terça-feira, 3 de junho de 2014

Salada de feijão-manteiguinha, pesto de folha de rabanete e mais um monte de coisa


Era para ser um almocinho vegan. Mas abri a geladeira e dei de cara com aquele maço de folhas de rabanete. Achei uma receita de pesto e, já que Madame Bochechas resolvera não dormir no meu horário de trabalho, resolvi preparar o danado para congelar e usar depois. [Pois há ainda muita verdura na geladeira para ser usada A.S.A.P., já que eu tive um impulso consumista na feira da semana passada e comprei uma variedade e quantidade maior do que consigo consumir de fato.]

Na hora de preparar o pesto, fiz poucas modificações: aferventei as folhas antes para tirar aquela sensação piniquenta, e usei castanhas do pará. O bicho ficou tão gostoso (Laura queria comer de colher), que resolvi usar o pesto na salada de feijão-manteiguinha que planejara para hoje, já que o dia estava bonito e não estava tão frio.

Feijão-manteiguinha: com um nome desse, não dá vontade de levar pra casa quando você vê na gôndola? Eu levei. E achei uma delícia. E fui pesquisar e descobri que ele é famosinho em várias partes do Brasil, mas que eu que era boba e nunca tinha ouvido falar. E é saboroso, e pequenininho, e bom em saladas. Como vi que era parente do feijão-fradinho, achei por bem descartar a água da primeira fervura, lavar e aí sim cozinhar com alguns temperos, para evitar qualquer possível amargor. Quem conhece o moço que me diga se era preciso fazer isso ou se é bobagem minha.

Sabia que queria usar na salada, abacate, que o Matador de Dragões (agora) adora. E tomate, e pepino japonês, e rabanete. Bati o olho numa salada de quinua que levava ingredientes semelhantes, e que levava também amêndoas e tâmaras. Resolvi arriscar, substituindo as amêndoas por castanha-do-pará de novo. Fui comedida e botei só quatro tâmaras, mas da próxima vez, uso mais, muito mais, porque o docinho da tâmara enriqueceu muito o prato.

Madame Bochechas provara do feijão na panela e do pesto no processador. Mas quando lhe apresentei o prato montado, ela torceu o nariz. Expliquei que era a mesma coisa. Mostrei pra ela. Passei o dedo no processador ainda sujo e deixei que lambesse. Fiz o mesmo no molho da salada. Ela apanhou a colher e foi valente, experimentando de tudo, gostando de alguns itens, cuspindo outros, mas, em geral, mandando ver.

Matador de Dragões viu o almoço e não quis sentar à mesa. Disse-lhe, como sempre, que se não queria comer, que não comesse; mas que precisava sentar-se conosco e esperar que todos terminarem. Ele veio, a contragosto. Ficou olhando, bem uns cinco minutos, enquanto Laura e eu comíamos, "hmmms", "aaahs", "boooons". Então apanhou a colher e experimentou. "Gostou, Thomas?" "Hm-rum", disse, continuando a comer. "Quéo mais." "Mais fejão?" "Dãaaao. Esse." Apontou para o rabanete.

Fico contente que ele tenha entendido o esquema e simplesmente experimente metendo o colherão na boca e mastigando. Laura entrou já cedo na fase do Não Gosto, Não Quero, e às vezes, recusa-se a comer, tornando-se minha mais nova Catadora de Salsinha. Hoje foi uma exceção conseguir convencê-la pelos meios da razão. Também não há promessa de chocolate que a faça experimentar algo, já que ela ainda não entende completamente condicionais. [Só promessa de chocolate fez com que Thomas experimentasse a berinjela recheada de painço, que ficou feia como o demônio, mas uma delícia. Experimentou, raspou o prato. Já Laura, não esboçou problemas com a gororoba marrom-acinzentada em seu prato e mandou ver sem manha.]

Vejo que a pequena Catadora de Salsinha ainda tem a dificuldade da mastigação, por não ter todos os dentes, já que o modo como mastigamos muda completamente o gosto que sentimos do alimento. Dependendo de como ela põe a comida na boca, o tamanho do pedaço, ela come ou rejeita. Pensei nisso outro dia, quando Thomas apanhou um legume qualquer para experimentar e apenas tocou-o na ponta da língua e o rejeitou. Tento explicar que desse jeito ele não está sentindo o gosto de nada e que isso é roubar no jogo: experimentar é botar na boca, mastigar e engolir. Imagina apanhar um pepino e encostar a ponta da língua na casca? Nem maçã tem gosto bom assim. o_O

Fiquei contente de ver os dois comendo com gosto, pedindo mais. Também, pudera: saladinha que ficou uma delícia, e eu mesma raspei o prato, repeti e comi o pouco que eles deixaram nas suas tigelinhas. Achei que sobraria pro jantar, mas já vi que vou pra cozinha de novo hoje. ¬_¬

SALADA DE  FEIJÃO-MANTEIGUINHA, PESTO DE FOLHAS DE RABANETE E UM MONTE DE COISA
Rendimento: 2-4 porções, dependendo se prato principal ou acompanhamento

Ingredientes:
(feijão)

  • 1 xic. feijão-manteiguinha seco, deixado de molho na noite anterior e escorrido
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1 ramo de salsinha
  • 1 folha de louro
  • 1 pitada de pimenta-calabresa seca
  • sal e pimenta a gosto

(pesto)

  • 1 maço de folhas de rabanete bem verdinhas, com os talos
  • 1 dente de alho, descascado
  • 5-6 castanhas-do-pará
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado na hora
  • suco de 1/2 limão
  • azeite de oliva (1/4 xic. ou mais, dependendo da consistência desejada)
  • sal e pimenta a gosto

(salada)

  • 2-3 colh. (sopa) água do cozimento do feijão
  • 1 tomate maduro mas firme, cortado em cubinhos pequenos
  • 1/4 cebola picada
  • 1/2 abacate maduro, cortado em cubos e regado com suco de limão, para não escurecer
  • 2 rabanetes cortados ao meio no sentido do comprimento e fatiados bem fininho
  • 1 pepino japonês fatiado bem fininho
  • 4 castanhas-do-pará picadas
  • 4 (ou mais) tâmaras, sem caroço, picadas
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Coloque o feijão para cozinhar em água. Quando ferver, escorra, lave, volte à panela com água limpa bastante para cobrir, o azeite, o louro, a salsinha e a pimenta-calabresa. Leve à fervura, abaixe o fogo, e deixe cozinhando com meia-tampa até que o feijão esteja macio (o tempo vai depender da idade do feijão e se você usar panela de pressão ou não).
  2. Retire as ervas, tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e escorra, reservando o caldo. 
  3. Enquanto isso, faça o pesto: coloque água com sal para ferver em uma panela grande. Coloque as folhas de rabanete e deixe cozinhar por 1 minuto. Retire e deixe que esfriem. Quando estiverem frias, esprema nas mãos até tirar todo o líquido e coloque as folhas no processador com as castanhas, o alho, o limão e o azeite. Pulse até transformar em purê. Acrescente o azeite, o queijo, sal e pimenta e bata novamente até que fique homogêneo. Você terá mais pesto do que precisa. O restante pode ser congelado. 
  4. Numa tigela grande, misture o feijão ainda quente a 1/3 xic. do pesto diluído em 2-3 colh. (sopa) da água do cozimento do feijão. (O restante do caldo do feijão pode ser usado no caldo de legumes, assim como a água do cozimento das folhas de rabanete.)
  5. Quando o feijão estiver bem temperado, junte o restante dos ingredientes da salada, misturando muito bem. Prove e acrescente mais suco de limão, azeite, sal e pimenta a gosto, se precisar. Deixe a salada descansar em temperatura ambiente por 15-30 minutos, para que os sabores se desenvolvam e sirva. 


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Meu primeiro bacalhau, o segundo, o terceiro e o quarto também

Polenta, bacalhau à moda de Vicenza, e radicchio grelhado. NHAM.

Meu primeiro bacalhau à Gomes de Sá.

Noutro dia me dei conta de que nunca fizera bacalhau. NUNCA. E fiquei em choque. Porque bacalhau sempre foi comida da minha mãe. Primeiro, apenas na Páscoa, pois era muito caro. E por isso, era especial. Comida de festa. Pra muita gente, ainda é. Conforme as coisas melhoraram em casa, e minha mãe começou a preparar bacalhau com mais frequência, continuei gostando, mas confesso que perdeu um pouco a graça. Como se desse alcachofra o ano todo. Como comer panettone em junho. Ou tomar quentão em janeiro. Eu curto a sazonalidade das coisas, e para mim, bacalhau era aquela coisa de uma vez por ano, duas se déssemos sorte.

Daí, como minha mãe ainda fizesse bacalhau sempre e eu tivesse onde comê-lo, não me interessei muito em cozinhá-lo eu mesma.

Só que recentemente me deu um tilt, um incômodo, um comichão, de preparar bacalhau. Da mesma forma que anda me dando comichão de fazer pernil. E boeuf borguignon. E eu fico pensando na infinidade de coisas que eu nunca cozinhei na vida, e parece que não há vida bastante para cozinhar tudo.

Fui lá no mercadão, comprei um belo pedaço de bacalhau, voltei pra casa e me vi naquele impasse: o que é que eu preparo com isso agora? Era tanta receita diferente, que minha cabeça girou um pouquinho.

Fechei todos os livros, catei meu caderno e apanhei uma receitinha véia recortada de uma revista Gula antiga, e colada ali numa página qualquer havia milênios: bacalhau à Gomes de Sá. Afinal, sempre digo que é bom fazer o básico antes de sair atrás das invencionices.

E meu deus, como ficou gostoso. Eu lá, morrendo de medo de fazer alguma coisa errada com o bicho, e como é fácil esse prato. No entanto... descobri a duras penas que meu marido não gosta de bacalhau. Bacalhau pronto e ele: "mas eu não gosto de bacalhau". Nem as crianças, que só comeram as batatas.

Eu lá com aquele panelão-delícia para comer sozinha.

Dia seguinte, desfiei melhor o bacalhau, e virou frittata. Tão boa, tão boa, que cogito a possibilidade de fazer bacalhau de novo só pra botar ovo junto. E na frittata, todo mundo comeu o bacalhau. Até o marido, ainda que meio a contragosto.

Agora, sabendo do desafio de fazer algo que só eu gostava, tinha que dar fim logo ao pedação de bacalhau que ainda restava na geladeira.

O que escolhi fazer foi baccalà alla vicentina, uma receita italiana com a qual eu tinha uma história. Na primeira viagem à Itália, em Bologna, ainda meio que vegetariana (só comia peixe quando realmente não havia opção), finalmente encontrei um restaurante que servisse o que viria a se tornar minha massa recheada favorita: tortelli di zucca (tortelli de abóbora, com mostarda di cremona, amaretti e sálvia). Acontece que o restaurante era mais chique do que eu havia previsto, e quando pedi o prato, vieram 5 tortellezinhos do tamanho de uma noz. Que para a fome que eu estava, não dava para nada. Resolvi pedir um segundo prato. No meio de tanta carne, só havia ali bacalhau alla vicentina. Vai tu mesmo. E o que veio foi uma porção de polenta cremosa e o que parecia um purê de bacalhau por cima, com muito mais leite do que peixe, meio farinhento. Não sei dizer o que exatamente havia de errado no prato (além do fato de estar comendo em Bologna um prato de Vicenza); mas na primeira garfada, quase cuspi tudo. Era horrível. E eu lá, morrendo de fome, e gastando mais dinheiro naquele jantar do que eu gostaria. Dá-lhe vinho pra fazer descer aquele grude.

Não é a apresentação mais bonita que eu poderia fazer do prato. Mas tendo uma profusão de receitas do tal bacalhau com polenta, e sendo um prato clássico de uma cidade, eu estava era curiosa para ver se o negócio era mesmo terrível ou se o restaurante errara muito a mão, fazendo algo que não era da sua região.

Com certeza a segunda opção.

Pois bacalhau à moda de Vicenza é uma delícia. Ao menos esse. E completamente diferente daquele purê bizarro. O processo é mais fácil até do que o bacalhau à Gomes de Sá, ainda que parecido. E o peixe fica molhadinho, em lascas macias. Como disse a Tessa Kiros no livro, o bacalhau salgado combina maravilhosamente com a polenta doce e o amargo do radicchio grelhado. O radicchio, na minha opinião, levanta o prato como ninguém, e é crucial.

Desta vez, Thomas comeu o bacalhau. E a polenta. E, veja só, até o radicchio. Laura ficou mais na polenta mesmo. Allex comeu porque era o que tinha. Eu me deliciei. Repeti duas vezes, a gordinha.

E no dia seguinte, o que sobrou do bacalhau foi batido no processador com mais ou menos a mesma quantidade de batata cozida, com casca e tudo, e mais um punhado de salsinha, até virar um purê firme. Passei na farinha de rosca, fritei e servi os bolinhos de bacalhau (de chorar de bom) no almoço, junto com a sopinha de couve-flor e alho-poró da Bela Gil. Molecada devorou os bolinhos. Inclusive a Laura, que até então recusara o peixe.

Frittata de bacalhau e batata. Vale o esforço de preparar o bacalhau.

Um montão de receita aí, ó:

BACALHAU A GOMES DE SÁ:
(de Milu Palmela, publicada numa revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1kg bacalhau deixado de molho por 2 dias na geladeira, trocando a água com frequência
  • 200ml azeite de oliva
  • 2 dentes de alho esmagados
  • 4 cebolas médias em rodelas
  • 1kg batatas lavadas e cozidas com a casca
  • 4 ovos cozidos duros
  • Leite quanto baste para cobrir o bacalhau
  • Azeitonas pretas a gosto
  • Salsinha picada para polvilhar
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Escorra o bacalhau, passe para uma panela grande e cubra com água fervente, fora do fogo. Tampe a panela, embrulhe num pano grosso e mantenha assim por 20 minutos.
  2. Escorra novamente, retire a pele e as espinhas, e desfaça em lascas. Passe para um recipiente fundo, cubra com leite quente e deixe em infusão de 1h30-2 horas. 
  3. Retire as cascas das batatas e corte em rodelas.
  4. Numa travessa que possa ir ao fogo e ao forno, coloque o óleo de oliva, alho e cebola. Leve ao fogo, e assim que as cebolas começarem a dourar, junte as batatas
  5. Distribua as lascas de bacalhau já escorridas, tempere com pimenta e sal.
  6. Leve ao forno quente por 15 minutos. Retire do forno, polvilhe com salsinha, distribua os ovos e as azeitonas e sirva bem quente. 

......

FRITTATA DE FORNO DE BACALHAU COM BATATAS
Rendimento: 4-6 pessoas
  • O que sobrou do bacalhau a gomes de sá (cerca de 3 xic.) (se sobrou pouco, pode completar com mais batatas cozidas e fatiadas)
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 7 ovos
  • sal e pimenta
  • azeite para untar a forma
  • um punhado de salsinha picada

Preparo:
  1. Misture tudo em uma tigela, coloque em uma assadeira untada de cerca de 20-30cm e leve ao forno a 200ºC por cerca de 40 minutos, até dourar.


......

BACCALÀ ALLA VICENTINA
(do lindo livro Venezia, de Tessa Kiros)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 700g bacalhau, deixado de molho por 2 dias na geladeira, água trocada com frequencia
  • farinha de trigo, para polvilhar
  • 5 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 1 cebola grande, cortada em meias-luas finas
  • 2 dentes de alho picados
  • cerca de 6 filés de anchova conservados em óleo (alice) grandes, quebrados em pedaços
  • 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 750ml leite


Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra o bacalhau, e corte em pedaços de cerca de 4x5cm, descartando pele e espinhas. Disponha numa assadeira e polvilhe com farinha dos dois lados, chacoalhando para retirar o excesso. 
  2. Aqueça o azeite em uma travessa que possa ir ao fogo e ao forno (uso sempre o panelão baixo e verde da foto, que tem tampa), e refogue a cebola até que fique macia. Junte o alho. Quando perfumar, junte metade da anchova, amassando com uma colher de pau para dissolver. 
  3. Misture bem, junte a salsinha, e arranje os pedaços de bacalhau por cima, misturando com uma colher de pau, para que os temperos recubram o peixe. Adicione umas 2 ou 3 viradinhas do moedor de pimenta.
  4. Junte o leite, movendo os pedaços de peixe para que o leite escorra por baixo deles. Junte o resto da anchova. Cubra a travessa com papel alumínio (ou tampa, se houver) e leve ao forno. 
  5. Asse por 1 hora, então descubra a travessa e asse por mais 30 minutos, ou até que o bacalhau e a cebola tenham absorvido quase todo o líquido e haja uma crosta dourada por cima. (Se o leite talhar, como no meu caso, a aparência não vai ser das mais bonitas, mas o gosto é excelente.)
  6. Remova a panela do forno e deixe descansar alguns minutos, para que o peixe absorva mais líquido. Se ainda estiver muito cheio de líquido, volte para o forno desligado mais um pouco. 
  7. Sirva quente, acompanhado de polenta (mole ou grelhada) e radicchio grelhado (corte o radicchio em quartos no sentido do comprimento, tempere com sal, azeite e pimenta e disponha numa travessa refratária. Leve ao forno e asse até que esteja macio e quase chamuscadinho nas pontas.)





Cozinhe isso também!

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