sexta-feira, 11 de junho de 2021

Tá tudo bem. Tem Baked Chocolate Pudding.


Nós vamos nos mudar. Pronto. É bom tirar isso logo da frente, que é pra ninguém ficar ansioso.

Essa quarentena sem fim teria deixado todo mundo aqui em casa doido de verdade não fossem os parques e a primavera que chegou cedo, deliciosamente quente como eu nunca vi em Toronto. Imagina só, 28oC no fim de maio! Tão quente, que os splash pads (aqueles chafarizes nos playgrounds) abriram mais cedo. E as crianças, confinadas o dia todo à rotina de um gerente de marketing de quarenta anos, carinhas na tela e bunda na cadeira, puderam gastar toda a energia em ebulição no parque ao fim do dia.

Desligou computador, monta um lanche e parque neles. Santo parque. Os dias andam cada vez mais longos, e são sete da noite e o céu é claro e quente e não nos deixa voltar pra casa. Quem tem coragem de tirar criança feliz do parque? Eu tinha. Eles eram menores e eu sabia bem o que me aguardava no dia seguinte caso eu largasse a hora de dormir ao bel-prazer dos dois. Criança dormindo às dez da noite e acordando às seis da manhã. Se tem um negócio que a Laura herdou de mim é o mau humor de sono. Ninguém merece. Principalmente eu.

Mas eles cresceram. E ainda que Laura ainda não saiba reconhecer os próprios sinais de cansaço em seu temperamento, eles têm lidado melhor com horários menos rígidos. Aliás, tudo menos rígido. Rotina foi algo muito importante na primeira infância dos dois para deixá-los seguros e independentes. Criança que tem certeza de que o almoço está lá ao meio-dia e que segue sempre um ritual escova-dente-lê-história-tira-pulguinha-e-dorme, fica tranquila. Sabe o que esperar. Não existe ansiedade na hora de dormir se você sabe exatamente o que vai acontecer e quando. Todo dia é tudo sempre igual.

Só que rotina também aprisiona. TODO DIA É TUDO SEMPRE IGUAL. Principalmente gente com alma de passarinho, que quer ficar batendo asa por aí e improvisando vôo. O dia em que entendi o quanto os horários da escola engessaram minha alma, arrependi-me amargamente de ter matriculado a pimpolhada tão cedo. Vivesse a vida outra vez, teria rodado a cidade com a criançada até ser obrigada por lei a colocar os dois numa sala de aula.

Mas tem coisa que a gente precisa viver para aprender. 

Não é à toa que eu sou uma mãe melhor do lado de fora. Não é por meu amor incondicional por mato, mas porque posso saracotear com os dois por aí sem rumo, sem hora, ou relaxar e deixá-los explorar o que o houver sem interferência ou interrupção. 

Eu me divirto mais com meus filhos quando permito que eles experimentem o mundo e o tempo do mesmo modo como me faz feliz.

Agora que eles cresceram, maternidade parece às vezes um andar de bicicleta sem as mãos. Continuo conduzindo, mas posso relaxar e confiar que aquela roda que eu não controlo vai seguir em linha reta. E ninguém vai quebrar os dentes no chão. Nem sempre, pelo menos.


Então largo o guidão e não me preocupo com o jantar. As crianças montam um sanduíche com o que mais gostam e levam numa sacola, com toalha e uma arminha d'água, uma boneca e um dinossauro, um pote com melancia e outro com tomatinhos, e vamos ao parque sem hora para voltar. Sento e leio um livro. Converso com outros pais. Allex às vezes termina o trabalho mais cedo e se junta a nós, trazendo um imenso saco de pipoca temperado com sal, orégano e páprica que ele mói no meu pilão de madeira. Experimente. Fica muito bom. Às vezes ele traz uma cerveja pra gente dividir, escondidinha num desses copos térmicos de café.

Tiro os sapatos pra por os pés na grama. Inspiro o cheiro da terra sob o sol e do pólen suspenso no ar. Deixo a brisa morna levar as horas devagar.

São sete e meia e eles correm descalços na grama, cabelos molhados e risos largos, lagartas pequenas nas mãos, que lhes fazem cócegas nos dedos. "I'm going home!", dizem os amigos, acenando à distância, e esse é o sinal para recolher tudo e partir.

Às vezes paro no mercadinho a caminho de casa para catar uma baguette e um prosciutto, para comer com manteiga em casa, antes do banho. Outras, não precisa de nada a não ser tirar a areia do corpo num banho gostoso, escovar os dentes e ir dormir. Deixo que eles se demorem. Que venham sentar comigo para contar sobre seu dia. Que se espreguicem do lado do pai, no sofá, enquanto ele joga video-game com os amigos do Brasil. Sem pressa. Sem a pressa que eu tive um dia.

Às vezes sugiro que vão dormir cedo, quando vejo em seus rostos que é preciso. Outras, eles se arrastam à cama para lá das nove da noite, cobertos pela penumbra de uma persiana que, mesmo fechada, não resiste à luz azul clara e amarelada do entardecer do verão canadense, que se demora até as dez.

Nessa rotina sem rotina, tenho cozinhado pouco. Faço almoço. As sobras, requentadas, repaginadas, são jantar dos adultos que não se entupiram de framboesas no parquinho. Faz calor demais para se ter apetite. 

De vez em quando, assim, porque até a vontade anda também voluntariosa e vai e volta como quer, me dá as ganas de preparar um doce. 

 

 Laura tinha pedido para fazer uma receita de uma revistinha da Martha Stewart, um baked chocolate pudding, numa semana que calhou de chover e esfriar um pouco. Fizemos juntas, mas não deu certo. O tempo de cozimento estava errado e o pudding virou cake. "Tá tudo bem, mamãe, tá gostoso mesmo assim!" O lema da Laura. Tá tudo bem. Laura me lembra sempre de não me importar tanto. No dia seguinte, apanhei um livro mais confiável e fiz outra receita do mesmo doce, e desta vez o resultado foi maravilhoso. Crocante por fora, cremoso por dentro, paraíso do chocolate. (Receita no fim do post)

Naquele dia, Laura me deixou um recado escrito a canetinha: Thank you for doing almost everything I ask you to do. O bilhete mais lindo. 

A verdade é que mamãe anda mais relaxada, mais em contato com o que a faz feliz, e assim mamãe fica mais legal. Porque quando a mamãe se sente presa em circunstâncias fora do seu controle, ela tende a tentar controlar tudo à sua volta, e torna a vida de todo mundo um pequeno inferno. 

Tá tudo bem, eu digo.

Saí cedo para correr e chamei as crianças para virem comigo. Laura quis vir de bicicleta, mas Thomas preferiu ficar em casa lendo Asterix. "Não dá tempo, Ana, eles têm escola", Allex disse. 

"Ela chega dez minutos atrasada. Tá tudo bem."

Laura pedalou ao meu lado enquanto eu corria pela trilha ao longo da lagoa, e paramos para subir em árvores e ver patinhos-bebê nadando em meio aos juncos. "A gente tá atrasada, mamãe?", ela perguntava. "Fica tranquila, Laura. Curte sua manhã." E paramos novamente para ver os gansos e seus filhotes, desengonçados no gramado, de pés grandes e asinhas pequenas, feito meninos adolescentes. Ela apanhou duas penas grandes que estavam no chão e pediu que eu as carregasse até em casa, para colocá-las em seu altar da natureza, onde coleciona pedras, conchas, ovos de pássaro e pedaços de colmeias. 


 

Quando chegamos em casa, quinze minutos depois de a escola online começar, deu tempo de lavar as mãos e preparar um pão com manteiga. E quando ela ligou o computador, descobriu que a professora estava atrasada e ainda não tinha feito chamada. 

"Viu? Tá tudo bem."

O dia segue feito um rio quando ouço a voz no meu peito.

Essa mesma voz no peito que nos fez, numa manhã aleatória, resolver mudar. Mudar de casa. Mudar de cidade. Um comichão que sussurrava "vai agora". Algumas decisões acontecem feito a cena do chapéu do Indiana Jones. Corre que a porta tá fechando. Tipo criança escolhendo quem brinca de pega-pega no pátio da escola: quem quiser mudar põe o dedo aqui, que já vai fechar.

Fechou.

Vou seguindo esse rio no meu peito para aproveitar esse lago, esse parque, essa cidade e essas pessoas por algumas últimas semanas antes partir. Tento olhar, entender e dissolver o medo do novo que aparece em forma de tensão no pescoço, apertando aquele danado daquele nervo pinçado de novo. Relaxa, mulher. Até quiropraxista disse: não era nem para ter sintoma, esse nervo. É tudo tensão. Tudo cabeça. Só que cabeça adora isso de rotina previsível e horário fixo e controle das variáveis. Cabeça adora lembrar que não dá tempo de andar de bicicleta no parque ou que eu não deveria jantar sanduíche de novo. Sossega, cabeça. Deixa o coração mandar um pouco, que é nele que a alegria repousa, feito um lago. Acho que não é a toa que o coração parece uma xícara de chá quente quando a gente sente amor. Deixa o rio fluir para alimentar o lago. Cheio e quentinho.

Mergulha. Tá tudo bem. 

....



BÔNUS DE RIO FLUINDO, VERSÃO SUPERMERCADO: 

Noutro dia, me deu vontade de comer camarão. Assim, de repente, como se tivessem implantado a ideia na minha cabeça. Aqui na minha vizinhança só tem camarão congelado, desses que vem com sal e conservante. Ou tem, de vez em quando, no mercadinho orgânico, mas costuma ser caro e não tem sempre. Mas estava lá, aquela voz gritando no meu ouvido feito criança pequena fazendo birra na padaria. Só que ao invés de pedir Danette, a criança no meu peito gritava Camarão! 

Saí. Fazer o quê? Eu não tinha intenção de ir ao mercado, porque ainda tinha alguma comida em casa, então foi pura frescura voluntariosa. Coração gulosos e gourmet tinha razão, no entanto, que assim que pus o pé no mercado, desatei a rir: o camarão fresco estava em promoção. Metade do preço. O Universo é essa coisa linda, às vezes, se você estiver tranquilo em ser feliz com camarão em promoção. Paguei pelo camarão e fui no outro mercado pegar o macarrão da marca que eu gosto, porque a lombriga pedia macarrão com camarão. Olha que delícia falar isso em voz alta: macarrão com camarão. Enche a boca que nem palavrão dito com vontade.

No outro mercado, entrei na fila pra pagar por meu pacotinho de penne rigate, e a moça do caixa pergunta: "Você gostaria de um saco de batatas?"

"Como é que é?"

"Um saco de batatas. Você gostaria de um?"

"Desculpa. Não entendi. Um saco de batatas?"

"É. É de graça. Customer appretiation." 

"Bom. Sim, eu quero. Obrigada."

E assim eu saí do mercado com meu pacotinho de penne e um saco de 3kg de batatas de graça. 

Era batata pra burro, e é claro que o mercado estava dando batata porque elas estavam mais pra lá do que pra cá. O Universo pode ser legal, mas dono de supermercado de rede não dá ponto sem nó. Daí que eu saí cozinhando batata loucamente pra não deixar estragar, e eu terminei com um panela industrial de purê de batatas.

Povo aqui alucina com purê. Mas nem meus filhos, essas dragas, conseguem dar conta de tanto. 

Eu tenho uma paixão muito específica na cozinha, que é a arte do reaproveitamento. Quase sempre as melhores receitas são aquelas que reaproveitam sobras. E eu adoro qualquer receita além de gostosa ainda evite desperdício e me faça sentir competente. 

Esse é um jeito excelente de aproveitar uma quantidade gigante de purê de batatas. E é delicioso. Chama-se Oeufs Parmentier. Serve seis pessoas, mas minhas dragas comeram metade sozinhos. Você unta uma forma com bastante manteiga, e coloca lá dentro todo aquele seu delicioso purê de ontem (quantidade feita com mais ou menos meio quilo de batata, e misturado a manteiga e leite). Você abre seis buracos com uma colher e quebra ovos dentro deles. Cobre com uns 3/4xic de creme de leite fresco (se for crème fraîche, melhor ainda), tempera com sal e pimenta e joga no forno a 210oC até dourar e as claras estarem cozidas (uns vinte minutos, dependendo do forno). Sirva colheradas fartas, que desmontam no prato, para acompanhar uma salada bem verde, com folhas amargas. Dá pra ficar melhor?

:)

BAKED CHOCOLATE PUDDING

(Do livro Sinfully Easy Delicious Desserts, da Alice Medrich)

Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 170g chocolate meio amargo ou amargo(em torno de 70% mas não mais do que isso), picado
  • 115g manteiga sem sal, em pedaços
  • 3 ovos grandes
  • 2/3 xic. açúcar
  • pitada de sal
  • sorvete, para servir

Preparo: 

  1. Posicione a grade do forno no terço inferior e preaqueça a 190oC.
  2. Coloque o chocolate e a manteiga numa tigela em banho-maria e mexa frequentemente até que o chocolate derreta e se misture à manteiga. Retire do calor assim que estiver derretido.
  3. Na tigela da batedeira, bata os ovos, açúcar e o sal em velocidade alta até que fique fofo e amarelo bem claro, e com a consistência de chantilly (pode levar de 5 a 10 minutos).
  4. Misture um terço dos ovos ao chocolate, e então despeje a mistura de chocolate de volta à tigela com o restante dos ovos batidos. Misture com uma espátula, delicadamente, para não perder muito o volume do ar. 
  5. Divida a massa entre seis ramequins ou formas com capacidade para 1 xícara. Não é preciso untar. Nesse ponto você pode cobrir as forminhas e levar à geladeira para assar mais tarde. Apenas retire da geladeira meia hora antes de ir para o forno. 
  6. Coloque as forminhas numa assadeira e leve ao forno por15 a 20 minutos (um pouco mais se os puddings foram refrigerados), até que eles tenham inflado, estejam com a superfície seca e craquelada, mas ainda bem moles por dentro (você pode testar com um palito). 
  7. Sirva imediatamente, com uma bola de sorvete. Eles vão afundar assim que saírem do forno.Se for servir para crianças, coloque os ramequins dentro de potes ou pratinhos resistentes ao calor que possam conter os ramequins quentes sem que eles escorreguem pra lá e pra cá quando a criança meter a colher lá dentro. Assim, a criança pode segurar o pote de fora e comer confortavelmente, sem o risco de queimar as mãos no ramequin quente de forno. :)

Cozinhe isso também!

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