quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Um muffin de peras numa manhã de escola

 

Parque Arrowhead, ao norte de Toronto. Um passeio de domingo.

Períodos de adaptação.

Ainda que esse ano inteiro pareça uma adaptação atrás da outra, o início do ano escolar é sempre uma fase instável, com ou sem pandemia. A gente espera que seja igual à última vez e tenta se preparar sempre do mesmo jeito. Material escolar em dia, roupas que cabem nos novos corpinhos espichados durante o verão, despertadores acertados, e um ar confiante de que a rotina que você lembra de meses atrás vai continuar funcionando. 

Mas as crianças não são as mesmas do ano passado. Elas cresceram. Elas são mais independentes. Elas mudaram seus padrões de sono e seus hábitos matutinos. E nós também não somos os mesmos adultos do ano passado. Também crescemos, ainda que não visivelmente, ainda que nossas calças não fiquem curtas, deixando entrever canelas. E a independência dos pequenos traz luz à nossa,ainda que a surpresa às vezes nos torne reticentes e inclinados a prosseguir com velhos hábitos sem de fato entender se somos ou não necessários.

Ano passado, fazíamos muito por eles. Agora nossas ações são restritas. Fomos promovidos na Parenting Corporation, e agora o trabalho é menos braçal: mãe e pai agora em cargo gerencial.

As crianças acordam primeiro, antes do despertador. São seis da manhã, mas ainda é noite lá fora. A natureza canadense faz questão de deixar claro, antes mesmo do fim do verão, de que o inverno está logo ali, e que é preciso começar a se preparar. Se não preparar a toca com estoque de castanhas e folhas quentinhas, ao menos preparar a mente para os longos meses de frio intenso e céu cinzento que nos esperam. E o sol já logo nos primeiros dias de outono começa a levantar mais tarde, espreguiçando embaixo das cobertas e pedindo mais um tempinho com a cara enfiada no travesseiro.

Thomas e Laura aprenderam a preparar o próprio mingau. Enquanto tomo meu cappuccino no quarto, sentada na cama, massageando o pé machucado e conversando com o marido, ouço os sons da chaleira elétrica em ebulição e do abrir e fechar de potes de aveia, maple syrup, manteiga, canela e peanut butter. 

Quando entro na sala, já vestida, as crianças estão à mesa comendo seu mingau quente, não sem distrações e discussões, e logo levantam a cabeça para me dizer bom dia e pedir para que eu coloque uma música para tocar. "Bastard Son of Odin!",pede Thomas, lembrando da música épica de metal-farofa do Battle Beast, uma banda nórdica cuja vocalista se veste de deusa viking. Metal-farofa é sempre ótimo para levantar os ânimos e fazer todo mundo se mexer. 

Allex já tirou a louça limpa da máquina e encheu os potes térmicos das crianças com água quente. Agora é minha parte:preparar os almoços dos pequenos. Esquentar pequenas porções do que sobrou do jantar do dia anterior ou preparar algo novo do zero: um sanduíche, uma omelete para completar um restinho de arroz. Pensar nos dois lanchinhos extras. Quem come o quê? Quem gosta do quê? Lembre-se que não pode colocar nada com castanhas. Nori (algas) num pote, e iogurte com compota de fruta no outro. Ou bolachas integrais salgadas e cubinhos de queijo, e uvas passas. Ou uma fruta que ambos comam e um pedaço de bolo.

Mas não tem bolo. Deixara para preparar um no fim de semana. Deixara para ir ao mercado no domingo. Mas domingo dera um siricotico na gente, e decidimos pegar o carro e dirigir duas horas até Arrowhead Park, um parque provincial perto de Muskoka, para fazer uma trilha e ver as cores de outono na floresta. É preciso aproveitar os dias de outono sem chuva. Fomos, andamos 9km, vimos a floresta colorida de cima e uma cachoeira linda, onde as crianças usavam uma formação rochosa lisa com escorregador. Passamos o dia todo do lado de fora, jantamos num pub de cidade do interior no caminho de volta e fomos todos dormir exaustos às onze da noite. 

