quarta-feira, 7 de abril de 2010

Cardápio para um jantar dependurado

Há umas duas semanas atrás, fui convidada com mais outros queridos donos de blog [continuo detestando a palavra "blogueiro" tanto quanto "marketeiro", "cake designer" e "otimizar"] para um jantar dependurado a uns 16 andares de altura. Era o Dinner in The Sky, organizado aqui no Brasil pela Brastemp. A parte o fato de o fotógrafo oficial ter escolhido divulgar todas as fotos em que eu fazia careta e estava com cara de matrona [um dia eu aprendo a ser fotogênica e não parecer que tenho 4 queixos ou bracinho de ciabatta], o jantar foi muito gostoso, a companhia estava muito divertida e a vista noturna da Jockey Club até onde os olhos alcançavam tornou tudo ainda mais interessante.

Mas agora, ao trabalho, certo?

Todos os convidados, incluindo esta preguiça-ambulante que vos fala, foram incumbidos de pensar num cardápio de três pratos que pudesse ser servido nas alturas. Era preciso que fosse bem apresentado, de ingredientes inusitados, e tudo o mais... mas convenhamos: qualquer tentativa minha de misturar priprioca com perna de rã sairia uma nhaca. Quem passa por aqui há muito tempo sabe bem que eu até tive minhas fases de empilhar comida, mas que meu negócio é mesmo comida caseira e combinações clássicas. Porque "clássico é clássico e vice-versa".

Pensei, matutei, planejei, pesquisei, e no fim das contas, resolvi aproveitar a ocasião para duas coisas: primeiro, chamar para jantar um grande amigo meu que eu não via há muito tempo [e que reclamara da última vez que eu só servira macarrão:"Onde estão os jantares de três pratos??", provocara ele]; segundo, testar duas receitas que eu estava me coçando para fazer.

A entrada seria uma Terrine de Legumes, da revista de Jamie Oliver. Porque eu já contornei minha cisma com os assados e os cozidos substanciais sem carne [grazie mille, Deborah Madison!], mas ainda suspirava pelas terrines. Tão lindas, tão montadinhas, comportadas, com carinhas de comida de festa! No Natal, preparara uma terrine de legumes e cream cheese, adaptada da revista Menu; eu incorporara mais meia dúzia de ervas e mudara o preparo dos legumes, de modo que a terrine ficara leve, saborosa, e foi, para minha franca surpresa, o sucesso do almoço. Desta vez, no entanto, o que me chamara atenção era o fato de a terrine ser vegan, e manter seu formato graças ao poder do agar-agar!

A terrine é demorada por conta da preparação dos legumes, mas muito fácil de montar. Meu único erro foi ter comprado legumes muito grandes, ao invés de medianos ou pequenos e de não ter pedido a minha mãe seu mandoline emprestado. Sobraram muitos legumes grelhados (que viraram clafoutis na mesma noite!) e a abobrinha ficou um pouco mais grossa do que eu gostaria, mas não menos deliciosa.

OBS: Desta vez fui menos tchonga e desenformei a terrine na tábua de corte, para poder fatiá-la mais fácil. No Natal, desenformei em uma travessinha de barro linda, mas todo mundo bateu a lâmina de uma de minhas facas na lateral da travessa, arruinando a faca... :P

Com tomates, abobrinhas e berinjelas ditando o tom, não ousei sair do mediterrâneo para o segundo prato. Queria que a refeição fosse inteira vegetariana, mas do tipo que faz com que o convidado sequer perceba que não havia carne em seu prato. Como a entrada é servida bem fria, o prato principal deveria ser deliciosamente quente e aconchegante. A polenta cremosa com ragù de cogumelos e alho-poró que eu vira no Serious Eats era perfeita!

No supermercado, no entanto, não havia cogumelos cremini [os champignon, cremini e portobello são todos o mesmo cogumelo, mas em diferentes estágios de crescimento, variando na intensidade da cor e sabor]. Substituí o cremini por shiitake e o Gorgonzola Dolce (que nunca vi no Brasil, o que é uma pena) por queijo tipo Fontina, que eu adoro e é frequentemente usado junto com polenta. O ragù ficou delicioso com a polenta Bramata quentinha, e o fio de vinagre balsâmico realmente fez toda a diferença. Não usei do porcaria, veja bem: usei uma garrafinha de vinagre comprada na Peck, que há 5 anos atrás era envelhecido 15 anos, e que eu uso com a maior parcimônia do mundo. O vinagre é xaroposo e sensacional, bem diferente daqueles vinagres aguados ditos balsâmicos que hoje ocupam até mesa de lanchonete de clube.


A sobremesa foi o que mais me deu dor de cabeça. Porque eu simplesmente não sabia o que fazer. Primeiro, quis fazer uma sobremesa composta de inúmeros elementos, um semifreddo de castanhas com biscoitos de trigo sarraceno e frufrus a rodo. Então passei na cozinha e o cheiro das pêras maduras em minha bancada me fez esquecer de todas as ideias pretensiosas. Galette de pêras. É isso o que quero comer.

Primeiro pensei num bolo italiano de pêras e cravos, e quis aromatizar minha galette assim. Mas folheando outros livros, deparei-me com o cardamomo, e como adoro seu perfume intenso, ficou sendo uma galette de pêras e cardamomo. Quando fatiei as pêras e misturei-as ao açúcar, lembrei-me de uma receita de Deborah Madison, que usava maçãs e alguma bebida, e decidi enfim incorporar um tantinho de vodka de baunilha à fruta. Se ainda tivesse a aguardente de pêras que costumava usar no lugar de Kirsch em clafoutis... bem... a vodka funcionou muito bem. Quando a torta ficou pronta, dourada, perfumada, de massinha quebradiça e recheio macio, foi coroada com uma bola imensa de sorvete de baunilha. Häagen-Dazs, pois àquela semana não tivera tempo de preparar também o sorvete. Pensara em uma calda qualquer, mas qualquer coisa a mais apenas atrapalharia.

No fim das contas, o jantar correu todo maravilhosamente bem, e depois de devidamente fotografadas as porções, fiquei feliz em ver meu amigo indo até a panela para repetir. :) O mais importante para mim foi minha calma. Foram muitos posts aqui falando sobre a importância de não ser uma anfitriã estressada, e sobre como eu andava preferindo servir um simples macarrão e aproveitar a companhia dos meus amigos a me matar na cozinha apenas para um "olha só como eu sei cozinhar bem!". Acho que depois de tantos anos, finalmente meu corpo se move sozinho na cozinha. Apesar do espacinho minúsculo [ainda hoje muita gente se surpreende com o tamanho da cozinha quando vem em casa pela primeira vez], consegui ficar absolutamente relaxada, mesmo montando os pratos e fotografando tudo antes que esfriasse. :)

Receitas a seguir. Espero que gostem!

TERRINE DE LEGUMES COM MOLHO DE IOGURTE E ZA'ATAR
(da revista Jamie Magazine)
Tempo de preparo: 2 horas + 1 dia de geladeira
Rendimento: 6-8 porções


Ingredientes:
  • 3 pimentões amarelos pequenos
  • 2 berinjelas pequenas, fatiadas fino
  • 130ml azeite
  • 1 1/2 colh. (sopa) tomilho fresco
  • 6 abobrinhas pequenas-médias, fatiadas fino, de preferência com um mandoline
  • 800ml de passata de tomate
  • 4 colh. (sopa) agar-agar
  • 1 colh. (sopa) páprica picante
  • 1 vidro de 180-200g de pimenta piquillo em conserva, drenado
  • (molho)
  • 6 colh. (sopa) azeite de oliva extra-virgem
  • suco de 1 limão siciliano
  • 1 colh. (sopa) za'atar
  • 3 colh. (sopa) iogurte integral

Preparo:
  1. Grelhe os pimentões sob o grill ou na chama do fogão até que fiquem pretos. Feche-os em um saco plástico, deixe que esfriem e então retire a pele e as sementes. Não passe embaixo da água, é melhor que sobre alguma pele e semente do que tirar o óleo natural e saboroso. Reserve.
  2. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Unte duas assadeiras com azeite Espalhe as fatias de berinjela, pincele com azeite e polvilhe com sal e tomilho. Leve ao forno por 10 minutos, ou até que estejam macias. Deixe esfriar.
  3. Faça o mesmo com as abobrinhas. Deixe esfriar.
  4. Coloque a passata em uma panela e ligue o fogo no mínimo. Polvilhe os flocos de agar-agar por cima, mas não mexa, e deixe que aqueça sem ferver. Após 5 minutos de fogo ligado, mexa bem para dissolver os flocos e cozinhe por 3 minutos. Tempere bem e deixe esfriar por 5 minutos.
  5. Forre uma forma de 26x10x7cm com filme plástico. Mergulhe cada fatia de berinjela na passata de tomate e forre o fundo e as laterais da forma, deixando um pedaço da fatia para fora, para fechar a terrine depois. Preencha os espaços entre as fatias com algumas colheradas de passata.
  6. Uma por uma, mergulhe metade das fatias de abobrinha na passata e espalhe no interior da forma, preenchendo espaços com a passata. Polvilhe com um pouco de páprica.
  7. Cubra com metade dos pimentões, pimentas piquillo, o restante das abobrinhas e o restante dos pimentões. Dobre as berinjelas por cima, usando mais fatias no sentido do comprimento, se necessário. Pincele com a passata, cubra bem com filme plástico e coloque algum peso por cima, como latas ou um litro de leite (que foi o que fiz). Deixe na geladeira durante a noite.
  8. Desenforme a terrine numa tábua de corte ou travessa sem laterais, e fatie com uma faca MUITO afiada. Misture todos os ingredientes do molho em uma tigela até que fique homogêneo e sirva a terrine com o molho por cima.


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POLENTA COM RAGÙ DE SHIITAKE, BALSÂMICO E FONTINA

(ligeiramente adaptado do blog Herbivoracius)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 4-6 porções


Ingredientes:
  • 8 xic. água + quanto for necessário
  • 1 colh. (sopa) sal
  • 2 xic. polenta Bramata
  • 50g manteiga
  • 1 xic. queijo parmesão ralado na hora
  • 3 colh. (sopa) azeite de oliva extra-virgem
  • 2 alho-porós grandes, fatiados em meias luas de 1cm de largura, lavados e escorridos
  • 700g cogumelos shiitake frescos, cabos removidos e chapéus fatiados com 3mm de espessura
  • 4 dentes de alho fatiado fino
  • 1/2 colh. (chá) pimenta calabresa
  • 1/2 xic. vinho branco seco
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • um punhado de salsinha picada
  • 150g queijo fontina em cubos
  • vinagre balsâmico de qualidade

Preparo:
  1. Leve a água e o sal à fervura. Polvilhe a polenta devagar, mexendo com um batedor de arame, para não empelotar. Abaixe o fogo para o mínimo e cozinhe, mexendo de 5 em 5 minutos com uma colher de pau de cabo longo, para não se queimar com os espirros de polenta fervente. Sempre que a polenta estiver ficando mais espessa que purê de batatas, acrescente mais 1/2 xic. de água e mexa bem para incorporar. Cozinhe por 45 minutos, incorpore a manteiga e o parmesão ralado, desligue o fogo e tampe até a hora de servir.
  2. Enquanto isso, aqueça o azeite. Coloque o alho-poró, o alho, a pimenta-calabresa e 1/2 colh. (chá) de sal na panela e cozinhe, em fogo médio, até amaciar.
  3. Junte os cogumelos e misture bem. Deixe que soltem seu líquido e absorvam de novo, o que pode demorar um pouco. Quando começarem a dourar, derrame o vinho e mexa bem com a colher de pau. Acerte o tempero, desligue o fogo e reserve.
  4. Na hora de servir, junte a salsinha picada aos cogumelos. Espalhe a polenta no prato (aqueça de novo, se for o caso), cubra com os cogumelos, cubinhos do queijo em temperatura ambiente, um fio generoso de vinagre balsâmico e uma pitada de flor de sal, se quiser. Sirva imediatamente.

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GALETTE DE PÊRAS, CARDAMOMO E VODKA

(adaptado do livro Vegetarian Cooking for Everyone, de Deborah Madison)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 6 porções


Ingredientes:
(massa de galette)
  • 2 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 12 colh. (sopa) manteiga sem sal gelada
  • 1/3-1/2 xic. água gelada, conforme necessário
(recheio)
  • 3 pêras maduras, fatiadas fino
  • 5 bagas de cardamomo
  • 2 colh. (sopa) vodka Absolut Vanilla
  • 4 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • manteiga derretida para pincelar
  • açúcar demerara para polvilhar

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Numa tigela, misture a farinha, o sal e o açúcar. Misture a manteiga gelada com a ponta dos dedos até que pareça uma farofa grossa, rapidamente, e incorpore a água gelada. Com tapinhas, forme uma massa, sem sovar. Amasse em forma de disco e leve à geladeira por 15 minutos.
  2. Abra a massa com o rolo sobre uma superfície enfarinhada, até a espessura de 3mm, sem se importar com um formato muito regular. Transfira a massa para uma assadeira.
  3. Amasse as bagas de cardamomo e remova as cascas. Esmague no pilão as sementinhas pretas, até transformá-las num pó. Misture esse pó às pêras, ao açúcar e à vodka.
  4. Faça um monte com as frutas no centro da massa e dobre a massa por cima, apertando um pouco. Derrame qualquer líquido que tenha restado na tigela das frutas no meio da galette. Pincele a massa com manteiga derretida, polvilhe com açúcar demerara e leve ao forno por 45 minutos ou até que esteja dourada. Sirva quente com sorvete de creme ou chantilly.

PROCESSO:
No dia anterior, prepare a terrine.
2 horas antes dos convidados chegarem, prepare seu mis-en-place do prato principal. Desenforme a terrine, fatie quantas porções precisar e deixe separado, coberto de filme-plástico na geladeira, para apenas transferir para os pratos na hora de servir.
1h30 antes dos convidados chegarem, comece a galette. Coloque-a no forno e imediatamente comece a preparar o prato principal.
Prepare o ragú enquanto cozinha a polenta. Se sua panela for de fundo grosso, não precisa mexer a polenta constantemente, e pode intercalar sua atenção entre ela e o ragù.
Desligue o fogo da polenta, ragù e da torta. Deixe a torta no forno desligado, para mantê-la quente.
Prepare o molho da terrine e sirva.
Reaqueça o ragù e a polenta rapidamente, se necessário, e sirva.
Retire a galette do forno, fatie, e sirva com o sorvete.

:D

Cozinhe isso também!

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