quarta-feira, 1 de junho de 2022

Uma salada basta

 

Era para ter refeições no jardim, mas hoje choveu. E calhou que hoje, essa semana, como é todo o período antes de se sair de férias, há muito trabalho. E come-se na frente do computador. 

E poderia comer na frente do computador como fazem os canadenses, deglutindo apressadamente um qualquer coisa comprado pronto. Mas há prazeres dos quais não abro mão para não adoecer de alma, e um deles é preparar meu almoço. 

Saladas. Que há com as saladas que me encantam há tantos anos? Que desde tempos imemoriais (ou bem memoráveis, bem marcados aqui no blog), me faço saladas para almoçar solitária, enquanto assisto a algum video besta de cozinha ou olho os passarinhos entre nuvens pela janela. Às vezes levo mais tempo para prepará-las do que para efetivamente comê-las, mas assim me sinto acarinhada, cuidada, abraçada por esses meus mesmos braços que apanham panelas para dourar croutons e tigelas para fazer um molho.

Mesmo com as crianças, as saladas insistiram em se fazerem presentes. Digo aos dois, tão crescidos, como sinto falta dos nossos almoços tranquilos depois da escola no Brasil. (A memória é essa coisa linda, que esquece as birras no estacionamento da escola, as lutas para convencer a criança a provar a rúcula, ou o dilema de tirar ou não tirar a criança dormindo da cadeirinha do carro pra vir almoçar, já que o almoço tá pronto e aquela soneca zoa a rotina, mas a criança acordada da soneca vai ficar fula e não vai comer nada de qualquer forma.) Mas sou sincera: sinto saudades. De quando eles primeiro aprenderam a comer salada, ainda petititicos, apanhando com as mãozinhas cunhas de alface americana, e mergulhando num molhinho de iogurte. De quando eles já tinham idade para comerem sozinhos, e os ensinei a espetar a dobrar a folha de alface no prato e usar a faca para espetar o pacotinho verde na ponta do garfo, coisa muito educada. De terminar o almoço salada+omelete de bistrô com umas fatias de queijo bom e uma fruta. Na época em que o Thomas ainda comia fruta. (Vitórias, no quesito criança, são sempre passageiras.)

A escola canadense, que os mantém fora de casa quase todo o dia, me lançou de volta às saladas solitárias da juventude. E continuo deliciada com essa refeição leve que não me arrebata de sono no meio do dia. Essa oportunidade de criar misturas e misturar cores e texturas. 

Alface americana rasgadinha, abacate, rabanete. Tem verdura mais bonita que rabanete? 

Um molhinho improvisado que vale ser guardado para repetição: iogurte, azeite, vinagre de maçã. Assim no olho e no paladar, que você decide quão líquido ou quão ácido quer seu molhinho. Cebolinha, salsinha, coentro e hortelã, partes iguais, e bastante, seja generoso, muito bem picadinhos. Sal, pimenta-do-reino. Um alho pequeno, bem amassado. Mistura bem. Fica mais forte e gostoso se feito com antecedência. Croutons fresquinhos, pãozinho rasgado dourado no azeite e alho. (Pode amassar esse alho dourado e meter no molho também.) E só.

Que assim já tá mais que bom. 

Agora me dá licença pra catar um cafezinho, que o almoço acabou e eu tenho trabalho a fazer.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Visita fácil e quiabo acebolado com pimentão


Às vezes, eu tenho um plano. Meu plano, em primeiro lugar, com meus pais visitando por duas semanas, era me dar a oportunidade de conhecer a cidade onde moro há um ano, e que por tanto tempo esteve fechada para mim, por quarentenas e invernos intermináveis. Levei-os a todos os restaurantes que queria conhecer, a todos os lugares bonitos que eu nunca vira, tão turisticamente quanto possível.


Meu plano, era, também, não ter trabalho. Porque anfitrião cansado fica chato. E cozinhar para muita gente todo dia nem sempre é assim aquela alegria.

As crianças levaram sanduíches de almoço, e Allex resolveu muitos jantares infantis com pizza e pipoca, quando os adultos ainda estavam empanturrados das porções canadenses do almoço. 

Mas quando a fome e a vontade bateram, fui à cozinha preparar um jantar para seis sem complicações. Complicações, no caso, sendo muitas panelas, muitos preparos simultâneos ou excesso de mis-en-place. Mas pode ser simples e também saboroso, que se meus pais pegaram tantas horas de voo para visitar, não era minha intenção que jantassem gororoba de terça-feira e resto de geladeira.

Num dia, lancei mão de um pacote de ravioli de ricotta que é BEM gostoso, apesar de pronto, e, enquanto cozinhava, derreti uma quantia generosa de manteiga na frigideira grande, com um alho fatiado e folhas de sálvia (mas pode ser alecrim), até que dourasse. Juntei uns punhados de folhas de espinafre, uma pitada de sal, e deixei que murchassem na manteiga aromática. Foi mais outros punhados de tomates-cereja cortados ao meio, uma misturada, e antes que o tomate desmanchasse, os ravioli cozidos, remexendo muito bem até que os travesseirinhos de ricota se encobrissem de molho. Muita pimenta-do-reino e muito parmesão. Um prato que eu repito sempre, desde que minha amiga Marina e eu o criamos quando estávamos na praia, na minha visita ao Brasil em fevereiro.E eu sempre esqueço de fotografar.

Noutro dia, porque havia comprado confit de pato no Costco (às vezes vou ao Costco do Quebec porque lá se compra dessas coisas #phynas a preços módicos), liguei o forno bem alto, lá pelos 225oC, e lhe botei dentro uma assadeira com batatinhas com sal e azeite, cortadas ao meio, para cozinharem mais rápido. Enquanto elas assavam, cozinhei as coxas de pato como dizia embalagem (é coxa de pato temperada, imersa na própria gordura, que você só termina de cozinhar e doura no grill), descasquei os aspargos e lavei os fiddleheads, que são brotos de samambaia que só dão na primavera. Cozinhei os aspargos rapidamente em água fervente, e em seguida os brotos, que foram passados na água fria para parar o cozimento, e temperados com sal, azeite, suco de limão e alcaparras. Abri o forno, e espalhei os fiddleheads sobre as batatas, com fatias de limão, para que as temperassem e terminassem de dourar, assim, tudo junto. No finalzinho, entraram os aspargos, só para aquecer, quando então liguei o grill para dourar a pele do pato. Acho que os brotos de samambaia podem ser tranquilamente substituídos por vagens finas. Servi assim, direto na assadeira, que aqui em casa panela vai pra mesa com visita ou sem visita, que eu é que não tenho vocação pra ficar lavando louça desnecessária.

 
Em seguida, porque meu pai gosta de peixe, comprei um filé de salmão Sockeye, típico aqui do Canadá, que veio congelado. "Vai dar tempo de descongelar até o jantar?" Ô, se vai. Coloquei o salmão no pacote fechado em cima da secadora de roupas quentinha, enquanto ela secava nossas toalhas. #lifehacks. Haha. E voilà, salmão descongelado a tempo do jantar. Lá vão de novo as batatinhas no azeite em forno alto, que batatinha é um negócio maravilhoso pra encorpar jantar.
 
Enquanto isso, seco o salmão com papel toalha, e espalho nele todo azeite, sal, pimenta-do-reino. salsinha e cebolinhas picadas, raspas e suco de limão. E largo, em temperatura ambiente, até as batatas estarem quase prontas. Enquanto isso, cozinho as vagens. Tiro a assadeira quente de batatas, e abro espaço no meio para o peixe, que faz som sibilante de fritura assim que é transferido e a pele toca o metal quente. Espalho as vagens à volta, tempero tudo com limão e azeite, e volto ao forno, por uns 15minutos, até o peixe ficar opaco. Salsinha sobre os legumes nunca é demais. Acompanhou uma salada de alface e tomates bem temperadinha, e um aïoli (maionese com alho) que bati no olho enquanto o peixe cozinhava. Lembrei na hora daquele salmão com vagens e aïoli do Jamie Oliver, que postei aqui nos primórdios do blog, falando sobre como apresentar a comida toda empilhada no prato fazia ela parecer chique. O tempo passa, o tempo voa, e Ana Elisa não empilha comida no prato, mas espalha na assadeira, que é BEM mais prático. E quem não acha isso lindo, sai pra lá.
 

 
Quando não teve jantar propriamente dito, teve mesa de acepipes, que eu fui muito bem ensinada que uma tábua de frios, um pão e um vinho é jantar sim senhora, e ninguém fica cansado. E eu aproveitei para comprar uns queijos gostosos e uma manteiga de leite de cabra, que eu sei que eles não comem no Brasil, principalmente com os preços exorbitantes de hoje em dia. 
 

Ainda outras, vezes, Allex pilotou a churrasqueira, num dia bonito, churrasco propriamente dito, em que eu esqueci de comprar tomate para o vinagrete, então improvisei uma salsa verde que fica delicinha com a picanha e o queijo coalho. 
 
No outro dia, que acabou virando um susto, ele fez hambúrgueres recheados de queijo e pimenta jalapeño, que ficaram tão bons que eu o incumbi agora de catar uma receita de hambúrguer de porco com queijo manchego da Suzanne Goin e preparar pra mim semana que vem. 
 

 

 
O susto veio porque tinha chuva prevista, e a gente lá no quintal rindo que todo mundo tinha comido hambíurguer e a tal chuva não tinha acontecido. E ela caiu de uma vez só, e com ela caíram metade das árvores e postes de eletricidade da cidade, e enquanto escrevo isso ainda tem 45 mil pessoas em Ottawa sem energia elétrica, desde a semana passada. :(

O susto aqui foi só o bosque atrás de casa, que foi parcialmente destruído, mudando a luz que entra na casa e a vista do quintal. 

Mas voltando à comida.

Conforme o jantar aparecia pronto na mesa, minha mãe ria: "como isso saiu tão rápido? Eu nem vi você cozinhando". Aaaaaaanos de prática de picar legumes com faca grande, mãe! Haha. ( A resposta engraçadinha seria "É que vocês tavam bebendo vinho e não viram!" Haha) Mas também... Eu tinha um plano. A comida toda pronta na cabeça, exatamente como quando eu desenho e tenho o processo todo ensaiado na mente. E é engraçado ver como os processos se parecessem. Quando comecei a pintar, eu olhava uma imagem, e não fazia a menor ideia de como chegar naquele resultado, ainda que eu tivesse todos os instrumentos à disposição. Precisava de um passo-a-passo, um primeiro isso, depois aquilo, se você misturar esse com aquele, produz esse resultado, mas aquele com esse outro não funciona junto. Com o tempo e a prática, o cérebro começou a juntar lé com cré, e a mão passou a obedecer sem resistência, sem questionar. Sem "será que?". E eu já não penso mais no nome das cores quando pinto. Olho a imagem, e o processo inteiro está lá, como quem olha um ser humano e enxerga camadas de tecidos e músculos e veias e ossos, e apenas entende. 

Ultimamente a cozinha tem sentido assim. Um ter em mente um resultado e de alguma forma saber chegar nele. Apanhar temperos sem questionar e seguir processos numa ordem quase coreografada. 

E flui. E dança. E é muito gostoso.  

Também tem disso de a gente entender que não precisa ter vinte ingredientes, nem precisa ser tudo complicado. Se tem um pedaço da refeição que me exige muita atenção, que o acompanhamento seja uma salada, ou qualquer coisa que eu esqueci no forno. Tem essa dança dos tempos. De não se arranjar muita sarna pra coçar. Ah, Nigella, hoje eu super te entendo. 

E ontem, já sem meus pais, fui ao mercado com outro plano. Eu queria quiabo. Mas quiabo colorido. Um prato suculento, para acompanhar o arroz branco com louro e o feijão que eu já tinha pronto. Quiabo com o quê? Pensei. Com pimentão.Amarelo, pra ficar bonito com o verde do quiabo. E que mais? Cebola, óbvio que fatiada. Vai bem cominho. Coentro, com certeza. Ah, se tivesse uma pimenta dedo de moça, mas não tem disso aqui no Canadá ou eu que nunca achei. Tudo bem, completa o molho de pimenta bem brasileiro e aromático que meu pai fez aqui para o Allex. Limão pra levantar o prato.

 E ficou tão bom, mas tão bom, que no dia seguinte mandei no almoço das crianças arroz e feijão com outra coisa, e fiquei com o quiabo que sobrou só pra mim. Torrada, queijo de cabra, e o quiabo com pimentão acebolado assim mesmo frio no pãozinho quente. 

Afe, que comida boa!

Meu plano era comer bem, me divertir e não ter trabalho, e as duas semanas passaram deliciosamente leves. Agora é manter essa dança boa e continuar cozinhando com prazer. E sem complicação, que a vida já tem disso de sobra. 

Cadê a próxima visita pra eu levar pra passear?


....

QUIABO ACEBOLADO COM PIMENTÃO

Rende 4 porções.


Ingredientes:

  • 500g quiabo pequeno, do tamanho de um dedo
  • azeite de oliva
  • 1 cebola  média, fatiada em meias-luas
  • 1 dente de alho grande, fatiado
  • 1 pimentão amarelo grande, sem a parte branca, cortado em cubos de 2cm
  • 1 /4 colh (chá) sementes de cominho
  • 1 folha de louro
  • meio maço de coentro, picado
  • suco de meio limão tahiti


Preparo:

  1. Esquente uma frigideira grande em fogo médio. Enquanto isso, fatie os quiabos na diagonal, com mais ou menos 1cm de espessura. 
  2. Coloque um fio generoso de azeite na frigideira e espalhe os quiabos fatiados na frigideira, de preferência numa camada única. NÃO SALGUE. Você não quer que ele solte água ou baba, mas quer que ele seque e doure. Mexa uma vez ou duas, para garantir que todos os lados ficaram dourados. 
  3. Tempere com uma pitada de sal, a folha de louro, o cominho, mais um fio de azeite, e junte a cebola. Misture bem. Coloque mais uma pitadinha de sal, e junte o alho e o pimentão em cubos. Misture bem, e mantenha em fogo médio, mexendo de vez em quando, até que o pimentão esteja macio e a cebola tenha caramelizado um pouco. Se a panela parecer seca, junte mais um fio de azeite. 
  4. Continue cozinhando, abaixe o fogo se necessário, até que os legumes estejam bem macios e dourados. Junte o suco de limão, raspando o fundo da panela (que vai ter pegado um pouco, por conta do quiabo), com uma colher de pau. Desligue o fogo, acerte o sal e a pimenta-do-reino e junte um punhado generoso de coentro picado. Sirva imediatamente ou guarde para comer com pãozinho no dia seguinte, que os sabores se intensificam. 
  5. Coisas a se testar, mas que devem ficar maravilhosas: pimenta-dedo-de-moça picada refogada junto com a cebola, ou usar óleo de gergelim e refogar gengibre junto. Nham.


Cozinhe isso também!

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