segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Favas brancas para redimir o "all'uccelletto"


Depois que me recomendaram assistir à série Two Greedy Italians, da BBC, com Gennaro Contaldo e Antonio Carluccio – e eu vi, praticamente em uma sentada só – fiquei meio maluca com cozinha italiana novamente. Não que em algum momento eu abandone a cozinha italiana: ela está sempre lá, em algum formato, como frittata, como macarrão... mas andava meio adaptada para naturebices que eu via bem que começavam a cansar os paladares da pimpolhada (e do marido).

E fiquei louca para voltar aos clássicos.

E fuçando em um livro que adoro, o Twelve, da Tessa Kiros, caí nos feijões cannellini all'uccelletto. Eu preparara essa receita havia muitos anos, apanhada de algum lugar da internet, provavelmente usando feijões em lata e ervas secas, e não me lembro exatamente o quê saiu errado. Mas algo saiu. Pois me lembro de ter detestado o prato, e por muito tempo, quando lia cannellini all'uccelletto, pensava um "eeeca!", com a mesma inflexão usada hoje pelo Matador de Dragões quando lhe sirvo algo que ele não gosta.

Acontece que feijões com molho de tomate são uma delícia. E encafifei de fazer de novo, essa nova receita, pois a original que saíra errado eu não tinha mais. No entanto, não havia feijões brancos na despensa. Havia favas brancas. E mais uma infinidade de outros tipos de feijão, o que me desestimulou a sair para comprar os corretos, mais um tipo. Vai fava branca mesmo.

E no dia seguinte, coloquei tudo para cozinhar, molho numa panela, feijão na outra, e fui trabalhar enquanto Madame Bochechas tirava sua soneca de beleza. Faltavam dez minutos para a hora de ir buscar o pimpolho número 1 na escola, e fui desligar o fogo dos feijões para juntar um ao outro, achando que estaria tudo no ponto. Afinal, eram mais de duas horas ali, borbulhando. Qual não foi minha surpresa ao ver que as favas ainda estavam duras. Deviam estar velhas, e eu não tinha mais uma hora para deixá-las cozinhando. Tinha que sair e dar almoço para a criançada, e não havia mais nada pronto. Eu planejara apenas aquilo, um prato simples de favas com tomate.

Pensei, pensei, pensei. Não dava tempo de preparar mais nada. Foi quando lembrei da danada da panela de pressão elétrica (marido trouxe uma para casa em caráter definitivo). "Lembrei" porque sempre me esqueço de usá-la, é o marido quem mais bota o bicho pra funcionar, nos dias em que fica com as crianças e eu tenho curso – até macarrão ele já fez lá dentro, pro desespero da futura nonna italiana que habita dentro de mim.

Despejei todo o feijão ali dentro da panela, botei na tomada e acertei o timmer pra cozinhar arroz integral, algo como uns quinze minutos, se bem me lembro, e que me pareceu o suficiente só para terminar de amaciar as favas. Tive certeza de que estava tudo funcionando e que eu não havia deixado nada ligado no fogão, catei a Madame Bochechas do berço, e saí correndo pra apanhar o moleque na escola.

Quando voltei, toda a rotina de volta de escola. Troca uniforme por roupa de brincar, lava as mãos, coloca pimpolha no cadeirão, não, Thomas, não vai ver desenho antes do almoço, vai almoçar sim senhor, se não vier comer, não tem desenho, e vou checar a panela elétrica enquanto reaqueço o molho de tomate no fogão. A panela já está sem pressão e mantendo aquecido o feijão. Quando abro, eureka! as favas estão no ponto, macias e desmanchando. Juntei as favas ao molho de tomate, deixei cozinhar mais uns minutos, e servi em tigelas, com um generoso fio de azeite e parmesão ralado, que me pareceu extremamente apropriado.

Não consigo imaginar o que pode ter saído de errado na primeira vez que preparei os feijões dessa forma. As favas estavam deliciosas envolvidas no molho aromático. Por isso é sempre bom nunca ser radical no "gosto"e "não gosto". Imagina achar que feijões all'uccelletto são ruins e perder oportunidades de provar essa delícia outras vezes. :)

Madame Bochechas raspou o prato. Matador de Dragões precisou ser convencido de que aquelas favas eram os feijões gigantes e mágicos do João e o Pé de Feijão. "Mamá, a caquiga já tá queia." (tradução de "thomês": "a barriga já tá cheia").

FAVAS BRANCAS ALL'UCCELLETTO
(Um pouco adaptado do lindo Twelve, de Tessa Kiros)

Ingredientes:

  • 500g favas brancas, deixadas de molho durante a noite
  • 4 dentes de alho, descascados e esmagados (apenas quebrados, não purê)
  • 1 cenoura grande, picada
  • 1 punhado de salsinha, com os talos
  • 1 folha de louro
  • 10 folhas de sálvia fresca
  • 300g tomates maduros sem pele e picados
  • 1 pitada generosa de pimenta calabresa seca
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Escorra as favas, coloque numa panela com água bastante para cobrir e leve à fervura. Deixe ferver por alguns minutos, então escorra, lave em água corrente e volte as favas à panela com água fresca, 2 dentes de alho, a cenoura, a salsinha, o louro e um fio de azeite. Leve à fervura, abaixe o fogo e cozinhe por algumas horas até que as favas estejam bem macias. Tempere com sal e pimenta ao fim do cozimento.
  2. Enquanto isso, em uma panela grande o bastante para conter os feijões depois, aqueça 2 colh. (sopa) azeite e junte os outros dois dentes de alho e as folhas de sálvia. Assim que o alho começar a chiar no azeite, junte o tomate e a pimenta.
  3. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e cozinhe em fervura branda por 10 minutos. Então desligue e aguarde pelas favas. 
  4. Quando as favas estiverem prontas, junte 1 xíc. do caldo delas ao molho de tomate. Escorra as favas e junte-as ao molho, retirando a salsinha e o louro. Leve ao fogo e cozinhe em fervura branda por 15 minutos, misturando bem. Deve haver molho em torno das favas, mas não deve ser muito líquido. 
  5. Sirva quente ou em temperatura ambiente, com um fio de azeite. (Um punhado de parmesão é bem-vindo, se você estiver servindo os feijões sozinhos, mas isso é sugestão minha.)





segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Tortinhas de centeio, abóbora-menina e mozzarella de lanchinho a qualquer hora


Para quem anda acompanhando minhas desventuras no Facebook, sabe que essas tortinhas foram saboreadas enquanto eu estava presa no trânsito, no meio da estrada, com crianças dormindo no banco de trás e eu morrendo de fome, a pelo menos 1 hora do meu destino.

É engraçado ver como as coisas mudam.

Aos vinte e poucos anos, quem entrasse no meu carro a qualquer hora do dia, veria meu porta-cd do Chef, do South Park, provavelmente uma latinha de energético para me acordar da balada da noite anterior, um agasalho, uma blusa de balada limpa, pro caso de surgir o que fazer depois da aula, livros da facul, meu portfólio, roupa de ginástica pro caso de conseguir dar um pulo na academia e o inconfundível cheio de cerveja de ontem.

Hoje, você entra no meu carro, há duas cadeirinhas de criança, um carrinho guarda-chuva no porta-malas, dois travesseirinhos e dois cobertores, pro caso de esfriar e eles dormirem no carro, um brinquedo e uma chupeta, pro caso de ficarmos presos no trânsito num momento birrento, água e comida pra se a birra for por sede ou fome e uma quantidade monstruosa de pelos de cachorro.

A única coisa que permanece são os dadinhos de pelúcia vermelhos no retrovisor e um mini burrinho de pano, que considero o santo-protetor do meu carro, há já uns quinze anos.

Bolsa é a mesma coisa. Se antes tinha drops de menta e uma necessaire de maquiagem de balada de emergência, agora tem giz de cera, outra chupeta e, vai, um corretivo, pro caso de eu precisar parecer remotamente apresentável para outro ser humano da minha idade. A única coisa que permanece é a carteira de vinil vermelha, com mais dívida que dinheiro dentro.

Se aos vinte anos, quando batia a fome emergencial, eu passava num drive-thru, hoje sou mais espertinha e levo comida de casa sempre que saio, porque é mais gostoso e mais barato.

