segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Meu livro, autografado, agora! Quer? Leia o texto com atenção e carinho, que o número é limitado.


Na sexta-feira à tarde, logo antes de buscar as crianças na escola, coloquei à venda meus livros autografados em minha loja Etsy.Não, não saia daí. Senta e escuta. Cinco minutos depois, tão logo o elevador chegou ao térreo, apaguei tudo. Não era certo. Não parecia justo. E como boa libriana, harmonia e justiça são grandes ideais dos quais não abro mão. 

Eu quebrei a cabeça por um bocado de tempo, pedi ajuda aos universitários (vulgo seguidores do Instagram), conversei com amigos e colegas escritores, para encontrar uma solução para o dilema: como autografar e enviar livros que estão do outro lado do mundo. Os livros no Brasil, eu no Canadá, e uma pandemia sentada no meio, fazendo birra de que não vai a lugar nenhum tão cedo. 

A solução foi autografar cartões e enviá-los à minha mãe, que então colocaria cada cartão num livro, cada livro num envelope, escreveria os endereços, e enviaria os pacotes de meio quilo (MEIO QUILO DE LIVRO) a cada um dos leitores queridos. Parecia perfeito, a não ser pelo fato de que o peso das minhas palavras impressas tornava o frete dos livros um bocado caro. Eu me perguntava porque alguém pagaria 95 reais num livro, se ele é vendido a 50 na livraria, só porque tem minha assinatura. Não parecia justo. Além disso, a venda dos livros com autógrafo ficaria restrita a residentes no Brasil, pois ninguém fora do Brasil pagaria mais de 100 reais de frete por um livro que pode ser enviado a 19 reais pelo site da editora. Outra injustiça. Também não parecia justo fazer minha mãe ter toda essa trabalheira e ainda ficar levando pilhas de livros de meio quilo até uma agência de correio cheia de gente, depois de ter passado tantos meses isolada em casa, cumprindo as recomendações de segurança contra o vírus. 

Então comecei a receber mensagens de pessoas queridas, que compraram o livro impresso nos primeiros minutos em que ele apareceu na pré-venda das livrarias: "Ana, já que o autógrafo é um cartão separado do livro, a gente que comprou o impresso na pré-venda também pode ganhar?" Claro, pensei. Nada mais justo. Se eu tivesse um evento de lançamento em uma livraria, a maior parte dessas pessoas levaria o livro debaixo do braço para pegar seu autógrafo. Seu apoio comprando o livro tem o mesmo valor (literal e figurativamente) que daquelas pessoas que esperaram para comprar diretamente comigo.

Mas isso é outra logística. É enviar um envelope separado, apenas com o cartão. Nesse caso, eu teria de cobrar o frete e o envelope, o que tornaria a coisa toda do autógrafo algo quase mercenário. Comercialização de autógrafo. Eca. Que.Nojo. 

Não, né? 

No fim, foi uma conversa com uma amiga e com meu marido que colocou minha cabeça no lugar. Pandemia requer medidas pandêmicas. Não posso querer fazer coisas de um jeito normal se tudo em volta está fora da norma. 

"O que é importante para você?", perguntou Allex. 

"Eu quero ser lida. Quero estar no mundo. Quero espalhar meu livro. Quero que as pessoas tenham uma relação positiva com meu texto. E quero que elas saibam como estou feliz com o apoio delas."

"Você sempre fala que a solução mais simples é a mais correta. Qual é a solução mais simples?"

Suspirei. 

A solução mais simples é não vou vender minhas cópias. Elas ficam lá, quietinhas, aguardando um evento futuro que um dia vai acontecer. Um dia eu vou assinar aquelas cópias. Quem estava esperando pelo livro autografado está liberado para comprar o impresso nas livrarias. Mas eu ainda quero fazer algo legal. Eu quero agradecer. Por isso estou mandando fazer 100 cartões para autografar, com dedicatória. E eu vou enviá-los daqui de Toronto, envio simples, sem custo nenhum para meus leitores.
Por que 100? Primeiro, é a soma arredondada das cópias que eu tinha para vender mais o número de pessoas que me escreveu dizendo que já comprou o impresso; segundo, porque é o que está dentro do meu orçamento, contando a impressão dos cartões e o envio internacional. 

Isso vale para os livros impressos apenas, por uma questão muito óbvia: só se autografa livro impresso. Vale também para o mundo todo, MENOS quem mora aqui em Toronto. Quem mora em Toronto e adjacências pode comprar o livro no site da CHIADO BOOKS e me encontrar pessoalmente para eu assinar (quando acabar o lockdown).

Como vai funcionar? Do jeito que achei mais justo. Mande um e-mail para anaelisagg@gmail.com com o assunto "AUTÓGRAFO" e com:

- comprovante de compra do livro IMPRESSO

- nome completo para a dedicatória

- nome e endereço completo para envio via correio.

AS PRIMEIRAS 100 PESSOAS que me enviarem os emails COM OS TRÊS ITENS ACIMA CORRETOS, receberão os cartões dedicados e autografados pelo correio, para serem inseridos ou colados no livro. ATENÇÃO: vou contar os 100 pela ordem de chegada dos emails. Se faltarem informações ou elas estiverem incorretas, eu vou desconsiderar o email, simplesmente porque se eu começar uma conversa pedindo correções, os emails vão sair de ordem. Ok? 

Quem não entrar na lista dos 100, mas tiver enviado o material até o dia do lançamento do livro, em 8 de janeiro, vai receber por email a versão digitlizada do cartão ilustrado, como sincero agradecimento.

A lista das livrarias que vendem o livro impresso estão aqui ao lado. Os livros já estão disponíveis no site da editora, www.chiadobooks.com.br, para o envio internacional.  IMPORTANTE: o livro impresso NÃO ESTÁ DISPONÍVEL NA AMAZON BRASIL. Trata-se de um erro de cadastro, e as compras do impresso feitas lá serão canceladas. Por favor, compre o livro impresso no site das livrarias. Na Amazon Brasil, apenas e-book.

Estou colocando esse texto ao mesmo tempo no blog e no Instagram, para ser justa com todos. 

Obrigada, de todo o coração,por todo o carinho e apoio não apenas durante o processo de criação e publicação do livro, mas por todos esses anos. Amor e luz para vocês. 

 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O pato e a truta

 

Às vezes me pego fantasiando com um cappuccino numa xícara que meus lábios não reconheçam, numa mesa frequentemente lustrada por repetidas passadas de pano com desinfetante, e sons de louças empilhadas, vapores de máquinas de espresso e vozes diferentes das de meus filhos. Suspiro pelo balcão estreito de um bar pequeno a setecentos metros de casa, que me traz lembranças queridas de um outro em Amsterdam, e cuja fachada visito toda semana, com o olhar de saudades imaginárias, através de uma porta de vidro temporariamente fechada. Imagino o cheiro da cerveja absorvida pelos veios da madeira, e a conversa com o canadense barbudo e amigável que eu escalaria para me servir uma caneca caso minha vida fosse um filme. Surpreendo-me sentindo falta de comprar meias numa loja, tocando o tecido sintético com as pontas dos dedos que cheiram a cebola picada e café. Sinto falta do cheiro dos meus dedos, que hoje fedem a diferentes qualidades de álcool.

Dezembro chega com uma estranheza familiar. Um desconforto que já faz parte, como um joanete encaixado num sapato velho. Tempo normaliza as mais incríveis aberrações, desde que repetidas com constância. Não é mais preciso lembrar as crianças de colocar máscaras ou lavar as mãos. Já não me surpreendo com filas à porta do mercado. Quando me disseram que é preciso reservar horário no rinque de patinação do parque, para evitar aglomerações, deixei escapar uma interjeição entediada de quem ouve obviedades. 

Noutro dia avistei no lago alguns patos do ártico. Patos do ártico, esse pássaro pequeno e bonito, manchado de preto e branco em linhas exatas, como se pintado por um artista gráfico obsessivo e minimalista. Gosto de acreditar que ele seja o resultado do caso de amor entre um pato de fazenda e um pinguim. Mas a lembrança de que não há pinguins no ártico frustra minhas fantasias. E então me dou conta de que o pato do ártico ali carrega com ele outras frustrações. Ele não acabou de partir? Não foi ontem, nas primeiras semanas de março, quando avistei os últimos patos do ártico flutuando no lago gelado, antes de sua partida para o verão no norte? Como pode ter passado o tempo? Como podem os patos do ártico terem retornado e nada ter mudado desde aqueles dias?

Suspiro. Digo oi aos patos do ártico. Aceito sua presença aqui, e a espiral cíclica e paradoxal de previsibilidade sem controle que ela significa. 

Abraço mentalmente os patos, o caos, o descontrole, o tempo.

O tempo traz também clareza. Acontecimentos erráticos entram em formação e, como o voo dos pombos que habitam os telhados das lojas do lado de casa, repentinamente fazem sentido. Como o rosto observado no espelho por tempo o bastante para perder conexão entre as partes, as partes, olhadas atentamente por tempo bastante, revelam uma conexão que beira a obviedade do rinque de patinação na pandemia.

De todos os padrões e ciclos visualizados nos últimos meses (anos?) o mais óbvio deles, e que por mais tempo passou desapercebido, foi a relação entre meu foco criativo e minha energia. E quando mencionei isso a Allex, ele riu, tamanha obviedade. Só eu não vi? Só eu não vi que quando minha energia criativa está ligada à pintura e à escrita, não resta nada para a cozinha? Que quando minha mente se engaja na exploração de novos caminhos pela pintura, na criação de textos e ilustrações, um arroz com ovo me basta? Que quando estou preocupada com processos e burocracias da minha arte, não quero fazer nada mais complexo que um bolo de liquidificador? 

E o contrário se aplica: quando mergulho com vontade nas práticas mais complexas da cozinha e da confeitaria, e me meto a ler e ver e ouvir e respirar comida, não sobra uma fagulha que atice o fogo criativo dos pincéis.

E enquanto me deixo consumir pelo calor do forno, as criações do fogão satisfazem o apetite da alma, e os outros projetos permanecem largados, incompletos e abandonados, esperando o completar da digestão e o retorno da fome criativa.

Dezembro, com suas costumeiras correrias pré-natalinas, trouxe a estranheza mais estranha de todas: a pausa. Fim do ano nunca é pausa. É festa, é gente, é planos. Mas este ano, estranhamente, a festa não tem gosto de comemoração, não há gente vindo visitar de longe, e mesmo quem está perto é proibido de vir, e planos? Bem, planos não se fazem em 2020. Um fim de ano sem pressão de ser fim de ano. Um fim de ano blasé, discreto, um fim de ano bebendo no canto do salão, observando de fora, sem fazer alarde, sem ser notado. 

Quando o furor do trabalho de escrever, publicar, pintar, vender, desenhar, divulgar, e entregar tudo no prazo, começa a rescindir, aquela vontade de folhear livros de cozinha surge tão de repente quanto o pato do ártico. E na estranha pausa de fim de ano que a pandemia me provê, dou-me conta de estar planejando receitas novas, explorações gastronômicas e aventuras de confeitaria novamente. 

Surpreendo-me com a vontade de preparar aquela truta com cogumelos do livro francês, e me dou conta de que minha vontade de desenhar desaparece no mesmo passo. Aconteceu de novo. E acontece sempre, esse cansaço, esse saco cheio, que torna meu interesse instável e pesa nos ossos,depois de uma fase inteira de atenção num só assunto, focado, obcecado, tenso, como um cabresto criativo.  

O ciclo fica claro, e mais claro fica o fato de que eu talvez mergulhe muito profundamente em cada uma de suas fases, como se minha criatividade fosse um lago profundo ao invés de um mar. O mergulho intenso em águas paradas me deixa sem ar: nado cada vez mais fundo, e volto à tona apenas quando exausta, surpresa por minha enfadada apatia pela atividade recém-explorada, esperando pelo próximo mergulho em águas diferentes, sem saber que nunca saí do lugar.

Como o pato do ártico, também me deixei enganar por um tempo por esse vasto lago que parece mar mas não é.

Se eu não nadar tão fundo e me deixar flutuar e relaxar de vez em quando, conseguirei manter a cabeça fora da água para enxergar as ondas vindo, deixar-me levar de jacaré por uma, atravessar outra por baixo num prender de respiração, e pular meu caminho de volta até o fundo, daquele jeito de criança que tenta furar a onda com o corpo reto e acaba tomando caldo, levantando com areia no cabelo e o maiô enfiado na bunda. Mas rindo.

Criar rindo.

Um pouco de escrita, um pouco de pintura, um pouco de cozinha, sem cansar de nenhuma delas. Como foi um dia, quando comecei a escrever aqui, antes de endurecer e acreditar no mito da produtividade. Nem só um, nem só outro. Equilíbrio. Tensão e relaxamento. Nem cá, nem lá, feito ave migratória. Um pouco de trabalho, um pouco de diversão. Criatividade na vida é feito sal no prato: mais gostosa quando bem distribuída.

Não quero mais esse um fogo criativo explosivo que se exaure, mas brasas duradouras por toda a parte. 

O pato do ártico trouxe à tona uma frustração, mas toda frustração, se observada com cuidado, traz com ela um aprendizado. O pato branco e preto de designer voltou ao lago que parece mar, como se os meses entre março e dezembro nunca tivessem acontecido. Mas fecho os olhos e suspiro um suspiro de esperança, de saudade de um futuro, pensando que um um dia também essas partes de 2020 vão se ligar numa imagem clara, que o que parece hoje confuso vai fazer sentido. Quando estiver outra vez escrevendo no café do bairro, ou bebendo uma cerveja com uma amiga no pequeno bar do balcão de madeira, esses meses estranhos terão sido uma fase num ciclo cuja imprevisibilidade caótica será óbvia e aceitável. O pato do ártico deixa o lago e retorna ao mar, repito a receita da truta com cogumelos numa terça-feira do ano que vem, e lembro desse baile de máscaras como quem vê uma fotografia de carnaval mas só consegue descrever a ressaca do dia seguinte.

...

TRUTA ARCO-ÍRIS (ou salmão) COM MOLHO DE CREME E COGUMELOS.

(do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)

Rendimento: 6 porções

Obs: Truta Arco-Íris (Rainbow trout, ou Steelhead Trout) é uma truta, parente do salmão, de rios gelados da América do Norte. Seu sabor e textura lembra um bocado salmão atlântico, ainda que seja mais suave. Caso não encontre truta, pode usar a mesma quantidade de salmão atlântico. 

Obs2: na primeira vez em que preparei esse prato, usei filés de peixe menores e servi com um gratin simples de batatas. Desta vez, usei arroz. O peixe tem bastante molho, que é delicioso, então sirva com algum acompanhamento que absorva um pouco do molho. 

Obs 3: A pele do peixe ajuda ele a não grudar, mas não se incomode em deixá-la crocante, uma vez que o molho fará com que a pele amoleça novamente. Corte a cebola ou echalota realmente pequenininho, porque ela vai apenas cozinhar um pouco no molho, e não dourar, e você não quer pedaços grandes de cebola crua. Na primeira vez, piquei os cogumelos em pedaços pequenos, desta vez, fatiei. Fica bom dos dois jeitos, e eu gosto de colocar mais cogumelos do que a receita pede. Fica a seu critério. Já fiz com crème fraîche e com  creme de leite fresco, e as duas versões ficam deliciosas.

Ingredientes:

  • 800g de filés de truta com pele (ou salmão),cortados em pedaços de 100-120g.
  • 1/4 xic. farinha de trigo
  • sal e pimenta-do-reino
  • 2 colh. (sopa) generosas de manteiga
  • 1/4 xic. vinho branco
  • 1 echalota pequena ou 1/4 de cebola branca picada BEM fininho
  • 100g de cogumelos picados (Paris, Cremini, o que quiser)
  • 2/3 xic. crème fraîche ou creme de leite fresco
  • Salsinha picada para finalizar (que eu sempre esqueço de colocar e é opcional)

Preparo:

  1. Passe os filés de peixe na farinha de trigo, para cobri-los bem, chacoalhe o excesso e tempere com sal e pimenta. (Importante: faça isso apenas na hora de cozinhar, ou o sal fará o peixe soltar umidade, o que, em contato com a farinha, vai produzir uma cola, e ao invés do peixe selar na frigideira, ele vai grudar.)
  2. Derreta a manteiga em uma frigideira grande, coloque lá o peixe, com a pele para baixo, e cozinhe em fogo baixo, virando uma vez, até que esteja ligeiramente dourado.
  3. Derrame o vinho e imediatamente polvilhe a frigideira com a echalota (ou cebola) e os cogumelos picados, espalhando de forma uniforme. Junte o creme e continue cozinhando em fogo baixo por 10 minutos, sem tampa. 
  4. Transfira o peixe para uma travessa, leve o molho à fervura, acerte o tempero e derrame-o às colheradas sobre o peixe. Polvilhe com salsinha, e sirva imediatamente.

Cozinhe isso também!

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