, e então continue batendo até que fique aumente o volume e fique pálido, entre 3 a 5 minutos. 
  5. Junte 1/3 da farinha, e bata em velocidade baixa apenas até que se misture. Junte metade do leite, misturando, então prossiga alternando a farinha e o leite até que tudo esteja incorporado. 
  6. Transfira a massa para a(s) forma(s). Asse por 1 hora ou 1 hora e 10 minutos, até que um palito inserido no meio saia limpo.
  7. Esfrie na forma, sobre uma grade, por 15 minutos. Desenforme e deixe que esfrie completamente antes de servir. Os bolos, frios e embalados, podem ser congelados por até 3 meses. 
  8. (Esse bolo é bem compacto, e por isso se presta bem a ser furadinho e banhado em caldas e xaropes ainda na forma. Banhe ainda quente do forno e deixe que esfrie completamente e absorva toda a calda antes de desenformar. Ele também é um ótimo bolo base para toda sorte de variações, com raspas de cítricos, por exemplo.)



JANTAR

Quando voltamos para casa, a criançada desempacota almoço e mochila. O que sobrou é consumido como lanche da tarde enquanto Thomas faz lição. Ele senta no sofá e lê seu livro em voz alta (todo dia a professora manda um livro diferente), e eu preparo o jantar enquanto Laura vai para o banho ou senta para incomodar ouvir a história lida pelo irmão.

Eu ando pegando livros de cozinha na biblioteca, mas não sei muito bem por quê. Fico animada ao ter o livro nas mãos, mas no fim, ao folheá-los, tenho sempre essa sensação estranha de o autor estar tentando com força demais reinventar a roda. Tive essa impressão principalmente com o livro novo do Ottolenghi, o Simple. Folheei, folheei, mas só de pensar em começar de novo a colecionar temperos que eu não uso todos os dias, bateu uma preguiça gigante. A bem da verdade, depois de tanto tempo experimentando e cozinhando de diferentes fontes, acabo gravitando em torno da cozinha italiana e francesa (com breves incursões em modinhas naturebas), onde ingredientes têm os gostos deles mesmos. Não é a toa que a sopa favorita dos meus filhos é a sopa francesa de abóbora que se faz com abóbora, água e leite. Ela é maravilhosa e tem gosto de... abóbora. (Sempre faço a receita inteira, para 8 porções, para ter congelada para dias apressados. As crianças adoram e assim que o Outrono chegou, já vieram pedir por ela.)

Além da parte do sabor, onde parece que quero abobrinha com gosto de abobrinha e berinjela com gosto de berinjela, com temperos simples que realcem o sabor natural dos ingredientes, também, entrando no reino da auto-análise, me dou conta de que sempre saio à caça de livros de cozinha quando me sinto atrapalhada na vida. Como se buscasse em receitas de comida as fórmulas mágicas para aplacar minha ansiedade e encontrar direção. Mas o que isso faz, quase sempre, é complicar ainda mais meu dia-a-dia, quando me pego passando mais tempo do que gostaria na frente do fogão, ligeiramente alvoroçada por processos menos familiares, e usando ingredientes que não fazem parte de verdade da minha vida. Quando minha cabeça está bem, toda a minha cozinha é simples e direta ao ponto. É couve-flor com azeite. É bolo de iogurte. Na hora em que me meto a fazer saladas que levam vinte e sete elementos e começo a me preocupar que o bolo de beterraba não leva nenhuma farinha de grãos antigos, eu sei que é hora de parar, abrir um vinho, botar o pé pra cima e pedir uma pizza. Liga pruma amiga pra conversar e bota as ideias em ordem.  

Enfim. Preguiça. A maior parte dos livros que andei pegando, devolvi no mesmo dia.

No caso desse livro do Ottolenghi, resolvi preparar algumas receitas antes.

Na segunda-feira, preparei de jantar esse alho-poró e espinafre braseado com ovos e queijo feta. Lembra do feta que apareceu aí em cima em todos os almoços? Veio daqui, pois eu comprara um enorme para fazer pão de queijo, mas desisti e resolvi usar em todas essas receitas. Para acompanhar, fiz aquela salada de funcho lá em cima, cujas sobras viraram torrada. Na hora em que fui servir, no entanto, dei-me conta de que esquecera de preparar o arroz que eu pensara para acompanhar essa profusão de legumes. Na pressa, servi tudo com uma fatia de pão dourado no azeite e todo mundo gostou.