Essas tortinhas são ficaram uma delícia, com a massa super flocosa, derretendo na boca, e o recheio macio e saboroso. Foram comidas em casa, foram comidas no clube, foram comidas em casa de amiga, e foram comidas no carro. E a cada dentadinha eu torcia pra pimpolhada não acordar, porque eu não estava a afim de dividir. ;)


TORTINHAS DE CENTEIO, ABÓBORA-MENINA E MOZZARELLA
Rendimento: cerca de 12 tortinhas. 
Tempo de preparo: 1h30

Ingredientes:
(massa)

  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca
  • 1/2 xic. farinha de centeio
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado fino
  • 1 pitada de açúcar
  • 1 colh. (chá) sal
  • 3/4 xic. manteiga gelada cortada em cubos (180g)
  • 1 gema de ovo grande (reserve a clara para pincelar)
  • 1/4 a 1/2 xic. água gelada

(recheio)

  • azeite de oliva
  • 1 dente de alho grande, picado
  • 1/2 cebola, picada
  • 1 abóbora-menina média ou 2 pequenas
  • folhas de 1 ramo de alecrim fresco
  • folhas de 1 ramo de tomilho fresco
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 1 xic. mozzarella de búfala em barra, ralada grosso


Preparo:

  1. Para fazer a massa, no processador ou à mão, misture as farinhas, o queijo, o açúcar e o sal. Junte a manteiga em cubos e pulse ou esfregue com as pontas dos dedos, até obter uma farofa grosseira. 
  2. Junte a gema e misture pulsando mais um pouco ou com um garfo. Junte a água gelada, e pulse ou misture apenas até que toda a farofa esteja umedecida e começando a se juntar em bolotas maiores. Se ainda houver muita farinha seca, junte mais água, bem aos pouquinhos, até dar o ponto. 
  3. Amasse com as mãos, unindo a massa em uma bola só, tentando não sovar muito. Embrulhe em filme-plástico e leve à geladeira por meia hora.
  4. Enquanto isso, faça o recheio. Corte a abóbora menina com casca em oitavos, no sentido do comprimento, e então fatie bem fino. 
  5. Numa frigideira grande, aqueça um fio generoso de azeite, junte o alho, a cebola, as ervas e a abóbora (como ela demora para cozinhar, vai dourar junto com a cebola – se dourar a cebola antes, até a abóbora pegar cor, o alho e a cebola estarão queimados). Polvilhe com sal e pimenta e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo de vez em quando, até a abóbora começar a amaciar. Ela vai soltar água e você vai mexer por uns dez minutos até a frigideira ficar seca outra vez. 
  6. Abaixe o fogo quando começar a dourar e pare de mexer. Quando dourar um pouco, misture para virar os pedaços de abóbora e dourá-las do outro lado. Experimente e acerte o tempero. A abóbora deve estar extremamamente macia, quase desmanchando, mas com dourados chamuscados que acentuam o sabor. Deixe esfriar um pouco antes de misturar ao queijo. 
  7. Pré-aqueça o forno a 190ºC, com grades nas partes superior e inferior do forno. Reserve 2 assadeiras grandes. 
  8. Apanhe a massa gelada e divida duas partes. Abra a primeira parte com mais ou menos 0,5mm em uma superfície enfarinhada enquanto a outra fica na geladeira. Use um copo ou cortador de aproximadamente 10cm para cortar círculos na massa, bem junto uns dos outros, e disponha os círculos numa assadeira grande, com 1cm de espaço entre eles. Se sobrar aparas, amasse com cuidado, para não trabalhar demais, abra outra vez e corte mais círculos. (Vá calculando para ter números pares de círculos, pois são bases e tampas.) 
  9. Distribua o recheio no centro dos círculos na assadeira, mais ou menos 1 colh. (sopa) em cada. Bata ligeiramente a clara de ovo reservada com um pouco de água, e use isso para pincelar levemente as bordas de massa. Cubra com as tampas e aperte com os dentes de um garfo, selando bem. (Se houver falhas, não tem problema, pois o recheio é sequinho e não vai escorrer pra fora.) 
  10. Abra o restante da massa, disponha em outra assadeira e repita todo o procedimento. (Se sobrar recheio, dependendo do tamanho da abóbora, guarde e use numa fritatta depois.) Se o dia estiver muito quente e a massa amolecendo, volte as tortinhas à geladeira por meia hora antes de levar ao forno.
  11. Pincele as tortinhas com o restante da clara com água, faça um furo na superfície com a ponta do garfo para liberar o vapor e leve ao forno por meia hora, ou até que dourem um pouco, trocando as assadeiras de grade no meio do tempo. 
  12. Retire do forno e com uma espátula, retire das assadeiras e sirva (ou deixe que esfriem sobre uma grade para comer depois). 


Cozinhe isso também!

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