O Inverno de verdade demorou para chegar, mas quando chegou, chegou chegando. |
Sabe resolução de ano novo? Eu detesto resolução de ano novo, e não me invento uma desde a minha adolescência. Porque, né? eu gosto de ser do contra. Foi meio sem querer que Janeiro acabou virando um mês que teve feeling de resolução de ano novo, mas foi engraçado por isso mesmo: porque não foi uma resolução de ano novo. Muitas transformações aconteceram, no meio do clima louco que despencou dos 5 graus positivos para os 36 negativos durante duas semanas, inclusive minha primeira exposição em Toronto, no Starving Artist Café, que exibiu minhas aquarelas durante 8 semanas. :)
Acordei no dia primeiro do ano incomodada. Muita coisa passara pela minha cabeça durante o mês de dezembro, e quando me levantei da cama para tomar o primeiro cappuccino do ano, conseguia sentir minhas caraminholas se movendo no meu cérebro.
Mamãe, quer waffle? perguntaram as crianças. Não, respondi. Acho que quero dar um tempo do açúcar. Quero ver o que acontece.
Não era dieta, não era modismo, era mera curiosidade. Eu achava que era uma pessoa que já não consumia lá muito açúcar mesmo (vide o post do que como num dia normal), mas fiquei curiosa em saber se eu conseguiria ficar sem o pouco que a que eu me acostumara. Sabia que o ponto fraco era o goró, meu tipo de açúcar preferido, e eu acreditava que a experiência me ajudaria a ter mais clareza dos gatilhos emocionais e circunstanciais que me faziam comer uma fatia de bolo ou abrir uma cerveja.
Minha pele andava mais manchada do que o normal, sentia meu corpo inchado, e meu padrão de sono havia um tempo parecia errático, e intuí que deveria ter a ver com o quanto de álcool e açúcar que andava ingerindo (não a quantidade, porque não sou de exagerar há já uns anos, mas a frequência). Pois ainda que a "regra" aqui em casa seja de não beber durante a semana (até porque bebida alcoólica aqui em Ontario é cara), eu pareço sair do eixo toda vez que temos visitas, pois a visita está de férias e você entra no ritmo do convidado mesmo que sem se dar conta, aproveita para relaxar também... e nós tivemos um bocado de visitas no segundo semestre de 2018, e eu claramente não conseguira voltar a meu ponto de equilíbrio desde então.
Além disso, numa terça-feira em que as crianças perguntaram se havia sorvete de sobremesa do jantar, surpreendi-me com a resposta contundente de meu marido: "Ué, por que teria? É terça-feira!", E naquele momento me dei conta de que por boa parte da vidinha dos meus filhos, essa fora a regra de casa: podia até ter um bolo ou biscoito indo de lanche da escola, mas o conceito de "sobremesa", de "doce depois das refeições", sempre foi meio que coisa de fim de semana apenas. Sobremesa durante a semana é fruta. Ponto. Se quiser. Se não quiser fruta, vai escovar os dentes e xô.
Acontece que durante o verão, com a Saga-do-Sorvete-de-Fruta-Para-Fazer-Thomas-Comer-Mais-Fruta, continuei o embalo e quando me dei conta, todo mundo estava terminando o dia com sorvete. Mas agora de chocolate, de baunilha, de iogurte, de cheesecake, do que fosse.
"Ok, papai tem razão. Acabou a festa do doce e estamos voltando à normalidade. Sobremesa é só de fim de semana."
Antes que alguém revire os olhos e me xingue nos comentários, as crianças reclamaram no primeiro dia. Perguntaram da sobremesa no módulo automático no segundo dia. No terceiro já pediram licença da mesa e foram escovar os dentes e brincar. E quando chegou a sexta-feira, vieram felizes da vida perguntar qual era a sobremesa do fim de semana e está todo mundo contente e tranquilo. Esperar faz bem. (Tempo de tela é a mesma coisa aqui em casa: tv e video-game é só de fim de semana, e ninguém está sofrendo por isso.) E os dois sempre foram acostumados com uma casa que não tinha um monte de biscoito e chocolate dentro do armário.
Enfim.
No mesmo dia em que decidi cortar o açúcar (ou pelo menos diminuir, sabendo que o aniversário da Laura viria e que eu me permitiria alguma bebida durante os eventos já marcados com amigos, só pra evitar encheção de saco), também foi o dia em que propus a meu marido que começássemos a exercitar melhor nossa frugalidade. Sentei com nossas finanças e esmiucei todas os gastos do último ano, que agora finalmente haviam entrado num ritmo estável depois da mudança de país,e poderiam ser melhor avaliados. Saímos fazendo cortes onde podíamos, e estabelecemos algumas novas metas. Cortar cabelo em casa (um corte besta de máquina no barbeiro por aqui sai bem uns 50 dólares com gorjeta!! - e sim, cortei meu próprio cabelo e ficou muito bom, diga-se de passagem), ficar de olho nos horários mais baratos da companhia elétrica (aqui você tem horários e dias em que o preço da energia cai quase que pela metade), e mais várias outras pequenas e grandes mudanças, inclusive... tentar pela primeira vez realmente se manter dentro da meta de supermercado, que em muitos meses estourava em uns 20 a 30%, principalmente por aquelas autoindulgências típicas da nossa geração "eu mereço (item), porque...(insira seu motivo aqui)". Ou porque esquecíamos de deixar guardado aquele tanto para gastar no produto de limpeza que estava acabando, ou na ração do cachorro, que incluímos na categoria Groceries para simplificar nosso orçamento.
A comida do cachorro entra na nossa lista de comida porque, né? cachorro também é gente. |
E lá fui eu.
Como mostrei no post anterior, sobre as compras de mercado, a primeira coisa que fiz foi verificar meu inventário: tudo o que havia de comida, bebida, ingredientes, produtos de limpeza, comida de cachorro, para verificar o que de imprescindível precisaria ser comprado aquele mês e para o qual eu teria de deixar uma "verba alocada". Montei na minha lousa da geladeira a maior quantidade possível de refeições com o que eu tinha em casa, indo de coisas bonitas como "quiche de abóbora e salada verde com rabanetes" até pratos tão absurdamente simples que pareciam saídos de uma verdadeira economia de guerra, como o dia da "Sopa Daquilo Que Sobrou", das fotos aqui em baixo. O objetivo era usar a criatividade para de fato esmiuçar a despensa e a geladeira até o último ingrediente disponível. E aproveitar para colocar à prova aquela minha teoria do último post de que você aprende a cozinhar de verdade com os ingredientes básicos, e não com com ingredientes caros.
Como transformar uma cenoura, uma cebola, um talo de salsão, um ramo de salsinha, borda de pizza de ontem, uma casca de parmesão e 1/4 xic de arroz para risotto em uma refeição para quatro pessoas? |
Faça uma SOPA. |
Enquanto isso, lá ia eu sem açúcar.
A manhã começou bem: eu nunca coloco açúcar no meu cappuccino, pois gosto de sentir a doçura da gordura do leite e o amargo do café. Para mim, açúcar adicionado só atrapalha. E prefiro um pão com manteiga e sal a qualquer outra coisa doce quando acordo. Foi no lanche das dez que a coisa entornou um pouco. Voltei da corrida, e quando fui montar meu potinho de iogurte e fruta, percebi que não usaria o mel de sempre. O iogurte que eu comprara aquele mês, mais barato que o meu habitual, era também mais ácido, e a fruta cortada em pedaços não foi um contraponto doce o bastante. Mas logo percebi que se RALASSE a fruta dentro do iogurte, ela soltaria seus sucos, distribuindo doçura mais uniformemente e tornando o mel desnecessário. #ficaadica.
O almoço, por sua vez, manteve-se igual.
*** Aliás, uma curiosidade: não sei por que cargas d'água, mas é impossível separar as bananas canadenses do cacho com as mãos. As cascas são tão fortes, que preciso de uma faca para cortar a banana fora do cacho, como se estivesse tirando o cacho inteiro da bananeira. BIZARRO. Fim da curiosidade. De volta ao post. ***
Hora do jantar. Tudo corre normalmente, apenas evitando receitas cujo tempero envolvesse açúcar ou mel no preparo.
E aí veio o snack da noite. Aquele, que eu andava querendo evitar. Num dia uma banana bastou. Em outro, que desejava algo salgado, me vali dos legumes com hommus, que sempre tenho na geladeira. Mas meu snack da noite favorito, descobri, são fatias de maçã mergulhas em manteiga de amendoim e um bocado de canela. Parece estranho mas é na verdade delicioso e muito satisfatório.
Então quer dizer que foi muito fácil ficar sem açúcar e deu tudo muito certo?
Sim e não.
Como eu já comia pouco açúcar e eu já tinha um mindset de tentar buscar coisas mais saudáveis para beliscar, não foi difícil mudar o HÁBITO, porque foram poucos os momentos do meu dia em que eu precisei buscar uma alternativa. Eu nunca como sobremesas logo depois das refeições, então eu não me vi em momento nenhum "procurando um docinho".
O que eu vi foram algumas "condições de temperatura e pressão" em que eu ficava sim buscando desculpa para terminar o dia com alguma coisinha alcoólica. Não todos os dias. Eram alguns específicos. Normalmente no fim dos dias difíceis. Ou nas sextas-feiras, por exemplo, quando eu começava a preparar a pizza. Foi quando senti falta do meu vinhozim. Mas muito rapidamente, e aí foi a parte interessante, percebi que não era do gosto ou do buzz que eu sentia falta. Era de ter o copo na mão. Então assim como fiz durante aquele um ano e meio em que fiz dieta com nutricionista antes de engravidar, troquei o copo de vinho por uma xícara de chá. E tudo correu bastante bem.
Então foi tudo tranquilo e maravilhoso?
Não.
Assim como eu havia pesquisado, no terceiro dia sem açúcar minha energia e meu humor foram para o buraco. Eu queria gritar com todo mundo, tudo parecia difícil e horrível, todos estavam no meu caminho, e minha cabeça doía, não pela falta de açúcar, mas pela quantidade de tempo que mantive o cenho franzido, cultivando o ranço dentro mim. Esse foi o único dia em que não comi um snack da noite: porque fui dormir às oito e meia, enfurecida e exausta com o universo.
Um amigo do Allex, que fizera essa mesma desintoxicação de açúcar na época em que tentava descobrir a que diabos tinha alergia (a fermentos, no final ele descobriu), explicou a ele: Ih, o terceiro e o sétimo dia são os piores, e depois passa.
Dito e feito. No sétimo dia eu parecia igualmente confusa e mal humorada. Mas o que se seguiu depois foi sensacional.
"Minha cabeça está funcionando!", eu disse a Allex, que me olhou sem entender. "Sério, é como se tivessem passado um limpa-vidros no meu para-brisa sujo pela primeira vez."
O que eu sentia era clareza mental. Andava acordando mais facilmente e com muito mais foco. Eu sabia o que precisava ser feito e estava fazendo. Foi nesse momento, inclusive, que corri atrás e consegui minha primeira exposição de arte em Toronto. Foi quando voltei a produzir mais. Foi quando comecei a enxergar melhor algumas coisas acontecendo no meu dia-a-dia que poderiam ser melhoradas.
E meu corpo?
Ao final de duas semanas eu havia desinchado visivelmente e as manchas vermelhas em meu rosto haviam sumido. E a melhor parte de tudo, e que mais me chamou a atenção, é que pela primeira vez em minha vida, eu não tive NENHUMA TPM. Há dois dias por mês em que eu viro um monstro descontrolado, em que grito com as crianças sem motivo e fico procurando pêlo em ovo para arrumar briga: o da ovulação e o dia antes da menstruação descer. É tão certeiro, que uso isso até como guia para saber quando as duas coisas estão acontecendo ou vão acontecer. Nesse mês... não teve... NADA.
Outros efeitos interessantes:
- a partir da segunda semana, eu parei de ter vontade de beber. Quando Allex me perguntou se queria uma cerveja, respondi que SIM, mas logo em seguida mudei de ideia, porque me dei conta de que respondera automaticamente, e não de fato porque tinha vontade.
- nos momentos em que bebi, foi muito mais fácil parar ainda na primeira ou segunda, sem me sentir sequestrada emocionalmente por qualquer espécie de pressão social.
- os efeitos da bebida (mesmo que tão pouca) no dia seguinte ficaram MUITO mais evidentes, principalmente a quantidade de tempo que meu corpo levou para voltar ao normal depois. Essa velocidade de reparação parecia sempre mascarada pelo consumo de outros açúcares no meu dia-a-dia e não me permitia entender meu corpo.
- a vontade de comer doce sumiu. Mas quando eu comi açúcar, tive os mesmos sintomas de uma ressaca. No fim de semana do aniversário da Laura, em que tive 2 eventos em que bebi (pouco) e comi bolo, toda aquela clareza mental DESAPARECEU por uns 3 dias e meu humor voltou a ficar instável.
Era aniversário da Laura, e como ela pedira para chamar umas amiguinhas em casa no sábado, disse a ela que haveria bolo apenas no dia da festa, ao que ela concordou. No entanto, sem que ela soubesse, preparei esse bolo simplíssimo de baunilha da Alice Medrich, apanhei as framboesas congeladas, e fiz uma geleia rápida e azedinha. Depois da escola, enquanto Laura tomava seu banho compriiiiido de banheira, Thomas me ajudou a cortar o bolo ao meio, recheá-lo, e cobri-lo com chantilly recém-batido. Ele decorou com mais algumas framboesas e posicionou as velas. E Laura ficou felicíssima depois do jantar, quando anunciamos que, apesar de ser uma quarta-feira, teríamos sobremesa.
Thomas recheou e decorou o bolo-surpresa da Laura, que achava que só cantaria Parabéns no dia em que as amigas viessem. |
Foi unânime que esse tem que ser o novo bolo oficial de aniversário, pois ficou infinitamente mais gostoso que o de chocolate. |
O jantar também fora especial: pão de queijo e pastel, a pedido da aniversariante. Usei a receita da massa da Rita Lobo. A receita diz para abrir a massa até a espessura 3 da máquina de macarrão, mas o pastel acabou saindo mais com textura de panzerotti que de pastel de feira. Tive de abrir novamente toda a massa depois do primeiro teste, até uma espessura quase transparente, se não me engano, no nível 8. Preparei o dobro e deixei guardado o que sobrou para fazermos mais pastel no fim de semana.
O sabor escolhido pela aniversariante foi Pastel de Pizza. Essa foto foi da massa teste, que saiu muito grossa. |
E no fim de semana seguinte, quando Allex resolveu preparar sozinho um pudim de leite, e pesquisou uma receita do "melhor pudim de leite do Brasil", que levava uma tonelada de leite condensado e uma quantidade brutal de gemas de ovos, também um pedaço para mim bastou. Estava uma delícia. Mas depois de uma colherada gorda, eu sentia REALMENTE que eu já tinha matado a vontade.
Tudo isso me fez pensar a respeito da minha relação com açúcar, seja em forma de doce ou de álcool. Desde como somos ensinadas a enfiar o pé no doce para compensar nossas frustrações (pense na cena clássica da mulher rejeitada, chorando, comendo um pote inteiro de sorvete, ou na frase também clássica "ai, estou de TPM, tô precisando de um chocolatinho"), até na minha relação a cozinha.
Porque se eu não como doce, eu não faço doce (exceto pelo aniversário da Laura). E se eu não faço doce, ninguém em casa come doce. De novo, a não ser pela uma goiabinha que mando no lanche da escola e pelas sobremesa do fim de semana, todo mundo aqui em casa começou a comer MUITO MAIS FRUTAS. Inteiras, in natura. Não dentro de sorvete, pudim ou bolo. Dá pra contar nos dedos das mãos quantos doces a família toda comeu esse mês. E eu não enchi o saco de ninguém, nunca falei que era para a família inteira cortar doce, eu deixei bem claro que era uma experiência MINHA.
Mas acabou sendo melhor para todo mundo.
O que sobrou da quantidade BRUTAL e bananas, maçãs e clementinas que eu comprara no começo da semana. |
Na minha busca por uma vida tranquila, tem entrado muito a MME: Maternidade do Mínimo Esforço. Um termo que vou acabar cunhando, marca registrada, fui eu que inventei (hahaha), porque me deu um bode geral de soluções complicadas para problemas simples. Comida simples. Direta ao ponto. Fruta de sobremesa. Tem sido meu novo lema. Agora, mais ainda.
Maaaas...na minha primeira semana sem açúcar, saí correndo internet afora atrás de receitas de sobremesa sem açúcar para toda a família. Comprei chia para fazer geleia sem açúcar para as crianças. Compilei receitas usando bananas e abacates e tâmaras. DE NOVO.
DE
NOVO
AFE
*Suspiro*.
Cara, eu já fiz isso quantas vezes? QUANTAS??
Benzadeus pela clareza mental.
Parei. Apaguei tudo.
Quero mesmo passar meu dia fazendo bolinha de tâmara? Eu quero ficar preparando mousse de abacate com cacau quando posso só morder uma pera?
Qual é a solução mais simples? Se você não quer comer açúcar mas quer comer algo doce, QUAL É A SOLUÇÃO MAIS SIMPLES? Um mousse de abacate com tâmara e cacau... ou uma maçã?
Uma maçã basta. E que o mais complicado seja uma polvilhada de canela.
No meu mês frugal, o arroz e feijão voltou com tudo. Jantar de ontem foi arroz integral, feijão preto, brócolis refogado e abóbora assada, e o prato estava tão lindo que me arrependi de não ter fotografado. Assim, simples. Sem temperos complicados. Laura resolveu ontem que gosta de abóbora (então agora são 3 contra 1 aqui em casa! hahaha!). Simples. Comida boa e gostosa. Com cara de casa, não de restaurante.
Quando Allex me disse que queria dar um tempo da carne novamente e voltar a fazer hambúrguer vegetariano, a primeira coisa que fiz foi pegar na bilioteca de novo todos os livros do Green Kitchen Stories e aqueles vegetarianos que eu tinha no Brasil. E depois de folheá-los extensamente, suspirei e me dei conta de que não queria fazer nada daquilo. Não queria criar de novo aquela despensa imensa que eu tivera no Brasil. Não queria de novo ficar seguindo receitas para combinar vinte e sete ingredientes. Sabe o que é vegetariano? Arroz, feijão, legumes deliciosamente refogados em azeite e uma salada muito bem temperada. E lá vinha o bode outra vez. Bode desse hábito de se complicar, bode do FOMO que faz com que eu acredite que preciso tentar coisas novas O TEMPO TODO.
Bode, bode, bode.
O resultado do mês é que passei menos tempo na cozinha. Eu voltei a fazer pães com regularidade, mas não fiquei me sentindo pressionada a fazer bolo ou biscoito toda semana para as crianças levarem para a escola. A comida mais simples e mais previsível é mais fácil de preparar e de reaproveitar. Cortei as idas semanais no supermercado e comecei a ir realmente apenas quando itens imprescindíveis acabassem (como leite, ovos e farinha), ou quando não conseguisse mais produzir nenhuma refeição com o que havia na despensa. O que quer dizer que também passei menos tempo indo a supermercados.
Ainda que eu continue encucada com a nutrição das crianças na escola, principalmente nesse ambiente norte-americano meio trash, confesso que fiquei menos paranoica com o valor nutricional dos pratos que cozinhei. Se é comida de verdade e compõe uma refeição decente, tá bom, obrigada. Hoje em dia sou feliz com essa cozinha simples de dia-a-dia. Sou feliz com banana com canela, sou feliz com o mesmo bom e velho bolinho de iogurte, com minha torrada de abacate e com spaghetti com molho de tomate. Sou feliz com brócolis no alho e azeite e com batatas assadas com alecrim. Com feijão e ovo frito e com tapioca com queijo.
Se um dia eu me fartei de cozinhar panquecas de todos os jeitos e scones e biscuits e toda sorte de itens diversos de café da manhã, minha felicidade hoje reside em pão com manteiga e café quente.
Simples.
Eu tenho certeza que essas pessoas que a gente acaba seguindo internet afora devem ser muito felizes com as soluções que elas encontraram para a vida delas. Que dão certo no contexto delas. Mas para mim o diagnóstico é sempre o mesmo: basta desligar a internet um pouco para a paz de espírito retornar.
Cada vez mais, todas as soluções complicadas são as soluções erradas para mim, para o meu contexto, para minha vida e para minha família.
.....
No último fim de semana do mês, comemorei o fato de ter ficado, PELA PRIMEIRA VEZ desde que chegamos ao Canadá (ou pela primeira vez desde que saí da casa dos meus pais) ABAIXO da meta de supermercado (e de bebida alcoólica!). A comemoração veio de uma forma bastante frugal: usando todas as claras de ovos não utilizadas no pudim de leite do Allex para produzir um Mousse de Chocolate. Porque meu filho disse que não sabia o que era mousse, e isso me desconcertou. Mousse de chocolate era minha sobremesa favorita de infância. E eu fiz tanta sobremesa complicada ao longo dos meus anos, e tantas sobremesas com substituições "saudáveis", e tantas sobremesas com ingredientes exóticos, que eu sequer tinha uma receita "oficial" de mousse de chocolate, daquelas testadas e aprovadas repetidamente.
Fui direto ao meu livrão de todas as coisas francesas, o I Know How to Cook, da Ginette Mathiot.
Esse mousse de chocolate é muito leve e muito fácil, e foi unanimemente aprovado na família. Além de tudo, é simples e doce na medida, e me deixou felicíssima em saber que finalmente tenho outra coisa para fazer com o mar de claras congeladas que sempre tenho no freezer, além de Angel Food Cake.
A receita pede apenas 2 colheres de sopa de açúcar e não especifica o teor de cacau do chocolate. Usei 70% da Callebaut, que é mais suave do que o Lindt, que tem um final mais amargo. Mas, temendo que as duas colheres somente produzissem um mousse muito "francês" e "adulto" (porque Allex disse que gosta muito do meu pudim de leite, mas que é muito "adulto", e que o dele alimentava a criança gordinha dentro dele. Hahaha), acabei aumentando a quantidade aos poucos, e usando 4 colheres de sopa (ou seja, 1/4 xic.). Mas pretendo fazer novamente apenas com duas. O mousse não ficou muito doce, o chocolate amargo ainda era o principal sabor. Aliás, para esse chocolate, acho que ficou perfeito. Mas recomendo que você experimente o seu chocolate e decida se prefere a quantidade original de açúcar ou um pouco mais.
Enfim.
O mês com menos açúcar foi uma experiência excelente. Eu descobri que me sinto infinitamente melhor com nenhum açúcar durante a semana, inclusive álcool. Descobri que continuo precisando do meu snack à noite, não para acompanhar a cerveja ou porque quero açúcar, mas porque de fato TENHO FOME. Descobri que consigo ficar sem beber álcool tranquilamente, e agora sei quando realmente quero e quando é meu emocional pedindo compensação, quando nesse caso, volto pro meu chá e tento de fato resolver meu problema ao invés de entorpecê-lo de açúcar. Descobri que a família toda se beneficia dos caminhos mais simples. Redescobri meu amor pelas frutas. Descobri que consigo sim economizar no supermercado sem fazer ninguém sofrer por isso. Descobri que esse desafio foi fácil não porque eu já não comia muito açúcar, mas porque eu não entrei nele com uma mentalidade de restrição: eu nunca disse EU NÃO POSSO comer açúcar, mas EU NÃO QUERO. Entrei nessa com curiosidade científica, com vontade de explorar minhas possibilidades, e não querendo me punir. E com isso, consegui o presente de me entender melhor.
Vou continuar fazendo sobremesas com açúcar. Quando eu tiver vontade. Para o fim de semana. Porque esperar o fim de semana para ver seu desenho e comer mousse de chocolate é gostoso. Assim como sei que é gostoso esperar o domingo para sentar no sofá com uma caipirinha. Assim como esperamos a pizza de sexta-feira. E da mesma forma como faço a pizza de forma relaxada, porque está inserida como algo bom na minha rotina, começo a ficar contente pensando qual será o doce da vez. E é só ele, e não precisa ser complicado. Não precisa ter cara de especial, porque por ser raro, é especial em si mesmo.
Mas nesse mundo internetístico em que as pessoas querem ver receitas mais gourmet, preparos mais complexos, pratos com temperos exóticos, saladas nutricionalmente perfeitas, novidades incríveis para seu paladar, variação infinita... fico me perguntando qual será o futuro desse blog. Com os legumes refogadinhos e os mesmo bolo de sempre. No espaço virtual, há espaço para uma cozinha simples? Quão instagramável é uma clementina?
MOUSSE DE CHOCOLATE
(do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)
Ingredientes:
- 200g de chocolate amargo
- 6 claras de ovo
- 2 colh (sopa) de açúcar
Preparo:
- Em banho-maria, derreta o chocolate picado, misturado a 2 colheres (sopa) de água, mexendo de vem em quando com uma colher para que derreta uniformemente.
- Enquanto isso, bata as claras até picos moles. Junte o açúcar e continue a bater até que fiquem bem firmes (mais do que você faria para um bolo).
- Junte 1/3 das claras ao chocolate e misture energicamente, para que fique homogêneo e o chocolate misture mais fácil ao restante das claras.
- Incorpore o restante das claras, agora com delicadeza, e, quando o creme estiver homogêneo, coloque em uma tigela ou potinhos individuais, cubra com filme plástico e deixe firmar por várias horas, no mínimo quatro.