segunda-feira, 25 de março de 2013

Bolo de azeite, chocolate e alecrim e auto-sabotagem

Desde que me mudei para fora de São Paulo uma coisa interessante tem acontecido. Uma coisa que sempre foi uma verdadeira luta para mim, e, ao contrário de todas as expectativas, aos 33 anos e tendo cuspido para fora duas crianças, tem acontecido com estranha facilidade: estou emagrecendo. Olho no espelho e não acredito que, dois meses e meio depois da Laura nascer, eu estou mais magra do que antes de engravidar do Thomas.

WTF?

Não é novidade que eu me preocupo com a alimentação do meu filho. Quero que ele experimente coisas novas o tempo todo, que seu prato seja sempre colorido e gostoso, e claro que acabo às vezes olhando e decidindo que é melhor que ele coma uma salada de cevadinha com legumes hoje, pois comeu macarrão ontem – o que quero dizer é que de vez em quando entro num pânico de nutricionismo com ele.

O que eu não esperava é que isso fosse representar toda uma miríade de novos grãos, combinações e sabores para mim também. A hora do almoço deixou de ser a hora do omelete solitário para virar mais uma oportunidade de um prato gostoso, interessante e saudável para nós dois. Para aproveitarmos a companhia um do outro e ensiná-lo bons hábitos, comemos sempre à mesa, tv desligada. Ele anda numa fase de nos imitar instantaneamente, então tem se aventurado mais com os talheres, e mesmo experimentado coisas que não gostava, como alface, ao me ver comer e soltar nham-nham's e hummmm's.

Aqui em casa nunca se repetiu prato; faço sempre porções exatas, e o que sobra normalmente é para ser comido no dia seguinte, transformado em outra coisa. Minha filosofia é de que, se você comeu e ainda está com fome, aproveite para preencher o resto do espaço com a sobremesa; assim você não come mais do que deve e fica feliz.

Mas, no caso, por pânico nutricionista, raramente dou doce de sobremesa ao Thomas. Normalmente é fruta, e ultimamente tenho lhe dado também um pedacinho de um queijo diferente se ele continua com fome ou a refeição foi leve demais. Doce reservo para a hora do lanche da tarde. De manhã, o lanche é salgado ou é fruta, às vezes um iogurte. Também durante as refeições, bebe-se água, limonada ou chá gelado. Nunca suco. (Quando dou doce de sobremesa, costumo dividir minha porção com ele.)

Qual não foi minha surpresa quando percebi que, ao comer como eu queria que meu filho comesse, comecei a emagrecer, durante a gravidez e agora, depois do bebê cuspido, sem ter voltado a correr ou fazer nenhum outro exercício além de passear cachorro e cuidar da casa e dos pimpolhos.

Além de comer porções pequenas (normais) de comida de verdade, eliminei totalmente o "snacking", a beliscagem, pois se eu apareço comendo algo na frente do Thomas, ele pede, e fica difícil dizer a seu filho que ele não pode comer bolo antes do jantar se você está comendo.

Daí que percebi que o problema nunca foi a dieta ou minha constituição (conhece aquele papo de "meu metabolismo é assim mesmo, é super difícil para eu emagrecer"?); o problema era que eu não fazia direito, direito mesmo, não tinha tido disciplina o bastante para instaurar o hábito, e estava mais preocupada com os quilos indo embora do que de fato em encontrar equilíbrio e prazer na comida. Nunca pensei que conseguiria emagrecer depois de dois filhos, comendo minha pizza no fim de semana e tomando cerveja, e sem ficar calculando colheradas de azeite na salada. Foi um movimento totalmente natural, simplesmente por querer prover uma boa experiência de comida para meu filho.O pulo do gato foi não entrar no "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço", mas simplesmente fazer eu também o que eu queria que meu filho fizesse.

O que me impediu de emagrecer a vida toda foi uma palavra: auto-sabotagem. A gente sabe exatamente o que tem que fazer. Mas não faz. Ponto.

Nessa vontade de prover experiências diferentes à mesa, por um tantinho de pânico de nutricionismo e também por que às vezes me vejo sem farinha orgânica branca em casa ou enjoada do mesmo arroz integral (que eu aprendi a gostar tanto que acho arroz branco super sem graça), tenho redescoberto os grãos e farinhas integrais. Adorei cozinhar com painço, que tostado e cozido como arroz, fica com textura de couscous marroquino, um perfuminho que lembra milho, e absorve maravilhosamente os sabores do que acompanha. Também tenho usado farinhas diferentes nos doces e pães, para o pimpolho ver que nem só de farinha branca se faz um bolo.

Esse, do sempre ótimo Good to the Grain, leva um pouco de farinha de espelta (farro, em italiano), que acredito que possa ser tranquilamente substituída por farinha integral fina. É um bolo muito macio e perfumado, e ainda que eu estivesse reticente a respeito, interessantíssimo pelo acréscimo do alecrim à massa. Você demora para identificar a erva, mas ela complementa o azeite e o chocolate maravilhosamente.

Outros livros que tenho usado um bocado para aprender a usar mais grãos e farinhas integrais diferentes são esses, todos recomendadíssimos:
Whole Grains for a New Generation
Super Natural Cooking
Super Natural Everyday
La Tartine Gourmande: Recipes for an Inspired Life
Small Plates and Sweet Treats(Os últimos dois são gluten-free; tenho zero interesse em viver sem glúten, mas achei interessante para quando a farinha branca acaba ou para quando quero outros gostos e texturas.)

[Obs: para quem quiser ter uma ideia de "tamanho de porção", junte suas duas mãos em concha, como naquelas fotos batidas de blog de culinária, de gente segurando blueberries. Agora imagine que você passa a régua: o que cabe na suas duas mãos em concha, passada a régua para tirar o excesso, é o que cabe no seu estômago se ele estiver do tamanho normal. Isso vem do Ayurveda, e é lindo, porque respeita as proporções do corpo de cada um e não diz que a minha porção é igual à sua. Essa porção não inclui folhas cruas. Ajuda um bocado, até você se acostumar a porcionar direito, ter uma tigela onde caiba exatamente isso. Ironicamente, quando fiz dieta com uma nutricionista, descobri que essa porção ayurvédica era exatamente o que ela havia recomendado.]

BOLO DE AZEITE, ALECRIM E GOTAS DE CHOCOLATE
(do excelente Good to the Grain, the Kim Boyce)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 1 bolo de 23cm

Ingredientes:
  • 3/4 xic. farinha de espelta (ou integral fina)
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca
  • 3/4 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1 1/2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 3/4 colh. (chá) sal
  • 3 ovos, orgânicos
  • 1 xic. azeite de oliva (preferencialmente extra-virgem)
  • 3/4 xic. leite integral
  • 1 1/2 colh. (sopa) alecrim, bem picadinho (não coloque mais do que isso, ou pode ficar com gosto de sabão)
  • 140g chocolate a 70% de cacau picado, ou gotas de chocolate amargo

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e unte uma forma de 23-24cm com azeite.
  2. Peneire os ingredientes secos numa tigela (junte à tigela qualquer coisa que tenha ficado na peneira – o intuito da peneira é apenas aerar a farinha).
  3. Em outra tigela, bata os ovos cuidadosamente com um batedor de arame. Junte o azeite, o alecrim e o leite e bata novamente, 
  4. Junte os ingredientes secos e misture com uma espátula, apenas até que não se veja mais farinha. Junte o chocolate. 
  5. Despeje a massa na forma e alise a superfície. Asse por 40 minutos, ou até que esteja arredondado em cima e dourado, mais escuro nas bordas, e um palito inserido no meio saia limpo. 
  6. O bolo pode ser comido ainda morno, ou frio.


quinta-feira, 14 de março de 2013

Favas brancas assadas com tomate e como cozinhar todo dia

Uma das sensações mais estranhas que tenho desde que me mudei para fora de São Paulo é a de correria tranquila. Um paradoxo. Sinto que tenho mais coisas a fazer do que jamais tive, num ponto em que meu cérebro desprovido de boas noites de sono não funciona sem uma lista de tarefas escrita à mão num caderno, que é revista e reescrita diariamente, para que o exercício de reescrever a lista faça com que planeje meu dia mentalmente de acordo com as tarefas pendentes. Já cheguei no absurdo de programar mentalmente uma ida ao banheiro. Ou, para me sentir mais competente, terminar uma tarefa que não estava na lista e escrevê-la ali apenas para ter o prazer de riscá-la fora.

Louca.

Eu sei.

Mas apesar do intrincado quebra-cabeça de tempo que é trabalhar, cuidar de uma casa, de um cachorro e duas crianças pequenas, há uma sensação de tranquilidade na rotina atarefada que eu ainda não sentira. Ok, há o pânico ocasional quando o mais velho resolve fazer uma birra escalafobética de ciúmes enquanto você dá de mamar e começa a chover, e toda a roupa está pendurada no varal lá fora, e a panela do jantar foi esquecida no fogo e está queimando. Mas ainda assim. Talvez seja o silêncio que acompanha as tarefas. Talvez seja a rotina, que, quase imutável, dá ordem ao caos de infindáveis trabalhos.

A verdade é que nunca disciplina foi tão importante para mim e nunca ela me ajudou tanto. Quando parece que há coisas demais a fazer, ainda assim elas são feitas, e de repente não era nada tão grave, e me vejo contente por ter dado cabo de mais uma pilha de afazeres e sei que nesse tempo que restou posso relaxar de verdade, sem me preocupar, abrir uma cerveja e ver Arrested Development com meu marido. Aprendi a duras penas que procrastinação é a pior coisa do mundo. E ainda que às vezes eu seja acusada de não saber gerir meu tempo, pois não consigo largar tudo e ir dormir quando os outros acham que eu deveria, acho que é justamente o contrário: eu priorizo sempre o que PRECISA ser feito em detrimento do que eu QUERO fazer. Uma vez feito tudo aquilo que precisa ser feito, todo o tempo restante é dedicado ao que eu quero. E uma vez que as tarefas que precisam ser feitas são incorporadas na sua rotina, uma vez que você tenha disciplina para sempre priorizá-las, elas deixam de ser um fardo, pois você elimina a escolha, o dilema entre fazê-las agora ou depois. A resposta é sempre: faça agora, tire da frente, não deixe para depois. Acordo às 6h da manhã todo dia, e antes das 8h30, todos já tomaram café, estão vestidos, criança está na escola, já fui à feira, varri a casa, lavei a louça e botei roupa para lavar. Mato tudo o que é tarefa de rotina o mais cedo possível no meu dia, para que no restante do tempo possa intercalar as tarefas extraordinárias com as necessidades das crianças. É menos estressante simplesmente abdicar do tempo para mim enquanto elas estão acordadas. Como Thomas dorme muito cedo (antes das 19h), tenho a noite para relaxar completamente, ler, ver um filme, descansar. Lutar contra as coisas que você precisa fazer, aprendi, é a maior fonte de stress de todas, e totalmente evitável.

Para que tudo funcione bem, e consiga encaixar na rotina as refeições da família, planejamento é sempre essencial. E minha resposta pronta a quem vira para mim e diz que não tem tempo de cozinhar por conta de uma rotina corrida. Se eu tenho tempo, você que tem empregada para lavar sua louça também tem. O que faltou a você foi um planejamento básico. Descobri isso quando um amigo reclamou que não cozinhava porque não tinha paciência para sair do trabalho e passar no supermercado antes de ir para casa para então chegar e cozinhar alguma coisa.

Sejamos francos: sempre que espero sentir fome para decidir o que cozinhar, acabo fazendo um queijo-quente.

Ao contrário do que eu fazia quando morava nos Jardins, atualmente vou à feira (no caminho de volta de deixar Thomas na escola) e ao supermercado uma vez por semana apenas. Antes de fazer essas compras, abro a geladeira e a despensa e faço um inventário mental do que há lá dentro e do que está para estragar e precisa ser consumido mais rapidamente. Uso o eat your books ou uma busca em blogs para rapidamente encontrar algumas receitas rápidas para preparar o que tenho em casa e, se falta algum ingrediente específico ou algo básico de despensa (como leite, manteiga e farinha) já anoto numa lista para dar cabo disso nessa uma visita ao mercado e à feira. Deixo anotadas as receitas da semana, e as leio para ter certeza de que não há nada a ser preparado com antecedência, como deixar feijões de molho. O que posso adiantar num momento de calmaria, adianto (como cozinhar feijões num domingo entediado e deixar congelado em porções menores). Também já me planejo para reaproveitar restos de ontem, como o risotto ou o arroz com legumes feito em maior quantidade para virar arroz de forno amanhã, ou o macarrão para virar fritatta, etc. Dessa forma consigo cozinhar todos os dias e não jogar nada fora. E quando há tempo livre, simplesmente porque curto cozinhar, é quando sai um bolo, um biscoito, um pãozinho, um sorvete, geralmente à tarde, com a ajuda do pimpolho, para distraí-lo.

No fim, a tranquilidade talvez venha da satisfação em cuidar do meu próprio nariz e de minha família, sem depender de ninguém. Ou do fato de ocupar tanto meu tempo com atividades manuais, que têm um ritmo mais tranquilo e contemplativo que ficar no computador, mesmo quando são frenéticas.

A verdade é que sem disciplina, provavelmente iria à loucura. E a disciplina tem me ajudado não apenas a manter a cozinha andando, mas a reincorporar um hábito do qual andava sentindo uma falta brutal: correr. Comecei no domingo, incentivada pelo marido, e agora tenho corrido um pouquinho, dia sim, dia não, à noite, quando ele chega em casa para ficar com as crianças. É um momento bom, de espairecer a cabeça e colocar o corpo para se mexer de outro jeito que não seja carregando criança ou varrendo quintal, e também um momento engraçado da minha rotina, pois correr, assim como cozinhar, é a união perfeita entre uma tarefa que precisa ser feita e algo que quero fazer.

Essas favas brancas com tomate são o exemplo perfeito de uma deliciosa refeição que pode ser feita com antecedência, em várias etapas, para ser reaquecida durante uma semana corrida. Num dia pode deixar de molho as favas e cozinhá-las, congelando para uso posterior. Em outro, pode preparar o molho e deixar o prato montado na geladeira, esperando apenas ir ao forno. Tenho certeza de que pode mesmo ser congelado já quase pronto, indo ao forno apenas para reaquecer e dourar.

FAVAS BRANCAS ASSADAS COM TOMATES
(De um dos meus livros favoritos: Falling Cloudberries, de Tessa Kiros)
Rendimento: 8 como acompanhamento, 6 como principal

Ingredientes:
  • 3 xic. favas brancas, deixadas de molho na noite anterior
  • 1 folha de louro
  • 1/2 xic. azeite de oliva
  • 2 cebolas pequenas, picadas
  • 2 talos de aipo com as folhas mais claras e macias, picados
  • 3 dentes de alho picados
  • 1 lata e meia de tomates sem pele
  • 4 colh. (sopa) salsinha picada
  • 3 colh. (sopa) migalhas de pão amanhecido ou farinha de rosca

Preparo:
  1. Escorra as favas. Coloque-as numa panela com a folha de louro e cubra generosamente com água fria. Leve à fervura. Retire com uma escumadeira qualquer espuma branca que suba à superfície. Abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 1 hora e meia, ou até que estejam muito macias. Tempere com sal no fim do cozimento.
  2. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra as favas, reservando 1 1/2 xicara da água de cozimento (o restante, pode congelar para usar em caldo de legumes), e coloque-as numa travessa refratária ou assadeira (usei uma panela rasa com tampa que pode ir ao forno). 
  3. Aqueça 2 colh. (sopa) de azeite numa frigideira e refogue as cebolas até que estejam ligeiramente douradas, mexendo para que não grudem. Remova do fogo e junte o aipo, o alho, tomates, salsinha e o restante do azeite. Tempere com sal e pimenta.
  4. Junte a água de cozimento reservada, derrame tudo sobre as favas e misture bem. Cubra com papel alumínio e asse por 45 minutos. Remova o papel alumínio, mexa as favas com uma colher, adicionando um pouco de água se parecer muito seco. Polvilhe com as migalhas de pão e retorne ao forno, sem cobrir, por mais 30 minutos. As favas devem estar muito macias, dourada em cima, e ainda com algum molho. Sirva quente, com um pouco de azeite extra.

Cozinhe isso também!

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