Olhei para as peras na fruteira. Já molinhas e manchadas. Não sobreviveriam na lancheira sem virar purê. E Thomas não gosta de comer pera assim, só a pera. Na despensa havia um restinho de granola. Iogurte na geladeira. E me dei conta de que os planetas culinários se alinhavam e eu tinha exatamente os ingredientes necessários para muffins de pera de uma revistinha da Martha Stewart que guardo há muito tempo e que Laura vive dizendo que quer para ela quando sair de casa. É tua, filha. Pode levar.

Ligo o forno às seis e meia. Laura para o que está fazendo para vir distribuir as forminhas de papel nas cavidades da forma de muffin. "Uau, mamãe! Eu achei que não ia dar, mas deu certinho! Tinha exatamente as forminhas que precisava!"

Alinhamento cósmico.

A massa é simples, como de todo muffin. A farofinha crocante é gostosa de fazer, dedos esfregando granola, farinha e manteiga, feito brincadeira na areia quente da praia. Ignoro o que está acontecendo à minha volta, para não esquecer nenhum ingrediente. Ouço vozes lançadas feito dardos rentes aos meus ouvidos. Cadê minha blusa azul? Thomas, sai do banheiro! Mãe, posso comer pão com geleia depois do mingau? Mãe, manda a sopa de ontem de almoço? Laura, larga o meu robô de Lego! Manhê! A Laura pegou uma peça do meu Lego!

"Pede ajuda pro teu pai", é a resposta de praxe. Sem a correria de se arrumar para o tempo no trânsito em direção ao escritório, papai, relaxado, cuida do que está fora do meu alcance momentâneo. Pandemia teve seus benefícios. Marido trabalhando em casa é bênção. Ouço sua voz catando os dardos por aí. "Escovou os dentes? Você ainda tá de pijama? Vai pentear o cabelo. Dá o papel da escola pra assinar. A cama tá arrumada? Guarda o Lego agora, que a gente já falou que não é pra espalhar Lego de manhã senão não dá pra limpar o quarto! Você deixou o prato na mesa. Tira da mesa e bota na lava-louça. Quem vai guardar as coisas do mingau que vocês fizeram? Ótimo. E quem vai passar um pano na mesa? Obrigado."

Alguns dardos me atingem quando papai se enfia no banho. "Mamãe, olha como eu tô pulando corda!" 

"Laura, muito legal, mas são sete da manhã, os vizinhos vão reclamar dessa pulação toda, e você ainda tá de pijama."
"Tá mamãe. Mas olha só o handstand que minha amiga me ensinou a fazer!
"Laura, de novo, tô orgulhosa de você por saber fazer handstand. Mas eu te pedi pra trocar de roupa duas vezes, seu pai pediu, e você não fez ainda."
"Argh. Tá bom."

Ela pula feito sapo até a porta do quarto.

"Laura! Sem pular! Os vizinhos!"
"Tá booooooooom...! Mas mamãe...", ela volta à cozinha. "Você vai mandar os muffins de lanche?"
"Vou, Laura, agora vai tirar esse pijama e ficar pronta pra sair, por favor."
"Ai, tá bom. Mas do que é o muffin?"
"De pera, Laura. Tô perdendo a paciência. Eu sei o que você tá fazendo. Você fica arrumando uma desculpa atrás da outra pra não cumprir com suas responsabilidades."
"É nada."
"Afe.É só trocar de roupa, Laura. Ó: teu irmão acorda e troca de roupa na hora. Ele tá pronto, e é por isso que ele tá lá sossegado!", aponto para Thomas, afundado contra a almofada fofa do sofá, joelhos flexionados, lendo mais um livro do Asterix pela enésima vez.
"O Thomas não tá pronto. Ele nem escovou o dente, que eu sei."
"Afe. Thomas! Você escovou os dentes?"
"Ahn... não", ele responde, casualmente, e quase surpreso com a demanda.
"Ai, Thomas! Quiéque você tá fazendo aí, lendo? Vai escovar os dentes, menino!"
"Tá vendo?", Laura diz, orgulhosa de si mesma, enquanto observa o irmão fechando o livro bruscamente e arrastando pés aborrecidos em direção ao banheiro.
"Você também, vai lá. Termina de fazer o que você tem que fazer."
"Mas eu quero te ajudar a colocar a farofa no muffin."
"Laura, você tá fazendo de novo."

Allex sai do banho. 

"Laura, ouve tua mãe. Vai terminar de se arrumar", ele diz, num vozeirão grosso, mas paciente.
"Aaaaaaaaah... mas é que...", ela reclama.
"Laaaaaauraaaa...", ele continua, enquanto eu coloco a farofa nos muffins. "Vai escovar seus dentes."
"Mas o Thomas tá no banheiro."
"E?"
"E a gente SEMPRE briga quando nós dois estamos escovando os dentes juntos, então eu vou ser gentil e esperar ele sair."
"Você tá sendo é espertalhona, né?"
"Tô nada."
"Thomas, a Laura precisa entrar pra escovar os dentes. Você escovou os dentes?", ele bate na porta, abrindo em seguida.
"Ahn... não!", ele responde, no mesmo tom surpreso, como se o pai tivesse perguntado sobre a existência de zebras cor-de-rosa.
"Thomas! O que diabos você tá fazendo no banheiro até agora, então?"
"Ahn..."
"Thomas, você tava cantando Bastard Son of Odin no espelho de novo?"
"Ahn... tava."
"Eita, nóis."

Termino de me arrumar enquanto os muffins estão no forno, e apronto o resto do almoço enquanto eles esfriam. Ficam lindos e perfumados, dourados e macios, e deliciosamente crocantes por cima. 


"Venham guardar o almoço de vocês!", chamo.

Eles guardam os potes na lancheira, enchem as garrafas de água e guardam tudo na mala. 

"Vamolá. Quem tá pronto?"
"Eu!", diz Thomas.
"Eu não", responde Laura.
"Ai, Laura, o que é que falta fazer?"
"Pentear o cabelo."
"Mas você tava no banheiro até agora!"
"Mas eu tava escovando os dentes, ué."
"E por que não aproveitou pra pentear o cabelo?"
"Esqueci."
"Eita. Vai lá, então."

Ela vai, ela volta, penteada.

"Todo mundo arrumou a cama?"
"Sim."
"Escovou os dentes?"
"Sim."
"Penteou o cabelo?"
"Sim."
"Guardou o almoço?"
"Sim."
"Pegou água?"
"Sim."
"Tá levando agasalho?"
"Precisa?"
"Laura, tá doze graus lá fora."
"Eu tô levando um short, pra se tiver calor."
"Ótimo, Laura. Mas leva um agasalho pra se tiver frio."
"Tá bom."
"Pegaram a máscara?"
"Sim."
"Pegou o papel assinado da escola?"
"Sim."
"Falaram tchau pro papai?"
"Tchaaaaaaau, papaaaaaaai!"
"Podemos ir, então?"
"Mamãe!"
"Quê?"
"Posso ir de bicicleta?"



MUFFINS DE PERA COM FAROFA DE GRANOLA
(da revista Martha Stewart Food Everyday, edição de natal)

Ingredientes:

  • 1 xic. farinha de trigo branca
  • 3/4 xic. farinha integral
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) canela
  • 1/2 colh.(chá) sal
  • 2 ovos grandes
  • 3/4xic. açúcar mascavo
  • 1/2 xic. iogurte natural
  • 2 colh.(sopa) manteiga, derretida
  • 3/4 xic. granola (opcional - eu não tinha o bastante para a massa e não usei)
  • 2-3 peras maduras, descascadas e cortada em cubos (2 xic.)
  • (farofa de granola)
  • 1/2 xic. granola
  • 1/4 xic. farinha de trigo
  • 1/4 xic. açúcar mascavo
  • 1/4 colh.(chá) sal
  • 3 colh.(sopa) manteiga gelada

Preparo:

  1. Aqueça o forno a 205oC. Forre uma forma de 12 muffins médios com forminhas de papel.
  2. Comece pela farofa: junte todos os ingredientes e misture, esfregando com os dedos, até obter uma farofa grosseira e a manteiga estar bem distribuída.Reserve
  3. Numa tigela grande, misture as farinhas, fermento, sal e canela. Em outra tigela, misture os ovos com o açucar, manteiga derretida e iogurte, até que fique homogêneo. 
  4. Junte a mistura líquida à seca e misture com uma espátula até não enxergar mais farinha. Não misture demais, ou o muffin fica maçudo. 
  5. Incorpore as peras de forma homogênea (e a granola extra, se estiver usando), e distribua a massa em porções iguais nas formas.
  6. Polvilhe a farofa por cima. Pode usar tudo. Vai ficar bem amontoado acima da beirada da forma, e está tudo bem. Junte de volta aos montinhos a farofa que cair para fora. 
  7. Leve ao forno por vinte minutos,até que um palito saia limpo quando espetado num muffin. Deixe esfriar por cinco minutos na forma, e então retire com cuidado para esfriar numa grade. Eles são deliciosos ainda quentes do forno. Se mantém bem por mais de um dia, mas a farofa perde a crocância.

