quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Acreditando em um pessegueiro


Nessa época do ano a gente se empolga (ou sou apenas eu?) com as frutas da estação que lembram Natal, e gasta os tubos em pêssegos, nectarinas, ameixas, cerejas... aliás, bota tubos nisso, pois as cerejas estão valendo ouro nos últimos anos. Aí vem aquela frustração de ter uma caixa inteira de frutas lindas, coloridas, bojudas, perfumadas... e com gosto de coisa nenhuma. Quem nunca passou por isso?

Há uns anos atrás, comprando uma árvore de Natal numa loja de construção, deparei-me com um pessegueiro sendo vendido a 13 reais. TREZE REAIS. Eu precisava levá-lo para casa. Era um PESSEGUEIRO! Ignorei totalmente o fato de que se tratava meramente de um galho mirrado pouco mais longo que minhas pernas, ostentando depressivamente uma única folha verde esmaecida, beirando o amarelado. Veio num torrãozinho de terra do tamanho de um pão francês, esturricado de seco, e o bichinho era tão frágil, tão frágil, que achei que fosse mesmo quebrar durante o transporte até o caixa.

No entanto, ele veio para casa. E em casa, escolhi um cantinho abandonado, do lado da porta de entrada, de onde eu arrancara uma touceira que quase não dava flores e só fazia acumular aranhas e mosquitos. Plantei com carinho, acomodei pedras em torno do seu tronquinho esquelético, e reguei bem. Depois de plantado, dei boas vindas e boa sorte ao pessegueiro e abandonei-o à mesma sorte de todas as outras plantas aqui de casa, que são estimuladas a sobreviver ao ambiente e à minha falta de habilidade em cuidar de mais seres vivos do que dois filhos e um cachorro.

Passaram-se os anos. Para minha surpresa, o pessegueirozinho continuou ali. Não muito firme, não muito forte, mas ali. De vez em quando apareciam mais duas ou três folhinhas verdes brilhantes, e houve mesmo uma vez que surgiu uma florzinha cor-de-rosa delicada, que foi meu grande amor pelo tempo que durou, e chegou mesmo a tornar-se uma bolinha verde aveludada que não chegou a ficar maior que minha unha antes de desprender-se do galho e sumir na grama.

E assim foi. Enquanto o abacateiro em frente crescia forte (esse abacateiro plantado da semente, no mês em que nos mudamos para esta casa, após sonhar que plantava um abacateiro com meu filho), o pessegueiro continuava ali, um galho, meramente um galho, nada mais que um galho.

Então, esse ano - talvez tenha sido o clima louco, as chuvas, a seca, o calor, o frio, ou tão somente a força de vontade e espontaneidade da natureza - o pessegueiro cresceu. Assim, de um dia para o outro, loucamente, inadvertidamente, ele se multiplicou e espalhou, e cresceu, e subiu, e alargou, e aquele galho de repente era uma mini-árvore tão frondosa quanto pode ser uma mini-árvore-quase-arbusto, mas ainda assim muito diferente do galhinho seco que uma vez fora. E de um dia para o outro floresceu uma miríade de gotas cor-de-rosa, que se abriram com vontade para as abelhinhas pretas, e quase não deu tempo para minha filha se encantar com as pétalas delicadas, e já havia bolotinhas verde-aveludadas por todos os galhos.

Meu pé de pipoca quando apareceram os primeiros pêssegos.

Corri para ensacar todos eles, em saquinhos brancos e araminhos pretos, e a piada da família era que se tratava de um pé de pipoca. Todos os dias por meses e meses as crianças se aproximavam para ver a quantas andavam as frutinhas, com a promessa de que quando chegasse o Natal, os pesseguinhos estariam prontos para serem comidos.

Então veio uma tempestade que quase arruinou tudo, com pedras de gelo do tamanho das próprias frutas, que rasgaram saquinhos, derrubaram pêssegos, amassaram, quebraram, destruíram. Salvaram-se dois terços; o resto, tão verdinho, tão delicado, não resistiu.

Troquei-lhes os saquinhos e continuei de olho.

Dá pra ver onde o granizo machucou os frutos.


Um mês depois, eu conseguia divisar através do papel branco o rubor delicado dos pêssegos maduros; e vi aqueles frutos grandes, redondos, amarelo-rosa-avermelhados, perfumadíssimos, e morri de amor por cada um deles, mesmo os bichadinhos, mesmo os machucados. Colhi uma boa braçada de pêssegos, quase uns vinte, e nem acreditei que aquele galhinho mirradinho seria um dia capaz de tal proeza.

Os pêssegos, no entanto, não estavam lá muito doces não. As crianças experimentaram um ou dois e então desistiram em prol das uvas, dos morangos, das mangas. Havia um amargorzinho neles, mesmo nos mais maduros. O que fazer?



Deixei-os na geladeira por uma semana, para que não estragassem, pensando no que fazer com eles. Tentei grelhar um com açúcar, mas o amargor pareceu prevalecer, e por isso achei que uma geleia teria o mesmo efeito.

Então chegou meu aniversário de casamento-juntação-de-trapos. Como sempre, eu esqueci. Foi o marido que lembrou. Onze anos sob o mesmo teto. E ao lembrar do nosso começo naquele apartamentozinho, lembrei-me das cestas de Natal e do pêssego em calda que sempre vinha nelas, e que um dia até virou torta de pêssego aqui no blog.

Pêssego em calda, claro. Talvez o cozimento delicado fizesse sumir aquele amarguinho.

Enquanto os pêssegos cozinhavam naquele xarope cor-de-rosa, fazendo com que um perfume delicioso enchesse a casa, fiquei pensando naquelas latas de pêssego em calda, naquelas cestas de Natal, dos empregos de onze anos atrás, no nosso apartamentinhozinho com nossa cozinhazinha que deu nome a esse blog, La Cucinetta. Quanta coisa eu fiz naquela cozinha.

Lembrei-me de quando nos mudamos para lá, do colchão no chão, dos móveis emprestados, da cozinha toda improvisada. Das manhãs com cafés feitos na Bialetti, dos domingos à noite de mãos dadas assistindo a desenhos japoneses. Pensei em quão pouca coisa tínhamos e de quão pouco precisávamos. Precisávamos da companhia um do outro, daqueles cafés, daquelas mãos dadas, das idas até o teto do prédio para tomar uma cerveja e ver a noite passando lá embaixo, conversando coisas que só nós dois entendemos um do outro.

Onze anos se passaram. Quinze desde o dia em que ele resolveu interromper uma conversa minha sobre Iron Maiden. Quinze anos depois continuamos conversando sobre Iron Maiden. Fomos juntos a três shows deles. Só não fomos a quatro pois eu estava já grávida de nove meses do Thomas.

Onze anos desde o dia em que resolvemos dividir uma casa, e meu coração bate forte com as manhãs de cappuccino feitos na Gaggia e os domingos à noite de mãos dadas assistindo a desenhos japoneses. Hoje temos mais coisas do que naquela época, mas nos damos conta de que não precisamos de quase nada. Apenas da companhia um do o outro, desses cafés, dessas mãos dadas, e das voltas no quarteirão para passear o Gnocchi, tomando uma cerveja e vendo a noite passando à nossa volta, conversando coisas que, mais do que nunca, só nós dois entendemos um do outro.

Minto, há mais, claro que há mais. Precisamos dessas duas crianças lindas, de bochechas rosadas como pêssegos, que ao contrário das frutas do meu pessegueiro mirradinho, são as criaturas mais doces do mundo. E que vêm crescendo fortes mas gentis.

Eu não sabia quantos frutos aquele galhinho de pessegueiro me daria um dia, e eu não sabia que uma conversa sobre heavy metal e filosofia numa quinta à noite um dia me daria uma família. Bastou acreditar. Bastou um pouco de cuidado. Um pouco de amor no coração para deixar as coisas tomarem seu rumo sozinhas, natural e espontaneamente, abandonadas à nossa habilidade de cuidar um do outro.

Para os pesseguinhos não tão doces, um nadinha mais de cuidado e fé em seu potencial. E eles se tornaram muito doces, perfumados, macios e cor-de-rosa, delicados e surpreendentemente deliciosos com uma colherada de iogurte. Seu amargor se foi, e ficou a vontade de ver o que mais o futuro trará a esse meu pequeno pessegueiro.

