quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Volta às aulas na câmara de descompressão - um bolo e um peixe


As crianças voltaram à escola.

A casa está com aquele silêncio familiar que relaxa meus músculos e acalma meus nervos. Eu amo a companhia de meus filhos, mas eles estão grandes e independentes demais para passarem tanto tempo confinados comigo. Eles precisam de um tempo sem minha presença, muito mais do que eu, na verdade. Talvez fosse diferente se eles fossem mais novos. Não sei. Entramos nesse apartamento quando Laura tinha 4 anos e Thomas 6. Laura fez 8 em janeiro e Thomas faz 10 em abril. Duas crianças de 8 e 10 anos correndo num apartamento de 70m2 é bem diferente de duas crianças de 4 e 6 fazendo a mesma bagunça nesse mesmo espaço. Esse espaço que temos não comporta seus corpos em expansão de energia. A casa é, cada vez mais, o local de sossego, de descanso. É preciso ter um 'lá fora". É preciso ter um "outro lugar". Coisas precisam acontecer em outro ambiente, para que a casa possa atingir seu máximo potencial de acolhimento. 

E as crianças, como eu disse, voltaram à escola. 

A manhã foi estranha, desconjuntada, como um corpo reaprendendo a andar, consciente de cada músculo, cada tendão, cada nervo, em espasmos de movimento desajeitado. Putz, eu tinha que fazer almoço. Putz, não preciso mais colocar os tablets para carregar. Putz, eu costurei a calça de neve do Thomas? Putz, cadê aquele livro da biblioteca da escola que a Laura tinha que devolver? Putz, eu não posso sair para correr, porque tenho que andar até a escola com os dois. Putz, tem máscara extra? Putz, pega uma luva extra pra se a sua encharcar. Putz, não esquece os "indoor shoes". 

Putz.

Faz -20oC lá fora, e há 30cm de neve nas calçadas. Pequena aventura. Há quem reclame, mas eu tenho amor por essas nevascas noturnas que nos acordam como se alguém tivesse derrubado um saco de açúcar sobre a cidade. Afundar o pé na neve até o joelho me dá uma satisfação infantil muito semelhante a me enfiar em uma piscina de bolinhas. 

Os dias andavam tão iguais. Me deixa fingir que a neve é uma piscina de bolinhas. 


 

Tentei sair para correr, mas a neve fofa no asfalto me fazia escorregar, e a noite mal dormida pesou nas pernas mas do que eu gostaria. Voltei para casa cedo, com frio, pensando que deveria ter ouvido meu coração que dizia que hoje não era dia de corrida. Contentei-me em fazer um pouco de yoga e alongamento, e saí para o mercado. 

"Você vai de carro?", perguntou Allex.

"Vou."

"Você já dirigiu na neve?"

"Nunca."

"Cuidado."

"Podexá."

Dirigir na neve requer atenção. As rodas derrapam tanto quanto meus tênis de corrida. Mesmo em velocidade baixa. Há os solavancos dos montes de neve compactados nas laterais da rua. As ruas que estão limpas ficam mais estreitas, porque parte delas é ocupada pela muralha de neve ao longo da calçada, empurrada pelos caminhões que desobstruem a rua e jogam sal. É como aquela estradinha que sai da praia  no meio do mato: com areia, pedregulhos e lama, tudo junto ao mesmo tempo, só que na cidade. 

Eu estava tão focada, e ao mesmo tempo me divertindo tanto com aquela novidade, que me senti jogando video-game. 

Os dias andavam tão iguais. Me deixa fingir que dirigir até o mercado é como jogar video-game. 


 

Mercado desorientado. Por algum motivo eu não tinha clareza para criar uma lista mental de refeições e ingredientes para a semana. O apetite das crianças anda irregular, assim como o de Allex, e eu não conseguia resolver o quebra-cabeça dos jantares para quatro, almoços em casa para dois com preferências diferentes (eu almoço leve, e Allex é do "comfort-food")  e almoços de escola para as crianças. Mais "snacks".Sem "nuts". 

Eu havia preparado dois bolos de banana, coco e nozes da Martha Stewart algumas semanas antes, e ainda tinha um deles congelado. Enquanto tirava o bolo do freezer para mandar de snack na primeira semana da escola, Thomas lembrou: "Mas mamãe! Tem nuts!"

Putz.

Então no dia anterior ao primeiro dia de escola, preparei, no improviso do que eu tinha, um bolo simples com frutas, para que as crianças tivessem lanche. 

E agora eu saía do mercado carregando sacolas demais. O reflexo de minha confusão mental, comprar mais comida do que precisamos na semana. 

Arruma tudo na geladeira. Almoça. 

"Eu não tenho reunião pela próxima meia hora. Quer tirar um cochilo?", pergunta Allex. 

"Por favor". 

O silêncio gostoso da casa pedia cochilo. Minha cabeça sem dormir também. Deito sob as cobertas, as costas relaxando e estalando sob a luz de inverno entrando pela janela aberta, e ouço o estalo da maçaneta. 

"Pra que você fechou a porta? As crianças não estão aqui!", disse, rindo. 

"Pois é, eu me perguntei isso também", ele riu. "Foi automático."

Meia hora de cochilo restaurador. Sonhei. Quão cansada está uma pessoa que entra em REM e sonha em trinta minutos de cochilo? 

Café. Tem isso de a gente ter colocado um timer na tomada da cafeteira, nos horários em que a gente gosta de tomar café, já que ela demora uns vinte minutos para esquentar a caldeira. Ela liga às seis da manhã e desliga às nove. Liga de novo ao meio-dia e meia, e desliga às duas. "A cafeteria está aberta!", Allex diz. 

Trabalho. O texto demora a se formar em minha mente, como se eu tentasse escrevê-lo em outra língua. Leio palavras formadas por ideogramas desconhecidos.  

"Ana! Eu fiz uma coisa importante que a gente tinha esquecido de fazer!", Allex grita do quarto. 

"O quê?"

'Coloquei um timer pra lembrar de buscar as crianças."

Putz. 

Ainda bem. Porque eu tenho disso. Quando engato no trabalho acho que duas horas passadas foram quinze minutos. Perco-me. Perco a noção. Perdi a conta de quantas vezes cheguei atrasada na escola pra buscar as crianças. Mas eles ficam tranquilos. São filhotes lindos, que sabem que a mamãe é meio cabeça-de-vento, mas transborda amor por eles.

Não cheguei atrasada. Bom. Mais ou menos. O elevador do meu prédio imenso, que só comporta duas pessoas por vez durante a pandemia, demorou horrores para aparecer. Mas o caminho até a escola havia sido limpo e alcancei as escadas do pátio mais rápido que de manhã, sem passar pela aventura da piscina de bolinhas. 

Eles me esperavam, juntos, ao lado da professora, todos mascarados. Acenei. Levantei o trenó de plástico preto, essa grande banheira com cordinha, chata de carregar com dedos gelados, para que eles vissem como eu sou uma mãe legal. Atrasada. Mas legal. 

É proibido brincar no pátio da escola depois da aula. O que não faz sentido, porque tem menos criança brincando no pátio depois da aula do que durante a aula. Mas tudo bem. Levei os dois ao parque em frente à escola, destino diário em tardes de inverno pós-escola pré-pandemia. Eu havia explicado aos dois, de manhã, como precisávamos voltar direto para a casa, sem brincar depois da aula, por conta da quarentena. Mas meu coração apertou. Há 30cm de neve fofa e divertida no parque, que a qualquer momento pode derreter e não voltar mais. Isso de estações marcadas faz a gente ver o tempo diferente. Não é um ano que passa. Não foi um ano de quarentena. Esse é o único inverno dos meus filhos com 8 e 10 anos. No próximo, vai saber, talvez Thomas não veja mais graça em brincar na neve. Talvez ele tenha crescido. Não vai ter outro inverno, outro dia de 30cm de neve no fevereiro que ele tem 10 anos e ainda gosta de brincar com o trenó. 

Por isso levei os dois ao parque. 

"Brinquem com as crianças da sua sala, por favor", recomendei. "E fiquem de máscara."

Havia menos gente ali do que eu esperava. O dia estava cinzento e sem graça, e os -20oC se tornaram -10oC, o que é mais confortável, mas ainda espanta muitos pais. Era possível brincar sem aglomerar. Era possível me manter distante de todos os outros adultos. Thomas correu para construir um iglu com uns amigos que carregavam pás de neve. Laura achou uns meninos da sua sala com quem ficou brincando de construir tijolos de gelo que eles quebravam com galhos. Eu fiquei ali, mãos nos bolsos, trenó aos meus pés, suspirando de alívio em ver duas carinhas contentes de quem teve um dia mais normal, de quem passou tempo com os amigos, de quem teve aula olhando para a professora sem um fundo de tela com uma praia do Caribe. 

"Eu tô no Big Hill!", avisei às crianças, puxando a cordinha do trenó atrás de mim e andando pela neve fofa em direção à grande ladeira que separa a parte alta e a parte baixa do parque. Ali, onde tem uma placa altamente ignorável em que se lê "proibido descer de trenó". Lá em cima, desviei de três crianças e dois adultos, posicionei o trenó num trajeto que imaginei ter menos buracos, e sentei minha bunda de quarenta anos no plástico já coberto de flocos de gelo. Inspirei. Expirei. Empurrei o chão. É como montanha-russa. O ar frio veio por entre meus pés, atingindo meu rosto. A parte da frente do trenó abria caminho pela neve, levantando, como água, cristais brancos e leves em ondas nas laterais do meu corpo. Gosto do jeito como o estômago se move dentro de mim na queda, abrindo um espaço vazio no meu tórax que se preenche de alegria. Deixei que o trenó desacelerasse sozinho, derrapando de um lado e do outro, até cansar no meio do descampado. Espere que o carro pare completamente antes de desafivelar os cintos de segurança. Ao sair, por favor verifiquem se não deixaram nenhum pertence para trás. Levanto. Minhas calças estão polvilhadas de branco até as coxas, por baixo do casaco comprido. Tiro a neve das roupas com batidas leves, no ritmo do coração. 

Subo de novo. Desço de novo.

De novo. De novo.

De novo. Última. 

Os dias estavam tão iguais. Me deixa brincar de trenó.  



As crianças me acompanham na rua a passos cansados, arrastados. Tiram botas molhadas, penduram casacos, colocam as luvas encharcadas para secar em cima do aquecedor. Desmontam lancheiras sem eu precisar pedir. Tomam banho e leem os livros da escola. Sento para ajudar Laura com a pronúncia. Communities. Expectations. Empathy. Empathy is when you notice other people's feelings and try to understand them. São cinco horas e Allex ainda trabalha. Coloco uma música. Há dois momentos do dia em que gosto de colocar uma música. No café da manhã, para agitar. No fim do dia, para acalmar. O App de música criou uma lista especial para mim: as músicas que eu mais ouvi em 2020. Play. Metade dela era Frozen 2, metade Moana. Tinha um Nick Cave e um Icona Pop perdidos no meio. Curioso.

Preparo o jantar. Into the unknooooooooown... Into the unknoooooown... Um risoto com tomates e ervilhas, em que uso um caldo de camarões que fiz umas semanas antes, com as cascas dos camarões que cozinhei. Eu não quis comprar mais camarões para o risotto,pois eles viriam de novo com cascas, e eu quereria fazer caldo de novo, e viraria o ciclo infinito do risotto do caldo de camarão. Mas àquela manhã, pela primeira vez na vida, as vieiras estavam em promoção no mercado. Vieiras fresquinhas. Porque aqui tem disso: quando a comida está perto do vencimento, principalmente carnes e laticínios, os mercados colocam uma etiqueta avisando que o produto tem que ser consumido hoje ou amanhã, e que por isso está com 30, 50 ou até 70% de desconto. Acho isso muito honesto. Comprei duas bandejinhas de vieiras pelo preço de uma. 50% off. Enjoy tonight! Podexá. 

Dourei as vieiras na manteiga e servi sobre o risotto. Laura adorou. Thomas achou curioso. Mas gostou mais quando eu mostrei, no Wikipedia, como era uma vieira viva, dentro de sua concha. Onde ficava sua boca, seu intestino, o modo como ela nada abrindo e fechando a concha, expulsando ar de si mesma feito um fole. Você sabia que as vieiras tem diversos olhos? Eles ficam ao longo das beiradas das conchas, entre os filamentos que elas usam para apanhar comida. Quando a luz bate neles, eles brilham feito bolinhas azuis,. Parece uma nave espacial. 

As crianças cogitaram se a vieira seria capaz de ver vários filmes ao mesmo tempo.

Escova dentes. Desenha um pouco. Senta do lado do pai no sofá. Conversa sobre o dia. O que teve de bom? O que pode melhorar? 

Boa noite. Boa noite. Beijinhos. Mais um abraço. Me dá água? Allex coloca as coisas na lava-louças. Santa lava-louças, que eu sempre achei que fosse bobagem. Me lembra de só morar em casa com lava-louças. Sento na poltrona amarela com um chá. Já é noite faz tempo. Gosto de luz amarela de abajur. A sala tem quatro abajures. Eu nunca acendo a luz do teto. Como foi seu dia? Você viu a notícia? Olha esse meme. Achei que você fosse gostar. Amo você. Eu também. 

Os dias andavam tão iguais. As crianças voltaram à escola. Amanhã vou escrever um post no blog. Faz tempo que não consigo me concentrar nisso. Vou falar do peixe no forno que eu fiz e ficou uma delícia. Só precisa de menos alho. Vou falar do bolo de fruta que preparei para o primeiro dia das crianças.Vou falar de como foi um dia bom, muito bom, o primeiro dia de aula, ainda que tenha sido de alguma forma enevoado e confuso, como uma câmara de descompressão. 

Vai ficar tudo bem. 

....

 

O Bolo

Um bolo simples, muito simples. Adaptável. Pouco doce. Desses bons para o café da manhã ou bons pra mandar de lanche, quando você não pretende que seus filhos comam tanto açúcar no recreio que pirem e despenquem durante a aula de geometria. Bolo bom de fazer na mão. Mas pode fazer na batedeira. Era pra usar buttermilk, usei iogurte. Buttermilk deixa a massa mais molinha. Meu iogurte é mais consistente, gordinho, e deixou a massa com cara daqueles bolos italianos de massa compacta. Eu gosto. Mas você pode substituir uma parte do iogurte por leite, se quiser. Ou usar buttermilk. Também era para ser só de mirtilos. Mas eu tinha 3/4 xic. de um mix de frutas congeladas: mirtilo, cereja e amora preta. Achei que era pouco e piquei uma maça com casca junto. Ficou ótimo. Moral da história: use a fruta que quiser. Mas as que soltam caldinho ficam mais gostosas. Também era para ser numa forma de 12x8 polegadas. Me deu até coceira de preguiça de calcular isso. Usei uma forma quadrada de 9x9 polegadas (22-23cm). Dá pra usar forma redonda. Dá pra usar uma forma retangular, desde que não muito maior que isso. Ela pedia para untar e enfarinhar. Fui teimosa, porque achei que seria chatinho desenformar depois, e forrei tudo com papel-manteiga. Acabou que demorou bem mais pra assar. Não forre com papel-manteiga. No máximo, use um papel-manteiga untado em baixo, pra desenformar fácil. Ou use uma forma de fundo removível. Enfim. Falei que era um bolo de improviso.


BOLO DE IOGURTE E FRUTAS 

(adaptado do livro Apples for Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:

  • 2 1/2 xic, farinha de trigo
  • 1 colh (sopa) fermento químico em pó
  • 1/2 xic. de açúcar
  • Noz moscada ralada na hora
  • 2 ovos grandes
  • 1 xic. iogurte natural
  • 4 colh. (sopa) manteiga, derretida
  • 1 colh (chá) casca ralada de um limão
  • 1 xic. frutas vermelhas ou outra de sua escolha, picada
  • 2 1/2 colh. (sopa) açúcar para polvilhar

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 205oC. Unte e enfarinhe uma forma quadrada de 22cm (ou qualquer outra de mesmo volume). Se quiser, forre o fundo com papel manteiga untado, para ajudar a desenformar. 
  2. Numa tigela, misture a farinha, fermento e uma ralada generosa de noz moscada. 
  3. Em outra tigela, bata com um fouet os ovos e o açúcar até que fique claro e fofo.
  4. Junte aos ovos o iogurte, a manteiga e a casca de limão, e misture bem. 
  5. Junte a farinha em três adições, misturando com uma espátula, apenas até que não se veja mais farinha.Não misture demais, ou o bolo ficara maçudo. 
  6. Espalhe colheradas da massa na forma (a massa é mais firme, como de muffin), e, com a ajuda de uma espátula, tente tornar uniforme. Espalhe as frutas por cima e polvilhe com o açúcar. 
  7. Leve ao forno por 25 minutos, ou até que um palito saia limpo quando espetado no centro. O bolo não necessariamente vai ficar muito dourado. A foto do livro mostrava o bolo super dourado, e eu acabei deixando bem mais tempo no forno, sem necessidade. Coisas de mente atrapalhada com o primeiro dia de aula. Deixe no forno apenas até o palito sair limpo. 
  8. Deixe que esfrie completamente antes de cortar em quadrados. O bolo se mantém bem por alguns dias em pote fechado. 

O Peixe. 

Um jeito muito fácil de fazer peixe. Assado, com ervas. Usei haddock fresco, que é peixe fácil de se encontrar aqui. Mas acho que pescada amarela, linguado, ou qualquer outro peixe branco mais alto e mais firme ficaria bom. Você pode usar as ervas que quiser, na verdade, na combinação que mais gostar. Eu só não picaria o alho, que ficou muito forte. Faria lâminas, fáceis de remover de cima do peixe na hora de comer. Ou deixaria ele em metades, apenas para aromatizar. Servi com brócolis cozidos e batatas-doces assadas nesse dia.

 

 

PEIXE BRANCO ASSADO COM ERVAS

(do livro Twelve, de Tessa Kiros)

Ingredientes:

  • 6 filés de peixe branco, sem pele, de cerca de 150-200g cada
  • Cerca de 30g de farinha de trigo
  • 3 colh. (sopa) azeite
  • 125ml (1/2 xic) vinho branco
  • 60ml água
  • 2 dentes de alho, fatiados ou cortados na metade 
  • 1 colh. (sopa) de cada uma destas erva, picadas; alecrim, sálvia, salsinha, tomilho e hortelã
  • 30g manteiga

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 220oC. 
  2. Corte os filés na metade, para facilitar. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Passe os filés na farinha de trigo, chacoalhando pra tirar o excesso.
  3. Coloque o azeite numa travessa de forno ou panela que comporte todos os filés numa camada só, e coloque ali os filés de peixe enfarinhados. Regue com o vinho e a água. Espalhe o alho e as ervas por cima. Divida  manteiga em pedacinhos pequenos e coloque sobre os filés. 
  4. Leve ao forno já aquecido e asse por cerca de 20 minutos. O peixe deve estar opaco, branco e macio, com um pouco de molho borbulhando em volta. Sirva quente.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A escola subiu no telhado. Mais biscotti e amaretti.

O ano 2021 começou com aquela cara de que 2020 esqueceu de acabar. É aquele filme chato da Sessão da Tarde que repete sempre e você não entende como é que alguém continua escolhendo essa porcaria pra passar de novo e de novo. Aí eu me pego pensando como meus filhos, geração Netflix, jamais entenderão essa referência. Mas a vida segue. Chatice por chatice, os dias passam.

Quando a escola online voltou, confesso, sem vergonha nenhuma, que surtei na batatinha. Com marido na masmorra-office, esse trabalho de escritório acorrentado a reuniões sem fim na escrivaninha do nosso quarto a portas fechadas, sobrou para mim e meu "horário flexível" gerenciar a educação da pimpolhada.

Na primeira quarentena (e quanto escrevo "primeira", tenho um pensamento lúgubre da ordem de grandeza das quarentenas pelas quais ainda vamos passar), acabei pegando o jeito de manejar as atividades da escola com alguma leveza. As crianças não eram obrigadas a entrar em reuniões e podiam fazer suas lições (que eram poucas), nos horários que lhes conviessem. Foi a rigidez da escola, desta vez, que me pegou no pulo. Porque se tem uma coisa que eu aprendi que me tira do sério rapidinho é rotina rígida.

Sim, que alegria descobrir isso agora. Vontade de apanhar uma máquina do tempo e avisar à mulher que eu fui dos trinta aos quarenta anos que tudo aquilo que eu complicava era fácil de resolver. 

Descobri que as crianças teriam de participar da escola online nos mesmos moldes do que anda acontecendo desde março na escola brasileira. Ou seja, teriam de passar o dia em frente à tela do computador, das 8:45 às 3:25, com pequenas pausas para o lanche. À parte o absurdo de manter uma criança por tanto tempo em frente a uma tela, como se fosse um plano malvado para acostumá-la rápido ao cubículo que a aguarda em sua futura vida profissional, meu surto foi provocado pelo fato de não termos computadores o bastante na casa para que as crianças se mantivessem online simultaneamente.

A primeira semana foi, portanto, um imenso exercício de gerenciamento. Meu laptop foi dominado por meus filhos. Eu entrava no Google Classroom de ambos de manhã cedo, e decidia que aulas eram mais importantes para cada um, quais poderiam ser perdidas sem prejuízo, e passava meu dia brincando de dança das cadeiras com os dois, enquanto tentava me comunicar com as professoras para explicar suas ausências intermitentes, resolvia problemas de TI, ensinava Laura a usar o computador de forma independente, impedia que Thomas começasse a desenhar no meio da explicação da lição, fazia almoço e jantar, lavava roupa, e tentava planejar o lançamento do meu livro, escrevia textos para o blog pelo celular, e pensava no aniversário da Laura que estava chegando. Quando finalmente o horário da escola terminava, eu precisava sentar com cada um deles para ajudá-los a terminar as atividades da escola que tinham prazo de entrega.

Delícia. Mas era só por uma semana, disse o governo. Eu aguento uma semana. 

Só que não foi. Um dia antes da escola reabrir, veio a notícia de que a quarentena se estenderia por mais quinze dias. Naquele mesmo dia, meu pé voltara a doer depois de um treino de corrida. E a perspectiva de minha fascite plantar retornar, unida à constatação da permanência da escola online, fez com que eu sentasse à noite na minha poltrona amarela e chorasse com tanta força, que não achei que conseguiria parar.

Allex então resolveu trabalhar na sala, usando o minúsculo e defasado laptop da empresa, e montou nossa câmera fotográfica num tripé ao lado do desktop para servir de webcam, de modo que Thomas pudesse participar o dia todo de sua aula no meu quarto, enquanto Laura usava meu laptop na minha escrivaninha. Nesses dias, eu tive de apanhar meu celular e tentar trabalhar sentada na cama do beliche das crianças, pois o quarto delas era o único aposento (fora o banheiro) que não soava como uma central telefônica de um escritório dos anos 50. 

Para apaziguar os nervos e a ansiedade por ter trabalho para fazer e nenhum laptop para usar, enfiei-me na cozinha como não fazia desde que saí do Brasil. Pão, bolo, torta, biscoito.Pão, bolo, torta, biscoito. Biscoito, biscoito, biscoito. Biscotti integral e amaretti que adoçaram os lanches das crianças e o espresso dos adultos. O "stress cooking" aos poucos virou uma cozinha relaxada, e, pelo menos por um tempo, o método funcionou.


Tudo bem, tudo bem, eu dizia. São só mais duas semanas, eu  aguento. As férias que queria ter tido no fm de ano e que não tive por conta do lançamento do livro, poderia ter agora. Passaria meus dias lendo na minha poltrona e cozinhando, ficando à disposição da pimpolhada, e tudo correria bem. Em quinze dias eu voltaria a trabalhar, sem problemas.

Comecei a notar uma conexão entre meu nível de estresse e a dor no pé. Nos dias em que aceitei as coisas como eram, e tentei relaxar, curiosamente, corri 5km por dia sem uma única dor no calcanhar.

Tudo ia bem.

Até descobrir que as crianças haviam passado um dia inteiro vendo desenhos nos computadores, ao invés de participarem das aulas que estavam deslocando e dificultando tanto meu trabalho quanto o de Allex.

Voltamos tudo para o lugar. Allex voltou à masmorra, e as crianças retornaram à sala. Combinei com os professores que Thomas estaria presente de manhã, e Laura à tarde, e um brincaria enquanto o outro estudava, e depois eu sentaria para ajudá-los com as lições. Percebemos que os dois andavam com dificuldades em algumas matérias, e que sua dificuldade tinha mais a ver com resiliência e paciência do que entendimento. Era uma mera questão de repetir um pouco alguns exercícios até criar confiança. Quando fomos sentar para ajudá-los, nos demos conta de que eles não tinham nenhum material de referência onde pudessem revisar as teorias. Toda  matéria é dada oralmente pela professora e todos os exercícios são fotocópias de apostilas anexadas à pasta individual de cada aluno. 

Eu, que sou a louca dos livros de referência e fico comprando para os dois livros sobre botânica, evolução e espaço, fiquei chocada ao me dar conta de que as criança não tinham como estudar de forma independente o que aprendiam na escola. 

Em tempo:eu me importo muito pouco se eles tiram 5 ou 10 na escola. O que me importa é que eles, confrontados com uma questão, saibam pesquisar e resolver seus problemas de forma independente. Saber aprender e saber estudar, ou seja, "juntar lé com cré", é a habilidade que eu quero que eles levem para a vida. E não um monte de informação decorada para passar de ano. 

Além disso, os dois morrem de preguiça de escrever (casa de ferreiro), e passar quinze minutos catando milho num teclado para produzir uma única frase não estava ajudando em nada. O que eles precisavam praticar precisava sem feito com lápis e papel.

Assim, compramos livros de Kumon com o conteúdo canadense de segunda e quarta série para que eles praticassem escrita e resolução de problemas. Mas Ana! Já tem tanta coisa na escola! Tem nada. Em três semanas, eles não fizeram uma única redação. A aula tem se resumido a assistir videos de you-tube e resolver problemas em aplicativos. Mas a maior parte do tempo é usada para esperar todas as trinta crianças resolverem problemas técnicos. 

Meus filhos reclamam o tempo todo que tudo o que se faz em aula é conversar, e eles mesmos já perceberam que seus dias estão passando e seu tempo não está sendo bem aproveitado.

Livros comprados. Enquanto um participava da escola online, o outro fazia alguma lição de redação, multiplicação ou problemas com palavras (compreensão de texto). Menos tempo em tela, mais tempo de fato usando o cérebro e criando coordenação motora fina. Eu continuava sem conseguir trabalhar direito, mas ao menos os dias começaram a ficar mais calmos em torno da escola e as crianças mostraram progresso rápido com suas dificuldades iniciais. 

Veio o lançamento do livro, que não foi meu sonhado evento numa livraria, mas foi um papo gostoso numa live de Instagram. Tempos estranhos. Agora preciso sentar e assinar aqueles autógrafos e dedicatórias e enviar tudo antes que o governo suspenda o correio para o Brasil outra vez. Se é que já não suspendeu.


Passado o lançamento, senti um alívio de missão cumprida, e continuei usando a cozinha e a leitura como meios de manter a cabeça em ordem e ter paciência com todos os pequenos perrengues da escola online. Laura havia pedido, para seu aniversário, um bolo de chocolate com menta, que ela mesma decoraria, e beijinhos de coco, que ela prefere a brigadeiros, apesar de detestar coco em qualquer outra forma. "De café da manhã eu quero waffles, de almoço, hambúrguer, e de jantar, banquete", disse ela, e usei meus dias para organizar a bagunça toda. "Banquete"' é como ela chama, desde pequerrucha, uma mesa cheia de acepipes diferentes. 

 

Ela preparou sozinha seu bolo de chocolate, aquele já super batido da Alice Medrich, e me ajudou a fazer a cobertura: o vanilla buttercream do mesmo livro da Alice, mas cuja baunilha eu troquei por extrato natural de menta. Ficou exultante quando encontrei corante natural à base de plantas e eu ri dos seus pulos de alegria ao ver a cobertura se tornando verde. Vi minha menina gigante de 8 anos escrevendo o próprio nome no bolo com um sorriso daquele tão largo, que faz chorar.   

Foi um aniversário em casa, isolado do resto do mundo, com balões e coroa de rainha, com competições de tiro com o arco e flecha que ela ganhou de presente, e um filme em família que ela escolheu. Ela foi dormir feliz e exausta, dizendo como seu aniversário havia sido perfeito. E me dei conta da sorte que tenho, de poder ver meus filhos felizes no meio do desastre mundial que estão sendo esses tempos.

Então o governo, que é fã daquela piada velha do gato que subiu no telhado, resolveu estender o fechamento das escolas em mais um tanto. E a gente, que não é bobo nem nada, entendeu rápido que 2021 pode ser reprise de 2020 e resolveu criar soluções mais permanentes. Apesar de termos evitado isso até hoje com furor, compramos dois tablets para que eles possam participar das aulas de forma independente mas simultânea, e organizar seu tempo para fazer os trabalhos da escola e os livros de exercícios. E essa é a primeira vez no ano em que estou sentada na sala, em horário comercial, escrevendo. 

Os dias passam. Durante aquele surto na primeira semana de escola, ouvi minha boca dizer, em tom de autocomiseração: "Eu quero minha vida de volta!". Ao que Allex me olhou, sério mas sem julgamento, e disse: "Essa É sua vida."

Scataplaft!

Os dias passam. Depois daquele choro, decidi que não me deixaria irritar, como quem decide não comer glúten. Decidi que aceitaria as coisas como são. E que dentro das circunstâncias, tentaria relaxar e me divertir. Decidi que não lutaria mais contra esse momento inevitável de dar uma tela na mão de cada criança. 

Eles acertam o timmer do fogão para tocar feito sino da escola, e eu saio para correr depois do café. Quando volto, cansada mas sem dor, estão cada um de um lado da mesa de jantar, com seus tablets e fones, ouvindo os professores e fazendo suas lições. Tomo um banho sem pressa, dou um beijo no marido na masmorra-office, e, com uma xícara de chá, abro meu laptop e me junto ao silêncio do trabalho dos meus filhos. 

"Quando vocês terminarem, vamos ao parque brincar um pouco", eu digo.

Os dias passam.Tranquilos.

....


BISCOTTI INTEGRAL DE AMÊNDOAS

(do livro  Chooey Gooey Crispy Crunchy, da Alice Medrich)

Rendimento: 25 a 30 biscotti

Ingredientes:

  • 2 xic. (250g) farinha de trigo integral
  • 1 colh (chá) fermento químico em pó
  • 2/3xic açúcar mascavo apertado na xícara
  • 1/4 xic. óleo vegetal (usei azeite de oliva) ou 4 colh. (sopa) manteiga, derretida
  • 2 ovos grandes
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 1 colh (chá) extrato de baunilha
  • 1 xic. amêndoas com pele, picadas grosseiramente

Preparo:

  1. Preaqueça o forno a 160oC. Posicione a grade no meio do forno. Reserve uma assadeira grande,forrada de papel-manteiga ou untada.
  2. Misture a farinha e o bicarbonato numa tigela e reserve. 
  3. Na tigela da batedeira, bata o açúcar, óleo (ou manteiga), ovos, sal e baunilha, por 2 ou 3 minutos, até que esteja espesso e claro.
  4. Junte a farinha e as amêndoas, e misture com uma espátula até que a farinha fique toda umedecida. A massa deve ser consistente e grudenta. 
  5. Com a ajuda de uma espátula, passe a massa para a assadeira preparada e espalhe, formando um retângulo grosseiro de mais ou menos 12x45cm. 
  6. Asse por 30-35 minutos, até que a massa tenha inflado e esteja firme, mas elástica ao ser tocada com a ponta do dedo. Gire a assadeira no meio do cozimento.
  7. Deixe a asssadeira com a massa esfriar por quinze minutos sobre uma grade. Deixe o forno ligado, mas abaixe para 150oC. 
  8. Transfira a massa para uma tábua de corte e, com uma faca serrilhada, corte a massa na largura em fatias de 1cm. 
  9. Transfira as fatias para a assadeira, agora sem papel-manteiga, deixando ao menos 1cm entre elas. Use duas assadeiras, se necessário, movendo as grades do forno para a parte superior e inferior. Nesse caso, troque as assadeiras de lugar no meio do cozimento. Asse por 20-25 minutos, ou até que as beiradas do biscoito fiquem douradas. 
  10. Deixe a assadeira com os biscoitos esfriando sobre uma grade. Deixe que esfriem completamente antes de guardar os biscoitos, mas guarde-os assim que esfriarem, num pote hermético,para que não percam a crocância. 

Observação: se seu forno não for elétrico, ou ele não mantiver temperaturas abaixo de 180oC (o meu do Brasil não assava nada abaixo dessa temperatura), fique atento ao tempo e cozimento, que será menor nas duas fases. Na segunda fase, você pode segurar a porta do forno entreaberta com uma colher de madeira, para que a temperatura fique mais baixa.

...

 

AMARETTI

(do livro  Chooey Gooey Crispy Crunchy, da Alice Medrich)

Rendimento: cerca de 90 amaretti (mas eles duram para sempre num pote fechado)

Ingredientes:

  • 1 3/4 xic. amêndoas sem pele
  • 2 xic.açúcar (usei o cristal orgânico) + 1/2 xíc. para usar num segundo momento
  • 1/2 xic. claras de ovo (de cerca de 4 ovos), em temperatura ambiente
  • 1/4 colh (chá) cremor tártaro (cremor tártaro é um ácido em pó, que, nesse caso, é usado para estabilizar as claras. Você pode substituir por 1 colh(chá) de suco de limão ou vinagre. Eu usei limão).
  • 2 colh. (chá) de extrato NATURAL de amêndoas (se você usar essência artificial, use metade)

Preparo:

  1. Preaqueça o forno a 150oC. (Se seu forno não mantém temperatura abaixo de 180oC, deixe a porta entreaberta com a ajuda de uma colher de pau, que era como minha avó fazia suspiro.) Posicione as grades nas partes superior e inferior do forno. Forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga.
  2. Junte as amêndoas e a primeira quantidade de açúcar num processador. Pulse várias vezes, até que estejam finamente moídas, como uma farinha, mas com cuidado para não transformar numa pasta. (Se você mesmo tiver branqueado as amêndoas para tirar a pele, tenha certeza de que elas estão BEM secas antes de usar. Caso você não tenha um processador, use 225g de farinha de amêndoas comprada pronta. Mas talvez o sabor não seja tão intenso.)
  3. Numa tigela separada, bata, com um fouet ou batedeira, as claras de ovo e o cremor tártaro (ou limão) até que picos suaves se formem quando o batedor for levantado. 
  4. Junte o extrato de amêndoas, e continue a bater, acrescentando aos poucos aquela 1/2 xic de açúcar separado, até que as claras fiquem bem fofas, firmes e comecem a perder o brilho. 
  5. Derrame a mistura de amêndoas sobre as claras, e incorpore rápida mas delicadamente com uma espátula, puxando de baixo para cima e girando a tigela. 
  6. Passe a mistura para um saco de confeitar com bico de 1cm, ou faça como eu fiz: coloque um ziplock dentro de uma jarra, com uma das pontas inferiores para baixo. Abra as beiradas do ziplock por cima das beiradas da jarra, como quem coloca um saco plástico no lixo da cozinha. Usa uma espátula para transferir toda a massa para o ziplock, acomodando a massa até a ponta no fundo da jarra. Então desdobre as beiradas, dê uns chacoalhões para que a massa desça toda para o fundo, e torça a parte de cima do saco, até que a massa esteja bem apertadinha em direção à ponta do saco. Agora pegue uma tesoura e corte a pontinha do saco. Um corte pequeninnho.Faça montinhos de massa de cerca de 2cm de altura, deixando os montinhos uns 2,5cm de distância um do outro. Caso você não queira usar o método do ziplock, use uma colher para transferir montinhos de 15ml (1 colh. sopa) mantendo a distância de 2,5cm entre eles. Enquanto as primeiras duas assadeiras estiverem assando, vá fazendo mais montinhos em outras folhas de papel-manteiga. Na hora de assá-los, apenas puxe o papel para que escorrreguem para cima da assadeira vazia. Se os montinhos tiverem biquinhos, molhe a ponta do dedo e alise-os, para que fiquem mais arredondados. 
  7. Asse os amaretti por 30 a 35 minutos, até que os biscoitos estejam ligeiramente dourados, como um suspiro que ficou tempo demais no forno. Para que assem por igual, troque a posição das assadeiras no meio do cozimento. Deixe as assadeiras com os biscoitos sobre grades para que esfriem antes de guardá-los. Repita o processo com o restante dos biscoitos. Se guardados em potes herméticos, os amaretti duram várias semanas.


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