segunda-feira, 31 de março de 2014

O que eu aprendi em Amsterdam

Waffles com cerejas quentes
A primeira coisa que aprendi em Amsterdam, foi como ser uma companhia de viagem desagradável. Foi entrar no avião, para estourar uma afta na lateral da minha língua do tamanho do Amstel, que tornou qualquer processo de fala e/ou deglutição um flagelo que me produzia lágrimas nos olhos. Yey! Fun! Not. Foram três dias de silêncio e preguiça de comer. Não sabia se me afundava em auto-piedade, ou se ficava com dó do meu marido, que ansiava pela minha normalmente mais efusiva companhia.

Mas ok. Passou. Perrengue faz parte.
Sanduba de salmão defumado num ótimo pão preto. E Witbier.
Sanduba de bolinhos de peixe e camarão com salada. E Witbier. E Torta de maçã. 
Sanduba de presunto com raiz forte. E Witbier.
A segunda coisa que aprendi em Amsterdam, foi o fato de que holandeses não são magros à toa. O fato de serem tão altos a ponto de me fazerem sentir atarracada com meus 1,72m deve ter mais a ver com a qualidade de seus laticínios e alguma negociação bem feita com deuses nórdicos na época da criação do mundo. Mas o fato de serem magros é totalmente resultado de cultura: aprendi que além de pedalarem pra todo canto e subirem muita escada (predinhos antigos sem elevador e você morando no 5º andar), eles também comem de uma forma surpreendentemente leve para um país nórdico onde eu esperava encontrar a velha tríade porco-batata-repolho.

Um café da manhã quase asceta, um trocinho com café chegando no trabalho, um almoço de sanduíche ou sopa, super rápido, uma frutinha à tarde, um trocinho no bar com os amigos, e a primeira refeição quente e decente do dia é o jantar com a família.

Parece estranho dizer que um sanduíche na hora do almoço é coisa leve, e esses da foto realmente parecem imensos. Mas note bem o pão preto cheio de sementes e coisas boas. Note bem a quantidade de salada dentro do pão. Agora note quanto do "elemento principal" há: UMA FATIA. Você pede um sanduba de queijo holandês, esperando aquela experiência "sanduba do mercadão", e vem UMA FATIA de queijo em cima de um monte de salada. E tomate. Sempre tomate. Pede o bagel com queijo no café da manhã. Uma fatia de queijo. E tomate. E FRIO. Cinco graus lá fora, e povo não bota o pão no tostex sabe-se deus lá por quê. o_O

Nos dois supermercados em que entrei, fiquei surpresa em ver gôndolas minúsculas da tralha americana que acostumamos a ver nos nossos mercados. Havia sim muita verdura, muita fruta (muita coisa orgânica), uma infinidade de castanhas, sementes e frutas secas, 30 tipos diferentes de granola, e uma enorme gôndola de laticínios onde não avistei um único iogurte 0% gordura ou que prometa regularidade intestinal – muito pelo contrário, enorme quantidade de potes de chantilly, creme de leite, sour cream, iogurte integral, e tudo com embalagens lindamente simples. O que meu marido achou divertido no mercado, no entanto, foi a Duvel vendida a preço de Itaipava, e a possibilidade de você levar o engradado de plástico junto pra casa. Sabe como é. Pra facilitar ao levar na garupa da bicicleta.

Pintar ao ar livre no inverno é para os fortes de espírito. Ou vikings.
A terceira coisa que aprendi em Amsterdam é que foi ótimo confiar na minha cunhada quando ela me aconselhou a levar mais roupa quente que roupa bonita. Depois de passar uma manhã inteira no museu, sentei num parque para pintar um chorão bonito no lago e estrear meus pincéis novos. Duas horas depois, o sol já estava sumindo atrás dos prédios. Eu lá, sentada no banquinho, na sombra, tentando aplicar os detalhes finais na aquarela, e meu pincel fininho pulava da minha mão, pois meus dedos tremiam de frio e eu não sentia suas pontas. Guardadas as coisas, precisei de dois cappuccinos quentinhos para destravar minha mandíbula.

Faz frio em Amsterdam. Deus do céu.

E falando em roupa bonita, da próxima vez que minha irmã vier me dizer que eu estou estranha usando vestido com calça e coturno, vou dizer que é moda em Amsterdam. Senti-me super em casa nesse quesito, que a mulherada lá tem o mesmo gosto clean, preto-e-branco, jeans e legging, sapato confortável, blusa sem estampa, tô sussa me larga, que eu. Fui toda feliz a uma loja de departamentos ver se finalmente encontrava roupas em conta e que servissem no meu corpo, mas tentar uma saia longa foi a maior frustração, uma vez que eu sou grande como as holandesas, mas muito mais baixa em comparação com os 1,80 delas. Serve no quadril, arrasta no chão. Número 36 obviamente não fechava e mesmo assim arrastava no chão. ¬_¬ Fué.

A quarta coisa que aprendi em Amsterdam, foi que você pode comer muito bem e muito em conta se se mantiver no esquema holandês da sopinha e sanduíche no almoço e cerveja e um pedaço de queijo e salame no jantar. Mas que os restaurantes, mesmo os mais recomendados, são muito caros com o euro ao preço que está para nós, e, no fim, é meio que como comer em São Paulo. Fui a um indonésio com meu marido, inclusive recomendado num programa do Anthony Bourdain, e foi... legal. Ter a porção de arroz e várias mini-porções de pratos indonésios foi interessante, a variação da intensidade da pimenta foi divertida (consegui chegar até a primeira fileira dos pratos mais apimentados, e então decidi que era melhor não abusar - meu marido encontrou sua nêmesis, enfim, ao provar o prato mais apimentado do restaurante; nunca o vi suar no cabelo depois de comer pimenta). Tudo bom, mas concluímos que poderíamos comer coisas semelhantes em São Paulo (ou mesmo em casa) por muito menos.

Rice Plate, num restaurante indonésio. 
Num dia em que ele tinha um jantar da empresa, fui a outro recomendado pelo titio Bourdain. Muito promissor, achei que era a oportunidade de ter a experiência de um menu degustação de 7 pratos, coisa que aqui em São Paulo me custaria muito, muito mais. Algo deu terrivelmente errado, pois os pratos estavam carregados no sal a ponto de matar o gosto de qualquer outro ingrediente. Eu via que tudo era minuciosamente bem planejado e preparado, então realmente não sei o que aconteceu. Foi uma pena.

Em outros dias, preferi matar a fome com salame e queijo e o ocasional bitterballen, que concluí que é produzido por uma empresa só e distribuído para todos os bares da cidade. O croquete de carne mais industrializado do mundo. Mas gostoso. Vai bem com cerveja.

Famigerado arenque. Aventuras culinárias nem sempre bem sucedidas.
 A quinta coisa que aprendi em Amsterdam foi que arenque é gostoso. Mas perigoso. Quer dizer... eu PRESUMO que o sanduíche de arenque cru tenha sido a causa de eu ter perdido minha sexta-feira inteira no hotel, com intoxicação alimentar. Mas difícil dizer. Perrengue. Acontece. Comeria o sanduíche de novo? Eh. Provavelmente. Quem estou tentando enganar?

Pão integral. COISA LINDA.
 A sexta coisa que aprendi em Amsterdam foi que pão preto holandês é uma delícia. Fofo, saboroso, cheio de sementes e coisas boas. Não tem comparação com o pão integral que as padarias brasileiras fazem. Eu vou, VOU, buscar uma receita. Outra coisa que achei mais gostosa que a tal torta de maçã: appelflap. Um turnover de maçã, uma tortinha de massa folhada. Nham.

Sétima coisa aprendida em Amsterdam: arte moderna e contemporânea que me desculpe, mas ver Rembrandt ao vivo me fez chorar feito uma criancinha. Toda besta lá, lágrimas nos olhos, sem querer sair da frente daquilo que foi com certeza uma das coisas mais bonitas que já vi, e que, na minha opinião, vale a visita a Amsterdam. O Night Watch é fantástico, impressionante, deixa você pensando como diabos Rembrandt fez aquilo e como diabos, depois de Rembrandt, podem chamar isso de arte. Não se pode colocar os dois na mesma categoria. É errado. Nein, nein. Ahn, ahn. Tsc, tsc.

Oitava coisa que aprendi é que holandês é impronunciável. Depois de um dia todo praticando falar "van Gogh" corretamente, tive de encarar a chacota dos holandeses quando eu obviamente não consegui falar direito. E eles tiram sarro da sua cara mesmo. Mas não é de maldade. Eles são piadistas. Eventualmente você se conforma e dá risada junto.
Manguaça.
A última coisa que aprendi em Amsterdam, é que cerveja holandesa é sensacional, que as micro-cervejarias são fenomenais, que os pubs minúsculos com 30 tipos diferentes de chopp dão vergonha nos nossos bares superfaturados que se orgulham de vender chopp Brahma, e que uma boa stout no fim do dia alivia qualquer afta, dor-de-estômago ou dedos congelados, e torna tudo muito, muito mais divertido. Viva a manguaça.

Resumo: sim, Amsterdam é linda e super divertida. Me acabei nos museus e em todas as exposições que encontrei no caminho, andei horrores, fotografei referências para aquarelas de Amsterdam pelo resto da vida. Obrigada a todos que me recomendaram lugares para ir e coisas para fazer.

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