PÊSSEGOS EM CALDA (ou qualquer outra fruta)
(Adaptado do Apples for Jam, de novo)

Tudo vai depender da quantidade de fruta que você tiver e do quão doce quer a calda, na verdade, Aqueça numa panela água o bastante para cobrir as frutas, com açúcar na proporção de 4 partes de água para 1 parte de açúcar. Aromatize com o que quiser: baunilha, casca de limão, laranja, especiarias... e uma boa espremida de suco de limão para a fruta não escurecer. Frutas mais duras, de inverno, ficam melhores descascadas, e essas de caroço, de verão, podem ser cozidas com casca, que vai se soltar naturalmente. Corte as frutas na metade, e quando o xarope atingir uma fervura branda, abaixe o fogo para o mínimo, coloque as frutas e cozinhe apenas até que fiquem macias, sem se desmancharem. Algo entre 5-10 minutos, dependendo da fruta. Retire a fruta cozida para um prato e leve ao freezer por alguns minutos para parar o cozimento. Leve o xarope à geladeira para que esfrie completamente. Quando tudo estiver frio, volte às frutas ao xarope. Dura 1 semana na geladeira.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Planejamento, expectativas e Pizza de Natal


Eu costumava amar Dezembro. Era mês de férias, era mês de cozinhar quitutes de Natal, mês de planejar presentes e cartões... enfim. Aquela coisa toda.

Os anos foram passando e Dezembro começou a me causar sérias ansiedades. Era mês de férias, mas só das crianças, não minhas. Era mês de fazer quitutes de Natal. Mas tem piquenique da escola (prato salgado pra um, prato doce pra outra), tem que fazer biscoito pra dar pros professores, tem que fazer quitutes pra Nikolaus, tem que fazer quitutes pra todos os domingos de advento, tem que planejar a ceia como se fosse um banquete para o papa, tentanto agradar todo mundo mas principalmente tentando provar pra mim mesma que sou capaz de produzir uma ceia absurdamente fantástica, 100% feita em casa e orgânica. Tudo coordenado para não depender da banca de orgânicos que some por quase três semanas nessa época, tudo milimetricamente planejado para dar tempo de preparar todos os detalhes no meio dos amigos-secretos (eu odeio amigo-secreto), confraternizações de fim de ano, cantatas de Natal da escola, aniversários de amigos, trânsito infernal de fim de ano, correria pra comprar presente, e toda aquela expectativa de criar cem por cento de momentos mágicos e memoráveis para as crianças enquanto você tenta entregar rapidamente aquele trabalho super atrasado. E não dá tempo de fazer o calendário de advento que você planejou, ou os cartões de natal em aquarela que você imaginou para mandar para os clientes... Vinte quatro dias de Dezembro passam como se fossem 24 horas. Aquela coisa toda. 

O Gnocchi! Faz tempo que ele não aparece aqui! :D
(A árvore parece gigante. Mas é o ângulo da foto.)

Esse ano Dezembro chegou meio engraçado. Engraçado porque está sossegadíssimo.

Há uns meses atrás, meu HD externo corrompeu. E corrompidos foram os registros de todos os trabalhos que eu produzi nos últimos 5 anos. TUDO. Tentei todos os programas de reparação de HD, mandei pra assistência técnica especializada. NADA. Aquele mês terminou comigo num terreno baldio, gritando com todas as forças de meus pulmões ao atirar o HD quebrado contra um muro de cimento, uma, duas, cinco vezes, até ver aquele pequeno monte de lixo reduzido a pó. 

Se você comprou de mim um original alguma vez na sua vida, por favor me envie um email (lacucinetta@gmail.com) com seus dados (nome, telefone, qual obra foi comprada ou encomendada), para que eu possa ter um registro disso novamente. Agradeço de coração. (Voltei com a loja, agora http://anaelisagg.iluria.com, mas perdi todo o meu banco de dados. Quem já tinha comprado obras minhas e quer mais, fique de olho, que pretendo colocar uma obra diferente em oferta todo mês - está tudo com frete grátis.)

A perda dos trabalhos foi, como muitas outras bizarrices que aconteceram esse ano, um forçado mas positivo recomeço. Mudei meu jeito de ver meu trabalho, defini o que de fato quero, e parei de me estressar pela suposta falta de tempo. Quando chegam as férias, eu não fico mais frustrada por não ter para trabalhar aquelas horas matutinas em que as crianças estariam na escola. Eu dou um jeito, faço quando posso, e as crianças vão se acostumando a deixar mamãe trabalhar um pouco em paz. 

Então estou positivamente ansiosa pelas férias escolares. :)

Para podermos tomar café com calma e sairmos para passear sem hora para voltar, ou mesmo para podermos não fazer coisa nenhuma. Vai ser bom ter as crianças em casa o tempo todo, sem chegarem exaustas e irritadiças da escola. 

Não fiz nenhum quitute de Natal. Ainda. Mas também não acho que vá fazer mais nada além dos spekulatius que o marido pediu. Pensei no torrone, mas há alguns meses, num momento crítico em que havia uma grande necessidade de abrir mão do controle e me tornar uma pessoa mais relaxada, lembro-me de ter ficado fascinada com o senso de humor do universo, que começara a destruir meus instrumentos de medição e controle justo na área em que eu me considerava mais em necessidade de controlar: a cozinha. Derrubei meu termômetro de doces feito de vidro no chão sem querer, no mesmo dia em que minha balança de cozinha quebrou. o_O 

Tinha vontade de fazer panforte de novo para dar de presente, mas além de não ter papel arroz para comprar em nenhum lugar além das lojas do centro de São Paulo (onde eu realmente não quero ir em meados de Dezembro), continuo caindo pra trás com o preço das castanhas e das frutas secas, o que meio que mata qualquer plano meu de fazer... bem... qualquer quitute natalino, na verdade. 

Perdi completamente a vergonha de mandar tomates-cereja como "prato salgado" do piquenique da escola. Hoje entendo totalmente a mãe que manda um pacote de doritos, juro que entendo. Mas prático por prático, ainda prefiro mandar tomates. Não me martirizo mais.

Esse ano, na ceia de Natal, sou convidada. Não vou fazer patavinas. E se antes isso me frustrava, porque eu queria a oportunidade de fazer uma ceia toda imaginada por mim, agora eu realmente não ligo. Vai ser gostoso, vai estar bom, e se as crianças estão contentes, eu estou tranquila. O importante são as pessoas. 

Esse ano eu até consegui fazer cartões de Natal. Meia dúzia, só pros avós e pras tias. Mas fiquei feliz de ter feito com a pimpolhada, inspirada por um cartão lindo e uma série de gravuras que recebi láaaaaa da Inglaterra, de uma amiga querida que adora botar a família toda com a mão na massa. Foi mais legal e mais importante passar essa tarde juntos bagunçando com tinta no papel do que ficar preocupada com grandes produções artísticas impressionantes da minha parte. 

Dezembro está super ocupado daquelas coisas todas que se tem pra fazer nesse mês. Mas esse ano eu não estou estressada a respeito. Não vai ter nada natalino aqui no blog, porque, convenhamos, tem em todos os outros, e eu nunca faço nada de novo, na verdade, até porque essa variação louca de temperatura e a chuva andam me tirando a vontade de ficar fazendo doces sensíveis à umidade e à temperatura, e especiarias não andam me apetecendo muito - estou preferindo sabores mais frescos. Ao invés disso, vai ter pizza. Porque nada diz menos Natal do que pizza. 

Acho lindo (mesmo) esse povo que diz que todo domingo faz pizza, toda segunda faz pão, terça é dia de macarrão, etc. Li um pouco a respeito de planejamento de refeições e por um instante até achei que conseguiria seguir um plano alimentar para tentar reduzir custos e facilitar a vida. Mas a verdade é que se em todo o restante da minha vida eu sou a senhora-listas-e-planilhas, a cozinha hoje é meu cantinho libertário da improvisação. Adoraria saber improvisar em conversas com estranhos com a mesma facilidade e prazer que improviso com ingredientes desconexos da geladeira. Não dá.

Morri de felicidade adolescente ao comprar uma agenda nova para o ano que vem, prevendo o modo como vou organizar meus dias, separando compromissos de tarefas, planejando projetos pessoais... mas na cozinha, ainda que adore minha listinha de ingredientes na porta da geladeira (com tudo o que tem lá dentro de fresquinho, listado em ordem decrescente de validade, para não deixar nada estragar e saber o que tem uso prioritário), confesso que adoro ir à feira sem nenhuma receita em mente, e abrir a geladeira numa terça-feira e decidir fazer pizza porque sim. E chegar na sexta e decidir outra coisa completamente diferente e não planejada. Até porque me parece que toda vez que planejo com muito afinco uma refeição especial, é esse o dia em que o Allex fica preso no trabalho, as crianças estão birrentas de sono, o gás acaba, eu corto o dedo, o ingrediente principal revela-se inexplicavelmente estragado bem no meio do preparo. Então dane-se. Não planejo mais nada, não tenho nenhuma expectativa. Faço pizza quando tem ingrediente de pizza e paciência pra fazer pizza. 

Talvez por isso Dezembro esteja correndo tranquilo. 

Não planejei nada. Não planejei quitutes, não planejei presentes, não planejei calendários de advento. Comprei um chocolate de qualidade para cada filho às oito e meia da noite do dia 5 de dezembro pra botar no sapato deles em Nikolaus. Eles amaram. E eu não fiquei me martirizando para fazer docinhos especiais. No dia em que lembrei da árvore de Natal, saí e comprei a danada na primeira loja de jardinagem que achei e botei as crianças para montar. Todos os enfeites ficaram na frente e embaixo, claro. E eu não liguei. Ficou ótimo, e a pimpolhada ficou super orgulhosa. E conforme o rabo do Gnocchi foi abanando e derrubando os enfeites na parte debaixo, eu fui catando e pendurando em cima.

Aí resolvi fazer sim biscoitos para as professoras. Tinha a expectativa de poder dizer que as crianças haviam feito, pois os dois SEMPRE fazem biscoitos comigo. Só para ser do contra, desta vez, quando chamei para que me ajudassem, toda empolgada, ouvi deles um entendiado "ah, mãe, a gente não está afim agora não..." É o fim do significado especial dos biscoitos e do momento mágico que eu tinha imaginado? Neh. Fiz a massa e disse que avisaria quando fosse cortá-los e assá-los caso mudassem de ideia, e ficou por isso mesmo. Sem grilo. Afinal, bons momentos a gente não cria: eles acontecem porque estamos neles, presando atenção e de coração aberto. 

Eu tinha muitos planos e muitas expectativas para muitas coisas na minha vida. E o engraçado é olhar às vezes e perceber que saiu tudo absolutamente ao contrário do que eu tinha planejado. Ainda bem. :) Esse foi o ano das expectativas frustradas, das grandes decepções, dos pequenos sustos, mas, principalmente, o ano da reconstrução, do fortalecimento e da compreensão. Foi o ano em que percebemos aqui em casa que expectativas são uma grande bobagem e que planejamento não quer dizer firmar cada detalhe em concreto para garantir que a decepção não virá, mas simplesmente estar preparado para os obstáculos e maleável para alterar os detalhes quando necessário. 

Foi o ano em que, depois de vinte anos cozinhando, finalmente aprendi a improvisar na cozinha, aprendi a criar sem precisar de livros, aprendi a fazer pães sem receita, sem balança, sem medidas, apenas sentindo a textura da massa entre os dedos. 

Eu nunca saberei o que é improvisar dessa forma na vida. Mas a pequenos passos, aprendo a manter os olhos fixos nos meus objetivos, mas os pés leves para buscar rotas alternativas que me levarão lá, sem transformar numa muralha uma pequena pedra no meio do caminho. 

Essa pizza que não é pizza vem do meu livro favorito de todos os tempos, como já falei umas oitenta vezes por aqui: da Tessa Kiros, Apples For Jam. O bichinho já tem páginas grudadas por respingos de comida, lombada rasgada de tanto puxar da estante, e eu não me canso de folheá-lo e cozinhar dele. No livro, ela chama de Pizza Rossa uma simples massa de focaccia, bem úmida, esticada bem fininha e coberta de espesso molho de tomate. Ela sugere nas notas cobrir com um punhadinho de queijo no meio do cozimento. Não tive dúvidas, e pus um punhadão de mozzarella de búfala, e parmesão, e manjericão. 

Da primeira vez que fiz, usei uma assadeira menor e ela ficou tão alta que poderia fazer sanduíches. Depois tentei na maior assadeira que tinha, e se meu forno comportasse, poderia ainda fazer maior. A base fica crocante por fora, inacreditavelmente macia por dentro e muito saborosa. A cobertura fica perfeita. O resultado é uma pizza mais bojuda, mas tão gostosa e fácil de fazer, que não quero fazer nenhuma outra. Fácil, porque você prepara a massa na batedeira planetária, deixa fermentando lá mesmo, e então apenas joga tudo na assadeira e, com mãos molhadas, empurra e estica a massa até preencher todo o espaço. Nada de sovar, nada de moldar, abrir, esquentar pedra de forno... Aqui em casa ninguém liga da pizza ser retangular. Mas claro que nada impede alguém de dividir a massa em duas assadeiras e puxá-las e esticá-las até que fiquem arredondadas. 

Você só precisa começar essa pizza cedo. Ela gosta de uma fermentação um pouquinho mais longa do que a outra receita de pizza. Ah. Então um pouquinho de planejamento ainda precisa. Mas as expectativas, nesse caso, se cumprem maravilhosamente. :)

PIZZA
(do livro Apples For Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:
(massa)

  • 1 3/4 xic água morna
  • 2 1/4 colh (chá) fermento biológico seco
  • 1 colh (chá) mel
  • 1 1/2 colh (sopa) azeite
  • 4 3/4 xic. farinha de trigo
  • 1 1/2 colh (chá) sal

(molho)

  • 6 colh (sopa) azeite
  • 1 dente de alho grande, descascado e ligeiramente amassado
  • 2 latas de tomate pelado (às vezes eu uso uma só e reduzo pouco)
  • 1 colh (chá) sal
  • folhas de manjericão
  • mozzarella ralada grosso, à gosto


Preparo:

  1. Na tigela da batedeira (ou numa tigela grande, se não usar a batedeira), misture a água, o fermento, o mel, o azeite e 3/4xic de farinha até que fique homogêneo. Cubra e deixe fermentando por 20-30 mintuos, até que espume bem. 
  2. Junte o restante da farinha e o sal e sove na batedeira, com o gancho, por uns 5 minutos. Se não tiver a batedeira planetária, apenas jogue a massa de um lado para o outro dentro da tigela por uns 10 minutos. Não coloque mais farinha. A massa deve ficar sim bem melequenta, quase não mantendo forma. É essa umidade que vai deixar a massa macia e a casca crocante. Cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1h30, ou até que dobre de tamanho. 
  3. Unte com azeite uma assadeira grande, a maior que você tiver, de uns 30x40cm, ou maior se tiver. Despeje a massa lá e, com mãos molhadas de água fria, empurre e estique a massa até que ela preencha uniformemente toda a assadeira, tentando não rasgá-la. Se ela ficar encolhendo, deixe que relaxe por uns minutos e tente outra vez. 
  4. Coloque copos ao lado da assadeira, nos cantos, e cubra com um pano, para que o pano não encoste na massa, ou vai grudar. Deixe fermentar por mais 1 hora. 
  5. Enquanto isso, faça o molho: aqueça o azeite e o alho, e quando ele perfumar, junte os tomates, o sal e o manjericão. Cozinhe por uns vinte minutos, até que o molho reduza um pouco. Se quiser, pode passar por um mixer para deixá-lo mais uniforme. Deixe que esfrie antes de usar. 
  6. Pré-aqueça o forno a 250oC. 
  7. Retire o pano de cima da massa. Como a uma focaccia, afunde ligeiramente as pontas dos dedos molhados por toda a massa, para criar bolsõezinhos de molho. Despeje uniformemente o molho por cima. Parece muito, mas fica bom. 
  8. Leve ao forno quente por 10 minutos. Retire, polvilhe com bastante queijo mozzarella (até com fatias de queijo prato eu já fiz, e fica ótimo), e volte ao forno por mais 10-15 minutos, ou até que a massa esteja ligeiramente dourada, crocante ao toque, e o queijo esteja derretido. Retire e corte para servir. 

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails