quinta-feira, 14 de março de 2013

Favas brancas assadas com tomate e como cozinhar todo dia

Uma das sensações mais estranhas que tenho desde que me mudei para fora de São Paulo é a de correria tranquila. Um paradoxo. Sinto que tenho mais coisas a fazer do que jamais tive, num ponto em que meu cérebro desprovido de boas noites de sono não funciona sem uma lista de tarefas escrita à mão num caderno, que é revista e reescrita diariamente, para que o exercício de reescrever a lista faça com que planeje meu dia mentalmente de acordo com as tarefas pendentes. Já cheguei no absurdo de programar mentalmente uma ida ao banheiro. Ou, para me sentir mais competente, terminar uma tarefa que não estava na lista e escrevê-la ali apenas para ter o prazer de riscá-la fora.

Louca.

Eu sei.

Mas apesar do intrincado quebra-cabeça de tempo que é trabalhar, cuidar de uma casa, de um cachorro e duas crianças pequenas, há uma sensação de tranquilidade na rotina atarefada que eu ainda não sentira. Ok, há o pânico ocasional quando o mais velho resolve fazer uma birra escalafobética de ciúmes enquanto você dá de mamar e começa a chover, e toda a roupa está pendurada no varal lá fora, e a panela do jantar foi esquecida no fogo e está queimando. Mas ainda assim. Talvez seja o silêncio que acompanha as tarefas. Talvez seja a rotina, que, quase imutável, dá ordem ao caos de infindáveis trabalhos.

A verdade é que nunca disciplina foi tão importante para mim e nunca ela me ajudou tanto. Quando parece que há coisas demais a fazer, ainda assim elas são feitas, e de repente não era nada tão grave, e me vejo contente por ter dado cabo de mais uma pilha de afazeres e sei que nesse tempo que restou posso relaxar de verdade, sem me preocupar, abrir uma cerveja e ver Arrested Development com meu marido. Aprendi a duras penas que procrastinação é a pior coisa do mundo. E ainda que às vezes eu seja acusada de não saber gerir meu tempo, pois não consigo largar tudo e ir dormir quando os outros acham que eu deveria, acho que é justamente o contrário: eu priorizo sempre o que PRECISA ser feito em detrimento do que eu QUERO fazer. Uma vez feito tudo aquilo que precisa ser feito, todo o tempo restante é dedicado ao que eu quero. E uma vez que as tarefas que precisam ser feitas são incorporadas na sua rotina, uma vez que você tenha disciplina para sempre priorizá-las, elas deixam de ser um fardo, pois você elimina a escolha, o dilema entre fazê-las agora ou depois. A resposta é sempre: faça agora, tire da frente, não deixe para depois. Acordo às 6h da manhã todo dia, e antes das 8h30, todos já tomaram café, estão vestidos, criança está na escola, já fui à feira, varri a casa, lavei a louça e botei roupa para lavar. Mato tudo o que é tarefa de rotina o mais cedo possível no meu dia, para que no restante do tempo possa intercalar as tarefas extraordinárias com as necessidades das crianças. É menos estressante simplesmente abdicar do tempo para mim enquanto elas estão acordadas. Como Thomas dorme muito cedo (antes das 19h), tenho a noite para relaxar completamente, ler, ver um filme, descansar. Lutar contra as coisas que você precisa fazer, aprendi, é a maior fonte de stress de todas, e totalmente evitável.

Para que tudo funcione bem, e consiga encaixar na rotina as refeições da família, planejamento é sempre essencial. E minha resposta pronta a quem vira para mim e diz que não tem tempo de cozinhar por conta de uma rotina corrida. Se eu tenho tempo, você que tem empregada para lavar sua louça também tem. O que faltou a você foi um planejamento básico. Descobri isso quando um amigo reclamou que não cozinhava porque não tinha paciência para sair do trabalho e passar no supermercado antes de ir para casa para então chegar e cozinhar alguma coisa.

Sejamos francos: sempre que espero sentir fome para decidir o que cozinhar, acabo fazendo um queijo-quente.

Ao contrário do que eu fazia quando morava nos Jardins, atualmente vou à feira (no caminho de volta de deixar Thomas na escola) e ao supermercado uma vez por semana apenas. Antes de fazer essas compras, abro a geladeira e a despensa e faço um inventário mental do que há lá dentro e do que está para estragar e precisa ser consumido mais rapidamente. Uso o eat your books ou uma busca em blogs para rapidamente encontrar algumas receitas rápidas para preparar o que tenho em casa e, se falta algum ingrediente específico ou algo básico de despensa (como leite, manteiga e farinha) já anoto numa lista para dar cabo disso nessa uma visita ao mercado e à feira. Deixo anotadas as receitas da semana, e as leio para ter certeza de que não há nada a ser preparado com antecedência, como deixar feijões de molho. O que posso adiantar num momento de calmaria, adianto (como cozinhar feijões num domingo entediado e deixar congelado em porções menores). Também já me planejo para reaproveitar restos de ontem, como o risotto ou o arroz com legumes feito em maior quantidade para virar arroz de forno amanhã, ou o macarrão para virar fritatta, etc. Dessa forma consigo cozinhar todos os dias e não jogar nada fora. E quando há tempo livre, simplesmente porque curto cozinhar, é quando sai um bolo, um biscoito, um pãozinho, um sorvete, geralmente à tarde, com a ajuda do pimpolho, para distraí-lo.

No fim, a tranquilidade talvez venha da satisfação em cuidar do meu próprio nariz e de minha família, sem depender de ninguém. Ou do fato de ocupar tanto meu tempo com atividades manuais, que têm um ritmo mais tranquilo e contemplativo que ficar no computador, mesmo quando são frenéticas.

A verdade é que sem disciplina, provavelmente iria à loucura. E a disciplina tem me ajudado não apenas a manter a cozinha andando, mas a reincorporar um hábito do qual andava sentindo uma falta brutal: correr. Comecei no domingo, incentivada pelo marido, e agora tenho corrido um pouquinho, dia sim, dia não, à noite, quando ele chega em casa para ficar com as crianças. É um momento bom, de espairecer a cabeça e colocar o corpo para se mexer de outro jeito que não seja carregando criança ou varrendo quintal, e também um momento engraçado da minha rotina, pois correr, assim como cozinhar, é a união perfeita entre uma tarefa que precisa ser feita e algo que quero fazer.

Essas favas brancas com tomate são o exemplo perfeito de uma deliciosa refeição que pode ser feita com antecedência, em várias etapas, para ser reaquecida durante uma semana corrida. Num dia pode deixar de molho as favas e cozinhá-las, congelando para uso posterior. Em outro, pode preparar o molho e deixar o prato montado na geladeira, esperando apenas ir ao forno. Tenho certeza de que pode mesmo ser congelado já quase pronto, indo ao forno apenas para reaquecer e dourar.

FAVAS BRANCAS ASSADAS COM TOMATES
(De um dos meus livros favoritos: Falling Cloudberries, de Tessa Kiros)
Rendimento: 8 como acompanhamento, 6 como principal

Ingredientes:
  • 3 xic. favas brancas, deixadas de molho na noite anterior
  • 1 folha de louro
  • 1/2 xic. azeite de oliva
  • 2 cebolas pequenas, picadas
  • 2 talos de aipo com as folhas mais claras e macias, picados
  • 3 dentes de alho picados
  • 1 lata e meia de tomates sem pele
  • 4 colh. (sopa) salsinha picada
  • 3 colh. (sopa) migalhas de pão amanhecido ou farinha de rosca

Preparo:
  1. Escorra as favas. Coloque-as numa panela com a folha de louro e cubra generosamente com água fria. Leve à fervura. Retire com uma escumadeira qualquer espuma branca que suba à superfície. Abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 1 hora e meia, ou até que estejam muito macias. Tempere com sal no fim do cozimento.
  2. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra as favas, reservando 1 1/2 xicara da água de cozimento (o restante, pode congelar para usar em caldo de legumes), e coloque-as numa travessa refratária ou assadeira (usei uma panela rasa com tampa que pode ir ao forno). 
  3. Aqueça 2 colh. (sopa) de azeite numa frigideira e refogue as cebolas até que estejam ligeiramente douradas, mexendo para que não grudem. Remova do fogo e junte o aipo, o alho, tomates, salsinha e o restante do azeite. Tempere com sal e pimenta.
  4. Junte a água de cozimento reservada, derrame tudo sobre as favas e misture bem. Cubra com papel alumínio e asse por 45 minutos. Remova o papel alumínio, mexa as favas com uma colher, adicionando um pouco de água se parecer muito seco. Polvilhe com as migalhas de pão e retorne ao forno, sem cobrir, por mais 30 minutos. As favas devem estar muito macias, dourada em cima, e ainda com algum molho. Sirva quente, com um pouco de azeite extra.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Pão de batata da família de molho

Toda família tem uma ou várias histórias sobre o momento fatídico em que todos ficam doentes mais ou menos ao mesmo tempo. Acho que é ritual de passagem, e você talvez só se torne uma família de fato quando todos os seres vivos da sua casa estão expulsando fluidos corporais por orifícios diversos simultaneamente. Todos menos um: a pequena Madame Bochechas, graças a deus, não pegou nada, apesar de ter mantido a expulsão de fluidos corporais como é de costume dos bebês. ;)

Daí que meu remédio para estômagos incomodados sempre foi purê de batata. Às vezes parece que é só isso que desce. Isso e Coca-Cola, mas confesso que não bebia refrigerante há tanto tempo, que mesmo com oito pedras de gelo, não consegui beber meia lata. Sentia-me mastigando um torrão de açúcar. Thomas, que foi o menos afetado, continuou sem saber o que é aquele troço preto da lata vermelha (é coisa de adulto, a gente diz, como pro café e pra cerveja, e ele se afasta rapidinho, balançando o dedinho no ar indicando "não, não").

Mas quando nem o purê era neutro o bastante para o pobre marido, vi-me com uma panela de purê de batata frio, sem destino. E purê de batata requentado do dia anterior não rola. Como não consigo jogar nada fora, no entanto, guardei num potinho na geladeira e, no dia seguinte, já me sentindo melhor, corri a pesquisar o que poderia fazer com o danado.

Pão de batata. Gênio.

Esse pão fica extremamente saboroso e macio além da conta. Você reconhece a batata nele, e o fato de ter usado as cascas faz com que você se lembre remotamente de batata assada. Deliciosa recomepensa depois de dias estressantes.

PÃO RÚSTICO DE BATATA
(do interessante Macrina Bakery and Café Cookbook, de Leslie Mackie)
Tempo de preparo: cerca de 4 horas
Rendimento: 1 pão grande

Ingredientes:
  • 550g batatas (usei 450g de purê que já estava pronto: apenas batatas e sal, amassadas com casca)
  • 1 colh. (sopa) sal (apenas 2 colh. (chá), se estiver usando purê já pronto)
  • 1 1/2 colh. (chá)  fermento biológico seco instantâneo
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva extra-virgem
  • 3 xic. farinha de trigo branca, preferencialmente orgânica

Preparo:
  1. Se não tiver purê dando sopa na geladeira, esfregue e limpe as batatas, corte em pedaços pequenos e cozinhe em água com 1 colh. (chá) de sal até que as batatas estejam macias. Reserve 1/2 xic. da água do cozimento das batatas. Escorra e deixe que esfriem um pouco e sequem por alguns minutos.
  2. Misture a água morna das batatas reservada ao fermento e deixe descansar por 5 minutos. (Se estiver usando o purê da geladeira, misture o fermento à 1/2 xic. de água filtrada, morna). 
  3. Coloque as batatas e o azeite em uma tigela grande e amasse, fazendo um purê, com seu apetrecho de costume. Use as cascas, pois elas dão sabor e textura ao pão.
  4. Junte a água com fermento e misture com uma colher de pau  até que tudo esteja combinado.
  5. Junte a farinha e 2 colh. (chá) de sal e misture bem com a colher. Sove com as mãos por cerca de 10-15 minutos. No início a massa parecerá muito firme, mas ficará mais úmida conforme for trabalhando. Só junte um pouquinho de farinha se a massa estiver tão grudenta que você não consiga manipulá-la com mãos enfarinhadas. Um pouco grudenta está ok. A massa está pronta quando estiver elástica a ponto de você puxar uma parte dela e ela poder ser esticada uns 5cm sem arrebentar.
  6. Coloque a massa numa superfície enfarinhada e forme uma bola. Coloque-a numa tigela untada com óloe, cubra com filme plástico e deixe fermentar por 45 minutos (um pouco mais, se o purê usado estiver muito gelado) até que a massa quase dobre de tamanho.
  7. Devolva a massa a uma superfície enfarinhada e achate-a com as mãos, formando um retângulo. Começando pelo lado mais curto, enrole-a como um rocambole, apertando bem. Pare de rolar quando faltar apenas uma aba estreita. Enfarinhe essa aba e termine de rolar. Isso vai fazer com que essa aba não grude e a massa abra um pouco na hora de assar. Enfarinhe muito bem um pano de prato ou um grande pedaço oy guardanapo de linho (o linho não gruda na massa) e coloque a massa com a aba para baixo. Termine de embrulhar o pão no pano e deixe fermentar em local sem vento por mais 45 minutos.
  8. Coloque a pedra no forno e pré-aqueça a 205ºC durante a fermentação.
  9. Cuidadosamente desembrulhe o pão e role-o para uma assadeira virada ao contrário ou uma pá de pizza muito bem enfarinhada, deixando aquela aba da massa agora para cima. Transfira rapidamente para a pedra quente no forno. Pulverize o forno com água, feche o forno e asse por 5 minutos. Pulverize novamente e asse por mais 40 minutos ou até que esteja dourado e o fundo produza um som oco quando você lhe bater os nós dos dedos. Deixe esfriar numa grade por meia hora antes de consumir.



Cozinhe isso também!

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