domingo, 6 de agosto de 2017

Uma cozinha que não é minha

 
 
Escrevo este texto capenga com um dedo só, em meu celular, sentada numa cama que não é minha, num apartamento pequeno em uma casa vitoriana velha capenga, que tem aquele jeito estranho de casa de praia que se divide com tios e primas, que não é de ninguém, é limpa mas ninguém se dá ao trabalho de cuidar de fato. Nossas malas estão espalhadas pela pequenina sala e pelos dois quartos, ocupando o pouco chão disponível, meio feitas, meio desfeitas, pois não queremos de fato desmontar tudo para remontar em um mês. Vamos nos espalhar o menos possível, disse Allex, já prevendo o stress de perder miudezas durante a próxima mudança.

Viemos com 14 malas no fim. Três malas grandes, 2 médias, 2 mochilas de acampamento, 3 malinhas de bordo e uma mochila comum para cada um da família. Podíamos ter trazido mais, porém foi bom não o termos feito, pois sequer haveria como carregar tudo no aeroporto. Conseguimos trazer todos os nossos essenciais e até mesmo algumas futilidades, o que acho que faz bem para o espírito. Veio comigo minha colher de pau. Vieram minhas facas. Veio minha panela vermelha.

A imigração nos tomou mais tempo do que imaginávamos, e as crianças estavam já pedindo arrego, exaustas de filas, de lugares sem banheiro, de não poderem saltitar longe e cantarem alto enquanto tínhamos importantes conversas em outro idioma com nossos passaportes nas mãos.

"Welcome to Canada" foi uma frase que nos deu um tremendo alívio, uma sensação vitoriosa depois de mais de dois anos nesse processo, e um enorme frio na barriga quando nos demos conta de que Toronto é nossa casa agora.

A gente mora aqui.

A gente MORA aqui.

F*ck.

Fomos muitíssimo bem recebidos por nossos novos amigos, vindos do novo emprego do Allex, e passamos uma excelente manhã em sua casa enquanto não podíamos entrar em nosso apartamento temporário. Isso foi maravilhoso e fez toda a diferença em nossa chegada. :)

Nossos filhos brincaram todos juntos independente do idioma e nós conversamos sobre todas as particularidades da cidade e do recém chegado. Nessa hora me dei conta de como não sei nada. Não sei usar a lavanderia, não sei se deixo gorjeta quando compro café no balcão, não sei para que lado fica o supermercado nem se o leite 3,5% é o integral e se está caro ou barato. Não sei o que procurar num carro bom para a neve, não sei quais são as regras no parquinho.


Olho as gôndolas do supermercado e há 37 diferentes tipos de cereais matinais, e minha cabeça dói, information overload! information overload! E tenho vontade de sair e viver de luz por um tempo pra não precisar escolher. Apanhamos um cereal orgânico-gluten-free-fru-fru da caixa bonita, um pote grande de iogurte, uma caixa de mirtilos, leite orgânico, que era só pouca coisa mais cara que o comum, um suco, e saímos do mercado com nosso primeiro café da manhã e nos sentindo meio burros, sem jeito e desengonçados. A gente demora pra contar as moedas, a gente não sabe onde fica o botão que faz a esteira andar pra empacotar as compras.

Allex tira essa insegurança muito mais de letra. Sou eu, a control freak da família, que fico ansiosa correndo por aí feito galinha cabeça.


Almoçamos algo que conhecemos bem lá da Liberdade, em São Paulo, e que sabemos que as crianças vão gostar: lamen. Restaurante delicioso, preço justo, e as tigelas são raspadas até a última gota do espesso caldo com sabor marcante de ossos de porco. Logo de cara já temos um restaurante onde certamente seremos clientes regulares.

Passeamos pela vizinhança e me impressiono com a quantidade de verde na cidade. Há arvores e flores para todos os lados e basta sair da rua principal para encontrar silêncio e passarinhos. E parquinhos. As escolas deixam seus parques abertos para quem quiser usar e meus filhos rapidamente se aproveitam disso. Eles estão empolgados mas também exaustos da falta de rotina, um pouco frustrados por não falarem inglês. É preciso muita paciência e carinho. E parquinhos. Os daqui são muito legais. :D

Na volta apanhamos um sanduíche qualquer, alguns doughnuts e voltamos à casa. É o sono dos justos. Um sono pesado de quem cumpriu uma jornada.

Mas assim que acordamos nos damos conta de que a jornada só começou e que há muita, muita coisa a ser feita ainda.

Achei que meu primeiro post canadense viria acompanhado de receita, mas ainda não me senti à vontade o bastante na casa para cozinhar.

Sempre que viajamos, parece que é hora de ir embora justamente quando você já sabe chegar fácil de volta ao hotel, quando começa a chamar o quarto alugado de "lá em casa". Espero ansiosamente esse momento, quando começar a pegar o Bonde sem pensar muito e quando não precisar mais olhar para cada moeda para descobrir se é um dólar ou 25 centavos. Talvez esse momento nunca chegue. Vai saber. Estou aqui há apenas dois dias.

Amanhã vamos fazer a primeira compra para começarmos a cozinhar aqui. Coisas simples. Talvez ovos. Talvez cogumelos. Há lindos cogumelos no supermercado, do tamanho da cabeça de uma criança. Vamos ver. :)

Um dia de cada vez. Mas todos os dias com parquinho para as crianças.

Cozinhe isso também!

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