terça-feira, 23 de outubro de 2007

Desabafo contra comida de criança

Não há um único programa de TV sobre culinária ou gastronomia que não faça ao menos uma menção ao desafio que é cozinhar para crianças. Elas são vistas como criaturinhas exigentes, de paladares simplistas, que não suportam qualquer tempero remotamente diferente de sal e que, definitivamente, não conseguem digerir nada que não venha com um brinquedo ou com um personagem de desenho animado no rótulo.

Bom, quem não digere bem essa informação sou eu. Crianças não vêm ao mundo com um paladar restritivo; muito pelo contrário: sua curiosidade natural deveria levá-las a experimentar qualquer novidade. Afinal é por isso que existem tantas histórias de crianças que comeram sabão, areia ou pecinhas de Banco Imobiliário. A restrição surge só mais tarde, com alergias ou julgamentos baseados em experiências pessoais. Então por que elas se tornaram esses monstrinhos histéricos à visão de uma mera couve-de-bruxelas?

Bem... eu sempre adorei comer, isso não é segredo para ninguém. E, com uma irmã mais nova muito desconfiada, sempre vi na comida a oportunidade de mostrar a meus pais que eu era bastante madura. Daí nunca recusei nada. Quer experimentar espinafre? Sim, mamãe. Um pouco de couve? Claro. Que tal jiló? Experimento, mas não prometo que vou gostar. De fato, podia não apreciar sabores amargos como faço hoje, mas nunca disse “não gosto” antes de efetivamente sentir o gosto. Uma grande contribuição para a formação de meu paladar foi também o fato de termos tido uma chácara até meus dez anos, onde meus pais permitiam (e incentivavam) que eu tivesse ativa participação no plantio e na colheita de uma série de verduras e legumes. E não há um psicólogo infantil ou pedagogo que discordará de mim: o segredo para que uma criança coma os mais estranhos legumes é a participação em seu preparo. Isso lhe dá um senso de maturidade e responsabilidade irresistível. Faz com que se sinta em pé de igualdade com os adultos.

Enquanto isso, hoje em dia, o que fazemos nós? Cardápios infantis. Não há nada mais atroz. Essa dupla de palavras faria muito sentido caso se tratasse de pratos criados para suprir as necessidades nutricionais de uma criaturinha em fase de crescimento, que precisa de todos os legumes à disposição. No entanto, eles não passam de bifinhos com arroz e fritas, tenebrosos nuggets de frango processados, macarrão com salsicha (não me façam falar de salsichas), e toda a sorte de comida marrom e amarela, repleta de fritura, gordura hidrogenada e glutamato monossódico (que provoca hiperatividade em crianças), sem um único toque de verde. Tudo em detrimento de um suposto jantar tranqüilo, sem crianças reclamando dos brócolis. Por que o separatismo? Por que crianças não são ensinadas a comer comida de adultos, com vegetais, temperos e ervas? Até há alguns anos atrás não havia nuggets da Turma da Mônica, e nenhuma criança passava fome por isso.

Pais e babás podem continuar acreditando que não vale a pena ensinar os pequenos a se alimentarem decentemente. Mas, como comprovei durante minha vida, eles estão criando adultos de paladares restritos e preconceituosos, adultos fadados à obesidade ou má nutrição. Adultos que vêm à minha casa e não sabem como reagir a uma caponata de berinjela. Que acreditam que comer legumes seja um castigo ou algo feito apenas por imposição do médico.

Por isso, agradeço a meus pais por terem insistido em que eu provasse o que estivesse em meu prato, por mais estranho que parecesse. “É gostoso, confie em mim, eu não serviria isso a você se não fosse”. Por sua causa, eu era a única criança que já conheci que esperava ansiosamente pela estação das alcachofras.

Cozinhe isso também!

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