segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O bolo de aniversário que não era pra ser, tentou ser, quase não foi mas acabou fondo.

Foi um aniversário meio esquisito.

Primeiro, eu me acostumara a ficar um mês planejando o evento, por menor que fosse, escolhendo quitutes a preparar e, principalmente, o bolo. Mas já há alguns anos (hmmm... coincidentemente desde que Thomas nasceu), que me pego surpreendida pelo meu aniversário apenas alguns dias antes. Mas já chegou? Mesmo? Eu não planejei nada!

Esse ano ainda, eu ando meio avessa a doces, para a alegria da minha cintura. Ok, o goró corre solto, mas doce... eh. Faço para que Thomas leve de lanche, faço porque o marido pede, mas raramente me deu vontade de verdade de algum doce específico. E com o bolo, mesma coisa. Fucei, fucei, em todos os livros e revistas da casa, e não encontrei nada que me apetecesse.

Acordei no meu aniversário e não tinha bolo nenhum. Não dera tempo, não dera vontade. O café na cama não aconteceu, porque era preciso levar o pimpolho à escola e já estava todo mundo atrasado. Fico meio chateada com o pimpolho que se recusa a dar parabéns pra mamãe, porque cismou de alguma forma que o aniversário é da vovó. Volto pra casa e descubro que a luz acabou, eliminando meu plano de uma manhã tranquila botando em dia minhas séries e filmes.

Laura cochila, e eu, meio fula, querendo voltar pra cama, resolvo que o melhor a fazer é pintar, já que isso não requer eletricidade. Meu humor melhora conforme vou trabalhando, e assim que assino a tela, a pequena acorda e a luz volta. Sorrio, pensando no funcionamento do universo.

Há tempo ainda, antes de buscar o pimpolho na escola, e resolvo fazer meu bolo, afinal. O que deveria ser o bolo de aniversário mais fácil do mundo.

Apanho uma receita ponta-firme da Alice Medrich, de uma tigela só, e em cinco minutos o bolo está no forno. Duas camadas lindonas que pretendo rechear com um brigadeiro de baunilha e morangos frescos.

Não queria um bolo sofisticado. Algo de nostálgico me pegou de jeito e eu queria daqueles bolos simples de chocolate e morango, doces, úmidos, de infância, de confeitarias de bairro, antes de a gente crescer e saber o que é chocolate belga e morango orgânico.

Enquanto o bolo assa e dona Laura brinca loucamente lá fora, coloco uma lata de leite condensado na panela, uma colher de manteiga e meia fava de baunilha e cozinho até dar ponto de brigadeiro. Deixo numa tigela e, quando esfria um pouco, junto um pouquinho de creme de leite fresco.

Os bolos saem perfeitos, como sempre. Receita confiável é uma alegria só. Vou buscar Thomas na escola, almoçamos rapidamente uma massa alla carbonara de abobrinhas, e enquanto as crianças terminam de comer, resolvo montar o bolo.

Então me empolgo. Tudo está correndo bem, afinal. Olho para aqueles bolos e resolvo que vou transformá-los em quatro camadas ao invés de duas. Porque havia muito recheio para apenas intercalar dois bolos. Corto um dos bolos com fio dental, técnica linda que vou usar pelo resto da vida. O sucesso do corte me empolga mais ainda. O recheio. Hmmm... talvez tenha pouco para quatro camadas. Junto mais creme de leite. Na tigela, o ponto parece bom. Espalho colheradas na primeira camada, cubro com morangos fatiados e a segunda camada de bolo. Tudo vai bem. Mas então, ao colocar a segunda camada de recheio, o leite condensado começa a escorrer. Os morangos começam a cair pra fora. E eu vou ficando meio louca, meio desesperada, o sentimento de tudo dando errado no meu aniversário se apoderando de mim.

Me dá um siricotico, jogo todo o recheio por cima do bolo, jogo o bolo dentro da geladeira e ligo o botão do "f*da-se". A outra camada de bolo, que eu não dividi ao meio, embrulho e atiro no freezer. Thomas continua se recusando a aceitar que é aniversário da mamãe e isso me joga de novo no poço fedorento do mal humor de aniversário.

À noite as crianças ficam com a vovó e vou ao show da banda do marido, que é ótimo como sempre. Duas Guinness a mais, e minha ressaca na manhã seguinte é garantida, o que me faz acordar grogue e com a certeza de ter estragado o que deveria ser meu agradável sábado de aniversário.

Só que não.

As crianças dormiram na avó. Marido me traz café na cama e eu cochilo mais um pouco, coisa que nunca, NUNCA tenho oportunidade de fazer. Ele me leva para almoçar num bistrô tranquilo, e eu finalmente tenho oportunidade de estrear um daqueles vestidos de cintura marcada, meio anos 50, que eu queria desde a gravidez do Thomas e que comprara recentemente. O almoço é uma delícia. Vamos a uma exposição de arte contemporânea, e nos divertimos xingando quase tudo o que vemos. Meu deus, que exposição ruim. Ainda bem que a companhia é ótima. Minha mãe me liga pedindo pra deixar as crianças mais um dia, e conseguimos mais tempo para nós.

No dia seguinte, eleição e catar de volta a pimpolhada. Apanho o bolo da geladeira, já suspirando de decepção, e eis que Thomas se empolga.

"Eba! Parabens pa mamã!"
"Parabéns pra mamãe?"
"É. Aniquecaio da mamã! Cadê a quela?"
"A vela?"
"É."
Vou apanhar uma velinha perdida na gaveta.
"O cogo! O cogo!"
"O fogo?"
"É."

Acendo a vela e ele corre para apagar a luz da cozinha. E canta parabéns pra mamãe a plenos pulmões. E me dá um beijo. E agradece pela fatia de bolo. E o bolo, no fim, está uma delícia. Assim, desmontando, assim, com leite condensado escorrendo para fora do prato em direção à prateleira da geladeira. Marido rouba uma garfada. Ele que não gosta de bolo. "Pô, esse bolo ficou bom!" O bolo que quase não foi mas acabou fondo, num aniversário quase esquisito, mas que no fim, foi fantástico.

^_^

Deixo a receita do bolo em si, pois é infalível, e do recheio como sugestão, no ponto anterior ao momento em que me empolguei e estraguei tudo. Com 1/4 de xícara de creme, e deixado na geladeira para firmar, ele não vai dar problemas de escorrer. Eu produzira o dobro da receita abaixo, pois queria duas camadas gordinhas ou quatro fininhas. Mas como acabei usando um bolo só, dividido ao meio, deixo a receita original.

O BOLO DE CHOCOLATE MAIS FÁCIL DO MUNDO
(de um dos meus livros de sobremesa favoritos: Sinfully Easy Delicious Deserts, de Alice Medrich)
Rendimento: 1 bolo de 20cm alto o bastante para ser dividido ao meio

Ingredientes:

  • 1 xic. farinha de trigo (125g)
  • 1/3 xic. + 1 colh. (sopa) cacau em pó não adoçado (35g) – ela pede natural, mas eu uso o alcalinizado e não tenho nenhum problema
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar (225g)
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) cheia de sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida (115g)
  • 2 ovos grandes
  • 1/2 xic  água quente
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 1/2 xic. da cobertura de sua escolha*


Preparo:

  1. Posicione a grade do forno no terço inferior. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte com manteiga uma forma de 20cm, com cerca de 5cm de altura, e forre o fundo com papel-manteiga. 
  2. Numa tigela grande, misture com um fouet a farinha, cacau, açúcar, sal e bicarbonato.
  3. Junte a manteiga derretida e os ovos e misture com o fouet (se for um fouet mais pesado; senão, use um garfo, pois a massa fica bem firme) até que a massa esteja toda úmida e pareça uma pasta bem grossa. Então bata vigorosamente, umas 30-40 batidas. 
  4. Use uma espátula para misturar a água quente e a baunilha, raspando bem as laterais. A massa ficará brilhante, uniforme, e bem mais líquida. 
  5. Despeje na forma e asse por 35-40 minutos, até que um palito inserido no meio saia limpo. Deixe que bolo esfrie na forma, sobre uma grade. Então passe uma faquinha nas laterais e desenforme, retirando o papel do fundo. Assim, já frio, o bolo se mantém em temperatura ambiente por 4 dias ou no freezer, embrulhado, por 3 meses.
  6. Para cortá-lo ao meio, apanhe um fio-dental comprido e passe à volta do bolo, como quem mede uma cintura com fita métrica. Se achar necessário, pode espetar palitos à volta, para apoiar o fio e ter certeza de que está na altura certa. Então cruze as pontas do fio-dental e puxe, como se fosse dar um nó. O fio passará por todo o centro do bolo, cortando-o de modo uniforme. 
  7. Recheie como quiser.


* Sugestão de recheio: coloque uma lata de leite condensado, 1 colher (sopa) de manteiga e meia fava de baunilha em uma panela em fogo médio-baixo e cozinhe, mexendo, até o ponto de brigadeiro. Deixe esfriar um pouco e misture 1/4 xic. creme de leite fresco. Leve à geladeira para firmar um pouco antes de usar. Então espalhe uma parte na camada de baixo do bolo, distribua morangos frescos fatiados por cima, posicione a camada superior do bolo e termine de espalhar o leite condensado por cima, decorando com mais morangos frescos. 





Cozinhe isso também!

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