sábado, 26 de setembro de 2020

Uma velha e um velho risotto de radicchio


 É difícil pensar em risotto de radicchio sem lembrar no meu aniversário de 25 anos em Florença. Aquele aniversário em que decidi que queria ficar eu comigo mesma. Esse risotto ficou na memória e pela primeira vez me dou conta de que meu aniversário é enfim no Outono, como fora durante a viagem à Itália. Foi apenas quando comecei a prepará-lo, ontem, que me dei conta de que faço 41 anos em uma semana. 

Sim, é claro. No meio dessa montanha-russa emocional, é ÓBVIO que esqueci meu próprio aniversário. Super normal. 

A memória anda me pregando peças. Enquanto escrevia o livro, me surpreendia lendo em meu diário de viagem uma cena acontecida numa cidade que eu me lembrava de ter ocorrido em outra, dias depois. Ou perceber que a lembrança calorosa que eu tinha de uma refeição fantástica na verdade fora fabricada pela distância temporal, sendo a realidade muito mais decepcionante. 

Hoje citei um texto no Instagram e duas fontes diversas, dois livros que li e cujo trecho não encontrei em nenhum dos dois, e fiquei tentando lembrar de onde eram aquelas palavras então. O senhor com quem eu me encontrava todas as manhãs no parque para nossos cachorros brincarem me disse ontem que eu não podia ir ao mercado àquela hora, pois aquela era a hora reservada aos "cidadãos sêniores". Eu ri e disse que já estava a caminho da "senioridade". Não lá ainda, mas definitivamente a caminho. 

Mas rio. Acho que enfiei tanta informação nessa minha cabeça ao longo dos anos que minha mente finalmente deu aviso de sobrecarga. Já não lembra mais nome de livro nem de música, esquece o próprio aniversário e o horário de pegar as crianças na escola. É "la vecchiaia", diz minha mãe. A velhice. 

Talvez seja. 

Noutro dia, já mais distante daquele desmoronamento emocional, entrei no quarto e fui imbuída por uma súbita vontade de dar uma cambalhota na cama. Ri alto da ideia. Mas fui lá e dei minha cambalhota. Era o que eu queria fazer. Quarenta anos e dando cambalhota na cama. Allex, que trabalhava ao computador, olhou aquilo e perguntou o que diabos eu estava fazendo. "Me deu vontade de dar cambalhota, eu fui lá e dei, ué. Ó, vou dar mais uma." 

"Cê tá bem, Ana?", ele riu.

"Tô. Ué, eu sempre disse que eu tava treinando pra virar uma velha louca."

"Aí, ó, conseguiu. Você já é velha E louca."

Verdade. Eu sempre disse a ele que queria ser uma velha louca. Não louca perigosa nem louca sem contato com a realidade. Mas só suficientemente louca pra se safar de fazer o que quiser sem ninguém encher o saco. Daquele tipo de velha feliz que ninguém espera nada de normal.

Tem coisa pior do que as pessoas só esperarem de você coisas normais?

Pois é. 

Saí da caverna em direção à luz, largando o que havia de normal que não me pertencia e dando cambalhota na cama. 

Receber meu livro diagramado e paginado, com "jeitinho de gente grande", me encheu de energia novamente. Quem segue meu trabalho no Instagram (@anaelisagg) já anda vendo os frutos disso. Quebrei mais uma barreira minha e ando botando minha cara de velha matrona,minhas rugas e cabelos brancos, para falar nos Stories. Pois é, se você se perguntava que cara eu tinha, ou se minha voz era rouca, aguda ou fanhosa, agora vai descobrir. Aliás, o Instagram parece estimular um lado meu muito mais tonto. A mídia é a mensagem, já dizia titio Marshall McLuhan. 

E daí que, quando comecei a cozinhar meu risotto de radicchio, pensando com saudades daquele almoço solitário 16 anos atrás, resolvi catar o celular e filmar a pataquada toda. "Povo tem que ver isso', pensei. Ver o quê? O radicchio derretendo. 

Quando juntei os trapos com Allex, ainda no nosso primeiro apartamento, lembro-me de ter preparado risotto de radicchio para um amigo nosso que viera jantar. Eu usei uma receita de um livro lindo, que vendi antes de vir para cá, de receitas toscanas feitas por duas australianas. Mas hein? Pois é. Mas o livro é lindo e as receitas eram ótimas. A única que não me convenceu na época foi o tal risotto de radicchio. O risotto de Florença era rosa-claro, acastanhado, esmaecido como uma camisola de cetim do começo do século, guardada por trinta anos num baú. Aquele produzido seguindo a receita australiana era sem cor: arroz branco entremeado de pedaços purpúreos de verdura. Saboroso, mas aquém das minhas expectativas, perdendo para a lembrança que eu tinha. 

Por anos continuei preparando risotto de radicchio da mesma forma: refogando as tiras finas de verdura rapidamente, como quem prepara couve para acompanhar a feijoada, e imediatamente acrescentando o arroz arbóreo e prosseguindo com a receita. E o resultado sempre carecia de coesão visual e de uniformidade de sabor. Era risotto COM radicchio, e não DE radicchio. 

Um dia, folheando o livro de receitas venezianas de Tessa Kiros, encontrei mais uma receita do tal risotto. Bufei, descontente. Afe. De novo.Sempre as mesmas receitas, eu pensei, já fazendo a limpa dos livros que eu pretendia vender para mudar de país. Mas a receita era diferente. Ela mandava cozinhar o radicchio em panela fechada por uma quantidade absurda de tempo. 

Vamos lá. Vamos fazer o que tia Tessa manda, porque sempre fica bom. 

Abafar o radicchio por tanto tempo faz com que ele não apenas cozinhe, mas colapse. E é nesse ponto, em que você já não mais reconhece aquele emaranhado bordô-escuro como o que um dia foi radicchio, em que você acrescenta o arroz, que vai absorver toda a cor que a verdura não consegue mais conter.

Não vou mentir. É um trabalho de paciência. Costuma levar bem uma meia hora. Mas para quem gosta de risotto de radicchio, uma meia hora bem usada. Enquanto você espera o radicchio desistir de viver dentro da panela, você pode ir procurar nos seus livros aquele trecho de texto que sua mente já não lembra mais de onde veio. 

RISOTTO DE RADICCHIO
Rendimento: 4 porções comedidas, sem repeteco (quando quero mais fartura, uso 1 1/2 xic. de arroz e complemento o caldo com água fervendo. O restante dos ingredientes pode se manter igual.)

Ingredientes:

  • 2 colheres (sopa) azeite
  • 1 colh (sopa) manteiga
  • 1/2  cebola picadinha
  • 1 talo pequeno de salsão picadinho (opcional)  
  • 1 pé de radicchio grande ou 2 pequenos (se não é super fã de gosto amargo, pode usar 1 pequeno apenas)
  • 1 xic. cheia de arroz arbóreo
  • 1/2 xic. vinho branco (se quiser o risotto mais rosinha pode usar tinto também, mas não precisa)
  • 1 litro de caldo de legumes caseiro (e mais água fervendo se necessário)
  • 50g manteiga sem sal
  • 1/2 xic. parmesão ralado na hora
  • sal e pimenta-do-reino
  • salsinha picada para polvilhar por cima (opcional)


Preparo:

  1. Corte o radicchio ao meio no sentido do comprimento, e então em quartos, mantendo as folhas presas pela raiz. Segurando a raiz, corte cada "gomo"de radicchio no sentido da largura, em tirinhas finas, como você faria a uma couve. 
  2. Aqueça o azeite e a primeira quantidade de manteiga na panela em que você pretende preparar o risotto, em fogo médio. Junte a cebola e o salsão picados, uma pitada de sal, e mexa bem até que a cebola amoleça e comece a querer dourar. 
  3. Junte todo o radicchio, uma pitada generosa de sal, e misture bem, refogando um pouco, até que ele comece a murchar. Abaixe o fogo, tampe bem a panela, e deixe cozinhando por 10-15 minutos, até que ele murche bem. 
  4. Dê uma olhada no radicchio. Misture um pouco. Prove o sal. Ele deve estar agradavelmente temperado e com textura de alface cozida, desmanchando à dentada. Se ainda tiver resistência à mordida, se estiver al dente, corrija o tempero se necessário, tampe novamente e deixe cozinhar mais 10-15 minutos. (Caso esteja pegando no fundo da panela, abaixe mais ainda o fogo, se possível, e junte uma colher de água). O tempo total de cozimento vai depender da panela, da quantidade de radicchio usada e do tamanho dos pedaços da verdura. 
  5. Enquanto isso, aqueça o seu caldo de legumes até manter uma fervura branda.
  6. Quando o radicchio estiver extremamente macio e bem escuro (ele deve ter soltado um tiquinho de água na panela, e não pode estar queimando ou dourando), aumente o fogo novamente para médio e junte o arroz, misturando bem.
  7. Quando o arroz estiver translúcido, junte o vinho e misture até evaporar. Junte duas conchas de caldo e misture, no fogo médio-baixo, até que o arroz absorva metade do caldo. Prossiga juntando o caldo e misturando, cantarolando uma música, porque você vai ficar mexendo esse negócio por um tempo, então é legal curtir o processo, até que todo o caldo tenha sido usado. Lembre de ajustar o fogo para que o risotto não ferva violentamente (isso quebra a estrutura do arroz e o caldo evapora antes de o arroz de fato cozinhar). E nunca deixe o caldo ser completamente absorvido antes de acrescentar mais.
  8. Experimente o arroz. Se ele estiver ainda grudando no seu dente quando você mastiga, precisa cozinhar mais. Nesse caso, junte mais uma ou duas conchas de água fervendo e continue cozinhando até que o arroz esteja al dente como seria um arroz agulhinha soltinho. Lembre-se sempre de que o arroz vai continuar cozinhando depois que você desligar o fogo, então sempre pare o cozimento um nadinha antes de o arroz estar no ponto perfeito.
  9. Desligue o fogo. Se o risotto estiver maçudo, junte mais uma concha de água fervendo para soltá-lo. SE estiver ainda caudaloso, deixe, porque ele vai continuar absorvendo o excesso de líquido. Junte a manteiga e o queijo, misture bem e prove. Acerte o sal. Gosto de acertar o sal do risotto no final, porque a quantidade de sal depende sempre do quão salgado é o caldo, de quanta água extra foi acrescentada, e de quão salgado é o queijo. Tempere com pimenta-do-reino e salsinha, se quiser. Tampe, e deixe descansar por dez minutos enquanto você saboreia uma taça de vinho e manda outra pessoa que mora com você botar os pratos na mesa. Afinal, você já fez risotto, caramba! Por que é que tem que botar a mesa também? Bota o povo pra trabalhar.
  10. Idealmente, o risotto deve se espalhar devagar no prato, como lava quente escorrendo de um vulcão, e não ficar fixo num montinho. Sirva com mais um pouquinho de parmesão ralado por cima e um fio de azeite. 
 

 Para quem está aguardando o livro, acho até que ele vai sair antes do que eu imaginava. :D Enquanto todo mundo espera (e eu garanto que ninguém aqui está mais ansioso do que eu), eu pretendo me distrair cozinhando aqui os pratos que eu menciono em cada um dos capítulos do livro. Pelo tamanho dessa receita de risotto, dá pra ver o livro publicado ficaria gigantesco se eu inserisse nele também as receitas. ;) Prefiro assim. Vocês já vão degustando as receitas antes de degustar as histórias, ou podem degustas as histórias e depois vir aqui preparar as receitas. O blog complementa o livro e vice-versa, da mesma forma como minha participação no Instagram tem complementado os textos daqui. 

Tá na hora de remontar o que estava desmontado. Pegar os pedaços importantes e criar coesão entre as partes para que elas tenham um belo colorido junto. Parar para saborear a vida e lembrar que o gostinho amargo do radicchio também faz parte. 

Obrigada a todos pelos comentários lindos e -mails sobre o post anterior. O mundo está louco e a gente anda meio louca junto. Mas vamos largar para traz a loucura que deixa a gente doente e desenvolver aquela loucura boa que permite a gente ser a gente, sem ter que se justificar para ninguém. 

Velha louca, aqui vou eu.

Cozinhe isso também!

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