sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Bolinho de aniversário

Esse ano não teve bolo. Como não fiz festa, achei por bem das minhas ancas pular o bolo de três camadas que eu não teria a quem distribuir. Depois de quase duas semanas de sono ruim, por conta de birras na hora de dormir e durante a madrugada, também não me sentia disposta a tanto. Thomas, que desde os oito meses dormia 12 horas por noite ininterruptas, e que sempre foi deixado acordado no berço para dormir sozinho, sem precisar ser ninado ou convencido, agora parecia ter mudado de ideia: era colocar no berço para abrir um berreiro escandaloso, como se o colchão fosse feito de espinhos. E isso valia também para a soneca durante o dia.

Pode imaginar meu cansaço diante da situação.

Então, já chegando num ponto insuportável, meu marido teve uma epifania: "E se transformássemos o berço em mini-cama?"

Pensei.

"Hmmm... talvez ele esteja ficando aflito de ser colocado ali dentro e saber que só vai sair quando quisermos tirá-lo?"
"É, não custa tentar", disse ele.

E lá foi o homem de parafusadeira em punho desmontar o berço e remontá-lo como mini-cama, enquanto Thomas saracoteava em volta, encantado com a movimentação. Foi um momento de orgulho e aperto no coração ver aquela caminha pequena e baixa ali, encostada à parede, com lençoizinhos arrumados e travesseirinho. Como uma das camas dos setes anões. E tendo matriculado meu filho na escola naquele mesmo dia, e sendo meu aniversário de 33 anos no dia seguinte, senti-me incrivelmente velha. Meu filho estava crescendo rápido e o tempo estava passando. Mas era um aperto bom. Pois tem sido melhor a cada dia.

Claro que foi um parto colocá-lo para dormir. Há crianças que não entendem logo de cara que podem sair sozinhas da cama, acostumadas ao confinamento do berço, mas Thomas, que é cabrito de montanha, escalou minha mesa de desenho com 6 meses, e preza por sua liberdade, imediatamente desceu chorando e correndo para a sala, no melhor estilo criança histérica do Supper Nanny.

Bota de volta na cama. Sai da cama. Bota de volta. Sai. Segura um pouco. Tenta acalmar. Trinta e cinco minutos depois, relaxa e dorme. A noite toda.

Na manhã seguinte, sou acordada por um chorinho de 0.3 segundos, que pára de repente, e é seguido de sons de passinhos no assoalho: tomp, tomp, tomp, tomp. Os passos se afastam, em direção à sala, e depois retornam, fazendo surgir ao pé da minha cama um rostinho redondo e amassado de travesseiro, de chupeta e cabelos loiros desgrenhados. Uma risada, e ele volta ao seu quarto, subindo novamente na cama para fazer manha de preguicinha.

Naquela noite, para minha alegria e surpresa, dei-lhe banho, botei-lhe o pijama, e, ao invés de niná-lo no colo até o berço, coloquei-o no chão: e eis que ele caminha rápido até a caminha, sobe sozinho e deita-se. Sento-me ao seu lado, canto um pouco, ele faz uma graça, e quando saio do quarto para atender ao telefone, ao contrário das minhas expectativas, ele não corre chorando atrás de mim. Ele adormece sozinho.

Presente de aniversário como esses eu nunca tive. ^_^

Nos minutinhos restantes do meu dia, que começara bem, com passeio para catar amoras no vizinho e continuara com um almoço gostoso com minha mãe, em São Paulo, resolvo me preparar cupcakes de chocolate. Rapidíssimos e deliciosos. Preparei meia receita, pois seis cupcakes de chocolate com cobertura de chocolate para uma aniversariante, um marido que não come bolo e uma criança que ainda está proibida de comer doces que sejam apenas doces pelo doce, estão mais do que bons.

Caso você não tenha acesso a unsweetened chocolate (chocolate a 99 ou 100% de cacau - já comprei no Sta Luzia várias vezes) use sua cobertura favorita. Os bolinhos em si ainda valem a pena, deliciosos e macios. 

CUPCAKES DE CHOCOLATE
(do livro Sinfully Easy Delicious  Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 12 cupcakes (mas pode ser feita meia receita, como eu fiz)

Ingredientes:
(bolinhos)
  • 1 xic. farinha de trigo orgânica
  • 1/3 xic. + 1colh (sopa) cacau em pó
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) cheia de sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 xic. água quente
  • 1/2 colh.(chá) extrato natural de baunilha
(cobertura)
  • 115g chocolate 99% ou 100% de cacau, picado grosseiramente
  • 5 1/2 colh. (sopa) manteiga sem sal, cortada em pedaços pequenos
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/4 colh (chá) sal

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e posicione a grade no terço inferior do forno. Forre a forma de muffins com forminhas de papel. 
  2. Numa tigela, misture com o fouet a farinha, cacau, açúcar, bicarbonato e sal.
  3. Junte a manteiga derretida e os ovos e misture com cuidado até formar uma pasta espessa. Então bata com o fouet umas 30-40 vezes, vigorosamente.
  4. Usando uma espátula, misture a água quente e a baunilha, até que a massa esteja homogênea. Distribua nas forminhas e asse por 18-22 minutos, até que um palito saia limpo quando inserido no meio dos bolinhos. Deixe esfriar por 5 minutos ainda na forma, então desenforme e  deixe esfriar completamente numa grade antes de decorar. 
  5. Enquanto os bolinhos estão no forno, faça a cobertura. Coloque o chocolate picado e a manteiga numa tigela resistente a calor.
  6. Numa panela, leve à fervura branda o creme de leite, o açúcar e o sal e cozinhe em fogo baixo por 4 minutos, mexendo sempre.
  7. Derrame a mistura sobre o chocolate e misture com o um fouet até que o chocolate tenha derretido e a mistura esteja homogênea e brilhante. Leve à geladeira, descoberto, por uns 40 minutos, tempo em que os bolinhos também estarão esfriando. Quando a cobertura estiver fria, mas não dura demais, coloque num saco de confeitar e decore os bolinhos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Frascatula di polenta e verdure e criança que não fala

"Frascatula" não é uma palavra linda? Esse prato de polenta e legumes da província siciliana de Enna me chamou a atenção pelo nome e pelo colorido. Mas enquanto eu repetia "Frascatula" e "Polenta" para Thomas, escandindo as sílabas, ele me devolvia meia dúzia de sons guturais, alguns "hmmmmm" enquanto devorava os quadradinhos amarelos de polenta (e ignorava o brócolis), e uns "ah!", "bu!", e "dá!" ocasionais.

Thomas andou cedo, é grande e forte, esperto e bem humorado, mas tem uma preguiça fenomenal de falar, não importa o quanto estimulemos. "Po-len-ta", eu digo. "Ah-uá!", ele responde. ¬_¬

Fazer o quê?

Cada criança tem seu ritmo, e se você já ficou aterrorizada por pediatras e amigos dizendo que seu filho tem problema porque ainda não anda, ainda não fala, ainda não dorme a noite inteira, ainda não tem todos os dentes, ainda não atingiu a desgraçada da média burra de peso e altura (Thomas esteve abaixo no seu primeiro ano inteiro, e hoje ultrapassou de longe ambas, então isso não quer dizer joça nenhuma) ou qualquer outra medida-padrão de criança que trata seres humanos como se fossem maquininhas todas iguais, mande lamber sabão, relaxe e curta seu filho do jeito que ele é.

Eventualmente ele vai andar, falar, ter dente, crescer, o que for. O pediatra fazia terrorismo por Thomas ser magro, sem levar em consideração que o menino estava sempre feliz e de bochechas rosadas, e que nunca havia pego uma gripe sequer (a única febre até hoje foi no nascimento dos dentes). Vou ficar encucada? Claro que não. Dava de ombros, e não dava vitaminas coisa nenhuma. Nem fórmula, essa coisa bizarra.

Hoje lá vai ele, maior que as crianças da idade dele que conhecemos (salvo os primos de segundo grau, que puxaram ainda mais a alemãozisse da família, e são imensos), mas magrelo como só ele, sorridente, saudável, voluntarioso e teimoso.

Teimoso com brocolis, que sempre gostou, e agora empurra para o lado. "Nein, nein", diz ele, balançando a cabeça, e não sei se é uma sílaba aleatória, ou se ele está me imitando quando digo "não" ao cachorro em alemão. Nada de brócolis, mãe, por mais gostoso que esteja. Mas a abóbora pequena, que entrou no lugar da abobrinha na receita, os tomates e, principalmente a polenta... ah, a polenta sim. Um pouco d'água para ajudar a descer... e mais polenta.

"Hmmmmm", diz ele, sorridente, espetando a polenta com o garfo e levando à boca, acertando uma das nove tentativas. Então faz cara de safado, ergue e balança o garfo, como quem diz "olha só o que eu estou fazendo agora..." E ri. E eu sei que ele está satisfeito quando começa a brincar de esmagar a polenta entre os dedos e reorganizar o brocolis no prato. Fora do prato. No prato. Fora do prato.

Esta "Frascatula", quase nada adaptada do lindo e enorme livro Culinaria Itália, é um prato perfeito para famílias como a minha, e algo que pretendo repetir quando a pequena futura guerreira de cabelos cacheados estiver na fase das papinhas. Porque os adultos comem como adultos, os pequenos escavadores de sementes recém-plantadas em vasos comem com as mãos e conseguem mastigar bem todos os elementos do prato, e os menorezinhos ainda comem a polenta molinha com os legumes transformados em purê. Se achar que falta uma proteína, pode-se fazer a polenta veneziana (com leite no lugar de parte da água) ou misturar queijo a ela (ou por cima do prato). Também acredito que vários outros legumes ficariam bem aqui, apesar de ter gostado da combinação como ela é. Substituí a abobrinha pela abóbora pequena, apenas descascada e ligeiramente aferventada junto com o brócolis para garantir que ficaria molinha o bastante para o Thomas, e omiti as batatas, que não tinha.

FRASCATULA DI POLENTA E VERDURE
(ligeiramente adaptada do lindo livro Culinaria Italia)
Rendimento: 3 pessoas

Ingredientes:
  • 300g sêmola de milho ou polenta bramata
  • 300g ramos de brócolis
  • azeite de oliva
  • 1 cebolas em rodelas
  • 400g de abobrinhas cortadas em pedaços pequenos (ou abóbora pequena, descascada)
  • 1 lata de tomate pelado
  • sal e pimenta do reino

Preparo:
  1. Leve à fervura água na proporção indicada na embalagem da sêmola ou polenta que você tem em casa. Salgue, junte a sêmola aos poucos, e cozinhe em fogo brando, mechendo com frequência, até que a polenta esteja cozida (de 30-40 minutos). Despeje numa assadeira média, alisando a superfície com uma colher, e deixe esfriar e firmar. Corte-a em pedaços pequenos, no formato que quiser.
  2. Cozinhe o brócolis em água fervente salgada por alguns minutos, apenas até que estejam al dente, e retire. Se estiver usando a abóbora, cozinhe-a na mesma água por um minuto, apenas para acelerar seu cozimento depois. 
  3. Aqueça o azeite numa frigideira grande e junte a cebola, a abóbora ou abobrinha e cozinhe em fogo médio até que estejam tenras e começando a dourar. Junte a lata de tomate, tempere com sal e pimenta e abaixe o fogo para que cozinhem mais devagar, mexendo de vez em quando.
  4. Quando a abóbrinha ou abóbora estiver macia, junte o brócolis. 
  5. Distribua a polenta (reaquecida ou em temperatura ambiente, para que se aqueça com o vapor dos legumes) nos pratos e cubra com os legumes. Sirva imediatamente. (A quantidade de polenta pode ser demais, mas as sobras são ótimas fritas em azeite quente no dia seguinte.)


Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails