terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A escola subiu no telhado. Mais biscotti e amaretti.

O ano 2021 começou com aquela cara de que 2020 esqueceu de acabar. É aquele filme chato da Sessão da Tarde que repete sempre e você não entende como é que alguém continua escolhendo essa porcaria pra passar de novo e de novo. Aí eu me pego pensando como meus filhos, geração Netflix, jamais entenderão essa referência. Mas a vida segue. Chatice por chatice, os dias passam.

Quando a escola online voltou, confesso, sem vergonha nenhuma, que surtei na batatinha. Com marido na masmorra-office, esse trabalho de escritório acorrentado a reuniões sem fim na escrivaninha do nosso quarto a portas fechadas, sobrou para mim e meu "horário flexível" gerenciar a educação da pimpolhada.

Na primeira quarentena (e quanto escrevo "primeira", tenho um pensamento lúgubre da ordem de grandeza das quarentenas pelas quais ainda vamos passar), acabei pegando o jeito de manejar as atividades da escola com alguma leveza. As crianças não eram obrigadas a entrar em reuniões e podiam fazer suas lições (que eram poucas), nos horários que lhes conviessem. Foi a rigidez da escola, desta vez, que me pegou no pulo. Porque se tem uma coisa que eu aprendi que me tira do sério rapidinho é rotina rígida.

Sim, que alegria descobrir isso agora. Vontade de apanhar uma máquina do tempo e avisar à mulher que eu fui dos trinta aos quarenta anos que tudo aquilo que eu complicava era fácil de resolver. 

Descobri que as crianças teriam de participar da escola online nos mesmos moldes do que anda acontecendo desde março na escola brasileira. Ou seja, teriam de passar o dia em frente à tela do computador, das 8:45 às 3:25, com pequenas pausas para o lanche. À parte o absurdo de manter uma criança por tanto tempo em frente a uma tela, como se fosse um plano malvado para acostumá-la rápido ao cubículo que a aguarda em sua futura vida profissional, meu surto foi provocado pelo fato de não termos computadores o bastante na casa para que as crianças se mantivessem online simultaneamente.

A primeira semana foi, portanto, um imenso exercício de gerenciamento. Meu laptop foi dominado por meus filhos. Eu entrava no Google Classroom de ambos de manhã cedo, e decidia que aulas eram mais importantes para cada um, quais poderiam ser perdidas sem prejuízo, e passava meu dia brincando de dança das cadeiras com os dois, enquanto tentava me comunicar com as professoras para explicar suas ausências intermitentes, resolvia problemas de TI, ensinava Laura a usar o computador de forma independente, impedia que Thomas começasse a desenhar no meio da explicação da lição, fazia almoço e jantar, lavava roupa, e tentava planejar o lançamento do meu livro, escrevia textos para o blog pelo celular, e pensava no aniversário da Laura que estava chegando. Quando finalmente o horário da escola terminava, eu precisava sentar com cada um deles para ajudá-los a terminar as atividades da escola que tinham prazo de entrega.

Delícia. Mas era só por uma semana, disse o governo. Eu aguento uma semana. 

Só que não foi. Um dia antes da escola reabrir, veio a notícia de que a quarentena se estenderia por mais quinze dias. Naquele mesmo dia, meu pé voltara a doer depois de um treino de corrida. E a perspectiva de minha fascite plantar retornar, unida à constatação da permanência da escola online, fez com que eu sentasse à noite na minha poltrona amarela e chorasse com tanta força, que não achei que conseguiria parar.

Allex então resolveu trabalhar na sala, usando o minúsculo e defasado laptop da empresa, e montou nossa câmera fotográfica num tripé ao lado do desktop para servir de webcam, de modo que Thomas pudesse participar o dia todo de sua aula no meu quarto, enquanto Laura usava meu laptop na minha escrivaninha. Nesses dias, eu tive de apanhar meu celular e tentar trabalhar sentada na cama do beliche das crianças, pois o quarto delas era o único aposento (fora o banheiro) que não soava como uma central telefônica de um escritório dos anos 50. 

Para apaziguar os nervos e a ansiedade por ter trabalho para fazer e nenhum laptop para usar, enfiei-me na cozinha como não fazia desde que saí do Brasil. Pão, bolo, torta, biscoito.Pão, bolo, torta, biscoito. Biscoito, biscoito, biscoito. Biscotti integral e amaretti que adoçaram os lanches das crianças e o espresso dos adultos. O "stress cooking" aos poucos virou uma cozinha relaxada, e, pelo menos por um tempo, o método funcionou.


Tudo bem, tudo bem, eu dizia. São só mais duas semanas, eu  aguento. As férias que queria ter tido no fm de ano e que não tive por conta do lançamento do livro, poderia ter agora. Passaria meus dias lendo na minha poltrona e cozinhando, ficando à disposição da pimpolhada, e tudo correria bem. Em quinze dias eu voltaria a trabalhar, sem problemas.

Comecei a notar uma conexão entre meu nível de estresse e a dor no pé. Nos dias em que aceitei as coisas como eram, e tentei relaxar, curiosamente, corri 5km por dia sem uma única dor no calcanhar.

Tudo ia bem.

Até descobrir que as crianças haviam passado um dia inteiro vendo desenhos nos computadores, ao invés de participarem das aulas que estavam deslocando e dificultando tanto meu trabalho quanto o de Allex.

Voltamos tudo para o lugar. Allex voltou à masmorra, e as crianças retornaram à sala. Combinei com os professores que Thomas estaria presente de manhã, e Laura à tarde, e um brincaria enquanto o outro estudava, e depois eu sentaria para ajudá-los com as lições. Percebemos que os dois andavam com dificuldades em algumas matérias, e que sua dificuldade tinha mais a ver com resiliência e paciência do que entendimento. Era uma mera questão de repetir um pouco alguns exercícios até criar confiança. Quando fomos sentar para ajudá-los, nos demos conta de que eles não tinham nenhum material de referência onde pudessem revisar as teorias. Toda  matéria é dada oralmente pela professora e todos os exercícios são fotocópias de apostilas anexadas à pasta individual de cada aluno. 

Eu, que sou a louca dos livros de referência e fico comprando para os dois livros sobre botânica, evolução e espaço, fiquei chocada ao me dar conta de que as criança não tinham como estudar de forma independente o que aprendiam na escola. 

Em tempo:eu me importo muito pouco se eles tiram 5 ou 10 na escola. O que me importa é que eles, confrontados com uma questão, saibam pesquisar e resolver seus problemas de forma independente. Saber aprender e saber estudar, ou seja, "juntar lé com cré", é a habilidade que eu quero que eles levem para a vida. E não um monte de informação decorada para passar de ano. 

Além disso, os dois morrem de preguiça de escrever (casa de ferreiro), e passar quinze minutos catando milho num teclado para produzir uma única frase não estava ajudando em nada. O que eles precisavam praticar precisava sem feito com lápis e papel.

Assim, compramos livros de Kumon com o conteúdo canadense de segunda e quarta série para que eles praticassem escrita e resolução de problemas. Mas Ana! Já tem tanta coisa na escola! Tem nada. Em três semanas, eles não fizeram uma única redação. A aula tem se resumido a assistir videos de you-tube e resolver problemas em aplicativos. Mas a maior parte do tempo é usada para esperar todas as trinta crianças resolverem problemas técnicos. 

Meus filhos reclamam o tempo todo que tudo o que se faz em aula é conversar, e eles mesmos já perceberam que seus dias estão passando e seu tempo não está sendo bem aproveitado.

Livros comprados. Enquanto um participava da escola online, o outro fazia alguma lição de redação, multiplicação ou problemas com palavras (compreensão de texto). Menos tempo em tela, mais tempo de fato usando o cérebro e criando coordenação motora fina. Eu continuava sem conseguir trabalhar direito, mas ao menos os dias começaram a ficar mais calmos em torno da escola e as crianças mostraram progresso rápido com suas dificuldades iniciais. 

Veio o lançamento do livro, que não foi meu sonhado evento numa livraria, mas foi um papo gostoso numa live de Instagram. Tempos estranhos. Agora preciso sentar e assinar aqueles autógrafos e dedicatórias e enviar tudo antes que o governo suspenda o correio para o Brasil outra vez. Se é que já não suspendeu.


Passado o lançamento, senti um alívio de missão cumprida, e continuei usando a cozinha e a leitura como meios de manter a cabeça em ordem e ter paciência com todos os pequenos perrengues da escola online. Laura havia pedido, para seu aniversário, um bolo de chocolate com menta, que ela mesma decoraria, e beijinhos de coco, que ela prefere a brigadeiros, apesar de detestar coco em qualquer outra forma. "De café da manhã eu quero waffles, de almoço, hambúrguer, e de jantar, banquete", disse ela, e usei meus dias para organizar a bagunça toda. "Banquete"' é como ela chama, desde pequerrucha, uma mesa cheia de acepipes diferentes. 

 

Ela preparou sozinha seu bolo de chocolate, aquele já super batido da Alice Medrich, e me ajudou a fazer a cobertura: o vanilla buttercream do mesmo livro da Alice, mas cuja baunilha eu troquei por extrato natural de menta. Ficou exultante quando encontrei corante natural à base de plantas e eu ri dos seus pulos de alegria ao ver a cobertura se tornando verde. Vi minha menina gigante de 8 anos escrevendo o próprio nome no bolo com um sorriso daquele tão largo, que faz chorar.   

Foi um aniversário em casa, isolado do resto do mundo, com balões e coroa de rainha, com competições de tiro com o arco e flecha que ela ganhou de presente, e um filme em família que ela escolheu. Ela foi dormir feliz e exausta, dizendo como seu aniversário havia sido perfeito. E me dei conta da sorte que tenho, de poder ver meus filhos felizes no meio do desastre mundial que estão sendo esses tempos.

Então o governo, que é fã daquela piada velha do gato que subiu no telhado, resolveu estender o fechamento das escolas em mais um tanto. E a gente, que não é bobo nem nada, entendeu rápido que 2021 pode ser reprise de 2020 e resolveu criar soluções mais permanentes. Apesar de termos evitado isso até hoje com furor, compramos dois tablets para que eles possam participar das aulas de forma independente mas simultânea, e organizar seu tempo para fazer os trabalhos da escola e os livros de exercícios. E essa é a primeira vez no ano em que estou sentada na sala, em horário comercial, escrevendo. 

Os dias passam. Durante aquele surto na primeira semana de escola, ouvi minha boca dizer, em tom de autocomiseração: "Eu quero minha vida de volta!". Ao que Allex me olhou, sério mas sem julgamento, e disse: "Essa É sua vida."

Scataplaft!

Os dias passam. Depois daquele choro, decidi que não me deixaria irritar, como quem decide não comer glúten. Decidi que aceitaria as coisas como são. E que dentro das circunstâncias, tentaria relaxar e me divertir. Decidi que não lutaria mais contra esse momento inevitável de dar uma tela na mão de cada criança. 

Eles acertam o timmer do fogão para tocar feito sino da escola, e eu saio para correr depois do café. Quando volto, cansada mas sem dor, estão cada um de um lado da mesa de jantar, com seus tablets e fones, ouvindo os professores e fazendo suas lições. Tomo um banho sem pressa, dou um beijo no marido na masmorra-office, e, com uma xícara de chá, abro meu laptop e me junto ao silêncio do trabalho dos meus filhos. 

"Quando vocês terminarem, vamos ao parque brincar um pouco", eu digo.

Os dias passam.Tranquilos.

....


BISCOTTI INTEGRAL DE AMÊNDOAS

(do livro  Chooey Gooey Crispy Crunchy, da Alice Medrich)

Rendimento: 25 a 30 biscotti

Ingredientes:

  • 2 xic. (250g) farinha de trigo integral
  • 1 colh (chá) fermento químico em pó
  • 2/3xic açúcar mascavo apertado na xícara
  • 1/4 xic. óleo vegetal (usei azeite de oliva) ou 4 colh. (sopa) manteiga, derretida
  • 2 ovos grandes
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 1 colh (chá) extrato de baunilha
  • 1 xic. amêndoas com pele, picadas grosseiramente

Preparo:

  1. Preaqueça o forno a 160oC. Posicione a grade no meio do forno. Reserve uma assadeira grande,forrada de papel-manteiga ou untada.
  2. Misture a farinha e o bicarbonato numa tigela e reserve. 
  3. Na tigela da batedeira, bata o açúcar, óleo (ou manteiga), ovos, sal e baunilha, por 2 ou 3 minutos, até que esteja espesso e claro.
  4. Junte a farinha e as amêndoas, e misture com uma espátula até que a farinha fique toda umedecida. A massa deve ser consistente e grudenta. 
  5. Com a ajuda de uma espátula, passe a massa para a assadeira preparada e espalhe, formando um retângulo grosseiro de mais ou menos 12x45cm. 
  6. Asse por 30-35 minutos, até que a massa tenha inflado e esteja firme, mas elástica ao ser tocada com a ponta do dedo. Gire a assadeira no meio do cozimento.
  7. Deixe a asssadeira com a massa esfriar por quinze minutos sobre uma grade. Deixe o forno ligado, mas abaixe para 150oC. 
  8. Transfira a massa para uma tábua de corte e, com uma faca serrilhada, corte a massa na largura em fatias de 1cm. 
  9. Transfira as fatias para a assadeira, agora sem papel-manteiga, deixando ao menos 1cm entre elas. Use duas assadeiras, se necessário, movendo as grades do forno para a parte superior e inferior. Nesse caso, troque as assadeiras de lugar no meio do cozimento. Asse por 20-25 minutos, ou até que as beiradas do biscoito fiquem douradas. 
  10. Deixe a assadeira com os biscoitos esfriando sobre uma grade. Deixe que esfriem completamente antes de guardar os biscoitos, mas guarde-os assim que esfriarem, num pote hermético,para que não percam a crocância. 

Observação: se seu forno não for elétrico, ou ele não mantiver temperaturas abaixo de 180oC (o meu do Brasil não assava nada abaixo dessa temperatura), fique atento ao tempo e cozimento, que será menor nas duas fases. Na segunda fase, você pode segurar a porta do forno entreaberta com uma colher de madeira, para que a temperatura fique mais baixa.

...

 

AMARETTI

(do livro  Chooey Gooey Crispy Crunchy, da Alice Medrich)

Rendimento: cerca de 90 amaretti (mas eles duram para sempre num pote fechado)

Ingredientes:

  • 1 3/4 xic. amêndoas sem pele
  • 2 xic.açúcar (usei o cristal orgânico) + 1/2 xíc. para usar num segundo momento
  • 1/2 xic. claras de ovo (de cerca de 4 ovos), em temperatura ambiente
  • 1/4 colh (chá) cremor tártaro (cremor tártaro é um ácido em pó, que, nesse caso, é usado para estabilizar as claras. Você pode substituir por 1 colh(chá) de suco de limão ou vinagre. Eu usei limão).
  • 2 colh. (chá) de extrato NATURAL de amêndoas (se você usar essência artificial, use metade)

Preparo:

  1. Preaqueça o forno a 150oC. (Se seu forno não mantém temperatura abaixo de 180oC, deixe a porta entreaberta com a ajuda de uma colher de pau, que era como minha avó fazia suspiro.) Posicione as grades nas partes superior e inferior do forno. Forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga.
  2. Junte as amêndoas e a primeira quantidade de açúcar num processador. Pulse várias vezes, até que estejam finamente moídas, como uma farinha, mas com cuidado para não transformar numa pasta. (Se você mesmo tiver branqueado as amêndoas para tirar a pele, tenha certeza de que elas estão BEM secas antes de usar. Caso você não tenha um processador, use 225g de farinha de amêndoas comprada pronta. Mas talvez o sabor não seja tão intenso.)
  3. Numa tigela separada, bata, com um fouet ou batedeira, as claras de ovo e o cremor tártaro (ou limão) até que picos suaves se formem quando o batedor for levantado. 
  4. Junte o extrato de amêndoas, e continue a bater, acrescentando aos poucos aquela 1/2 xic de açúcar separado, até que as claras fiquem bem fofas, firmes e comecem a perder o brilho. 
  5. Derrame a mistura de amêndoas sobre as claras, e incorpore rápida mas delicadamente com uma espátula, puxando de baixo para cima e girando a tigela. 
  6. Passe a mistura para um saco de confeitar com bico de 1cm, ou faça como eu fiz: coloque um ziplock dentro de uma jarra, com uma das pontas inferiores para baixo. Abra as beiradas do ziplock por cima das beiradas da jarra, como quem coloca um saco plástico no lixo da cozinha. Usa uma espátula para transferir toda a massa para o ziplock, acomodando a massa até a ponta no fundo da jarra. Então desdobre as beiradas, dê uns chacoalhões para que a massa desça toda para o fundo, e torça a parte de cima do saco, até que a massa esteja bem apertadinha em direção à ponta do saco. Agora pegue uma tesoura e corte a pontinha do saco. Um corte pequeninnho.Faça montinhos de massa de cerca de 2cm de altura, deixando os montinhos uns 2,5cm de distância um do outro. Caso você não queira usar o método do ziplock, use uma colher para transferir montinhos de 15ml (1 colh. sopa) mantendo a distância de 2,5cm entre eles. Enquanto as primeiras duas assadeiras estiverem assando, vá fazendo mais montinhos em outras folhas de papel-manteiga. Na hora de assá-los, apenas puxe o papel para que escorrreguem para cima da assadeira vazia. Se os montinhos tiverem biquinhos, molhe a ponta do dedo e alise-os, para que fiquem mais arredondados. 
  7. Asse os amaretti por 30 a 35 minutos, até que os biscoitos estejam ligeiramente dourados, como um suspiro que ficou tempo demais no forno. Para que assem por igual, troque a posição das assadeiras no meio do cozimento. Deixe as assadeiras com os biscoitos sobre grades para que esfriem antes de guardá-los. Repita o processo com o restante dos biscoitos. Se guardados em potes herméticos, os amaretti duram várias semanas.


Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails