sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bolo de nada, ou bolo da meia-noite

Quando mais nova, costumava ter insônia. Uma insônia auto-induzida. Gostava de esperar que todos fossem dormir para ter um espaço – físico e de tempo – apenas para mim. Gostava do silêncio que a noite trazia, da quietude, da solidão voluntária, um momento em que, se eu quisesse, poderia ficar sentada no sofá da sala, ouvindo apenas minha respiração. Ninguém perguntando, pedindo, ordenando, falando, pisando, mexericando em coisas.

Às vezes, aproveitava a noite para ligar a tv e assistir às reprises dos programas que não conseguira acompanhar durante a semana. Outras vezes, apanhava um caderno e começava a fazer contas malucas e planos bizarros, tentando descobrir se aquele mês eu já teria dinheiro suficiente para me alugar um apartamento, pois sempre tive uma espécie de ânsia por independência e auto-suficiência não muito compatível com o resto de minha família. As contas sempre me faziam concluir que eu moraria ainda alguns anos com meus pais.

Na maior parte das vezes, no entanto, eu preparava xícara após xícara de chá e, ou colocava minha leitura em dia, ou me sentava em frente ao computador e escrevia ininterruptamente, uma enxurrada de frases e palavras, trinta, cinqüenta, cem páginas, até o nascer do sol, que eu observava da janela da área de serviço; um braço repousando de forma pouco confortável sobre a esquadria de alumínio, a outra mão segurando uma xícara de café com leite, para a qual usava de apoio provisório meu próprio antebraço. Devagar, enquanto sentia a base quente da xícara começando a queimar a pele de meu braço, o silêncio ia embora, com os primeiros ônibus da avenida às 5 horas da manhã, e então, uma hora depois, minha mãe ou meu pai acordando. Sabia sempre quem levantara primeiro pelo som arrastado ou apressado dos passsos de um e de outro. Reconheceria o som dos chinelos de meu pai batendo em seus calcanhares em qualquer lugar.

Desde que me casei, perdi esse hábito. Talvez trabalhar em casa já satisfaça minha necessidade anti-social de ficar sozinha. Apesar de não ter o silêncio daquela época (nem de dia nem de noite), é a quietude interna que parece restaurar meu cérebro e meu espírito. Pode ser muito relaxante passar um dia inteiro sem abrir a boca ou sem ouvir outra voz humana. Em dias com menos trabalho, sinto-me incrivelmente grata por poder preparar meu chá, sentar-me no sofá com meu laptop e escrever até me esvaziar inteira. Ou talvez eu tenha apenas sido abençoada com um relacionamento saudável, em que nos damos espaço para sermos nós mesmos, individualmente, e não apenas um casal, uma unidade inseparável e mutante, um terceiro, esquizofrênico e interdependente ser, como muitos casais que já conheci.

De qualquer forma, quando cheguei em casa já tarde da noite, surpreendi-me por não ter sono nenhum. Havia muito tempo que isso não acontecia, principalmente depois de ter começado a correr cedo todos os dias. Sentia-me irremediavelmente alerta e desperta, de um modo tal que você sabe que se revirará entre os lençóis por horas até que consiga fechar os olhos. Parei e olhei em torno de mim. Escutei. Era aquele silêncio novamente, a certeza de que o mundo inteiro dormia profundamente menos você. Apenas as luzes coloridas de Natal piscavam na sala. A cidade, do outro lado da janela entreaberta, era em grande parte escura.

Caminhei até o quarto, fechando cuidadosamente a porta para não acordar meu marido, e então fui à cozinha e liguei o forno. Apanhei um livro de Alice Medrich e escolhi um bolo para levar à corrida na manhã seguinte. Um "bolo de nada", como chama meu treinador ao se referir a bolos brancos simples. Enquanto o bolo assava, preparei um chá e liguei a TV para ver as reprises dos seriados que perdera.

BOLO DE AZEITE E MARSALA
(adaptado do livro Pure Dessert, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 1h30m
Rendimento: 1 bolo de 21x10cm (8 porções)


Ingredientes:
  • 1 1/2 xíc. de farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) de fermento químico em pó
  • 1 pitada de sal
  • 1 xíc. de açúcar cristal orgânico
  • 1/2 xíc. de azeite de oliva extra-virgem
  • casca ralada de 1 laranja
  • 2 ovos extra-grandes
  • 1/2 xíc. vinho Marsala

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e posicione a grade no terço inferior do forno. Unte e enfarinhe uma forma de bolo inglês de 21x10cm, mais ou menos.
  2. Misture a farinha, o fermento e o sal e peneire em uma tigela. Reserve.
  3. Na batedeira, bata o azeite, o açúcar e a casca de laranja até que esteja bem misturado. Adicione os ovos, um a um, batendo bem a cada adição, até que a mistura esteja espessa e clara, uns 5 minutos.
  4. Junte 1/3 da farinha, misturando devagar. Acrescente metade do vinho, misturando bem, e então continue intercalando, terminando com a farinha.
  5. Despeje a massa na forma e asse por 50 a 60 minutos, até que um palito saia limpo quando inserido no meio. Deixe esfriar na forma por 15 minutos antes de desenformar. Uma fatia desse bolo tostada na torradeira e com manteiga fica ótimo!

Cozinhe isso também!

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