Capuns é um prato ítalo-suíço, até onde eu sei, da região de Grigioni, e lá são feitos também com um tipo de carne seca bovina regional, omitida pela receita da revista. Devem ficar ótimos acompanhando uma carne, ainda que eu tenha servido apenas com uma saladinha de tomate, uma vez que os capuns já são bem substanciais por si sós.
As fotos da revista confirmaram uma suspeita antiga minha: de que a bietola italiana, que é frequentemente traduzida como "acelga", não é nossa acelga verde-clara e bojuda, com jeitinho de repolho, mas sim é mais próxima do que nós chamamos de couve-chinesa ou acelga-chinesa (que ao que parece também é o tal Chard, em inglês): aquela mais esguia, de folhas largas e escuras como nossa couve de feijoada, e de talos brancos e largos, unidos numa base arredondada e bonita. Faz sentido para mim, uma vez que essa couve/acelga chinesa é mais saborosa e amarga e combina mais com as receitas italianas do que nossa acelga grandalhona, que parece mais adepta das saladas. Aliás, também descobri recentemente que essa nossa acelga clarinha e grandona é o tal do Nappa Cabbage, e é o que se usa para preparar o coreano kimchi (que é uma delícia!). Aaaah! Muita informação de uma vez! :P
Mas é esse tipo de coisa que acaba me enlouquecendo em muitos livros de culinária traduzidos para o português. Vê-se logo que o tradutor não se deu ao trabalho de verificar essas pequenas mas cruciais diferenças. Imagine preparar uma torta di bietola usando a acelga repolhuda ao invés da couve chinesa. Totalmente outro prato, não é? E no entanto, lá está, bietola sempre traduzida como acelga, nappa cabbage traduzido como repolho branco, double cream virando creme duplo (no livro do Gordon Ramsay! "Creme duplo" nem é um termo, até onde eu sei!), e por aí vai. Imagino o quanto isso não deve atrapalhar quem não lê inglês e só pode cozinhar a partir de livros em português. É uma falta de cuidado que não dá para entender. Boas receitas podem ir para o vinagre por erros de tradução... Por isso acabo preferindo ter os livros no original e ter o trabalho de eu mesma traduzir, adaptar, buscar substituições nacionais. É mais garantido. Sei que EU, pelo menos, vou fazê-lo com atenção.
Bom... Lá vou eu me exaltando de novo.
Capuns.
Faça-os.
São uma delícia. De verdade. Fiquei tão obcecada pela receita, que quando vi que era necessário pão integral amanhecido, preparei uma fornada de pão integral e deixei um pedaço exposto na bancada de propósito, só para poder preparar os danados dos capuns. Com caldo caseiro, então... ficou ótimo. O caldo desse mês levou a água de cozimento dos feijões azuki, que eu havia congelado, o que lhe conferiu um gosto forte e encorpado, delicioso. Faça isso: sempre congele a água de cozimento dos feijões e a use para seus caldos de legumes! Tão bom... e nenhum nutriente se perde! :)
Você não precisa fazer seu próprio caldo e seu próprio pão para os capuns. Só lhes peço que não usem aquele pão de forma integral sem gosto, de saquinho. Usem um bom pão rústico, pois sendo ele o recheio, é prioritário que seja saboroso e tenha textura. Pode ser de centeio, também. Sem contar que, fenômeno que nunca entenderei, pão de forma de saquinho não amanhece... Bizarro... Faz-me lembrar do Michael Pollan dizendo "não coma nada que não apodreça". ;)
OBS: Mais uma vez, me sinto na obrigação de agradecer pelo carinho e compreensão que recebo da maioria de vocês. Tanto, que algumas estranhas grosserias surgidas de repente e sem propósito me enervam mas não me desestimulam a continuar por aqui, pois me prendo mais ao respeito e amizade de quase todos vocês. Grazie mille!
CAPUNS
(da revista La Cucina Italiana)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 4 porções (a foto mostra meia receita)
Ingredientes:
- 300g caldo de legumes (uns 300ml, mais ou menos)
- 200g pão integral amanhecido, moído no processador ou liquidificador em pedacinhos menores
- 80g queijo Emental
- 50g manteiga + um pouco p/ untar a forma
- 12 folhas grandes e sem rasgos de couve chinesa
- 2 ovos
- 1 cebola grande, picada
- manjerona
- sal e pimenta-do-reino a gosto
Preparo:
- Pré-aqueça o forno a 200ºC e unte uma travessa refratária média com manteiga.
- Leve água salgada a ferver. Corte fora os talos brancos e duros das folhas que se destaquem para fora da folha (não jogue fora: use numa fritatta depois, ou no caldo de legumes). Mergulhe as folhas na água fervente com cuidado, poucas de cada vez, deixando por 1 minuto e retirando. Deixe-as secas abertas sobre um pano de prato.
- Derreta a manteiga em uma frigideira grande. Refogue a cebola picada até que amoleça e junte o pão moído. Cozinhe, mexendo sempre, por uns 5 minutos, até que o pão esteja ligeiramente dourado e aromático. Deixe esfriar.
- Em uma tigela, bata os ovos ligeiramente com algumas pitadas de manjerona, sal e pimenta. Quando o pão estiver frio, junte-o aos ovos e a 3/4 do queijo ralado. Misture bem. O pão absorverá toda a umidade.
- Coloque uma folha aberta à sua frente. Coloque uma colherada generosa do recheio de pão no centro da folha. Dobre as laterais por sobre o recheio. Dobre a parte inferior sobre o recheio e, aproveitando o movimento, termine de enrolar com cuidado o capun. Repita com os outros onze e os arranje na travessa untada.
- Despeje o caldo (frio ou morno) sobre os capuns e polvilhe com o restante do queijo. Leve ao forno por 20 minutos, ou até que o queijo esteja derretido e dourado (eu poderia ter deixado dourar mais, mas estava morrendo de fome! hehehe...). Sirva imediatamente, 3 capuns por pessoa.