sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

"Meus bolos nunca dão certo!" - parte 2

"Vou fazer seus brownies hoje", disse um amigo, empolgado certa vez. "Deram certo?", perguntei, ouvindo um desapontado "não" como resposta. Perguntei-lhe exatamente o que fizera, e explicou-me que ao chegar em casa, descobriu que havia ingredientes apenas para metade da receita. Dividiu tudo por 2, e até aí sem problemas. Enquanto sua amiga lia a receita, ele juntava os ingredientes, mas em determinado pedaço, percebeu que juntara dois ingredientes no momento errado. Como a massa tinha cara de massa, no entanto, prosseguiu. Untou a assadeira (exatamente igual àquela que eu uso para a mesma receita) e derramou nela a massa, para só então dar-se conta de que a forma era grande demais para apenas metade dos ingredientes.

Perdoe-me, meu amigo, por contar esta história, mas acredito que seja o melhor exemplo dos pequenos erros que cometemos e pelos quais acreditamos sermos cozinheiros incompetentes. Para você e todas as pessoas que já desistiram dos bolos, seguem algumas regrinhas que, se seguidas à risca, garantirão sucesso total sempre:

  1. LEIA A RECEITA INTEIRA: antes sequer de separar os ingredientes, leia a receita de cabo a rabo. Muitas não deixam claro na lista de ingredientes que um mesmo elemento deve ser, por exemplo, dividido para ser usado em etapas diferentes. Por isso é importante ter certeza de que a receita inteira está bastante clara para você, antes de começá-la. Também é comum começarmos a cozinhar e apenas no final percebermos que não temos determinado utensílio, forma ou ingrediente que não está listado no começo. Evite isso.

  2. COMECE PELO BÁSICO: mesmo que você não seja fã dos bolos simples para chá, eles são básicos, e são ótimos exemplos de técnica. Se souber fazê-los, fica fácil partir para um marmorizado, de chocolate e depois com cobertura ou mesmo recheio. Um degrau de cada vez. Domine uma técnica antes de partir para algo mais difícil.

  3. A FORMA CERTA: se a receita pede por uma forma redonda de 23 cm, com 15cm de altura e um furo no centro e você não a tem, das duas uma: ou saia e compre uma ou não faça a receita. A função da forma não é apenas estética: seu tamanho e formato influenciam na ditribuição de calor e no modo como a massa cresce e assa. A forma errada pode resultar num bolo queimado, meio cru, desigual ou numa baita sujeira no chão do forno. Algumas adaptações são permitidas: 1cm a mais ou a menos não faz tanta diferença; e se pedem uma forma de 20x10cm e você tem uma de 21x9cm, é claro que o comprimento compensa a largura, mas apenas em casos sutis com esse. É por isso que sua avó tinha um zilhão de formas diferentes embaixo da pia (e eu adoro comprá-las).

  4. UNTE A FORMA: observe as instruções da receita, se pede-se para untar com manteiga e farinha, apenas com manteiga ou óleo, se deve-se forrar com papel manteiga e se esse papel deve ser igualmente untado e enfarinhado. Diferentes modos de untar são usados para diferentes tipos de massa. Algumas precisam de superfícies gordurosas para crescerem, outras são pegajosas e precisam da farinha para manterem-nas afastadas da forma; outras necessitam do papel-manteiga para não queimarem e serem desenformadas mais facilmente.

  5. QUANTIDADES EXATAS: doces em geral dão pouca margem à adaptação. Alguns gramas a menos de fermento e seu bolo pode virar um biscoito. Use colheres medida (as de plástico custam menos de 5 reais o conjunto) e uma jarra com graduação para xícaras e mililitros. Recomendo ainda que se tenha uma balança de cozinha (existem modelos de menos de 60 reais). A não ser que se especifique o contrário, as medidas de colheres e xícaras costumam ser exatas (no caso de ingredientes secos, encha o mais que puder e passe o dedo para nivelar e deixar a superfície lisa, mas sem apertar o conteúdo).

  6. INGREDIENTES EXATOS: não adianta adaptar. Se a receita pede por açúcar de confeiteiro, por mais que eu deteste produtos refinados com química, você tem que usar açúcar de confeiteiro. No entanto, o açúcar cristal orgânico claro (o da Native é mais fininho) funciona maravilhosamente bem no lugar do açúcar branco comum, até mesmo para bater chantilly. Limões sicilianos devem ser limões sicilianos, açúcar mascavo é açúcar mascavo, cacau em pó é cacau em pó. Não ache que dá prá substituir o cacau pelo chocolate em pó, o óleo de girassol pelo de soja (aliás, NUNCA use óleo de soja para bolos, pois seu gosto é forte demais).

  7. PENEIRE: sempre peneire os ingredientes secos. Isso evita que a massa fique empelotada e deixa-a mais leve. De preferência peneire farinhas, sal e fermentos juntos, para que se misturem uniformemente e espalhem por igual na massa.

  8. ADAPTAÇÕES: sim, você mora sozinho e não quer assar um bolo para dez pessoas. A maioria das receitas pode sim ser dividida por dois ou mesmo multiplicada por dois. Mas lembre-se: se diminuir a receita do bolo pela metade, a forma deverá ser também a metade (NUNCA metade da altura, e sim comprimento e largura), e o tempo de forno deverá ser menor. Não necessariamente metade. Mas você terá de ficar de olho no forno de 15 em 15 minutos para ver o que está acontecendo, se é preciso diminuir a temperatura, deixar mais tempo ou retirar. Se tiver sucesso, anote exatamente o que fez em seu caderno de receitas ou no livro, ao lado da receita original.

  9. TEMPERATURA: manteiga, ovos e leite, a não ser que se especifique o contrário, devem estar em temperatura ambiente. Ou seja, a manteiga deve afundar se você enfiar-lhe o dedo. Não derreta a manteiga, ou ela não chegará à consistência adequada. Se a receita pedir que se separe gemas de claras, faça isso assim que tirar os ovos da geladeira, pois eles separam mais facilmente se gelados. Mas deixe que as gemas e claras voltem à temperatura ambiente antes de começar a receita. Em receitas que se faz creme com a manteiga e açúcar e depois se incorpora os ovos, se estes estiverem gelados, farão com que o creme de manteiga talhe, criando bolinhas separadas do líquido. Se isso acontecer, pare de acrescentar os ovos e bata bem até que o creme fique homogêneo e liso novamente.

  10. FORNO: a não ser que especificado o contrário, sempre pré-aqueça o forno. Ligue-o na temperatura pedida e então comece a preparar o bolo, tendo já a forma untada esperando. Quando colocar o bolo no forno, feche a porta com delicadeza. Quase todas as receitas são feitas na grade do meio do forno; e você deve posicionar a forma bem no centro dela. Coloque um timer ou despertador para 5 minutos antes do tempo pedido para verificar o bolo, já que fornos diferentes de comportam de formas diversas. NÃO ABRA A PORTA ANTES DE DAR O TEMPO PEDIDO, ou o ar frio de fora pode fazer o bolo afundar. Se o bolo já estiver dourado muito antes do tempo, seu forno é forte demais. Diminua a temperatura para o mínimo e espere até dar o tempo certo. Se já deu o tempo e o bolo cresceu bastante mas não começou a dourar, seu forno é mais fraco, então diminua um pouco a temperatura e verifique de 5 em 5 minutos se ele dourou o suficiente. Quando a cozinha se enche de cheiro de bolo, geralmente ele está perto de estar pronto. Quando der o tempo e ele já estiver com cara de pronto, abra uma fresta do forno suficiente para passar seu braço sem se queimar e espete uma faquinha fina ou um palito de churrasco bem no meio. Se ele sair seco e limpo, pode desligar tudo e retirar o bolo.

  11. COBERTURAS E RECHEIOS: a não ser que especificado o contrário, o bolo deve estar completamente frio. Desenforme-o, prepare a cobertura e derrame sobre ele, espalhando de modo uniforme com uma espátula longa de confeiteiro. Se for recheá-lo, use a faca mais comprida que tiver, posicione-a no meio do bolo completamente paralela à mesa ou pia, e corte-o em um movimento regular e de uma só vez, sem virar o bolo. Com a ajuda da mesma faca ou uma espátula longa de confeiteiro (ou mesmo com um fundo removível de forma), retire a parte de cima e deixe num prato ao lado. Passe um pincel na superfície cortada da parte debaixo do bolo, para tirar migalhas. Espalhe o recheio uniformemente, alisando-o com a espátula para que fique nivelado e volte a parte de cima do bolo. Aperte-a ligeiramente, para que assente bem e espalhe a cobertura.

  12. TÉCNICAS: existem dois tipos de método para bolos, o creme e a espuma.
  • CREME: bate-se a manteiga em temperatura ambiente com o açúcar comum ou de confeiteiro até que ele fique amarelo claro quase branco e bem leve em textura. Acrescenta-se os ovos inteiros, um a um, batendo bem até que fique liso. O creme tende a ficar mais fofo nessa parte. Costuma-se acrescentar aromatizantes (baunilha, casca de limão, etc) nesse estágio. Acrescenta-se os ingredientes secos (farinhas, sal, fermentos) previamente peneirados. Se em batedeira, usar a velocidade mais baixa. Se à mão, usar uma espátula ou colher e incorporar devagar, até obter uma textura lisa, sem grumos. Bater demais nessa etapa impede o crescimento do bolo. Se houver um ingrediente líquido, como leite, intercale-o com os secos (1/3 do seco, misture até ficar liso, 1/3 do líquido, misture até ficar liso, e assim por diante, começando sempre com o seco). Se houver qualquer complemento, como frutas frescas ou secas, nozes, sementes, cascas, etc, eles serão delicadamente incorporados com uma espátula agora. Derrame na forma e com as costas de uma colher, espalhe até deixar a superfície por igual. Coloque no forno.
  • ESPUMA: Ao invés da manteiga, costuma-se começar com as gemas, batendo-as com o açúcar até virarem um creme espesso e volumoso, amarelo-claro, formando ondas na batedeira. Depois de batidos ovos, gemas ou claras, não pare a receita, pois eles tendem a perder o volume se descansarem. Quando atingir a consistência desejada, passe para a próxima etapa imediatamente, pois bater em excesso também pode fazer com que eles comecem a perder o volume e isso é irrecuperável e afetará a estrutura do bolo. Junte os ingredientes secos aos poucos, misturando à mão ou na velocidade mais baixa da batedeira. Adicione outros ingredientes, como manteiga e aromatizantes. A manteiga deve estar derretida e morna (não quente!) para ser incorporada mais uniformemente. Misture os aromatizantes (como essências, cascas ou sucos) na manteiga, óleo ou outro ingrediente líquido pedido antes de adicioná-la à massa. Misture com cuidado até ficar homogêneo. Se tiver de misturar as claras em neve, bata-as agora, até ficarem firmes e formarem picos. Junte aos poucos, mexendo com uma espátula em movimentos círculares que puxem desde o fundo da tigela até a superfície, sem pressa. Coloque a massa na forma, alisando a superfície com uma colher. Coloque no forno.

Caso a receita seja feita no processador de alimentos, siga exatamente os passos descritos na receita. Se ele for de liquidificador, misture primeiro os ingredientes líquidos, até ficar homogêneo e depois vá acrescentando os secos, às colheradas, pulsando, para não sobrecarregar o liquidificador e garantir uma massa uniforme. E, claro, se mesmo depois disso, aquela receita de bolo de chocolate continuar indo para o lixo, desista (agora sim), pois o problema não é seu, mas da receita. Infelizmente existem livros mal feitos, com erros de tradução, erros de revisão, ou mesmo cujas receitas não foram testadas. Arranje um livro melhor e bom apetite.

"Meus bolos nunca dão certo!" - parte 1

Este título é a frase que mais escuto. Aliás, não apenas "bolos", mas já perdi a conta do número de pessoas que dizem terem desistido de cozinhar porque seus pratos sempre dão errado. "Não tenho jeito prá cozinha", repetem. Bom, minhas primeiras experiências culinárias foram brownies que ficaram finos e secos como biscoitos, e uma sopa de cebolas tão carregada no vinho que parecia uma sangria salgada. Se tivesse me deixado levar por esses fracassos gastronômicos, provavelmente estaria no time do miojo e lasagna congelada. O que você deve fazer é lembrar-se de todos aqueles desenhos da Disney a que você assistiu quando criança: "não desista".

Cozinhar não é uma arte que requer talento, como pintar. Claro, aqueles que desejam ser chefs renomados precisam confiar muito em seu talento para criar novas combinações e até mesmo novos métodos. Mas para nós, reles mortais, basta confiar na parte científica da cozinha. Horror! Sim, Ana Elisa dizendo que cozinhar está mais para ciência do que para arte! Ela, que sempre pregou toda aquela pataquada de amor na comida. Mas a verdade é que, quanto mais estudo a respeito, mais vejo o quão exata é a culinária. Sem tirar a magia da coisa, estamos falando aqui de reações químicas. E para o novato na cozinha, não há forma mais fácil de enxergar uma receita.

Se você está começando, ao invés de entupir sua prateleira nova com livros que dêem apenas receitas, procure UM excelente livro que ensine técnica, com fotografias de todas as etapas. Eu recomendaria o Professional Chef, mas ele é muito caro e técnico demais, com todas as receitas para grandes quantidades, para serem servidas em um restaurante. Mas pode-se encontrar livros de qualidade a um preço menor, com técnicas do Cordon Bleu, por exemplo. No fim das contas, qualquer receita, das mais clássicas às mais modernas (talvez com excessão das estranhas experiências do chef Ferran Adrià), seguem sempre exatamente as mesmas técnicas, com exatamente as mesmas regras. Entendendo a técnica, qualquer um pode obter excelentes resultados mesmo a partir da receita mais obscura.

O melhor exemplo que lhes posso dar é o bolo de limão de Nigella Lawson, muito simples, que assei ontem à noite. Tentara a mesma receita há um ano atrás, e fiquei decepcionada com um bolo com pouco sabor, de textura irregular. Decidira que a receita era ruim e não a faria mais. No entanto, após ler o Professional Chef e seu capítulo sobre bolos e o método do creme, dei-me conta de alguns erros que vinha cometendo não apenas com este mas com a maioria dos bolos, e resolvi dar mais uma chance ao pobrezinho. Bati a manteiga com o açúcar até o ponto certo, juntei os ovos até alcançar a textura ideal, incorporei a farinha delicadamente, ao invés de com força e, o mais importante, usei limões sicilianos ao invés dos nossos limões verdes. Isso é um ponto crucial: em receitas internacionais, quando pedirem por "lemon" use o siciliano, pois ele é o dobro do tamanho do nosso limão ("lime", em inglês) e as quantidades de casca ralada e suco são diferentes, além do sabor, aroma e acidez diversos. Fiquei contente hoje de manhã ao comer um bolo macio, úmido e com um sabor forte e delicioso de limão. Mais uma vitória da técnica contra o "acho que é assim"!

Cozinhe isso também!

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