O veredito do prato do Ottolenghi? Bom, acabou que não usei o zatar, e mantive os sabores clássicos, usando tomilho no cozimento dos legumes. Ficou muito saboroso, mas foi um consenso de que é simplesmente alho-poró demais para se comer assim, sozinho. Em termos de verduras com ovos, a versão do outro livro dele, de espinafre, e cuja pimenta-diferente-específica-difícil-de-achar eu também nunca uso, ainda é mais apetitosa em termos de TEXTURA. Laura concordou comigo. Hahah! ;)

Um ovo de gema mole para cada um sobre os legumes.

Jantar.

Em outro dia, eu lembrei de fazer o arroz. Há! ;) 

Ele acompanhou as Abóboras Assadas com Cebolas, Lentilhas, Queijo (que era para ser gorgonzola mas usei o feta) e o molhinho de ervas. Eu adorei esse prato, ainda que não houvesse nada de inovador nele. Enquanto preparava e comia, tinha a impressão de já ter feito diversas versões daquele mesmo prato durante os últimos quinze anos. Leguminosas + vegetal caramelizado no forno + queijo salgado e picante + ervas refrescantes. Fórmula imbatível. De qualquer forma, a refeição foi um sucesso com todos a não ser com o marido, que fez cara de "eu só estou comendo abóbora por educação porque as crianças estão me olhando" durante todo o jantar. No dia seguinte, ele fez a marmita dele apenas com as lentilhas e o arroz, deixando todas as abóboras para trás na geladeira com uma colherada minúscula de lentilhas. E foi esse resto abandonado que virou meu almoço ali em cima.

Amo essas cores.

Comeria esse prato todo dia. Tá bom, toda semana, que não gosto de comer todo dia a mesma coisa.
No dia seguinte, resolvi fazer bom uso das folhas de alho-poró que eu tinha guardado. Eu usara um bocado de alho-poró na receita da segunda-feira, mas os que eu comprara no mercado tinham partes verdes bojudas e muito logas, com pelo menos 15cm de comprimento cada, o que resultou numa pequena bacia de folhas de alho-poró. Meu primeiro instinto foi usar para caldo, mas me dei conta de que era simplesmente demais. O caldo teria apenas gosto de alho-poró e me deu preguiça de ter aquilo tudo de folha no freezer para a eventual necessidade de precisar aromatizar alguma coisa. Fiquei encafifada. Aquilo É comestível! Porque a gente não usa? Porque a gente obedece esse monte de chefs mandando a gente descartar partes boas dos alimentos? Se eu estivesse numa guerra, eu jogaria aquilo fora?

NÃO.

Lavei bem as folhas, fatiei todas elas bem BEM fininho, e refoguei no azeite, manteiga e tomilho exatamente como teria feito com as partes brancas do alho-poró. Mexi bem, temperei com sal, cobri com tampa e deixei ali cozinhando por bem uns dez minutos, fogo baixo, até amaciarem. Abri a tampa, juntei um pouquinho de água e uma colherinha de vinagre (teria usado meia xícara de vinho branco se tivesse, mas no caso só queria acidez), misturei bem e continuei cozinhando sem tampa, até o líquido reduzir. Fui experimentando as folhas. Queria quebrar todas as fibras dela e amaciá-las por completo. Juntei mais um tantinho de água e continuei cozinhando até que estivessem tão macias quanto as partes brancas do alho-poró, e foi isso o que aconteceu. As folhas ficaram macias e quase cremosas.

Preparei minha massa de torta de sempre usando farinha integral, pois acabara a farinha branca, e fiz um quiche usando as partes verdes do alho-poró, e um creme feito com 3 ovos, 1 xícara de sour cream, noz moscada, sal, pimenta-do-reino e queijo cheddar branco ralado grosso. Preparei o quiche normalmente.

A torta ficou tão boa, mas tão boa, que as crianças pediram para levarem de almoço na escola no dia seguinte. E assim foi. Aprendemos mais uma, amiguinhos: nunca descarte as partes verdes do alho-poró.

Para acompanhar, preparei uma salada de espinafre (o espinafre daqui é diferente do brasileiro, com textura de rúcula, bem suave), beterrabas assadas (que eu assara no forno no dia anterior, em outra grade, ao mesmo tempo das abóboras, com intenção de fazer um pão do livro do Ottolenghi, mas do qual desisti depois), queijo feta, cenoura fatiada fininho, e um vinaigrette com mostarda, cebolinha, salsinha e estragão.


Na quarta-feira, resolvi aproveitar outra apara de vegetal que geralmente vai para o lixo: os talos verdes e fibrosos da erva-doce. Como eu trouxera aquele funcho imenso da fazenda do passeio escolar das crianças, com todos os talos de meio metro junto, precisava dar cabo deles. Separara as folhas para pesto, e picara todos os talos e congelara, primeiro com intenção de fazer uma sopa. Mas então me veio a ideia de fazer um risotto de funcho usando apenas as partes descartadas. 

Comecei refogando cebola em meias-luas finas e o funcho em manteiga e azeite, devagar, em fogo médio, até começar a dourar. Quando isso acontecia, juntava uma colher de água e misturava energicamente, raspando o fundo da panela com a colher de pau e então largando para dourar de novo e repetindo o processo até os legumes ficarem macios a ponto de desmancharem e deliciosamente caramelizados. Nesse ponto, adicionei mais azeite e e então entrei com o arroz arbóreo para começar o processo normal do risotto, usando caldo caseiro. (Meu caldo tem cascas de cebola, então ele tinge tudo de um âmbar intenso.) Risotto pronto, com manteiga e queijo, polvilhei folhas de erva-doce e salsinha e servi. Delicioso. 

O que aprendemos de novo, amiguinhos? Não descarte os talos da erva-doce.(Aliás, li também que os talos de erva-doce podem ser usados exatamente com o salsão. Andei fazendo essa troca em receitas que pedem salsão, e o resultado é excelente e nem se sente a diferença. Fica a dica.)


Na quinta-feira eu planejara fazer ragù, pois não havia nada a não ser o cachorro para me tirar de casa, e ragù bolognese é um compromisso de dia todo aqui em casa. A receita que uso é a de Marcella Hazan, que sempre faço em dobro para congelar e sempre faço a versão que também leva carne de porco (ela diz pra substituir até 1/3 da carne por porco, mas já usei até meio a meio e fica ÓTIMO). O cozimento lento e extenso torna o molho de carne cremoso e sensacional.

É uma lindeza esse ragù.
Na sexta é sempre dia de pizza, e aqui andei voltando para minha massa tradicional, substituindo metade da farinha branca por farinha integral. Ninguém em casa notou a farinha integral na massa, mas todos preferiram essa versão, que ficou mais saborosa.

Eu tinha um pacote de linguiças do fim de semana anterior, e resolvi abri-lo e usar uma delas para essa pizza de... erva doce. Dá pra ver que tinha erva doce pra burro em casa, não? A massa foi com molho de tomate, linguiça sem a pele, esmilgalhada, e fatias finas de funcho temperadas com sal e azeite para o forno alto por doze minutos, então coberta de mozzarela e assada por mais oito minutos até o queijo derreter e a massa dourar. Um absurdo de bom!


Um outro momento de reaproveitamento foi quando resolvi pegar as cascas de todas as abóboras que usara durante o mês de outubro (menos as do Halloween, que apodrecem), e que deixara congeladas, e cozinhar em água até amolecerem. Escorri bem, reservando a água cor-de-laranja, e bati as cascas macias no processador até obter um purê liso e espesso. Esse purê usei para preparar um bolo de abóbora que as crianças levaram de lanche da escola a semana toda. Não gostei muito da receita que escolhi, no entanto. O bolo não assou no tempo certo e as especiarias ficaram muito tímidas. Mas sempre dá pra pegar uma fatia de bolo sem graça e dourar na manteiga na frigideira, caramelizando seus açúcares e trazendo à tona uma textura mais interessante. Nham!

A água do cozimento das cascas usei para preparar um simples arroz, cujas cebolas também refoguei com sálvia. O arroz ficou ligeiramente alaranjado, adocicado e delicioso. Terminei com o funcho e com as beterrabas nessa salada simples com laranja, e, como eu tivesse ainda um pouco de maionese que eu preparara aquela semana, resolvi fazer um clássico simplérrimo: Oeuf Mayo. Ovos cozidos com maionese. Só isso.


SNACK DA NOITE

Lembra que eu disse que eu janto cedo? As fotos ali em cima foram tiradas entre 5h30 e 6h30, dependendo do ritmo pós-escola. Dá bem pra ver como nossos jantares antes eram feitos com luz do sol entrando pela janela e agora apenas com a luz do abajur, pois o sol agora, às 5 da tarde, já foi embora e é noite fechada. 

O que acontece quando você janta às seis da tarde e vai dormir às dez da noite? Você tem fome. E é por saber disso que eu SEMPRE deixo para comer sobremesa no fim do dia, de snack. Sempre que tem alguma sobremesa, as crianças comem logo em seguida ao jantar e já correm para escovar os dentes e brincar ou encerrar o dia, pois vão para a cama entre 7h30 e 8h. Eu nunca como doce junto com eles, pois sei que mesmo que esteja satisfeita, o hábito vai me fazer buscar comida lá pelas nove da noite. Nove da noite é minha hora do doce. 

A abóbora de Halloween que Thomas trouxe da fazenda no passeio da escola virou torta a pedido dele. Deliciosa. Receita de Dorie Greenspan.

O miolo dessa abóbora virou recheio da torta aí embaixo.

 

Mas quase sempre a sobremesa por aqui é sorvete. Por causa das crianças? Não, por causa do marido, que pergunta toda noite depois do jantar: "tem sorvete?" Esse de baunilha que é o grande favorito da casa e o grande responsável pelo meu estoque sem fim de claras de ovos (ainda que essa receita use poucas gemas, comparada a outros).  Acompanhou um frozen yogurt de café de David Lebovitz, maravilhoso, mas a pior sobremesa do mundo para se comer às nove da noite, pois leva uma quantidade avassaladora de espresso. Também não recomendo sorvete de cafè para duas crianças. Tá? Só não. Experiência própria. De qualquer forma, me refestelei de sorvete de baunilha e sorvete de café, polvilhado com cacau em pó, quase lembrando um tiramisù. (Aliás, se você for comprar uma máquina de sorvete, recomendo a da Cuisinart. A mais barata das novas versões dela, só com botão de liga e desliga. Achei que os sorvetes ficam imensamente mais cremosos do que com minha antiga da Hamilton Beach.)

MEU SORVETE DE BAUNILHA PREFERIDO, que eu acho que já postei aqui, mas não custa colocar de novo.
(ligeiramente adaptado do livro Twelve, de Tessa Kiros)

Ingredientes:
  • 750ml de leite integral
  • 250ml creme de leite fresco
  • 4 gemas grandes
  • 200g açúcar
  • 1 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 1 pitada de sal

Preparo:
  1. Numa tigela, misture com um fouet as gemas e o açúcar até que fiquem claras e fofas. Enquanto isso, aqueça o leite e o creme até quase o ponto de fervura. 
  2. Junte uma concha do leite quente às gemas, mexendo rapidamente para que as gemas não cozinhem. Repita o processo mais duas vezes e então junte o restante do leite quente, misturando bem com o fouet. 
  3. Transfira de volta para a panela e leve ao fogo médio-baixo, mexendo sempre com uma colher de pau ou espátula, fazendo um 8 no fundo da panela, até que a mistura engrosse o bastante para que você passe o dedo nas costas da colher e o rastro se mantenha, sem que o creme escorra. NÃO DEIXE QUE FERVA EM MOMENTO NENHUM, ou o creme vai talhar e arruinar a textura do sorvete. O processo pode demorar até uns dez minutos, dependendo da panela e da intensidade do fogo. 
  4. Remova imediatamente do fogo, e passe por uma peneira para uma tigela limpa, para remover qualquer pedaço de ovo que possa ter coagulado. Num mundo ideal, a peneira não vai pegar nada. 
  5. Junte o sal e a baunilha e continue mexendo a mistura na tigela até que o vapor pare de sair. Alternativamente, você pode colocar a tigela sobre uma maior com água e gelo para resfriar mais rápido, mas como minhas tigelas são de vidro, tenho medo que trinquem, então não faço isso. 
  6. Leve o creme à geladeira, sem nenhuma tampa (você não quer nenhum vapor condensando e pingando de volta no creme, para virar gelo depois). Resfrie durante a noite e coloque na sorveteira no dia seguinte, seguindo as instruções do fabricante. 


Quando não tem sobremesa nenhuma na casa, o que às vezes acontece, normalmente apelo para uma maçã com manteiga de amendoim, algum legume cru com hommus, ou, se é para ser brutalmente honesta, algum salgadinho que o marido abriu para acompanhar uma cerveja de fim de dia. Porque eu adoro salsão com hommus, só que cerveja pede porcaria. Quando ainda quero parecer virtuosa, abro um avocado e preparo um guacamole rapidinho para acompanhar tortilla chips. Senão, um punhadinho de Cheezes (pense um Cheetos canadense BEM crocante e feito com cheddar, mas que não deixa pózinho radioativo grudado no dedo) vai muito bem com a cervejinha, que via de regra é consumida só de fim de semana. Mas regras foram feitas para serem quebradas, né? 

E esse é o fim de uma semana e uns quebrados de refeições razoavelmente típicas aqui de casa. Vou dormir lá pelas dez e meia da noite, depois de um último passeio com o cão, e começa um novo dia de torradas e iogurtes com fruta e cappcuccino, e chás e jantares repletos de legumes e partes estranhas de vegetais. :)

Cozinhe isso também!

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