quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Torta de ricotta e catalogna para amantes de amargos ou não

A foto é feia, mas a torta é uma delícia.
Quando era criança, e empurrava o espinafre para o canto do prato, minha mãe me dizia com cândida confiança que um dia eu viria a apreciar os sabores amargos e fortes em detrimento de gostos mais doces ou empastelados. Eu ria, e, diante de sua insistência, ficava brava, como se as palavras de minha mãe fossem uma praga rogada, e eu me contorcia ao imaginar um futuro em que gostasse de comer espinafre ao invés de brigadeiro.

Praga de mãe funciona.

Não precisou sequer chegar ao meio da adolescência, e já me via enchendo o prato de escarola. A descoberta do radicchio foi uma maravilha. E quando provei todo o amargor da catalogna, foi amor à primeira mordida.

Já mais velha, já imersa na cozinha e lendo um bocado principalmente sobre cozinha italiana, caí numa nota, acho que de Marcella Hazan, sobre o amor dos italianos pelos sabores amargos, das verduras aos licores. Lembrei-me da ladainha materna de infância, e me perguntei se o apreço que eu tinha pela catalogna era:

a) uma tendência genética, trazida da Itália pelos meus bisavós;
b) resultado do amadurecimento natural do paladar ao entrar na vida adulta;
c) um bom treinamento da parte de meus pais, que sempre colocavam no nosso prato coisas amargas como escarola ou fígado de frango;
d) mera coincidência.

Tem uma partezinha pretensiosa de mim que adora pensar que existe um gene italiano em algum lugar do meu DNA responsável por eu gostar de crostini com fígado. Mas vamos e venhamos que... eh. Não.

Acho que paladar não amadurece naturalmente, ou eu não teria tantos amigos com quase quarenta anos que ainda se alimentam como se fossem crianças enjoadas.

Pode ser mera coincidência, mas eu boto dinheiro na letra C. Acho que meus pais fizeram um bom trabalho. E ainda que eu tenha feito cara feia durante a infância para comer espinafre, hoje ela é uma de minhas verduras favoritas. E sempre que posso, saio da feira com maços e maços de todas as verduras amargas que encontro.

Mas, claro, a vida não é perfeita e nem todo mundo gosta das mesmas coisas.

Quando juntei os trapos, aconteceu todo um treinamento com o marido para habituá-lo aos sabores amargos que eu tanto queria incorporar na comida. Comecei devagarinho, com espinafre, rúcula, agrião, escarola... o radicchio e a endívia... estava tudo indo bem. Até a catalogna. "Ah, não. Catalogna, não." Atingi um limite.

O máximo que eu conseguia fazer com a coitadinha da catalogna, se eu não quisesse comer sozinha, era sopa, pois o amargor dela parece que suaviza com o cozimento. E era justo sopa que eu pretendia preparar, quando comprei uma braçada dessa chicória na feira.

No entanto, comprei verduras demais, e me vi tendo que cozinhar tudo de uma vez, para não deixar nada estragar. As folhas do agrião viraram bolo, os talos grossos dele viraram sopa com batatas (direto pro freezer), a couve virou parte pesto (dois potes, também pro freezer) e parte minestrone, junto com parte do repolho, e a catalogna... não dava para virar sopa, pois eu já havia feito o minestrone para aqueles dias, e eu sabia que a sopa de catalogna não congelaria bem.

Então encontrei essa receita lindinha de torta no site da revista La Cucina Italiana: torta de ricotta com catalogna. Hmmm... mas o povo vai comer a catalogna assim? Resolvi arriscar.

A massa é facílima, feita com azeite de oliva, sem precisar gelar. A catalogna passa por três cozimentos: aferventada, refogada com pancetta defumada e enfim assada dentro da torta. E, combinada à doçura natural da ticotta, seu amargor quase desaparece. É uma torta simples e deliciosa, a ser repetida muitas e muitas vezes. E quão fácil é substituir a catalogna por qualquer outra verdura escura? Espinafre? Escarola? Nham.

A única dificuldade foi em relação à ricotta. A receita original usa dois tipos: ricotta fresca e ricotta salata (ricotta que foi salgada, prensada, e que nunca vi por aqui). A ricotta fresca deve ser bem úmida e cremosa, com gosto adocicado de leite. Use a sua favorita, mas evite ricottas muito secas e esfarelentas. Para substituir a ricotta salata, aumentei um pouco a proporção de ricotta fresca e usei parmesão ralado na hora, fininho, no para o toque salgado. E ficou muito bom.

O veredito? Povo comeu, gostou, e só foi saber depois que era catalogna. ;)

Espero que o treinamento dos pimpolhos por aqui seja tão eficiente quanto o dos meus pais.

TORTA DE CATALOGNA E RICOTTA
(adaptado daqui)
Rendimento: 8 porções

Ingredientes:
(massa)

  • 500g farinha de trigo
  • 80g azeite
  • 250g água fria
  • sal a gosto

(recheio)

  • 650g catalogna
  • 350g ricotta fresca
  • 100g parmesão ralado fino
  • 100g pancetta defumada ou bacon, cortada em pedacinhos pequenos*
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

* para uma versão vegetariana, eu substituiria o bacon por um dente de alho picado.

Preparo:

  1. Coloque a farinha numa tigela e faça um buraco no meio. Junte o azeite, a água e sal a gosto e misture bem até formar uma massa. Sove na bancada ligeiramente enfarinhada, apenas até obter uma massa macia e elástica. Envolva em filme plástico e deixe repousar por pelo menos meia hora.
  2. Enquanto isso, leve água com sal para ferver. Mergulhe a catalogna, cozinhe por 1 minuto e escorra. Quando estiver fria o suficiente para manipular, esprema bem a água das folhas e pique finamente. 
  3. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira e junte a pancetta ou bacon, e cozinhe até começar a dourar. Junte a catalogna picada e refogue por alguns minutos. Passe para uma tigela grande.
  4. Coloque uma peneira sobre a tigela e passe a ricotta por ela, amassando bem com a ajuda de uma colher. Junte o parmesão, tempere com sal e pimenta e reserve.
  5. Pré-aqueça o forno a 250ºC.
  6. Numa bancada enfarinhada, divida a massa da torta em duas partes, uma maior que a outra. Abra a parte maior, enfarinhando, se necessário, e disponha a massa sobre uma forma de torta de 26cm. Coloque o recheio dentro da torta, espalhando bem. Abra a parte de cima da massa, cubra a torta, apare os excessos e feche as beiradas.
  7. Faça talhos paralelos na torta com uma faquinha, ou fure com um garfo, ou use as aparas para decorar como quiser. Pincele com azeite e asse por cerca de 45 minutos.


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Spaghetti con pomodorini scoppiati, à minha maneira


Ainda bem que é apenas na cozinha que sou influenciável. Não consigo imaginar o tipo de apuro em que já teria me metido, se fosse tão mosca-morta na vida quanto sou no jeito de cozinhar. :P

Daí que, fazendo a minha lista anual de livros de aniversário... Sim, eu faço uma lista anual. Parei de comprar livros o tempo todo. Ao invés disso, vou juntando todos os que me interessam na Wish List, e quando chega perto do meu aniversário (3 de outubro, pros curiosos), faço uma seleção do que mais me apetece e compro de uma vez. Isso evita aquelas compras por impulso de livros que você nunca vai usar na vida e dá tempo de fuçar no que o povo anda preparando dos livros depois do lançamento, vendo se vale mesmo a pena. [Para os ainda mais curiosos, estão chegando em casa: Recipes and Dreams from an Italian Life, da Tessa Kiros, Marcella's Italian Kitchen, da Marcella Hazan, My Paris Kitchen, do David Lebovitz, My Calabria, da Rosetta Costantino, Flavor Flours, da Alice Medrich e Baking Chez Moi, da Dorie Greenspan. Dá pra ver uma tendência.]

Então. Fazendo minha lista anual de livros de aniversário, li uma avaliação do livro Cooking With Italian Grandmothers, que mencionava um molho de tomates-cereja que atiçou minhas lombrigas. Busco, procuro, fuço, não encontro o tal molho em lugar nenhum, mas sim, diversas versões diferentes.

Tendo aquela tigela imensa de tomates cereja explodindo de maduros, metade do quintal, metade da feira, resolvi fazer minha própria versão de spaghetti con pomodorini scoppiati, segundo o resultado que eu queria.

Se você, como eu, achava que não existia um molho de tomates mais preguiçoso do que aquele famoso da Marcella Hazan, de cebola inteira, lata de tomate e manteiga, enganou-se. Esse é para aquele dia em que nem pegar na faca você quer. Você não precisa picar nada, nem abrir lata nenhuma. Você precisa de um garfo para amassar os tomates, e, veja só, o mesmo garfo para comer o spaghetti. ;)

No fim, foi um dos molhos de tomate mais gostosos que comi nos últimos anos, ainda que o de cebola e manteiga da Marcella continue sendo hors concours.

Claro, depende completamente dos tomates. Eles precisam estar tão maduros, que alguns até estejam começando a soltar líquido, querendo explodir. À beira de estragar. Daquele que você pega na mão e sente que já está meio mole por dentro. Tomates durinhos ou esverdeados não se prestam a isso. Compre os tomates-cereja e deixe-os numa tigela em temperatura ambiente, até que estejam ridiculamente vermelhos e macios. Deixe ao lado de bananas ou cebolas, e seus gases ajudarão os tomates a amadurecerem infinitamente mais rápido.

O molho pode ser feito com antecedência e reaquecido na hora de servir com o spaghetti. Apenas não misture o parmesão enquanto não for momento de servir, e reserve algumas folhas de manjericão fresco para incorporar no último minuto.

SPAGHETTI CON POMODORINI SCOPPIATI
Rendimento: 4 porções (400g de spaghetti)

Ingredientes:
  • 1/4 xic. azeite e mais para finalizar
  • 1kg tomate cereja (se tiver lavado os tomates antes de usar, lembre-se de secá-los muito bem, para que o azeite não espirre)
  • 2 dentes de alho descascados, inteiros
  • um punhado de manjericão fresco, só as folhas
  • vinagre balsâmico
  • sal e pimenta-do-reino
  • queijo parmesão

Preparo:

  1. Aqueça o azeite em fogo médio-alto numa frigideira grande, que possa acomodar todos os tomates numa frigideira única. Quando o azeite estiver quente, junte os tomates-cereja INTEIROS, com cuidado. Cozinhe, por alguns minutos, virando-os uma vez com uma colher para que o azeite quente recubra toda a casca.
  2. Quando os tomates começarem a arrebentar, junte os dentes de alho inteiros. Abaixe o fogo e cozinhe por uns 15 minutos, amassando os tomates com um garfo, cuidadosamente para que eles não espirrem. O molho deve ficar grosso, mas pedaçudo, com alguns tomates ainda reconhecíveis. 
  3. Quando você vir pocinhas de azeite sobre o molho, desligue, rasgue as folhas de manjericão com as mãos, e junte-as ao molho. Tempere com sal e pimenta e uma colherinha de vinagre balsâmico ou a gosto, dependendo da acidez ou doçura do seu vinagre.
  4. Na hora de servir, junte ao spaghetti cozido e recém-escorrido numa travessa, e misture com um punhado de parmesão ralado fino e mais um fio generoso de azeite. Disponha parmesão extra para polvilhar por cima, se quiser. 

Cozinhe isso também!

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