terça-feira, 2 de março de 2010

A dificuldade de se comer bem [UPDATED]

Parei por alguns instantes antes do almoço para buscar alguma receita do que preparar rapidamente. Procura, procura, procura, e então me lembrei de que tinha um pote com boa mozzarella de búfala, um pãozinho de azeite, azeitonas de alecrim feito no dia anterior e uma tigela cheia de tomates orgânicos maduríssimos.

Fiz o que sempre faço quando o almoço é bruschetta para um e não estou com paciência para ligar o forno ou o grill: coloquei as fatias de pão na torradeira, e enquanto isso piquei os tomates; e quando o pão saiu quentinho, esfreguei-o com alho e um fio de azeite. Bons tomates, para mim, não precisam de mais nada além de um azeite frutado e sal grosso moído na hora, para sentir a textura crocante do sal e seu sabor em contraste à maciez e doçura dos tomates. Simplesmente não fica a mesma coisa com sal refinado. Ao menos não para mim.

Nesse dia cinza e chuvisquento, frio, feio, sem graça, toda aquela vermelhidão fresca e ensolarada em meu prato foi um alívio. Surpreendi-me pensando que era a primeira vez em todo este verão que estava comendo bons tomates. E eu não esperara o ano inteiro por eles? Não passara todo o outono, inverno e primavera à base de tomates pelados em lata, esperando o verão que me traria os únicos tomates dignos de serem comidos crus? Pois é. Mas o que encontrei este ano foram tomates esverdeados, feios, aguados, sem gosto. E não se engane: estou falando da prateleira dos orgânicos. Porque dos não-orgânicos não chego nem perto. Já foi a vez que os comprei no desespero, pois estavam mais vermelhos e maduros, e apesar de toda a sua lindeza, não tinham sabor algum, quanto mais doçura.

Foi a chuva, pensei. A chuva intensa que pareceu ter dado pouca folga desde o inverno tornara os tomates e os pêssegos sem gosto, e murchara e manchara as folhagens de que mais gosto. Mesmo minha banca favorita da feira parecia menos colorida neste verão. Por conta do que eu também acreditava ser a chuva, esses mesmos produtos que deveriam ter seus preços cortados pela metade por estarem na época, mantiveram-se caros.

Mas foi no supermercado que eu compreendi o que estava acontecendo. Assim como com os tomates, eu esperara o ano inteiro pelos figos doces e maduros de fevereiro. Busquei-os na prateleira, e então me surpreendi ao vê-los verdes e caros. Uma senhora ao meu lado protestou pelo mesmo motivo e chamou um funcionário. Daquele jeito que parece que apenas as senhoras acima de seus oitenta anos se safam de falar, ela ordenou ao funcionário que fosse buscar figos novos no estoque. E lá foi ele, sem vontade de discutir muito com a velhinha, apesar de ver a prateleira de figos repleta. "E traga para a mocinha aqui também!", gritou a velhinha, apontando seu polegar enrugado para mim.

O funcionário voltou dez minutos depois com duas caixinhas de figos roxo-escuros e custando 25% menos. Hmmm... aquilo me intrigou. E me dei conta de que havia já algum tempo a "estação" de determinadas frutas e legumes no supermercado parecia um pouco atrasada, às vezes um mês inteiro atrasada, em relação ao guia do Ceagesp. Apenas nos últimos dias de fevereiro foi que os figos escuros e baratos começaram a surgir. É claro que um supermercado só repõe a prateleira com produtos mais novos quando os produtos velhos forem comprados. Mas pensar que meus figos maduros ficaram 1 mês na geladeira de um supermercado antes de eu poder comprá-los, pensar que eles me atrasam em 1 mês a época das frutas e legumes, me deixa furiosa.

Faço minhas compras de verduras na feira, a não ser pelos tomates, e nunca tive esse problema. Mas frutas são outra história. Passei um bom tempo buscando uma banca não que me vendesse frutas sem que eu descubrisse que as amoras estão azedas que dói, que as uvas debaixo da caixinha estavam podres ou que os pêssegos vieram com desconto porque estavam sem gosto. Há apenas uma banquinha pequena que não tem a mania insuportável de confundi-lo ao empurrar frutas em você enquanto você tenta calcular o preço e ver se realmente aquela fruta está em conta. Mas minha banquinha escolhida, apesar de simpática, tem pouca variedade. Por isso comprava a maior parte das frutas no supermercado.

Comprava frutas. Comprava tomates. Pretérito imperfeito.

No último domingo de manhã, debaixo de chuva e munida de sacola e cachorro, peguei o carro e fui dar um pulo na feirinha de orgânicos da Rua Tutóia. Assim como a do Parque da Água Branca, eu nunca a visitara por falta de um transporte meu e excesso de preguiça. A feirinha é de fato pequenina, mas de lá trouxe para casa um saco imenso de tomates orgânicos muito vermelhos e maduros, por, pasme!, METADE do preço do tomates do supermercado. E são esses os tomates da foto. Meus primeiros tomates saborosos de verão.

Meu plano agora é dar uma olhada na feira da Água Branca, maior, para averiguar a seleção das frutas e ver o que mais de orgânico consigo mais barato. Fico cada vez mais consternada com a dificuldade que é se alimentar bem num país "que tudo dá". Como não é mais possível simplesmente "ir à quitanda", como fazia quando criança com minha mãe. Temos comida demais com gosto de menos e mesmo buscar alimento que esteja na época certa, coisa que deveria ser natural, é difícil. Comer boa comida, ficar longe do que é artificial e do que tem venenos não deveria dar trabalho, e é por isso que tanta gente acaba ficando imersa em seus jantares congelados e bolachas de pacote.

Mas assim como acredito que valha a pena perder cinco minutinhos para fazer meu próprio iogurte ou meia hora para fazer meu próprio caldo de legumes, acredito que vale a pena sair da minha rota para buscar alguém dispostos a me vender bons tomates de verão no verão.

UPDATE: Coincidência das coincidências, hoje mesmo recebi um email da Caminhos da Roça explicando a queda na variedade e qualidade dos orgânicos nesse verão, mostrando fotografias das lavouras alagadas e destruídas. O fato de os orgânicos não usarem fungicidas faz com que os produtos fiquem ainda mais sensíveis a tanta umidade. Quanto ao "supermercado escondedor de figos", não importa qual é, pois todos fazem isso: ninguém vai repor a prateleira com produtos mais frescos e mais baratos se não conseguiram vender ainda os mais verdes e mais caros. Isso é lógico. A não ser que estejam estragados, o que não era o caso.

Cozinhe isso também!

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