quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Quatro pratos, piqueniques, one pot meals

Estou sentada num banco de pedra coberto de areia molhada. Laura está escalando coisas no playground e Thomas está cavando buracos e construindo diques no maior sand box que já vi. O parque tem cheiro de terra úmida  e cachorro quente. O zumbido das vespas e o canto das cigarras se confunde com a brincadeira em inglês, que parece ter um timbre diferente, de alguma forma. Ouço conversas em espanhol, russo, italiano e português de Portugal.  Thomas e Laura tentam se fazer entender para brincar com outras crianças, e às vezes desistem e brincam sozinhos, mas têm se arriscado mais a cada dia. Eles podem ficar horas aqui. E é isso o que temos feito.

É fácil ficar fora de casa durante o verão em Toronto. Há parques e praças por todos os lados, há wading pools e splash pads para se refrescar do calor, e há equipes cuidando dos parques que também vendem comida simples por preços mais do que justos: 50 centavos por um cookie do tamanho de minha mão, 2,50 dólares por um prato de quinoa com legumes.

Já faz dez dias que estamos aqui e a última vez que as crianças viram tv foi durante o vôo vindo para cá. Thomas pergunta quando vou voltar a fazer bolos e biscoitos, mas não me pergunta quando vamos comprar uma televisão. Prometeu escrever uma carta ao Papai Noel pedindo uma batedeira nova para a mamãe. Mas Laura está preocupada pois talvez Papai Noel só entenda cartas em inglês, agora. Enquanto o Papai Noel não traz a neve e o frio, no entanto, a vida é mais interessante do lado de fora, cavando buracos, explorando parquinhos diferentes, perseguindo esquilos e observando os diferentes pássaros e flores da cidade.





 Porque estamos fora o dia todo, piqueniques têm sido a opção mais agradável e também a mais conveniente. Lembro-me de quando viajei à Califórnia, uma década atrás, e me encantei com o hábito do piquenique, essa liberdade de sentar em qualquer gramado e almoçar sem sapatos. Lembro-me também de ter sido xingada nos comentários, por ser mais uma brasileira que acha chique piquenique em outros países, mas cafona a farofa na praia no Brasil. Xingamento injusto. Sempre fui farofeira. E o verão aqui libertou o Kraken da Farofa e não hesito em entrar em qualquer grocery store, apanhar uma fruta, um queijo e um pão, delícias universais, esticar minha toalha de acampamento que também serve para secar as crianças no fim de um dia de brincadeira na água, arrancar as sandálias e relaxar. Almoçamos com os pés na grama sob réstias de sol e a cabeça sob a sombra de um carvalho, sentindo-me num desenho animado toda a vez que Thomas encontra uma bolota mordida por um esquilo.

Voltamos para casa com aquela sensação de fim de tarde na praia, areia nos sapatos e corpos cansados, e passamos no mercado para resolver a questão do jantar. O mercado ainda é confuso. Muitas opções, muitos rótulos para ler. Eu tentando entender a diferença entre esta e aquela lata de grão de bico, as crianças cansadas correndo pelo mercado e tocando em tudo, e eu preciso interromper o diagrama de compreensão que meu cérebro está montando em inglês para dar uma bronca em português. Quando volto ao texto em inglês, esqueço tudo e tenho de começar tudo de novo. Esse vai e volta de idiomas é cansativo. Boto na cesta qualquer lata de grão de bico, e quando chego à casa descubro que há 3 enormes abridores de lata na gaveta dos armários de 1940, e nenhum deles funciona direito. Levo 25 minutos para descobrir como abrir a maldita lata e me xingo mentalmente por não ter trazido meu abridor de R$1,99. Bobagem, compro outro abridor no Canadá, pensei. Mãe, se estiver lendo, pode me trazer meu abridor brasileiro mequetrefe, please.

 Pensar que em três semanas nos mudamos novamente me faz pensar uma refeição de cada vez. Hoje são abobrinhas refogadas em alho e azeite, com tomates cereja, salsinha, os danados grãos de bico e atum. One pot meal. Amanhã, uma frittata simples com salsinha e cheddar, tomatinhos e alguma fruta. Depois, provavelmente alguma variação de legumes e grãos. Refeições simples, fáceis de preparar numa cozinha pouco familiar. Essa aliás é uma fórmula fácil contra a falta de idéias saudáveis para o jantar: dois legumes/verduras refogados, misturados a algum grão/feijão já cozido ou em lata, temperados com alguma erva e misturados a alguma proteína. Noutro dia refoguei cogumelos cremini e rapini (um tipo de brócolis italiano, como o brócolis ramoso) em alho e azeite, misturei a uma lata de feijões borlotti, aquecendo tudo, temperei com salsinha  e uma espremida de limão e servi com um punhado de parmesão por cima.

O fato de a casa ter quatro pratos descombinando e três tigelas, o fato de estar usando uma faquinha serrilhada sobre um dos pratos para todo o mis en place, faz-me pensar na lista de compras de tralhas de cozinha e cortar dois terços dela fora. A batedeira continua na lista, no entanto. ;) Mas se o desentulhar da casa, depois a escolha do que levar na mudança, já me haviam feito pensar sobre o que de fato preciso em minha casa e minha vida, esse um mês sendo vivido nessa casa, com tufo o que tenho ainda empacotado, faz essa noção se aguçar ainda mais. Eu preciso de 4 pratos. O importante é o que coloco dentro deles e a companhia com a qual aprecio esse conteúdo. Os pratos não são importantes.



Ao nos darmos conta de que o sol se punha às 9 da noite, resolvemos terminar nossas noites no minúsculo quintalzinho da casa. Uma música tocando. Os pratos sujos do jantar terminado atraindo pequenas vespas de listras amarelo-fluorescente. Uma brisa fresca querendo refrescar minha nuca enquanto prendo os cabelos. Ouvimos um barulho forte. Um esquilo preto sobe aos pulos a lateral da casa e desaparece no telhado. Alguns minutos depois, vem outro. E mais outro, cinza, desta vez. Quando a conversa continua, avisto um movimento através da cerca do vizinho. Penso que é um esquilo, e quando me ergo para ver melhor, é um rato imenso que olha para mim assustado e foge de volta para o buraco de onde veio. Ainda na mesma noite, enquanto recolhemos as coisas para entrar em casa, mais um barulho. E desta vez é um enorme guaxinim que nos observa, e, sem medo nenhum, perde o interesse, nos dá as costas e segue o caminho.

Apenas bizarro.


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