sexta-feira, 9 de maio de 2008

Quem tem pressa come risotto

Entre trabalhos e pepinos, minha vida anda mais ocupada que a agenda do Papa. Fenômeno estranho para mim, que sempre gostei do ritmo sossegado dos meus dias, em que podia usar as manhãs para assuntos pessoais e apenas a parte da tarde para de fato ligar o computador. Desde o início do ano, no entanto, sinto que não parei. Por isso o alívio em saber que dentro em breve estarei de férias: minhas primeiras férias desde a viagem para a Itália, em 2004. Quem disse que vida de freelancer é fácil?

Em meio à finalização de uns abacaxis que não terminavam nunca e outros trabalhos com prazos para lá de estourados, tive ainda de encaixar as idas ao escritório de minha irmã para imprimir materiais (uma vez que minha impressora quebrou e não consigo tempo para mandá-la à assistência técnica), favores ao marido ocupado que queria vender o baixo, atenções à família, três passeios diários com o cão, e algumas idas ao consulado italiano para resolver problemas de documentos da cidadania de minha cunhada, residente na Itália. Vão surgindo outros orçamentos, outros compromissos, inclusive ótimas novidades, mas simplesmente não sei como darei conta de tudo. Conto os dias para minha viagem, para poder me afastar um pouco de meu quotidiano e respirar, enfim. [Coisa que aprendi com o tempo: para quem trabalha em casa, férias só são férias se você SAIR de casa.] A sensação de, no entanto, ir riscando da lista as tarefas realizadas é boa, muito boa. Trabalho número 1 entregue, trabalho número 2 entregue, nota-fiscal enviada, documentos enviados à Itália, contas pagas, pagamento recebido, balanço do mês feito, roteiro de viagem fechado, cão passeado, cão passeado de novo e de novo, café com mãe tomado, favores feitos, baixo vendido, orçamento passado, jantar... jantar?


Jantar...?


Sabia que eu estava esquecendo alguma coisa... F*ck.

Abro a geladeira para ver que matéria-prima tenho à disposição e lembro-me de uma receita x do livro y. A receita é, porém, precisa, e suas medidas estão todas por peso, e minha balança continua e continuará quebrada, até que eu tenha tempo de procurar uma nova (pois a Black & Decker não conserta a balança quebrada, não manda nem para assistência; o máximo que ela faz é vender uma nova por preço de custo, o que eu acho o absurdo dos absurdos, nesses tempos em que "descartável" é palavrão).

Lembrando-me dos últimos dois desastres bolísticos da semana (um bolo de maçãs e um de mel com passas que foram do forno para o lixo) achei melhor ater-me ao que sei fazer melhor. Larguei a receita firulenta e tratei logo de criar um risotto, pois se por um lado minha experiência com doces me ensina a seguir minuciosamente os passos e medidas de uma receita, por outro sei que risotti são meus melhores amigos, e não há nenhum prato com o qual me sinta mais confortável, e que me dê mais liberdade para criar.

Refoguei uma cebola e dois talos de salsão muito bem picados em um pouco de azeite, juntando 1 xícara de arroz arbóreo e um punhado de ervilhas tortas fatiadas fino, seguindo com o cozimento normal, com caldo de legumes (quando não tenho caldo caseiro, uso um italiano, em pó, que não tem glutamato monossódico nem conservantes). No meio do cozimento, juntei o restante das ervilhas, inteiras, com seu filamento retirado, e prossegui, até que o arroz e as ervilhas estivessem no ponto. Desliguei o fogo, polvilhei um punhado generosíssimo de parmesão ralado na hora, um naco grande de manteiga, pimenta-do-reino, 1 colher (sopa) de mostarda de Dijon com pimenta verde, e cerca de 1/4 de xícara de queijo Brie picado. Misturei, cobri e deixei descansar por 5 minutos. Na hora de servir, cobri o risotto com fatias bem finas de Brie.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Vá descascar pinhão!

Quem tem mãe italiana, espanhola ou judia sabe bem o que é chantagem emocional. Ainda que a minha sempre tenha usado a máxima "recusar minha comida é recusar meu amor" (coisa que hoje aplico em meu marido), ela nunca pôde usar a velha história das infindáveis horas de parto ("você não sabe o que passei para te colocar no mundo), simplesmente porque meu nascimento foi tão complicado quanto cuspir um caroço de azeitona. Não fosse meu pai sentir as contrações ao pousar sua mão na barriga de minha mãe, era capaz de eu ter nascido no meio da cozinha. Pluft!

Como acredito que tenha a mesma sorte quando quiser ter filhos, dei-me conta de que teria de encontrar uma forma diferente de incutir culpa em minha ainda inexistente prole. Hoje, enfim, encontrei-a: "você não sabe o que passei para que você comesse esses pinhões!"

Adoro pinhões. Como tantos outros prazeres sazonais, sempre aguardei ansiosamente o frio chegar, para que ele trouxesse consigo pinhões quentinhos com sal. Minha mãe os cozinhava na panela de pressão, e então era meu pai quem os descascava, polvilhava com sal e os passava a mim e a minha irmã. Vendo a bandejinha de pinhões no supermercado, senti-me na obrigação de comprá-los, tendo me dado conta de quantos anos havia que não os comia.

Cozinhei-os por bastante tempo em uma panela comum, pois tenho absoluta paúra de panelas de pressão. Não gosto de ficar no mesmo ambiente que uma, e tenho verdadeiros pesadelos com uma possível explosão de feijão em minha cozinha. Escorri os pinhões e me pus a descascá-los. Primeiro, com os dedos. Então com uma faquinha de pão. Depois, com um martelo. Sim, um martelo.

Deus do céu, quem foi primeiro o morto de fome desesperado que um dia acreditou que poderia comer pinhões???? Que trabalhinho ingrato... As pontas de meus dedos doem, e não restou uma unha sequer intacta.

Quando Allex chegou, eles estavam já descascados em uma tigelinha (depois de eu ter abocanhado vários ainda quentinhos, com sal), esperando para serem incorporados ao molho de catalogna e queijo dos strozzapretti, feito refogando-se um maço pequeno de catalogna fatiada fino em uma colher de manteiga e um dente de alho, acrescentando-se meia colher de farinha e mexendo bem para formar uma espécie de roux; mistura-se devagar uma xícara de leite integral, até formar um molho não muito espesso, tempera-se com sal, pimenta-do-reino, duas ou três raspadinhas de casca de limão e um punhado generoso de parmesão ralado na hora. Lembro-me bem de uma passagem do livro Sob o Sol da Toscana, em que a autora se surpreende com o gosto dos italianos para todas as verduras amargas, e como ela não compartilha completamente desse gosto... Bem para quem gosta de verdade de verduras amargas (pessoalmente, eu sou suficientemente estranha para acordar com vontades irresistíveis de comer chicória), esse molho é uma delícia. Se você tem já algumas restrições com rúcula, passe longe, ou substitua a catalogna por espinafre. O molho fica ótimo sem os pinhões fatiados, mas sua doçura me parece complementar sutilmente o amargor da verdura.

"O que é isso? Pinhões??", perguntou Allex, sobrancelhas franzidas.
"Sim."
"Não gosto de pinhões."
"Ah, vá! Não me venha com essa! Experimente um, pelo menos!"

Experimenta. Faz uma careta.

"Não, não gosto de pinhões!"
"Ah, mas você não sabe o que eu passei para que você pudesse comer esses pinhões!!"

Cozinhe isso também!

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