segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Paciência e sorvete de menta e chocolate

Sorvete de menta de verdade não é verde-radioativo.
Domingo à noite. Matador de Dragões e eu no supermercado, comprando queijo e pão para o tradicional sanduba de fim-de-semana. Um casal passa por nós tomando sorvete de palito.

"Maman! Maman!"
"Diga, tampinha."
"Ó! Coquête!"
"Sorvete?"
"hm-rum!"
"Ih, pequeno, tá na hora do jantar."
"Aaah. Tá bom."

Pensei um pouco.

"Você quer fazer sorvete?"
"Faquê coquête???"

Foi a vez dele pensar um pouco.

"Epa! Faquê coquête! Siiim!!"
"Só que não fica pronto hoje. Só amanhã."
"Hmm..."
"Quer dizer que a gente vai preparar hoje, botar na geladeira, e amanhã de manhã vai colocar na máquina. Aí a gente come sorvete no almoço! Pode ser?"
"Hmm... Sim."
"Você quer ajudar?"
"Hm-rum."
"Então tá. Vamos comprar creme de leite."

E ele quis segurar a garrafinha de creme de leite fresco o caminho todo para casa, anunciando para todo mundo que encontrava que aquela garrafinha viraria sorvete. Em casa, ajudou a apanhar a menta no quintal para dar sabor ao leite. Mas não entendeu quando coloquei o leite na panela.

"Dãaao! Frio!! Num qué quente!"

E expliquei o procedimento. Na manhã seguinte, a primeira coisa que perguntou ao entrar na cozinha foi "cadê o coquête?".

Antes de ir para a escola, ajudou a ligar a máquina e lambeu a tigela com o restinho do chocolate. "Hmmmm! Delish-ia!" E foi para a aula empolgado porque teria sorvete depois do almoço.

Fiquei pensando sobre paciência.

Uma das coisas boas de cozinhar. Paciência. A diferença crucial entre comprar pronto toda vez que se tem vontade, e de ter de se planejar, preparar, esperar. Às vezes a vontade até passa. E se não passa, como é bom se esbaldar naquela delícia que nos fez aguardar. :)

Fico feliz em ver que o pimpolho está aprendendo essa pequena lição, mesmo que assim, sem querer. E às vezes acho que é esse hábito de esperar que faz com que ele não dê chilique no mercado quando nego alguma coisa. "Aahh, tá bom", diz ele, conformado. E logo se esquece e se distrai com outra coisa.

Também pode ser a idade. Porque o universo bem sabe que aos dois anos ele não era assim, e que Madame Bochechas dá um chilique épico quando dizemos um bom e sonoro NÃO. Aaaah... nada como saber que os terríveis dois anos um dia acabam... Isso com certeza desenvolve a paciência maravilhosamente. ;) E enquanto não acabam, sorvetinho para acalmar os ânimos com a pimpolha em fase chiliquenta e para recompensar a paciência do pimpolho. ^_^

Esse sorvete, do lindo livro da Tessa Kiros, Recipes and Dreams From an Italian Life, é muito leve e refrescante, por conta da ausência de ovos. É imperativo que o leite aromatizado e o creme de leite estejam bem gelados antes de ir à sorveteira, ou o resultado por ser cheio de cristais de gelo. Justamente pela leveza do sorvete, quis incorporar um pouco de chocolate. Bem pouco. E também porque desde que plantei aquela menta com gosto de balinha que eu queria preparar sorvete de menta com chocolate, um dos meus favoritos de infância.

SORVETE DE MENTA COM CHOCOLATE
(ligeiramente adaptada do livro Recipes and Dreams From an Italian Life, da Tessa Kiros)
Rendimento: 6 a 8 porções (cerca de 750ml)

Ingredientes: 

  • 2 xic. leite integral
  • 1/2 xic. açúcar
  • cerca de 16 folhas de menta ou hortelã *
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 100g chocolate amargo picado ou em gotas/callets

usei a menta que tenho no quintal, de folhas alongadas e gosto de bala, mais apimentada.

Preparo:

  1. Coloque o leite e o açúcar numa panela e leve ao fogo. Quando o açúcar tiver dissolvido e o leite começando a entrar em ebulição, desligue e junte as folhas de menta ou hortelã. Deixe em infusão até que esfrie e leve à geladeira por pelo menos quatro horas, melhor ainda se for durante a noite. 
  2. Retire as folhas de menta com uma escumadeira ou peneira e descarte. Junte o creme de leite e misture com um fouet, sem bater muito, para que o sorvete não fique com gosto de manteiga. 
  3. Despeje na sorveteira e siga as instruções do fabricante. (Alternativamente, coloque numa travessa rasa e congele. Depois de 1 hora, bata vigorosamente e volte para o freezer. Repita o processo mais duas vezes e deixe o sorvete congelar completamente.)
  4. Enquanto o sorvete está na sorveteira, derreta o chocolate em banho-maria. Quando o sorvete estiver já praticamente no ponto, despeje num fio fino o chocolate derretido pela abertura da máguina ainda ligada. O chocolate vai se solidificar de novo, em forma de lascas finas. Transfira o sorvete para um pote fechado e congele por pelo menos quatro horas antes de servir. 







sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Um bolo de cerejas fluorescentes

Minhas cerejas afundaram, mas ficou maravilhoso mesmo assim.

Eu queria um bolo. Não qualquer bolo. Eu queria um pound-cake. Daqueles que ficam com o miolo compacto e amanteigado, que você até consegue fatiar grosso e colocar na torradeira pra passar manteiga por cima do bolo quentinho no café da manhã. Aliás, se você nunca fez isso com um daqueles bolos simples de baunilha, faça.

Mas eu também queria usar as deliciosas cranberries orgânicas secas, enormes e suculentas, que minha tia sempre me traz de presente quando vem ao Brasil – puro amor. 

Procura, procura. 

Um bolo leva laranja, que eu não tenho, o outro leva um monte de especiarias, que eu não quero, um terceiro leva cranberries frescas, que não existem aqui, e um quarto produz um bolo de textura mais aberta, como um muffin, que não é o que pede meu apetite. 

Vou ficando nervosa. Detesto não encontrar uma receita – com TANTO livro de cozinha na estante e tanto blog por aí – que não preencha os requisitos da minha super específica vontade. Mais ou menos como quando eu quis comprar um coturno novo: demorei quase um ano para encontrar um modelo que fosse igual ao que eu havia criado na minha mente – e que combinasse maravilhosamente bem com o dinheiro que eu tinha na carteira. ;) 

Fuçando, fuçando, e já desistindo, acabei dando de cara com um bolo de cerejas no livrão gigante da Bon Appétit. Esse é um livro maravilhoso, mas que uso muito pouco, porque quase todos os bolos envolvem deixar manteiga em temperatura ambiente, coisa que me dá uma preguiça fenomenal, porque eu nunca tenho manteiga em temperatura ambiente naquele momento mágico em que há uma interseção da vontade de fazer bolo com o tempo hábil para tanto. 

Shame on me

Mas aquele bolo de cerejas me pegou de jeito, pois na noite anterior eu vira o primeiro episódio da temporada nova do The Great British Bake Off, em que eles preparavam um bolo de cerejas da Mary Berry. Era noite, meus filhos dormiam, e pulei até a cozinha para verificar o que havia na geladeira. 

E lá estava ele: aquele vidro intocado de cerejas ao maraschino, beeeeeeem vagabundas, fluorescentes, com gosto de corante vermelho e essência artificial de cereja, que eu comprara durante a gravidez da Laura para preparar coquetéis sem álcool e não ficar chororô enquanto todo mundo bebia cerveja à minha volta. Mas, por algum motivo, aquele vidro eu não abrira, e ele até então aguardava ansioso uma oportunidade para ser elevado a algo mais digno do que uma guarnição num Shirley Temple. 

Assim, contrariando minha tendência a ideias fixas, resolvi preparar um bolo diferente do que aquele em minha mente, e, na manhã seguinte, tirei manteiga e ovos da geladeira e misturei o creme de leite ao vinagre para produzir o sour cream. 

Fui buscar o Matador de Dragões na escola e perguntei se ele queria ajudar a preparar um bolo, e, assim que terminou de almoçar, ele empurrou sua cadeira para perto da batedeira, empolgado. Ele ajudou a untar a forma e a peneirar a farinha e o fermento. Também ajudou a enfarinhar as cerejas e, mais importante de tudo, ajudou a lamber a tigela. ;) Madame Bochechas, que é muito pequena para botar a mão na massa, assistiu a tudo de seu cadeirão, e pôde lamber o batedor sem precisar trabalhar por isso.   
Vantagem de ter filho e blog de comida: fotos fofas de crianças com doces.

 O resultado foi um dos bolos mais macios que já provei. Muito leve, fofo e úmido, deliciosamente doce e aromático de baunilha e cereja. Ver as crianças devorando as cerejas mequetrefes como se fossem balas, me fez lembrar dos bolos Floresta Negra de infância, com a criançada – eu inclusive – separando no pratinho de papelão as cerejas com gosto forte de licor, para comer apenas o chocolate e o chantilly.

Com cerejas e tudo, esse bolo foi um sucesso. Pimpolhada quis no café da manhã, no lanche da escola, no lanche da tarde, e em três dias já não tinha mais bolo. Mas já tem outro engatilhado, que eu continuo com vontade de pound cake, e o David Lebovitz tem um no livro novo dele (que chegou em casa essa semana) que usa manteiga derretida. o_O  Amo esse homem.

BOLO DE CEREJA E BAUNILHA
(Do ótimo e enorme Bon Appétit Desserts)
Rendimento: 10 porções

Ingredientes:

  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1/8 colh. (chá) noz moscada ralada na hora
  • 1/2 xic. (120g) manteiga sem sal, em temperatura ambiente
  • 1 xic. + 1 colh. (sopa) açúcar
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 2/3 xic. sour cream*
  • 1 colh. (chá) casca ralada de limão siciliano (não tinha, usei a mesma quantidade de limoncello caseiro)
  • 1 xic. cerejas em conserva, sem caroço, drenadas e cortadas ao meio (usei cerejas ao maraschino, dessas de coquetel)
  • 1/2 fava de baunilha
  • 2 colh. (sopa) açúcar de confeiteiro

* creme de leite fresco misturado a uma colherinha de vinagre e deixado em temperatura ambiente por pelo menos 1 hora

Preparo:

  1. Unte e enfarinhe uma forma de mola de 23cm. Pré-aqueça o forno a 180ºC.
  2. Numa tigela, peneire a farinha, fermento, bicarbonato, sal e noz moscada. Retire 2 colh. (sopa) dessa mistura e reserve em outra tigela pequena. 
  3. Na batedeira, bata a manteiga e 1 xic. do açúcar por alguns minutos, até que esteja bem homogêneo e cremoso. 
  4. Junte os ovos, um a um, batendo bem a cada adição. Junte a baunilha.
  5. Com a batedeira na velocidade mais baixa, junte metade da mistura de farinha e misture apenas até que não se veja a farinha. 
  6. Junte o sour cream e a casca de limão (ou limoncello) e misture apenas até incorporar. Junte o restante da farinha e de novo misture apenas até que não se veja mais farinha. 
  7. Misture as cerejas cortadas ao meio à farinha reservada, para recobri-las de farinha. Junte-as à massa, misturando com uma espátula, apenas até espalhá-las.
  8. Transfira a massa para a forma, espalhando bem com a espátula, para que fique uniforme. Leve ao forno por 30 minutos, ou até que esteja dourado e um palito inserido no meio saia limpo.
  9. Retire do forno e coloque, ainda na forma, sobre uma grade. 
  10. Abra a fava de baunilha com uma faquinha e raspe as sementes em uma tigelinha (guarde a fava no seu açucareiro para fazer açúcar baunilhado). Junte a colher de açúcar restante esfregue com os dedos, para liberar o aroma e espalhar as sementes. Misture o açúcar de confeiteiro.
  11. Com a ajuda de uma peneira, polvilhe o açúcar baunilhado de modo uniforme sobre o bolo ainda quente, dentro da forma. Quando esfriar, passe uma faquinha nas laterais para soltá-lo e abra a mola. O bolo se mantém bem por alguns dias, coberto, em temperatura ambiente. 


Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails