quarta-feira, 18 de abril de 2012

Voltando? Talvez. Com muffins.

As férias do blog me fizeram bem. Colocaram minha cabeça e minhas prioridades em ordem. Fizeram-me perceber que eu não escrevia para os outros, mas para mim. E isso é muito bom, e é como deve ser. Senti falta não de compartilhar meu almoço, mas um leite de coco caseiro, um truque para reaproveitar spaghetti, um jeito mais fácil de pensar o cardápio da semana. Alguma coisa que teria sido bom ter lido quando precisei, para não me sentir tão louca, tão perdida. Andei também relendo alguns dos meus textos favoritos na internet, as poucas crônicas do Extreme Frugality, publicadas na finada Gourmet, e pensei quão órfã me sentia desde que os textos foram interrompidos, e me identifiquei com alguns dos emails que recebi durante essa pausa.

Mas não foi apenas isso o que percebi nesses meses: também vi como foi libertador cozinhar apenas para minha família, para mim, sem pensar quão fotogênico ficou um bolo ou o melhor ângulo do espinafre. Simplesmente comida quente, do fogão à mesa, para a boca ávida do (não tão) pequeno matador de dragões. Como os fracassos retumbantes foram menos retumbantes por não implicar na ausência de um post, por não parecer que eu falhei não apenas para mim, mas para um sem número de leitores. Os fracassos se tornaram não apenas toleráveis, mas contornáveis. Os macarons no lixo não doeram tanto. Ficou a vontade de tentar novamente. Sem pressa. Sem pressão.

Nesse espírito, e na correria desenfrada que tem sido meu trabalho esse ano, meu estilo de cozinha sofreu algumas mudanças. Aquela velha história de um prato inteiramente novo a cada refeição, porções exatas, calculadas para não sobrar, acabou. Pelo menos por enquanto. E me tornei uma grande adepta da reciclagem dos pratos: o feijão que vira frijoles refritos, a quinua que vira bolinho, o risotto que vira arancini, o spaghetti que vira fritatta – porque se Thomas não gosta de algo hoje, basta misturar com ovo que ele comerá amanhã... Peguei esse hábito de cozinhar os pacotes inteiros de feijão e deixá-los separados em porções já pensando "esse é sopa, esse é salada, esse é hambúrguer vegetariano...". E cozinhar sempre o dobro do que preciso de cereais como arroz integral ou quinua, perfeitos para utilizar num stir fry ou bolinhos rapidíssimos no dia seguinte, tudo sempre cheio de legumes.

Meu livro favorito ultimanente tem sido o How To Cook Everything Vegetarian, do Mark Bittman, que tem estado constantemente aberto em minha cozinha pelos últimos dois meses. Os pratos diários tem saído tão variados, que há já muitos meses não me lembro de comprar um pedaço de peixe, e me vejo em estado de puro choque quando ouço alguém dizer "não gosto de legumes". COMO É POSSÍVEL???

E Thomas tem sido puro orgulho gastronômico. Come sozinho, com suas mãozinhas exploradoras ou com garfinho e colher, que ele usa para espetar a comida do prato e levar... à outra mão, que então coloca o pedaço na boca. Mastiga com seus seis dentinhos, emitindo contentes "nhom-nhom-nhom". Adora comidas apimentadas. Numa reunião de amigos, peguei-o mastigando uma castanha de caju com caiena que eu preparara para os adultos. E frutas. Principalmente banana. Seu bolo de aniversário foi obviamente de banana.

Agora que ele completou um ano, estou devagarinho deixando-o comer coisinhas um pouco mais doces. Não sempre. De vez em quando. Porque é feito em casa. Porque tem bons ingredientes. E porque não importa o chocolate; como pode lhe fazer mal, com sarraceno e caqui? Porque não vai ser danoninho. Não no MEU turno.

Esses muffins foram o exemplo perfeito de algo que teria me tirado do sério há meses atrás. Porque eles estavam se esforçando para dar errado. De verdade. Meu forno que não anda confiável, minha cabeça cansada e distraída, eu já ter estragado outros muffins do mesmo livro, a manteiga gelada que talhou na adição dos ovos de uma vez e depois terminando de estragar miseravelmente na adição do iogurte... Mas deram certo. Muito certo. Deram certo porque decidi ouvir o tiozinho sábio invisível sentado no meu ombro, que me sussurrou: "joga fora e faz de novo, do seu jeito!".

Joguei fora e comecei de novo. Do meu jeito. E ficaram deliciosos, e macios, e complexos. Mas eles são engraçados. Se você nunca provou farinha de trigo sarraceno na vida, saiba que ela é peculiar: seu sabor é terroso, forte e específico – posso até dizer, um gosto adquirido. Recomendo que, antes de comprar um quilo da farinha, experimente um prato de soba (massa japonesa de trigo sarraceno). Gostou? Então vá em frente. Porque eu não daria um desses muffins a alguém só acostumado a brigadeiro. O primeiro sabor que atinge você como um murro ao mordê-los é justamente o sarraceno, que então se dissolve no cacau da massa, nos nacos de chocolate amargo derretido e nos pedaços de caqui quase caramelizados. Então tudo fica bem. Mas a primeira mordida é estranha, pois seu cérebro se sente enganado, depois de olhar para aquele bolinho e concluir apenas "chocolate".

Use bom cacau. Escuro e perfumado. Fuja dessas marcas com cheiro de giz. Gaste um pouco mais num cacau que presta. Use o dinheiro que você costuma gastar naquele iogurte que faz ir ao banheiro. Você vai me agradecer. Use caquis bem maduros e doces. Meça as farinhas com mão leve, principalmente o sarraceno, que não tem glúten e tende a dar uma consistência mais pesada e arenosa aos produtos assados. Se derem certo, aproveite. Se não derem, acontece. Há alguns dias atrás joguei três assadeiras de macarons de avelãs no lixo. Shit happens. Não se cobre muito. Tente de novo depois.

MUFFINS DE CHOCOLATE, CAQUI E SARRACENO
(ligeiramente adaptado do livro Good to the Grain, de Kim Boyce)

Ingredientes:
  • 1 xic. farinha de trigo sarraceno
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca orgânica
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) cacau em pó (não-adoçado)
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh. (chá) sal
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 85g manteiga sem sal*
  • 1/4 xic. açúcar orgânico claro
  • 1/4 xic. açúcar mascavo
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 xic. iogurte natural (preferencialmente caseiro)
  • 2 xic. polpa de caqui (corte o caqui ao meio e remova a polpa com uma colher de chá, para manter os pedaços pequenos)
  • 110g chocolate amargo (50-70%) picado
*A autora especifica manteiga gelada, mas ela pode talhar na adição dos ovos, então use em temperatura ambiente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte e enfarinhe muito bem 12 forminhas de muffins**. 
  2. Peneire os ingredientes secos numa tigela. Junte à mistura qualquern fibra das farinhas que sobrar na peneira.
  3. Na tigela da batedeira, coloque a manteiga e os açúcares e bata em velocidade baixa até que tudo esteja misturado. Aumente para velocidade alta e bata por pelo menos 5 minutos, até que a manteiga esteja clara e cremosa.
  4. Numa tigelinha, quebre os dois ovos e misture bem com um garfo. Raspe as laterais da tigela da batedeira com uma espátula e ligue novamente a batedeira, em velocidade média. Acrescente os ovos à manteiga pouco a pouco (use uma colher de sopa), batendo bem a cada adição. 
  5. Junte 1/3 da mistura de farinha e bata em velocidade baixa, apenas até que esteja incorporado. Junte metade do iogurte e bata novamente. Continue alternando, batendo a cada adição apenas o suficiente para que não haja traços de farinha ou iogurte na massa, que estará mais densa e pesada do que uma massa de muffin normal.
  6. Desligue a batedeira e, com uma espátula, incorpore a polpa de caqui e o chocolate, misturando bem. 
  7. Divida a massa nas 12 formas. A massa continua densa e vai crescer pouco e para cima, então não se preocupe se ela ultrapassar a borda.
  8. Leve ao forno por cerca de 35 minutos, ou até que você toque o topo dos muffins e eles estejam firmes como um bolo. Retire a forma do forno. Torça os muffins para fora da forma e coloque-os apoiados sobre as bordas das forminhas na diagonal, para que esfriem mantendo a crocância da casca. Eles são melhores comidos no mesmo dia, mas podem ser guardados em pote fechado por até dois dias, ou embalados e congelados, para serem reaquecidos depois.
**A autora diz que a receita dá para 8 muffins. Mas como não apenas eu, mas outros internautas por aí tiveram tanto sucessos quanto resultados desastrosos com essa proporção, preferi mais muffins menores a um único tapete de massa mal assada, como já aconteceu. No entanto, como a massa é bem densa, acredito que até seja possível assá-los em 8 formas apenas. Caso queira fazê-lo, intercale as formas com massa com outras cheias de água quente até a metade, para garantir cozimento por igual. Por sua conta e risco. 


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Uma não muito breve explicação

O caminho da simplificação é um caminho sem volta. Quanto mais você simplifica sua vida, mais simples quer torná-la, mais coisas e hábitos você descobre que não são necessários para você. E, conforme vai ficando mais leve, de casa, de corpo, de rotina, de espírito, mais se pergunta o por quê de ter escolhido complicar por tanto tempo.

Esse post não é um desabafo, nem mesmo um "guia prático da simplicidade", mas o único modo que encontrei de fazer com que vocês, que aparecem por aqui há tantos anos, compreendam um pouco do que anda acontecendo em minha mente e em minha vida.

Desde que meu filho nasceu, meu bem mais preciso tem sido o tempo. Quem têm filhos e os cria sem ajuda especializada 24 horas por dia sabe do que estou falando. Assim que o bebê nasce você se dá conta de forma desesperadora de como o tempo passa rápido. De verdade. E, quando a primeira roupinha de recém-nascido vai para a gaveta do "não cabe mais", você se dá conta de que seu filho nunca mais será aquele bebezinho minúsculo de novo, e nunca, nunca em sua vida, você terá uma noção tão exata e dolorosa de que o tempo que passou simplesmente não volta mais.

Simultaneamente, você se vê enroscada numa rotina rígida e louca, completamente à mercê daquele serzinho cor-de-rosa, e, quando ele finalmente resolve dormir, você se vê num empasse: o que eu faço agora? Tomo banho? Entrego aquele trabalho atrasado? Pinto? Leio? Pego email? Durmo? Faço o jantar? Lavo a cozinha? Você terá uma hora exata para fazer algo. O quê, eu não sei. Algo. E depois dessa uma hora, o bebê requererá sua atenção total, então é bom que escolha a coisa certa. O que você precisa fazer primeiro? O que é mais importante para você?

Nesse momento, em que o tempo tão precioso não pode ser gasto levianamente, poderia ter enveredado por caminhos obscuros. Deus sabe que eles passaram pela minha cabeça. Quando, cansada demais, olhei no espelho, deprimida, e pensei: "F*da-se. F*da-se que eu estou gorda. Eu tive filho. Eu posso. Ninguém está me obrigando a ficar magra de novo, e eu estou simplesmente tão cansada. Eu posso. Eu quero ficar na cama e dormir mais meia hora. Ninguém pode me obrigar a ir correr. Eu nem lembro por que que eu gostava de correr, de qualquer forma. Então f*da-se." E imediatamente aquilo me assustou muito. Eu conseguia sentir o momento da virada. O instante trágico em que você desiste. E a roda gira. Para o lado errado.

Eu estava prestes a desistir. Exausta, quis abrir mão de tudo o que era importante para mim. Do meu trabalho, no qual estava quase impossível focar, da minha saúde, pois parecia difícil voltar ao pique que eu tinha antes, da minha cozinha, pois eu não tinha paciência nem para lavar alface, em suma, de mim.

Naquele momento, no espelho, vi nos meus olhos macilentos um lampejo do futuro, e não gostei do que vi. Eu não podia desistir. Mas também não podia continuar dando murro em ponta de faca, tentando uma rotina impossível com variáveis de difícil manipulação. Eu precisava mudar a base das coisas. Precisava simplificar o coração de cada atividade, para que pudesse executar uma manutenção mais rápida e fácil.

A COZINHA

Mudei minha forma de cozinhar. Continuei comprando a cesta orgânica, cerca de 2-3 vezes por mês, e voltando ao supermercado apenas para os básicos, como leite fresco, queijo parmesão, manteiga, café, farinha e algum grão. Mantive minha despensa minimamente estocada. Um cereal por vez. Um feijão por vez. Uma massa por vez. Se havia quinua, não comprava arroz. Se havia arroz, não comprava cevada. Se há spaghetti, nada de lasagne. Mantive a meta de tentar fazer o maior número de pratos sem precisar ir ao supermercado para novos ingredientes, o que acabou se tornando, ao invés de estressante, um interessante processo criativo, gerando pad thai vegetariano de repolho, stir fry de 7 grãos com talos de espinafre, arroz de forno com pepino refogado, e uma miríade de combinações bizarras mas que resultaram em jantares gostosos, baratos e nutritivos.

A restrição de ingredientes, que parecia opressora quando comecei, tornou-se libertadora, pois ainda me rendeu mais tempo, economizando as idas ao supermercado. Sem falar na economia financeira, uma vez que tenho conseguido alimentar 2 adultos e 3/4 (Thomas come 3/4 de porção de adulto) por menos do que antes eu gastava apenas com meu marido e eu.

Além disso, revi minha rotina. Vi-me muito tentada a voltar aos feijões em lata, caldo em cubo e outras praticidades, até inventar o "dia do processamento". Terça-feira, o dia em que a cesta chega, é oficialmente o dia de processar alimentos. Lavo tudo o que tem que ser lavado, separo raízes de folhas comestíveis, acondiciono tudo em potes devidamente fechados na geladeira, e separo as aparas. As aparas vão imediatamente para a panela com água e temperos para virarem caldo de legumes. Pouco, assim, 1 litro, que será congelado em 2 potes de 500ml, o suficiente para umas duas sopinhas ou um risotto da semana. Ao lado da panela do caldo, borbulha a panela do feijão. Qualquer feijão cujo saco inteiro eu tenha deixado de molho na noite anterior e agora cozinha por 1h30 com alguns temperos básicos. Todo o feijão será também congelado em potes equivalentes às latas de feijão, para serem usados quando der vontade. Maços de manjericão viram pesto congelado em potinhos pequenos. Frutas já maduras são descascadas e cortadas e acondicionadas em potes para os lanches do bebê. Abóbora vai para o forno e vira purê, também no freezer, para uso em doces, sopas, pães, o que for.

E assim que em uma manhã eu resolvo boa parte da cozinha da semana, se não do mês, em alguns casos. Dia do Processamento é intenso, mas vale a pena, pois tudo fica à mão, e minha família não perde em qualidade. Desta forma, sobra tempo para preparar um macarrão caseiro, pães (feitos sempre em dobro, para um deles ir ao freezer), bolos, e a pizza de sexta-feira.

A LIMPEZA

Quando Thomas começou a engatinhar, ficou claro, pelas manchas cinzentas de suas roupas, que não seria mais possível deixar a limpeza pesada apenas para o fim de semana. Mas o aspirador de pó me irritava um bocado, por seu peso, seu barulho, seus tubos desencaixando em baixo do sofá, seu fio enroscando nas pernas das cadeiras, seu plug precisando ser mudado de tomada três, quatro vezes. Aposentei-o, então. Troquei o aspirador pela boa e velha vassoura, silenciosa, rápida, não-dependente de energia elétrica, e vi que levava muito menos tempo para varrer a casa do que para aspirá-la. Além de tudo, economizava nos sacos de aspirador, sempre entupidos de pêlos de cachorro.

Mas apenas isso não bastava. Era chato tirar o pó. Era chato mover os objetos para passar pano no chão e nos móveis. Por quê? Porque as coisas estavam fora de lugar, e porque havia simplesmente... coisas demais.

Comecei um processo longo de limpeza dos armários e estantes, dentro e fora, doando e jogando fora sem dó itens sem uso, coisas que guardávamos para eventualidades ou porque alguém nos havia dado, papelada, livros, cds e dvds, materiais de arte, roupas, revistas, objetos decorativos, louças, produtos de limpeza, toalhas, o que fosse. Não foram poucas as vezes em que me deparei com objetos e pensei "Nossa, não sabia que eu tinha isso!". Aos poucos fui conseguindo mais superfícies limpas, ao guardar objetos importante dentro dos armários antes ocupados por tralha.

Esvaziei os arquivos de toda a papelada velha, de mais de 5 anos, e todos os manuais, notas e garantias de equipamentos que nem temos mais, ou cujas garantias já expiraram, tornando os arquivos da casa mais leves, limpos e organizados, facilitando seu uso.

Deixei no meu armário apenas minhas peças de roupa favoritas, em bom estado e que me servem. Hoje não tenho mais do que umas 10 blusas para o ano inteiro, 1 calça jeans, 2 vestidos de inverno e 2 de verão, 1 short jeans, 3 saias, 1 jaqueta e 2 casacos, 1 sapatilha, 1 sandália, 2 saltos altos, 1 coturno, 1 bota de trilha, 1 tênis de passeio e 2 tênis de corrida. Roupa de ginástica, que seca rápido, só o bastante para 1 semana. O armário ficou fácil de organizar, todas as roupas cabem dobradas com folga nas gavetas, eu sei exatamente o que tenho e visto minhas peças favoritas todos os dias. O processo de lavar roupa, pendurar, tirar do varal, dobrar e guardar, ficou mais simples agora que há menos peças. Eu já havia feito isso com toalhas e lençóis quando nos mudamos: apenas 2 peças; enquanto usamos uma, a outra está lavando.

Minha escrivaninha, agora, é uma bancada limpa, apenas com o computador, o scanner e três canecas com pincéis. Mal tenho de mover nada para limpá-la, o que torna o processo muito mais rápido. Isso foi acontecendo, devagar, com toda a casa. Para facilitar, antes de dormir, guardo os poucos brinquedos do Thomas dentro do chiqueirinho, recolho sapatos espalhados, levo copos para a cozinha, papéis no reciclável, enfim, guardo tudo o que deve ser guardado, para que no dia seguinte seja simples varrer e limpar em não mais que cinco minutos.

Minha casa nunca esteve tão limpa.

E minha mente nunca esteve tão leve.

A TECNOLOGIA

Quando Thomas dorme, corro para o computador para trabalhar enlouquecidamente. Com apenas dois cochilos por dia, é esse o tempo que tenho para trabalho focado: 2 horas. E é bom que eu aproveite esse tempo. Para não me distrair, desliguei o aviso sonoro de chegada de emails e nem abro meu navegador, Twitter incluso. Desligo meu celulgar. Deixo a secretária eletrônica atender os telefonemas de casa (que quase não existem, uma vez que as pessoas parecem só usar mensagens de texto de celulares para se comunicarem agora). E essas duas horas são mais produtivas do que dias inteiros de trabalho meu em outras épocas. E minha mente é focada e calma. E quando Thomas acorda, eu não me sinto exausta, mas pronta para lhe dar atenção, um lanche, um carinho, ensinar uma brincadeira e deixá-lo explorar o mundo de nosso apartamento enquanto faço o almoço ou penduro a roupa.

Então, enquanto ele saracoteia ao meu lado no quarto, derrubando meus livros da estante, eu ligo o email, o Twitter, o celular. E o que começa divertido fica irritante. Quero escrever um texto para o blog, e o celular toca. Levanto para apanhá-lo na sala. Número que eu não conheço. Não atendo. É sempre telemarketing. Volto para tentar escrever. Uma janelinha do Twitter aparece, com o update de alguém. Clico. Alguém comentando que está chovendo. Conversa de elevador. Um link para uma petição que as pessoas vão assinar sem ler, apenas para se sentirem engajadas. Uma foto de um gatinho de chapéu. Onde eu estava mesmo? Ah, é, escrevendo um texto. Deixe-me ler do começo, porque perdi minha linha de raciocínio. Mas antes, peraí, vou ver se o cliente mandou email. "Receber emails". Nada. "Receber emails". Nada. Deixe-me clicar de novo, vai que ele mandou agora. "Receber emails". Opa! Chegou um! Propaganda de relógio falsificado. Falando em relógio, deixa eu ver aquele outro blog tinha aquele texto que eu não terminei de ler ontem. Ó, interessante. Tem esse link aqui para outro texto de referência. Deixa eu abrir em outra aba. Ah, tem um video, também. Enquanto ele carrega, deixa eu ler esse outro. O que é que eu estava fazendo mesmo?

Chega.

Basta.

Se eu não consigo mais fazer meu trabalho sem um computador, que ele seja um mecanismo de produção, de criação, e não de distração. Distração sem sentido, sem foco. Meu tempo é precioso demais, e enquanto eu vejo fotos de gatinhos de chapéu, poderia estar lendo um livro, escrevendo um, pintando, cozinhando, brincando com meu filho, fazendo cafuné no cachorro. Todas atividades mais edificantes e satisfatórias do que comentar sobre a chuva no Twitter.

Voltei para o Twitter pois percebi que só tinha contato com determinadas pessoas através dele, e hoje me dou conta de que caí na mesma pegadinha do Facebook. Se você só tem contato com essas pessoas pelo Twitter, então elas NÃO SÃO SUAS AMIGAS. Amigo telefona. Amigo chama para uma pizza em casa. Amigo sai pra tomar cerveja. Amigo que mora fora visita quando vem pro Brasil. SEM EXCEÇÕES.

Fiquei preocupada quando uma amiga saiu de férias e twittou suas férias inteiras, com fotos e filmes. Não acredito que ela tenha relaxado, tão preocupada em mostrar para os outros o que estava fazendo o tempo todo. E fiquei preocupada quando me peguei em vários momentos do dia pensando "uau, preciso tuitar isso!"

Estou, novamente, e definitivamente, desativando o Twitter. Ele ocupa de forma besta um tempo que não volta. E faz você acreditar que está conectado a pessoas quando tudo o que você está fazendo é ficar sozinho olhando para uma tela luminosa, falando para o vazio, esperando aprovação alheia. Assim como todas as redes sociais. 

Às vezes esqueço meu celular desligado. Por dias. Algumas pessoas costumavam reclamar disso, mas hoje percebo que as pessoas não telefonam mais. Meus amigos me ligam em casa, porque conhecem minha rotina. Nem cliente liga em celular; apenas emails. Fui ao parquinho com meu filho, pois ele gosta do balanço. Enquanto empurrava-o para frente e para trás, divertida com sua risada, vi um pai alguns balanços à direita, empurrando sua filha com uma mão, enquanto digitava em seu iPhone com a outra. Durante todo o tempo em que ele esteve com sua filha, o telefone recebeu mais atenção do que a criança. Enquanto eu estava no parquinho do clube, meu celular jazia imóvel no meu criado-mudo. Sua principal função, ultimamente, tem sido como meu despertador.

Desliguei minha TV a cabo. Era cara, os programas eram todos repetidos, e frequentemente eu me via abandonada no sofá, vendo o que eu não queria ver, e pensando "não tem nada passando na tv". Substituí a TV a cabo por uma assinatura de filmes entregues em casa. Assim, só assisto ao que eu de fato quero assistir. O resto do tempo, salvo alguma bobagem na MTV, a TV fica desligada. Economizando energia e tornando meu dia mais silencioso.

Menos tecnologia na minha vida tem sido equivalente a mais tempo de qualidade, tanto sozinha, quanto com minha família e meus amigos de verdade. Menos tralha tem tornado o trabalho da casa mais fácil. Menos ingredientes tem tornado a cozinha mais prazerosa. Escolher o "caminho analógico" e supostamente mais longo, na verdade, tem sido o segredo para uma semana mais tranquila e uma rotina menos estressante. E de repente eu tenho tempo novamente. Precioso tempo, para fazer o que é importante para mim.

Não sei onde o blog se encaixa nisso tudo. Ainda não. Tem sido complicado pensar nisso. Por um lado, às vezes me pego querendo dividir com alguém algo gostoso, uma técnica, uma dica. Por outro, não tenho tido vontade de fotografar, transcrever receitas, e tenho tido muito pouca inspiração para os textos. E quando me pego com tempo para escrever no blog, quase sempre acabo escolhendo usar esse tempo para outra coisa.

Se por um lado o feedback positivo é uma delícia e faz bem para o ego, por outro, a cobrança de gente com dedo em riste dizendo que devo me comportar assim ou assado na internet me faz pensar na exposição e no fato de que ninguém me obriga a aturar esse tipo de coisa. Para não ter essa encheção, basta parar o blog, ou bloquear os comentários. Então pego-me pensando que não posso parar o blog, pois tenho muita coisa a falar ainda. Então percebo que não. Não há nenhuma tecla a bater que não tenha sido exaustivamente esmurrada ao longo desses anos. Nas palavras de Michael Pollan: coma comida; coma pouco; principalmente vegetais. E não dá para ir muito além disso. Simplesmente falar da minha vida, do meu filho, do meu cachorro, e reproduzir receitas ipsis literis começou a parecer um mero exercício de exibicionismo e infração de direitos autorais. Não sei mais exatamente qual é o ponto disso tudo, uma vez que eu mesma parei de ler a maior parte dos blogs. Minha lista não tem mais de cinco, entre nacionais (um), internacionais, incluindo de cozinha, cinema e amenidades. Cansei de ler blogs com fotografias fantásticas de pessoas lindas morando em lugares incríveis, que só me fazem lembrar do fato de que a vista da minha janela é cinza e eu não posso comprar pão sourdough numa padaria à beira mar ou colher cerejas no quintal. Ou tentar me atualizar no último meme da semana, para poder rir junto no Twitter quando alguém fizer uma referência a ele.

Não faz sentido.

Tenho escolhido passar a maior parte do meu tempo desconectada, produzindo, observando, ensinando meu pequeno matador de dragões a andar, colocando a leitura em dia, fazendo pão e picolé de manga. Desacelerar minha vida tem sido minha prioridade e a melhor escolha que fiz nos últimos tempos. Correr, passear o cachorro, trabalhar, cuidar do pimpolho, ler, pintar, cozinhar, ver um filme, passar tempo com meu marido. Nenhuma atividade virtual é mais importante do que estas. E não deveria ser para ninguém.

Não quer dizer o fim do blog. Quer dizer uma pausa para reflexão. Minha, de vocês, o que for. Pode ser que alguns de vocês fiquem com raiva de mim e apaguem o blog de seus leitores RSS, de seus favoritos, e o que for. Façam isso. Não tem problema. Não fico ofendida. Podem ser que alguns de vocês se sintam traídos, abandonados. Também não tem problema. Se vocês estão aqui desde o começo e acompanharam toda a trajetória do blog, provavelmente aprenderam junto comigo, evoluíram junto comigo dentro da cozinha, desde o pão do homem elefante até hoje. Então já valeu a pena. Se o blog tinha alguma função, pelos emails e comentários que recebo de vocês, acho que ele já a cumpriu e com orgulho. Podem continuar mandando emails, que tentarei responder a eles da melhor forma possível.

De qualquer forma, recomendo a experiência de se desconectar um pouco a todos vocês. Dêem umas férias às redes sociais. Desligue o celular de vez em quando. Principalmente se for um smart phone ou um tablet, que não passam de mecanismos de stress constante. Não ligue o computador de fim de semana. Leia um livro ao invés de ver TV, mesmo que seja um bem porcaria. Dê um passeio à pé ao invés de pegar o carro. Faça sua massa de torta. Desligue o email enquanto trabalha. Olhe para fora. Olhe para cima. Procure um passarinho numa árvore. Leia menos blogs.

Ou não. Cada um sabe de si.

Caso prefira continuar mais um pouco na rede antes de fazer um chá, fiquem com boas referências para simplificar as coisas:

www.mnmlst.com
www.thezerowastehome.com

E este post específico:
http://inthelittleredhouse.blogspot.com/2012/01/small-start.html

Caso desejem se desconectar e ler um livro, recomendo qualquer um dos quatro (ou os quatro):

The Shallows - What The Internet Is Doing To Our Brains
Alone Together - Why We Expect More FRom Technology And Less From Each Other
The Omnivore's Dilemma - A Natural History Of Four Meals
In Defense Of Food - An Eater's Manifesto



Obrigada a todos. ^_^

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails