quarta-feira, 27 de março de 2019

Caindo do cavalo, levantando de novo, um frango, um croquete, uma torta de maçã, um funcho e sei lá o que mais

Passeando sobre o lago congelado. Tão congelado, que fiz até anjinho de neve, bem no meio dele, deitadona olhando pra cima, a uns 30 metros de distância da beirada.
Gnocchi se diverte horrores no inverno. Mas estou feliz que é Primavera de novo.

 Fevereiro e Março foram meses estranhos. Cansaço generalizado do inverno que nunca tem fim, com direito a palavrões e bufadas a cada abrir de janela de manhã, revelando uma nova nevasca. Chega! Chega de neve! Chega de gelo na calçada! Chega de slush, neve suja, derretida, tornando a rua (e o parque) um pântano! Vejo fotos da Europa primaveril com verde e flores e casacos leves, e a carranca de todo mundo aqui aumenta. Nos poucos dias que surgem com temperaturas positivas, 4 graus, 8 graus, saímos sem gorro e sem luvas, casaco aberto, e Laura diz contente: "parece Verão, mamãe!" Seres humanos se apinham sob os raios de sol, esquentando o rosto e fingindo que o Inverno acabou.

Depois de passar os últimos dois meses resolvendo um momento bastante turbulento relativo a trabalho, a família parece ter voltado à rotina no mesmo momento em que a última (espero) neve se foi e os primeiros pássaros retornam à cidade. A Primavera chegou enfim, ainda que apenas no calendário.

Foram dois meses de bastante... economia. De colocar à prova aquilo que havia tempos eu exercitava pelo mero prazer criativo: gastar pouco e fazer refeições renderem, coisa que nesses meses precisei fazer por necessidade e não escolha. Abri mão de muitos itens orgânicos em detrimento dos comuns, evitei repor qualquer item que não fosse absolutamente necessário (como tahini, ou azeitonas, por exemplo), e eliminei completamente as carnes, que são o elemento mais caro de qualquer cardápio. Baseando nossos pratos no bom e velho arroz e feijão, no entanto, que comprados em sacos grandes saem muito baratos, e evitando preparar sobremesas, mantive a família toda maravilhosamente bem alimentada e dentro do budget emergencial.

Arroz integral, feijão preto, abóbora assada e espinafre refogado. Uma combinação deliciosa, que fez Laura começar a gostar de abóbora E de espinafre.
Em tempo, porque acho que nunca mencionei isso antes: eu nunca refogo o feijão com bacon; o que uso para trazer defumado e complexidade é um pouco de sementes de cominho, refogadas junto com a cebola e o alho, e, recentemente, uma polvilhada de páprica picante. Logo antes de servir, tempero com uma colher de vinagre (cuja acidez aviva o sabor do feijão) e misturo a salsinha ou coentro picado, se houver.

Essa mistura de arroz integral, feijão preto, espinafre refogado com cebola e manteiga e abóbora assada (com casca ou sem, fatiada, temperada com azeite, sal, pimenta, dentes de alho e folhas de sálvia ou alecrim, e levada ao forno médio até dourar dos dois lados) virou uma de minhas favoritas de todos os tempos, e já preparei de novo umas quatro vezes desde a primeira. Allex continua torcendo o nariz para a abóbora, mas come na frente das crianças, que dão um show e raspam o prato com gosto. "Não precisa gostar, papai", diz Laura. "Só precisa experimentar."

Em momentos como esse, foi muito bom já ter no automático o hábito de comprar as frutas e verduras da promoção e de saber reaproveitar as sobras.

A foto é feia mas o sabor é muito bom.

A couve-flor, que estava baratíssima e foi cortada, temperada com sal, azeite, pimenta-do-reino e espalhada numa assadeira, para ir ao forno a 180oC e cozinhar e dourar até chamuscar as pontinhas (uns dez, quinze minutos?) Dourada, misturei  a cebolas fatiadas bem fininhas, que eu deixara marinando em vinagre e sal, e cuja marinada entrou também como tempero dessa salada quente. Eu tinha coentro, então ele entrou na dança, mas poderia ter sido salsinha. Se tivesse azeitonas pretas, teriam ficado deliciosas ali.

Num dia, essa salada quente de couve-flor acompanhou o arroz e feijão. No outro, foi jogada crua e temperada com sal e azeite sobre a massa da pizza com molho de tomates e levada para assar. No meio do cozimento acrescentei o queijo e as azeitonas pretas (que tinha poucas e escolhera não usar na salada, para complementarem a pizza), e enquanto o queijo derretia, elas terminaram de chamuscar e amaciar. Adoro pizza de couve-flor! (E às vezes substituo metade da farinha branca da pizza por integral, porque acho que fica saborosa.)

Quando há batatas (com alho e cebolas, se houver), sempre dou um jeito de preparar alguma versão desse tray bake, cujo processo já descrevi inúmeras vezes aqui: as batatas foram primeiro, a 190oC, e quando já estavam quase perfeitamente douradas, vieram os brócolis, tudo sempre previamente temperado com sal e azeite. Quando esses ficaram prontos, vieram os ovos. E quando as claras estavam já opacas, as ervilhas congeladas entraram apenas para se aquecerem. Coloco a assadeira inteira na mesa, às vezes com um vidro de mostarda ao lado, e o jantar está servido. O trabalho foi de cortar batatas e os brócolis e só, pois o forno fez todo o resto, e com o timer apitando sempre que era hora de acrescentar mais um elemento, tive tempo de cuidar de outras coisas ou mesmo sentar e ler enquanto as crianças tomavam banho. (Vantagem de deixar a pimpolhada se virar sozinha de vez em quando: criança independente é sinônimo de menos ocupações para pai a mãe.)


O que restou do tray bake entrou nessa torta. Esta é uma versão com iogurte do Mark Bittman, que resolvi testar, mas que achei muito seca em relação à de minha mãe, que continua campeã. Talvez ficasse melhor com o recheio original pretendido por Bittman, pois as verduras soltam mais líquido e a massa ficaria mais úmida. A de minha mãe é ótima para aproveitar legumes que já fora cozidos ou assados.



Uma receita, no entanto, que também veio de Mark Bittman, e valeu a pena ser anotada, foram os hambúrgueres de feijão. Eu já havia feito anteriormente pequenos hambúrgueres de grão de bico e abóbora assada que haviam sobrado do jantar anterior, mas sempre preparei tudo muito no olho, mesmo naquela época em que era de fato vegetariana. Gostei de ter uma receita básica com as proporções "corretas", para não ter que ficar brincando de cientista maluca enquanto misturo os ingredientes. 

Hambúrgueres empanados de feijão preto, com queijo derretido por cima e saladinha. Almocinho danado de bom!
HAMBÚRGUERES DE FEIJÃO E AVEIA
(Do livro How to Cook Everything Vegetarian, de Mark Bittman)
Rendimento: 4 hamburgueres grandes oi 8 pequenos

Ingredientes:
  • 2 xíc de qualquer tipo de feijão já cozido (sem o caldo - reserve para outro uso)
  • 1 cebola picada
  • 1/2 xic de aveia laminada
  • sal e pimenta-do-reino
  • (qualquer outra erva, tempero, verduras ou legumes cozidos que queira acrescentar)

Preparo:
  1. Bata o feijão e a cebola no processador até que vire um purê grosseiro. Junte a aveia (e qualquer outro tempero) e pulse algumas vezes até que vire uma maçaroca que você consegue tirar com uma colher de forma razoavelmente firme. Se estiver muito seco, junte um pouco do caldo dos feijões. Se estiver muito molenga, junte mais aveia. Acerte o tempero. 
  2. Forme hambúrgueres do tamanho que quiser (os do tamanho de sua palma, com 2cm de altura são ideais) e coloque em uma assadeira untada de azeite, para que não grudem. Você também pode empaná-los em farinha de rosca  e colocá-los na assadeira sem untar. Leve à geladeira por umas duas horas para que firmem bem antes de fritar. 
  3. Frite os dois lados por 1-2 minutos cada em um pouco de azeite e sirva quente.


Na corrida do simples, foi momento de relembrar uns clássicos de muito tempo atrás, de um livrinho que vendi há muito muito tempo (acho que se chamava As Ervas do Sítio, ou algo assim). É uma massa com molho de espinafre, simplíssima, mas que na minha parca experiência, sempre virava uma sopa rala láaaaa quando eu ainda tinha acabado de mudar para meu apartamentinho com meu então namorado. Acontece que eu nunca deixava a água do espinafre evaporar o suficiente e, ainda influenciada pelo macarrão nadando em molho dos restaurantes de São Paulo até então, sempre colocava mais creme de leite do que o necessário na receita, achando que não havia molho o bastante. Isso fazia com que o molho ficasse todo no fundo da panela e o macarrão totalmente pelado na hora de servir.

Eu tinha uma porçãozinha pequena de espinafre congelado (o equivalente a 1 xícara de espinafre congelado bem apertado na xícara) e um restinho de creme de leite fresco, restinho mesmo, acho que nem meia xícara. Refoguei cebola picada em manteiga até dourar, juntei o espinafre descongelado (que já vinha picado), temperei com sal e pimenta e mexi com uma colher de pau até que ele tivesse sequinho de toda aquela água que ele solta e tivesse absorvido bem a manteiga e o gostinho da cebola. Juntei o creme de leite, misturei bem e deixei apenas levantar fervura, o bastante para o molho engrossar levemente, e desliguei o fogo. Se o creme estiver muito líquido, ele simplesmente não vai aderir ao macarrão. Taí o pulo do gato que eu não sabia quando era jovenzinha. (Fica a dica: molho de macarrão não pode sobrar, aguado, no fundo da panela. Se sobrou, é porque tinha que ter reduzido mais. Bem reduzido, ele adere à massa corretamente e a tempera direito.)

Acertei o tempero. Escorri o macarrão (linguini funciona bem nesse caso), juntei à panela do molho com mais um naco de manteiga e um punhado de parmesão e voi là: linguini ao molho de espinafre. Sucesso geral.

Lembrei com certa alegria e saudades daquela época em que comecei a cozinhar de fato todo dia, recém saída da casa de meus pais, e como um fettuccine com molho de tomates crus parecia o ápice da sofisticação. Logo antes de eu começar o blog, há tantos anos atrás, havia uma inocência deliciosa na cozinha, pois ela era exclusivamente para mim e para quem comia comigo. Eu tinha pouquíssimos livros de cozinha e assistia aos programas do Jamie Oliver, e aquela comida pseudo-italiana simples era o o que havia de mais complexo a que meu ego aspirava. Não havia encontrado blogs e sites de cozinha, eu era a única pessoa da minha idade de meu círculo social que gostava de cozinhar, e a aventura de testar uma receita ou uma técnica nova era uma jornada individual cujo prazer não se equipara a essa estranha ansiedade gerada pela postagem de uma foto e uma receita nas redes sociais. Às vezes simplesmente paro e volto àquela época, e cozinho para mim, e esqueço os ingredientes que usei e como preparei, e o prato fica lindo e colorido, mas o celular está desligado, e sinto um prazer imenso naquela beleza fugaz desaparecendo aos poucos a cada garfada até nunca ter existido, a não ser no sabor no fundo da língua, que se demora antes de dissolver-se para sempre.

O prazer do particular que nossa sociedade começa a desconhecer, ao transformar todo privado em público. (Sim, a ironia de escrever isso num blog a respeito de minha vida e minha comida.)

.....

Quando vieram as boas notícias e pudemos todos relaxar novamente, logo antes do Carnaval, as maçãs que eu havia comprado em promoção foram transformadas num bolo. Ou torta. Ou bolo-torta, porque "torta" em italiano quer dizer bolo, de qualquer forma. Essa receita da Tessa Kiros é facílima e deliciosa. Num primeiro momento achei até que levava pouco açúcar, mas ela é doce o bastante e acho inclusive que pode ser preparada com um pouco menos de açúcar na massa sem nenhum prejuízo. O resultado me lembrou demais os Apfelkuchen (acho que era esse o nome) que eu costumava comer na casa da avó do Allex, e eu não duvidaria se as receitas fossem de fato parecidas. A torta, ou bolo de maçã da avó alemã era maior e mais fina, baixinha, não sei se de propósito ou por razões circunstanciais. Acabamos saboreando a torta no café da manhã de um dia particularmente frio e sem graça, e as maçãs envolvidas nessa massinha macia com certeza foram bom acompanhamento para o cappuccino.


TORTA-BOLO DE MAÇÃS
(Do livro Recipes and Dreams from an Italian Kitchen, de Tessa Kiros)

Ingredientes:
  • 9 colh. (sopa) manteiga em temperatura ambiente (cerca de 130g)
  • 2/3 xic. açúcar demerara
  • 1 ovo
  • 1 2/3 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh(chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh(chá) bicarbonato de sódio
  • 1/2 colh (chá) extrato de baunilha
  • 4 maçãs (de preferência com alguma acidez) - cerca de 450g
  • açúcar de confeiteiro para polvilhar

Preparo: 
  1. Pré-aqueça o forno a 160oC. Unte com manteiga e farinha uma forma de 22-24cm de diâmetro, de mola ou fundo falso.
  2. Na batedeira, bata a manteiga com o açúcar até que fique bem cremosa.
  3. Junte o ovo e misture bem.
  4. Junte a farinha, o fermento, o bicarbonato e a baunilha e misture em velocidade baixa até que comece a ficar firme demais para o batedor. Pare e termine de sovar ligeiramente com as mãos, apenas até que todos os ingredientes estejam bem incorporados. 
  5. Ponha 2/3 da massa na forma. Pressione firmemente com as mãos a massa no fundo, empurrando-a paredes acima, até que a massa ocupe todo o fundo e cerca de 2/3 da altura da forma, mais ou menos. Pode parecer que está muito fina, mas está tudo bem. 
  6. Descasque as maçãs, retire as sementes e descarte (não jogue no lixo, guarde para fazer geleia!). Pique as maçãs e cubos de 1,5-2cm. 
  7. Distribua os cubos sobre a massa de forma uniforme, checando para não deixar nenhum espaço sem maçãs. 
  8. Esfarele o restante da massa entre os dedos, em pedaços de tamanhos variados, e espalhe esses pedacinhos de massa por sobre a maçã. 
  9. Asse por 55-60 minutos, ou até que a massa esteja dourada e firme. Lá pelo fim do tempo, cubra a massa com uma folha de papel-alumínio se estiver com cara de que começa a queimar.
  10. Remova do forno e deixe esfriar. Polvilhe com açúcar de confeiteiro. O bolo/torta se mantém em temperatura ambiente de um dia para o outro, e depois disso deve ir à geladeira.


Vida de volta ao normal, e marido viajando para o treinamento de seu novo emprego. E daí que resolvi fazer a vontade das crianças e preparar um frango assado, assim numa terça-feira, porque as crianças sempre pedem, e como Allex não gosta, nunca faço. (Também porque frango aqui não é lá muito barato, ainda mais orgânico.)

A receita que escolhi era da Marcella Hazan, simplíssima. Você apanha um limão siciliano, rola ele entre a palma e a bancada para soltar bem os sucos, e espeta todo ele diversas vezes com um palito. O limão vai assim, furado e inteiro, para dentro do frango já bem temperado com sal  e pimenta. Fecha-se a cavidade do frango com linha ou palitos de dente, e ele é colocado na assadeira, sem óleo nem nada, de peito para baixo. Assa-se no forno a 180oC por meia hora, e então com cuidado ele é virado de peito para cima e volta ao forno por mais meia hora. Aumenta-se a temperatura para 200oC e ele fica ali mais meia hora até dourar e e os sucos saírem claros quando a carne é espetada com um garfo na junção da sobrecoxa com o corpo. (Calcula-se uns 25 minutos para cada meio quilo de frango.)

Junto do frango ainda cru, coloquei batatas cortadas e temperadas com sal e azeite, para assarem junto, absorvendo os sucos que o frango libera. Nos últimos quinze minutos, acrescentei os brócolis temperados para assarem e chamuscarem também.

O frango acabou ficando super suculento, ainda que não suficientemente dourado (a pele do peito, no entanto, estava crocante), porque eu esqueci de aumentar a temperatura do forno naquela última meia hora, e ele acabou assando a 200 graus apenas nos quinze minutos finais. Mas priorizei carne suculenta à pele crocante. Frango seco é uma desgraça.

O frango já cortado em pedaços, como foi servido à mesa.

A refeição foi uma alegria, seguida de sorvete de amêndoas com cerejas em calda, que eu preparara do livro The Perfect Scoop. O sorvete ficou gostoso sim, mas também mais doce e mais intenso do que eu imaginava (Laura não gostou, porque não gosta de nada muito doce). Eu provara um sorvete de missô com cerejas em calda na Bang Bang, minha sorveteria favorita em Toronto (porque é a única que não coloca um quilo de açúcar no sorvete), e era isso o que eu tinha em mente: um sabor e uma textura mais delicada. Todo o mini-banquete de frango assado com sorvete de terça-feira acabou servindo para comemorar a queda do primeiro dentinho da Laura. Foi mesmo uma comemoração, pois depois de ter de levar Thomas duas vezes ao dentista para arrancar os dentes de leite teimosos que se recusavam a dar espaço para o permanente já nascido atrás, foi um alívio ver Laura correndo para a sala com minúsculo dente na mão, feliz, contente, e de boca sangrando. ;) A animação dela foi tanta que, no dia seguinte, ela chacoalhou tanto o dente do lado, que também estava mole, que conseguiu fazê-lo cair também, ao que ela teve uma visita dupla da fada do dente, e agora, ao invés de uma janelinha, exibe um janelão com vista pro lago. A gente brinca e pede para ela "fazer o Ogro", ao que ela empurra o maxilar pra frente, com os dentes laterais por sobre o lábio superior e envesga os olhos, meu mini-ogro que sai correndo atrás do irmão com uma espada na mão, fazendo sons de monstro.

"Laura, o que você quer ser quando crescer?" 
"Uma guerreira, mamãe."

Como eu adoro transformar tudo em bolinho, o que sobrou do frango virou croquete. Claro. Tessa Kiros ao resgate, como sempre. Já disse o quanto amo os livros dela? Claro que sim.

Do frango inteiro, eu comera uma sobrecoxa, e as crianças haviam dado cabo das duas coxas, uma sobrecoxa, as duas asinhas e meio peito. Daí que havia sobrado um peito e meio e todo aquele frango desfiado que a gente consegue esmiuçando a carcaça com os dedos, nos lugares em que a lâmina da faca não tira um corte limpo e bonito para apresentar no prato. Depois de dar uns naquinhos de frango pro Gnocchi, que estava aguando do meu lado o tempo todo em que eu mexia na carcaça, considerei que se tratava de meio frango, assim no olho, e, como a receita da Tessa pedisse um frango inteiro, fiz meia receita. Trata-se de um croquete tradicional: carne com molho bechamel grosso, empanado e frito. Renderam bem uns seis ou sete croquetes para cada um de nós, que servi com uma salada simples de cenoura e bok choy (acelga chinesa, a verdura em promoção), fatiada, refogada em alho e óleo de gergelim e temperada com shoyu. 

A parte especial foi ter Laura como ajudante, que moldou e empanou metade dos croquetes comigo. 

CROQUETE DE FRANGO
(ligeiramente adaptado do Livro Apples for Jam)
Faz cerca de 25-30 croquetes, dependendo do tamanho.
 
Ingredientes:
  • carne de 1 frango inteiro, picada
  • 3 colh. (sopa) manteiga
  • 1 cebola pequena, picada
  • 1 1/2 colh (sopa) folhas de salsão, picadas (eu não tinha salsão e usei um talinho de erva-doce)
  • 1 1/2 colh (sopa) folhas de salsinha, picadas
  • 2 dentes de alho pequenos, picados
  • 1 tomate, picado
  • 1 1/2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1 xic. leite
  • 1 ovo
  • sal
  • farinha de rosca
  • óleo para fritar

Preparo:
  1. Derreta metade da manteiga numa frigideira e junte a cebola e uma pitada de sal, mexendo até começar a dourar. 
  2. Junte o salsão, salsinha e alho e misture bem, até que sentir o aroma do alho.
  3. Junte o tomate, amassando bem com a colher e misturando, até que ele se dissolva bem.
  4. Junte o frango picado, misture muito bem, acerte o tempero e transfira para uma tigela. 
  5. Em outra panela, derreta o resto da manteiga. 
  6. Junte a farinha, misturando bem, e então o leite, aos poucos, misturando com um fouet, até formar um molho branco, espesso e liso. Tempere com sal e pimenta e transfira para a tigela com o frango.
  7. Junte o ovo, misture bem, acerte o tempero e leve a tigela à geladeira por pelo menos meia hora, até que tudo firme o bastante para que você consiga formar os croquetes. 
  8. Se ainda estiver mole demais, junte um pouco de farinha à mistura. 
  9. Apanhe colheradas da mistura, e forme os croquetes, do comprimento do seu dedão e com não mais que dois dedos de espessura (achei esse tamanho fácil de manusear - até a Laura conseguiu). Passe o croquete na farinha de rosca, e deixe num prato. Repita com o restante da mistura até ter todos os croquetes estejam formados. Leve à geladeira enquanto esquenta o óleo (uns 2 dedos de óleo na panela). 
  10. Frite os croquetes até que dourem por igual, alguns por vez, em óleo a 180oC. Deixe escorrer sobre papel-toalha e sirva ainda quente.
 

Só eu achei isso lindo?

No dia seguinte, eu ainda tinha farinha de rosca e óleo de fritura, e resolvi dar cabo de tudo com esse funcho empanado da Marcella Hazan. Taí uma vantagem de ter menos livros de cozinha: tantos anos na minha estante, e eu NUNCA preparara essa lindeza. Você coloca o bulbo em pé e corta dele fatias de 1,5cm de espessura, tentando manter a raiz firme para que as camadas não se soltem. Como meu funcho era bem grande, cortei também ao meio, para facilitar na hora de empanar e fritar. Cozinhe as fatias de funcho na água fervente com sal por alguns minutinhos, apenas até o miolo próximo à raiz pareça macio, mas ainda resistente, ao ser espetado por um garfo. Escorra bem, passe as fatias cozidas em ovo batido, depois farinha de rosca, apertando para que os farelos de pão grudem, e frite normalmente, até dourar dos dois lados. 

As crianças e eu comemos o bulbo de funcho frito inteirinho, e houve até briga pelos dois últimos pedaços, que consegui guardar para meu almoço do dia seguinte. Para acompanhar, no jantar, arroz cozido com talos de brócolis e temperado com salsinha, e uma saladinha simples de tomates.  No dia seguinte, em meu almoço solitário, cobri os dois pedaços de funcho empanado com fatias grossas de tomate, orégano e mozzarella, e esquentei no forno minha parmiggiana vegetariana, que acompanhei com uma saladinha de alface.
Meu prato.
Prato to Thomas, que me pediu para fotografar a montagem sua montagem super criativa.

Agora, de volta à vida normal, que depois de dois meses de incertezas, visitas durante o Carnaval (que não existe aqui, by the way), March Break (uma semana de férias escolares) e uma semana com marido fora de casa, eu preciso literalmente sair correndo, e retomar minha rotina: minha meditação, meus exercícios físicos, minha escrita, minha pintura... e veja só: semana que vem meu Matador de Dragões faz 8 anos e eu ainda tenho que descobrir que bolo ele vai querer. :)



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Um mês sem (com menos) açúcar e mousse de chocolate, porque a coerência, né?!

O Inverno de verdade demorou para chegar, mas quando chegou, chegou chegando.
Sabe resolução de ano novo? Eu detesto resolução de ano novo, e não me invento uma desde a minha adolescência. Porque, né? eu gosto de ser do contra. Foi meio sem querer que Janeiro acabou virando um mês que teve feeling de resolução de ano novo, mas foi engraçado por isso mesmo: porque não foi uma resolução de ano novo. Muitas transformações aconteceram, no meio do clima louco que despencou dos 5 graus positivos para os 36 negativos durante duas semanas, inclusive minha primeira exposição em Toronto, no Starving Artist Café, que exibiu minhas aquarelas durante 8 semanas. :)



Acordei no dia primeiro do ano incomodada. Muita coisa passara pela minha cabeça durante o mês de dezembro, e quando me levantei da cama para tomar o primeiro cappuccino do ano, conseguia sentir minhas caraminholas se movendo no meu cérebro.

Mamãe, quer waffle? perguntaram as crianças. Não, respondi. Acho que quero dar um tempo do açúcar. Quero ver o que acontece.

Não era dieta, não era modismo, era mera curiosidade. Eu achava que era uma pessoa que já não consumia lá muito açúcar mesmo (vide o post do que como num dia normal), mas fiquei curiosa em saber se eu conseguiria ficar sem o pouco que a que eu me acostumara. Sabia que o ponto fraco era o goró, meu tipo de açúcar preferido, e eu acreditava que a experiência me ajudaria a ter mais clareza dos gatilhos emocionais e circunstanciais que me faziam comer uma fatia de bolo ou abrir uma cerveja.

Minha pele andava mais manchada do que o normal, sentia meu corpo inchado, e meu padrão de sono havia um tempo parecia errático, e intuí que deveria ter a ver com o quanto de álcool e açúcar que andava ingerindo (não a quantidade, porque não sou de exagerar há já uns anos, mas a frequência). Pois ainda que a "regra" aqui em casa seja de não beber durante a semana (até porque bebida alcoólica aqui em Ontario é cara), eu pareço sair do eixo toda vez que temos visitas, pois a visita está de férias e você entra no ritmo do convidado mesmo que sem se dar conta, aproveita para relaxar também... e nós tivemos um bocado de visitas no segundo semestre de 2018, e eu claramente não conseguira voltar a meu ponto de equilíbrio desde então.

Além disso, numa terça-feira em que as crianças perguntaram se havia sorvete de sobremesa do jantar, surpreendi-me com a resposta contundente de meu marido: "Ué, por que teria? É terça-feira!", E naquele momento me dei conta de que por boa parte da vidinha dos meus filhos, essa fora a regra de casa: podia até ter um bolo ou biscoito indo de lanche da escola, mas o conceito de "sobremesa", de "doce depois das refeições", sempre foi meio que coisa de fim de semana apenas. Sobremesa durante a semana é fruta. Ponto. Se quiser. Se não quiser fruta, vai escovar os dentes e xô.

Acontece que durante o verão, com a Saga-do-Sorvete-de-Fruta-Para-Fazer-Thomas-Comer-Mais-Fruta, continuei o embalo e quando me dei conta, todo mundo estava terminando o dia com sorvete. Mas agora de chocolate, de baunilha, de iogurte, de cheesecake, do que fosse.

"Ok, papai tem razão. Acabou a festa do doce e estamos voltando à normalidade. Sobremesa é só de fim de semana."

Antes que alguém revire os olhos e me xingue nos comentários, as crianças reclamaram no primeiro dia. Perguntaram da sobremesa no módulo automático no segundo dia. No terceiro já pediram licença da mesa e foram escovar os dentes e brincar. E quando chegou a sexta-feira, vieram felizes da vida perguntar qual era a sobremesa do fim de semana e está todo mundo contente e tranquilo. Esperar faz bem. (Tempo de tela é a mesma coisa aqui em casa: tv e video-game é só de fim de semana, e ninguém está sofrendo por isso.) E os dois sempre foram acostumados com uma casa que não tinha um monte de biscoito e chocolate dentro do armário.

Enfim.

No mesmo dia em que decidi cortar o açúcar (ou pelo menos diminuir, sabendo que o aniversário da Laura viria e que eu me permitiria alguma bebida durante os eventos já marcados com amigos, só pra evitar encheção de saco), também foi o dia em que propus a meu marido que começássemos a exercitar melhor nossa frugalidade. Sentei com nossas finanças e esmiucei todas os gastos do último ano, que agora finalmente haviam entrado num ritmo estável depois da mudança de país,e poderiam ser melhor avaliados. Saímos fazendo cortes onde podíamos, e estabelecemos algumas novas metas. Cortar cabelo em casa (um corte besta de máquina no barbeiro por aqui sai bem uns 50 dólares com gorjeta!! - e sim, cortei meu próprio cabelo e ficou muito bom, diga-se de passagem), ficar de olho nos horários mais baratos da companhia elétrica (aqui você tem horários e dias em que o preço da energia cai quase que pela metade), e mais várias outras pequenas e grandes mudanças, inclusive... tentar pela primeira vez realmente se manter dentro da meta de supermercado, que em muitos meses estourava em uns 20 a 30%, principalmente por aquelas autoindulgências típicas da nossa geração "eu mereço (item), porque...(insira seu motivo aqui)". Ou porque esquecíamos de deixar guardado aquele tanto para gastar no produto de limpeza que estava acabando, ou na ração do cachorro, que incluímos na categoria Groceries para simplificar nosso orçamento.
A comida do cachorro entra na nossa lista de comida porque, né? cachorro também é gente.
Um site que me ajudou um bocado nesse pensamento frugal esse mês foi o https://www.frugalwoods.com/ . Recomendo.

E lá fui eu.

Como mostrei no post anterior, sobre as compras de mercado, a primeira coisa que fiz foi verificar meu inventário: tudo o que havia de comida, bebida, ingredientes, produtos de limpeza, comida de cachorro, para verificar o que de imprescindível precisaria ser comprado aquele mês e para o qual eu teria de deixar uma "verba alocada". Montei na minha lousa da geladeira a maior quantidade possível de refeições com o que eu tinha em casa, indo de coisas bonitas como "quiche de abóbora e salada verde com rabanetes" até pratos tão absurdamente simples que pareciam saídos de uma verdadeira economia de guerra, como o dia da "Sopa Daquilo Que Sobrou", das fotos aqui em baixo. O objetivo era usar a criatividade para de fato esmiuçar a despensa e a geladeira até o último ingrediente disponível. E aproveitar para colocar à prova aquela minha teoria do último post de que você aprende a cozinhar de verdade com os ingredientes básicos, e não com com ingredientes caros.

Como transformar uma cenoura, uma cebola, um talo de salsão, um ramo de salsinha, borda de pizza de ontem, uma casca de parmesão e 1/4 xic de arroz para risotto em uma refeição para quatro pessoas?
Faça uma SOPA.
A sopa é simples e intuitiva: refogue em azeite a cebola, a cenoura e o salsão picadinhos, junte o arroz como se fosse fazer um risotto, tempere com sal  e a salsinha picada, e cubra com o dobro de água quente que você usaria para fazer um risotto (no caso, eu usei a água do cozimento do grão de bico, pois usara o grão de bico para fazer hommus e guardei o caldo no freezer - eu guardo água de cozimento de QUALQUER coisa no freezer pra incrementar sopas ou tornar um arroz simplesinho em algo mais nutritivo). Junte a casca de queijo, que vai cozinhar junto, e dar sabor e complexidade à sopinha e deixe cozinhar até o arroz estar macio. Não tem problema se passar do ponto. Se o arroz tiver absorvido muita água, junte mais e acerte o tempero. Doure a borda da pizza ou pão velho em cubinhos em azeite com uma pitada de sal e sirva com a sopa. Ficou com fome depois do jantar leve? Come uma fruta. Aqui, ninguém ficou com fome. Estava uma delícia e alimentou todo mundo muito bem. ;)

Enquanto isso, lá ia eu sem açúcar.

A manhã começou bem: eu nunca coloco açúcar no meu cappuccino, pois gosto de sentir a doçura da gordura do leite e o amargo do café. Para mim, açúcar adicionado só atrapalha. E prefiro um pão com manteiga e sal a qualquer outra coisa doce quando acordo. Foi no lanche das dez que a coisa entornou um pouco. Voltei da corrida, e quando fui montar meu potinho de iogurte e fruta, percebi que não usaria o mel de sempre. O iogurte que eu comprara aquele mês, mais barato que o meu habitual, era também mais ácido, e a fruta cortada em pedaços não foi um contraponto doce o bastante. Mas logo percebi que se RALASSE a fruta dentro do iogurte, ela soltaria seus sucos, distribuindo doçura mais uniformemente e tornando o mel desnecessário. #ficaadica.

O almoço, por sua vez, manteve-se igual.

Pão caseiro, abacate, o queijo feta que sobrara do reveillon, salsinha, cebolinha, azeite, limão e sal. Clementinas de sobremesa. Tudo, como sempre, no prato lindo da minha amiga Marina, do @ateliegaroa
Foi de novo no lanche que eu me vi mudando hábitos. Onde antes eu cataria um pedaço de bolo, ou uma das goiabinhas que minha mãe trouxe do Brasil, e correria para fora para buscar as crianças em mais uma deliciosa (note o sarcasmo) nevasca de janeiro, eu me vi catando uma banana.

 *** Aliás, uma curiosidade: não sei por que cargas d'água, mas é impossível separar as bananas canadenses do cacho com as mãos. As cascas são tão fortes, que preciso de uma faca para cortar a banana fora do cacho, como se estivesse tirando o cacho inteiro da bananeira. BIZARRO. Fim da curiosidade. De volta ao post. ***

Hora do jantar. Tudo corre normalmente, apenas evitando receitas cujo tempero envolvesse açúcar ou mel no preparo.

E aí veio o snack da noite. Aquele, que eu andava querendo evitar. Num dia uma banana bastou. Em outro, que desejava algo salgado, me vali dos legumes com hommus, que sempre tenho na geladeira. Mas meu snack da noite favorito, descobri, são fatias de maçã mergulhas em manteiga de amendoim e um bocado de canela. Parece estranho mas é na verdade delicioso e muito satisfatório.

Então quer dizer que foi muito fácil ficar sem açúcar e deu tudo muito certo?

Sim e não.

Como eu já comia pouco açúcar e eu já tinha um mindset de tentar buscar coisas mais saudáveis para beliscar, não foi difícil mudar o HÁBITO, porque foram poucos os momentos do meu dia em que eu precisei buscar uma alternativa. Eu nunca como sobremesas logo depois das refeições, então eu não me vi em momento nenhum "procurando um docinho".

O que eu vi foram algumas "condições de temperatura e pressão" em que eu ficava sim buscando desculpa para terminar o dia com alguma coisinha alcoólica. Não todos os dias. Eram alguns específicos. Normalmente no fim dos dias difíceis. Ou nas sextas-feiras, por exemplo, quando eu começava a preparar a pizza. Foi quando senti falta do meu vinhozim. Mas muito rapidamente, e aí foi a parte interessante, percebi que não era do gosto ou do buzz que eu sentia falta. Era de ter o copo na mão. Então assim como fiz durante aquele um ano e meio em que fiz dieta com nutricionista antes de engravidar, troquei o copo de vinho por uma xícara de chá. E tudo correu bastante bem.

Então foi tudo tranquilo e maravilhoso?

Não.

Assim como eu havia pesquisado, no terceiro dia sem açúcar minha energia e meu humor foram para o buraco. Eu queria gritar com todo mundo, tudo parecia difícil e horrível, todos estavam no meu caminho, e minha cabeça doía, não pela falta de açúcar, mas pela quantidade de tempo que mantive o cenho franzido, cultivando o ranço dentro mim. Esse foi o único dia em que não comi um snack da noite: porque fui dormir às oito e meia, enfurecida e exausta com o universo.

Um amigo do Allex, que fizera essa mesma desintoxicação de açúcar na época em que tentava descobrir a que diabos tinha alergia (a fermentos, no final ele descobriu), explicou a ele: Ih, o terceiro e o sétimo dia são os piores, e depois passa.

Dito e feito. No sétimo dia eu parecia igualmente confusa e mal humorada. Mas o que se seguiu depois foi sensacional.

"Minha cabeça está funcionando!", eu disse a Allex, que me olhou sem entender. "Sério, é como se tivessem passado um limpa-vidros no meu para-brisa sujo pela primeira vez."

O que eu sentia era clareza mental. Andava acordando mais facilmente e com muito mais foco. Eu sabia o que precisava ser feito e estava fazendo. Foi nesse momento, inclusive, que corri atrás e consegui minha primeira exposição de arte em Toronto. Foi quando voltei a produzir mais. Foi quando comecei a enxergar melhor algumas coisas acontecendo no meu dia-a-dia que poderiam ser melhoradas.

E meu corpo?
Ao final de duas semanas eu havia desinchado visivelmente e as manchas vermelhas em meu rosto haviam sumido. E a melhor parte de tudo, e que mais me chamou a atenção, é que pela primeira vez em minha vida, eu não tive NENHUMA TPM. Há dois dias por mês em que eu viro um monstro descontrolado, em que grito com as crianças sem motivo e fico procurando pêlo em ovo para arrumar briga: o da ovulação e o dia antes da menstruação descer. É tão certeiro, que uso isso até como guia para saber quando as duas coisas estão acontecendo ou vão acontecer. Nesse mês... não teve... NADA.

Outros efeitos interessantes:

- a partir da segunda semana, eu parei de ter vontade de beber. Quando Allex me perguntou se queria uma cerveja, respondi que SIM, mas logo em seguida mudei de ideia, porque me dei conta de que respondera automaticamente, e não de fato porque tinha vontade.
- nos momentos em que bebi, foi muito mais fácil parar ainda na primeira ou segunda, sem me sentir sequestrada emocionalmente por qualquer espécie de pressão social.
- os efeitos da bebida (mesmo que tão pouca) no dia seguinte ficaram MUITO mais evidentes, principalmente a quantidade de tempo que meu corpo levou para voltar ao normal depois. Essa velocidade de reparação parecia sempre mascarada pelo consumo de outros açúcares no meu dia-a-dia e não me permitia entender meu corpo.
- a vontade de comer doce sumiu. Mas quando eu comi açúcar, tive os mesmos sintomas de uma ressaca. No fim de semana do aniversário da Laura, em que tive 2 eventos em que bebi (pouco) e comi bolo, toda aquela clareza mental DESAPARECEU por uns 3 dias e meu humor voltou a ficar instável.

Era aniversário da Laura, e como ela pedira para chamar umas amiguinhas em casa no sábado, disse a ela que haveria bolo apenas no dia da festa, ao que ela concordou. No entanto, sem que ela soubesse, preparei esse bolo simplíssimo de baunilha da Alice Medrich, apanhei as framboesas congeladas, e fiz uma geleia rápida e azedinha. Depois da escola, enquanto Laura tomava seu banho compriiiiido de banheira, Thomas me ajudou a cortar o bolo ao meio, recheá-lo, e cobri-lo com chantilly recém-batido. Ele decorou com mais algumas framboesas e posicionou as velas. E Laura ficou felicíssima depois do jantar, quando anunciamos que, apesar de ser uma quarta-feira, teríamos sobremesa.

Thomas recheou e decorou o bolo-surpresa da Laura, que achava que só cantaria Parabéns no dia em que as amigas viessem.

Foi unânime que esse tem que ser o novo bolo oficial de aniversário, pois ficou infinitamente mais gostoso que o de chocolate.
O bolo estava delicioso. Leve e fresco. As crianças adoraram, Allex que não gosta de bolos se serviu mais de uma vez, e eu comi uma fatia gordinha e satisfatória.

O jantar também fora especial: pão de queijo e pastel, a pedido da aniversariante. Usei a receita da massa da Rita Lobo. A receita diz para abrir a massa até a espessura 3 da máquina de macarrão, mas o pastel acabou saindo mais com textura de panzerotti que de pastel de feira. Tive de abrir novamente toda a massa depois do primeiro teste, até uma espessura quase transparente, se não me engano, no nível 8. Preparei o dobro e deixei guardado o que sobrou para fazermos mais pastel no fim de semana.



O sabor escolhido pela aniversariante foi Pastel de Pizza. Essa foto foi da massa teste, que saiu muito grossa.
No sábado, preparei o bolo de aniversário clássico de chocolate, que nunca me parecera excessivamente doce até aquele momento. Quando também Laura e Thomas comentaram que preferiam o de baunilha. Metade de uma fatia bastou para mim, e deixei o restante para as crianças comerem de sobremesa durante o fim de semana.

E no fim de semana seguinte, quando Allex resolveu preparar sozinho um pudim de leite, e pesquisou uma receita do "melhor pudim de leite do Brasil", que levava uma tonelada de leite condensado e uma quantidade brutal de gemas de ovos, também um pedaço para mim bastou. Estava uma delícia. Mas depois de uma colherada gorda, eu sentia REALMENTE que eu já tinha matado a vontade.
Tudo isso me fez pensar a respeito da minha relação com açúcar, seja em forma de doce ou de álcool. Desde como somos ensinadas a enfiar o pé no doce para compensar nossas frustrações (pense na cena clássica da mulher rejeitada, chorando, comendo um pote inteiro de sorvete, ou na frase também clássica "ai, estou de TPM, tô precisando de um chocolatinho"), até na minha relação a cozinha.

Porque se eu não como doce, eu não faço doce (exceto pelo aniversário da Laura). E se eu não faço doce, ninguém em casa come doce. De novo, a não ser pela uma goiabinha que mando no lanche da escola e pelas sobremesa do fim de semana, todo mundo aqui em casa começou a comer MUITO MAIS FRUTAS. Inteiras, in natura. Não dentro de sorvete, pudim ou bolo. Dá pra contar nos dedos das mãos quantos doces a família toda comeu esse mês. E eu não enchi o saco de ninguém, nunca falei que era para a família inteira cortar doce, eu deixei bem claro que era uma experiência MINHA.

Mas acabou sendo melhor para todo mundo.

O que sobrou da quantidade BRUTAL e bananas, maçãs e clementinas que eu comprara no começo da semana.

 Na minha busca por uma vida tranquila, tem entrado muito a MME: Maternidade do Mínimo Esforço. Um termo que vou acabar cunhando, marca registrada, fui eu que inventei (hahaha), porque me deu um bode geral de soluções complicadas para problemas simples. Comida simples. Direta ao ponto. Fruta de sobremesa. Tem sido meu novo lema. Agora, mais ainda.

Maaaas...na minha primeira semana sem açúcar, saí correndo internet afora atrás de receitas de sobremesa sem açúcar para toda a família. Comprei chia para fazer geleia sem açúcar para as crianças. Compilei receitas usando bananas e abacates e tâmaras. DE NOVO.

DE

NOVO

AFE

*Suspiro*.

Cara, eu já fiz isso quantas vezes? QUANTAS??

Benzadeus pela clareza mental.

Parei. Apaguei tudo.

Quero mesmo passar meu dia fazendo bolinha de tâmara? Eu quero ficar preparando mousse de abacate com cacau quando posso só morder uma pera?

Qual é a solução mais simples? Se você não quer comer açúcar mas quer comer algo doce, QUAL É A SOLUÇÃO MAIS SIMPLES? Um mousse de abacate com tâmara e cacau... ou uma maçã?

Uma maçã basta. E que o mais complicado seja uma polvilhada de canela.

No meu mês frugal, o arroz e feijão voltou com tudo. Jantar de ontem foi arroz integral, feijão preto, brócolis refogado e abóbora assada, e o prato estava tão lindo que me arrependi de não ter fotografado. Assim, simples. Sem temperos complicados. Laura resolveu ontem que gosta de abóbora (então agora são 3 contra 1 aqui em casa! hahaha!). Simples. Comida boa e gostosa. Com cara de casa, não de restaurante.

Quando Allex me disse que queria dar um tempo da carne novamente e voltar a fazer hambúrguer vegetariano, a primeira coisa que fiz foi pegar na bilioteca de novo todos os livros do Green Kitchen Stories e aqueles vegetarianos que eu tinha no Brasil. E depois de folheá-los extensamente, suspirei e me dei conta de que não queria fazer nada daquilo. Não queria criar de novo aquela despensa imensa que eu tivera no Brasil. Não queria de novo ficar seguindo receitas para combinar vinte e sete ingredientes. Sabe o que é vegetariano? Arroz, feijão, legumes deliciosamente refogados em azeite e uma salada muito bem temperada. E lá vinha o bode outra vez. Bode desse hábito de se complicar, bode do FOMO que faz com que eu acredite que preciso tentar coisas novas O TEMPO TODO.

Bode, bode, bode. 

O resultado do mês é que passei menos tempo na cozinha. Eu voltei a fazer pães com regularidade, mas não fiquei me sentindo pressionada a fazer bolo ou biscoito toda semana para as crianças levarem para a escola. A comida mais simples e mais previsível é mais fácil de preparar e de reaproveitar. Cortei as idas semanais no supermercado e comecei a ir realmente apenas quando itens imprescindíveis acabassem (como leite, ovos e farinha), ou quando não conseguisse mais produzir nenhuma refeição com o que havia na despensa. O que quer dizer que também passei menos tempo indo a supermercados.

Ainda que eu continue encucada com a nutrição das crianças na escola, principalmente nesse ambiente norte-americano meio trash, confesso que fiquei menos paranoica com o valor nutricional dos pratos que cozinhei. Se é comida de verdade e compõe uma refeição decente, tá bom, obrigada. Hoje em dia sou feliz com essa cozinha simples de dia-a-dia. Sou feliz com banana com canela, sou feliz com o mesmo bom e velho bolinho de iogurte, com minha torrada de abacate e com spaghetti com molho de tomate. Sou feliz com brócolis no alho e azeite e com batatas assadas com alecrim. Com feijão e ovo frito e com tapioca com queijo.

Se um dia eu me fartei de cozinhar panquecas de todos os jeitos e scones e biscuits e toda sorte de itens diversos de café da manhã, minha felicidade hoje reside em pão com manteiga e café quente.

Simples.

Eu tenho certeza que essas pessoas que a gente acaba seguindo internet afora devem ser muito felizes com as soluções que elas encontraram para a vida delas. Que dão certo no contexto delas. Mas para mim o diagnóstico é sempre o mesmo: basta desligar a internet um pouco para a paz de espírito retornar.

Cada vez mais, todas as soluções complicadas são as soluções erradas para mim, para o meu contexto, para minha vida e para minha família.

.....

No último fim de semana do mês, comemorei o fato de ter ficado, PELA PRIMEIRA VEZ desde que chegamos ao Canadá (ou pela primeira vez desde que saí da casa dos meus pais) ABAIXO da meta de supermercado (e de bebida alcoólica!). A comemoração veio de uma forma bastante frugal: usando todas as claras de ovos não utilizadas no pudim de leite do Allex para produzir um Mousse de Chocolate. Porque meu filho disse que não sabia o que era mousse, e isso me desconcertou. Mousse de chocolate era minha sobremesa favorita de infância. E eu fiz tanta sobremesa complicada ao longo dos meus anos, e tantas sobremesas com substituições "saudáveis", e tantas sobremesas com ingredientes exóticos, que eu sequer tinha uma receita "oficial" de mousse de chocolate, daquelas testadas e aprovadas repetidamente.

Fui direto ao meu livrão de todas as coisas francesas, o I Know How to Cook, da Ginette Mathiot.

Esse mousse de chocolate é muito leve e muito fácil, e foi unanimemente aprovado na família. Além de tudo, é simples e doce na medida, e me deixou felicíssima em saber que finalmente tenho outra coisa para fazer com o mar de claras congeladas que sempre tenho no freezer, além de Angel Food Cake.

 
A receita pede apenas 2 colheres de sopa de açúcar e não especifica o teor de cacau do chocolate. Usei 70% da Callebaut, que é mais suave do que o Lindt, que tem um final mais amargo. Mas, temendo que as duas colheres somente produzissem um mousse muito "francês" e "adulto" (porque Allex disse que gosta muito do meu pudim de leite, mas que é muito "adulto", e que o dele alimentava a criança gordinha dentro dele. Hahaha), acabei aumentando a quantidade aos poucos, e usando 4 colheres de sopa (ou seja, 1/4 xic.). Mas pretendo fazer novamente apenas com duas. O mousse não ficou muito doce, o chocolate amargo ainda era o principal sabor. Aliás, para esse chocolate, acho que ficou perfeito. Mas recomendo que você experimente o seu chocolate e decida se prefere a quantidade original de açúcar ou um pouco mais.

Enfim.

O mês com menos açúcar foi uma experiência excelente. Eu descobri que me sinto infinitamente melhor com nenhum açúcar durante a semana, inclusive álcool. Descobri que continuo precisando do meu snack à noite, não para acompanhar a cerveja ou porque quero açúcar, mas porque de fato TENHO FOME. Descobri que consigo ficar sem beber álcool tranquilamente, e agora sei quando realmente quero e quando é meu emocional pedindo compensação, quando nesse caso, volto pro meu chá e tento de fato resolver meu problema ao invés de entorpecê-lo de açúcar. Descobri que a família toda se beneficia dos caminhos mais simples. Redescobri meu amor pelas frutas. Descobri que consigo sim economizar no supermercado sem fazer ninguém sofrer por isso. Descobri que esse desafio foi fácil não porque eu já não comia muito açúcar, mas porque eu não entrei nele com uma mentalidade de restrição: eu nunca disse EU NÃO POSSO comer açúcar, mas EU NÃO QUERO. Entrei nessa com curiosidade científica, com vontade de explorar minhas possibilidades, e não querendo me punir. E com isso, consegui o presente de me entender melhor.

Vou continuar fazendo sobremesas com açúcar. Quando eu tiver vontade. Para o fim de semana. Porque esperar o fim de semana para ver seu desenho e comer mousse de chocolate é gostoso. Assim como sei que é gostoso esperar o domingo para sentar no sofá com uma caipirinha. Assim como esperamos a pizza de sexta-feira. E da mesma forma como faço a pizza de forma relaxada, porque está inserida como algo bom na minha rotina, começo a ficar contente pensando qual será o doce da vez. E é só ele, e não precisa ser complicado. Não precisa ter cara de especial, porque por ser raro, é especial em si mesmo.

Mas nesse mundo internetístico em que as pessoas querem ver receitas mais gourmet, preparos mais complexos, pratos com temperos exóticos, saladas nutricionalmente perfeitas, novidades incríveis para seu paladar, variação infinita... fico me perguntando qual será o futuro desse blog. Com os legumes refogadinhos e os mesmo bolo de sempre. No espaço virtual, há espaço para uma cozinha simples? Quão instagramável é uma clementina?

MOUSSE DE CHOCOLATE
(do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)

Ingredientes:
  • 200g de chocolate amargo
  • 6 claras de ovo
  • 2 colh (sopa) de açúcar

Preparo:
  1. Em banho-maria, derreta o chocolate picado, misturado a 2 colheres (sopa) de água, mexendo de vem em quando com uma colher para que derreta uniformemente. 
  2. Enquanto isso, bata as claras até picos moles. Junte o açúcar e continue a bater até que fiquem bem firmes (mais do que você faria para um bolo). 
  3. Junte 1/3 das claras ao chocolate e misture energicamente, para que fique homogêneo e o chocolate misture mais fácil ao restante das claras. 
  4. Incorpore o restante das claras, agora com delicadeza, e, quando o creme estiver homogêneo, coloque em uma tigela ou potinhos individuais, cubra com filme plástico e deixe firmar por várias horas, no mínimo quatro.



 


   


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Como um supermercado vira refeição e a simplicidade dos ingredientes

De uma cervejaria artesanal aqui perto.

 Quem estava esperando um post de Natal aqui, lascou-se.

O Natal anda devagar quase parando. Ainda mais porque meus pais (💓) vieram visitar por dez dias no início de Dezembro, e eu é que não ia ficar enfurnada na cozinha - fui é passear. Hoje foi o primeiro dia em que assei biscoitos, os Spekulatius de sempre, porque marido pediu e porque a receita é simples o bastante (e certeira) para triplicar e presentear os professores que foram mais que pacientes e carinhosos com meus filhos nesse semestre.

Aquela lambança de um biscoito por semana, panetone, panforte, torroni e o caramba... eh... cansei.

Além disso, se você me perguntar o que vou preparar de ceia de Natal, a resposta será um sonoro "não sei!". Passei os últimos trinta dias matutando no cardápio, sem chegar a conclusão nenhuma. Será  o primeiro Natal que passaremos apenas nós quatro, e, sem ter uma multidão para alimentar, confesso estar meio perdida. Pensei em vários cortes de carne diferentes de diferentes animais, mas mesmo o mercado municipal não tem aquilo que eu desejava. Então, no melhor estilo Vida Tranquila, dei de ombros e decidi que vou cozinhar o que eu encontrar de interessante no mercado orgânico uns dias antes: ao invés de correr todos os açougues de Toronto e me estressar procurando especificidades, vou na lei do mínimo esforço. Tenho zero interesse de transformar o que deveria ser um bom momento em família numa fonte inesgotável de estresse culinário. Qualquer coisa que encontrar vai bem com batatas. E ficando na cozinha italiana e francesa, nada pedirá temperos exóticos que me façam sair explorando ansiosamente supermercados de outras vizinhanças.

Enfim.

Sou melhor com comida de todo dia do que com comida de festa.

Então estou tentando aplicar à comida de festa a mesma estratégia que uso com a de todo dia.

Porque toda semana, aqui, é sempre igual. Chega sábado e domingo, e eu dou uma vasculhada rápida na geladeira, na despensa e no freezer em busca do que há e do que falta.

Simplificar a cozinha foi um ato de amor próprio. O que um dia fora uma aventura deliciosa, uma empolgante exploração de sabores e técnicas desconhecidas na busca da minha identidade na cozinha, ao longo do tempo tornou-se um fardo, um peso nos ombros provocado pela pressão da nutricionista louca e da chef megalomaníaca dentro de mim, impulsionada pelo mundinho internetístico que me fazia sentir sempre incapaz e insatisfeita com a comida que eu colocava à mesa. Levanta a mão quem segue no Instagram as mães hipster-vegan-gluten-free-quarenta-e-sete-tipos-de-castanha-dentro-de-um prato e não fica depois se sentindo uma mãe nhanha e uma cozinheira meleta porque o seu filho nunca experimentou falafel de moyashi  com queijo de semente de abacate e molho de umbu e sal do himalaia, e agora o paladar dele está arruinado para sempre e ele com certeza não vai mais ser uma pessoa incrível quando crescer.

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Parar de surtar na batatinha com essas coisas e voltar a comer comida foi a melhor coisa que fiz por mim e pela minha família. Eu continuo adorando várias receitas que aprendi nas minhas fases naturebas mais enlouquecidas, assim como aprendi horrores quando tinha uma obsessão doida por confeitaria francesa e técnicas complicadas.

Mas basta.

Chega uma hora na vida que você só quer curtir seu macarrãozinho. Com glúten.

A cozinha ficou mais fácil de gerenciar, a lista de compras diminuiu e ficou mais barata, e, a não ser quando coloco nozes nas coisas, não ouço mais nenhum mimimi da família. É mais fácil reutilizar as sobras, há menos itens perecíveis com os quais me preocupar, o desperdício é zero, eu passo menos tempo do meu dia pensando em comida e mais tempo... fazendo qualquer outra coisa, e todo mundo está saudável e feliz.

Ainda tenho a tendência de overthink. Pensar demais e me inventar preocupação é minha maldição, e tenho que lutar contra isso constantemente. No caso, cortar os gatilhos para esse comportamento é o que mais funciona para mim e me dá paz de espírito. Razão pela qual sumi do Instagram, para quem estiver se perguntando. Internet em geral alimenta meu monstro.

Chega de alimentar o monstro.

Prefiro alimentar minha família.

A lista que deixo no Keep é essa, de tudo o que é essencial na minha cozinha. Deixo a lista na ordem em que encontro os produtos no meu mercado. Os itens em azul são aqueles que eu compro quase que invariavelmente toda semana.
  • 3 tipos de fruta (quantidades depende da fruta)
  • 2 tipos de legumes (idem)
  • 2 tipos de folhas (idem)
  • Cebolas
  • Alho
  • Salsão / Aipo
  • Cenouras
  • Salsinha
  • Cebolinhas
  • Avocados
  • Limas /limões
  • 500g de algum grão, normalmente arroz
  • 500g de qualquer tipo de leguminosa (grão de bico, feijão ou lentilha)
  • milho para pipoca
  • 1kg de aveia laminada 
  • 4 litros de leite
  • Iogurte integral (eu compro um pote de 1,75kg, e sai o mesmo preço de fazer o meu e esse é muito bom)
  • Creme de leite fresco (um potinho de 500ml)
  • 1 ou 2 tabletes de manteiga (cada um vem com 450g; depende das receitas a fazer na semana)
  • 500g queijo cheddar branco
  • 500g queijo mozzarella para a pizza
  • 1kg de parmesão
  • 2 caixas de ovos com 12 unidades cada
  • 1 pacote de 250g de prosciutto ou bacon (que uso essencialmente para refogar com cebola e dar gosto a pratos simples)
  • 1 pacote de cereal matinal (tem uma marca orgânica de que gosto muito que usa vários grãos integrais e não tem quase nada de açúcar)
  • 5kg de farinha ( normalmente trigo branca, mas pode ser integral também)
  • 1kg de alguma farinha especial (polvilho, trigo sarraceno, centeio ou farinha de milho para polenta)
  • Cacau em pó (que é mais versátil para ter sempre do que barras de chocolate)
  • Fermento químico
  • Fermento biológico seco
  • Bicarbonato de sódio
  • 2 pacotes de macarrão (de 450g cada)
  • 1 lata de tomate pelado (de 750g, dá para o molho da pizza e mais algum preparo)
  • Azeite de oliva
  • Óleo de semente de uva (que uso quando não quero o gosto forte do azeite, ou para frituras)
  • Vinagre de maçã
  • Tahini (resquício da minha onda uber-natureba, mas que adoro)
  • Manteiga de amendoim natural (que adoro comer no iogurte com frutas)
  • Mostarda de Dijon
  • Ketchup
  • Azeitonas
  • Mel
  • Melado de cana
  • Sal
  • Pimenta-do-reino
  • Açúcar
  • Açúcar mascavo 
  • Extrato de baunilha
  • Café em grão
  • Chás variados
  • 1 pacote grande de chips de tortillas de milho sem sal
  • pão e/ou tortillas de trigo frescas

É  claro que às vezes coloco na lista itens especiais, como um chocolate, um peixe, uma erva diferente, castanhas. Mas essa lista é, via de regra, o que eu faço questão de ter sempre em casa para o bom funcionamento da minha cozinha e da minha sanidade.

Então chega sábado e domingo, varro com os olhos os armários da cozinha e tico no aplicativo tudo o que ainda tem (mesmo que seja bem pouquinho, porque só compro mais quando REALMENTE não tem mais) e tudo o que acabou. Aí entra o pulo do gato: ANTES de botar TUDO o que falta na lista, eu faço o exercício mental (e essa é minha parte favorita, acreditem) de tentar criar refeições com o que há no armário, no freezer e na despensa, como se fosse impossível ir ao mercado àquela semana. Há semanas em que consigo cozinhar apenas com o que está ali, por mais vazia que a geladeira pareça, e vou ao mercado apenas para a manteiga e o leite do café da manhã. Há outras em que todos os vidros e prateleiras estão vazios (por conta do esforço em usar o que tem dos outros dias) e volto de fato carregada da lista toda ali em cima. Mas isso é bem mais raro.

Sabendo quantas refeições consigo produzir com o que tenho, sei exatamente o que eu de fato preciso comprar da lista para completar as refeições que faltam. Anoto as refeições num quadrinho na geladeira, mais o menos na ordem do que vai estragar mais rápido para aquilo que pode esperar mais. E faço a listinha do Keep.

O mais comum é que eu volte do mercado mais ou menos assim, faltando apenas o saco de batatas e o leite, que esqueci de fotografar:

Em sentido horário: couve-flor, lentilhas, cevadinha, creme de leite fresco, ovos, azeitonas pretas, broccolini, folhas de mostarda, cenouras, alho, echalotas (compra de impulso), avocados, grapefuit, 3 tipos diferentes de maçã (duas de cada) e bananas.

 Parece pouco para a semana, mas é preciso lembrar que só faço os jantares. Allex sempre leva de almoço a porção que costuma sobrar do jantar anterior, e o almoço das crianças varia entre diferentes tipos de sanduíche, macarrão com legumes e queijo, ou algum bolinho feito com sobras de grãos e legumes. O meu almoço também faz uso de sobras e quase sempre uma fatia de pão, como mostrei no post anterior. Também isso não costuma contar para o final de semana, quando saímos para comer ou inventamos alguma porcaria no improviso. Fim de semana é dia de almoçar sanduíche, jantar pipoca, e descansar a cabeça.

O cardápio inventado vai para o quadrinho da geladeira. Se eu tiver qualquer ideia diferente para os almoços das crianças e o meu, anoto embaixo.
  
Naquela semana, em que eu tinha umas três linguiças que haviam sobrado dos cachorros-quentes do fim de semana, pensei nas lentilhas e alguma verdura escura. O flyer do mercado dizia que as folhas de mostarda estavam em promoção, então elas foram as escolhidas. Também em promoção estavam os broccolini e a cevadinha. Logo, decidi não comprar arroz aquela semana e levar cevadinha no lugar, que havia muito tempo não comia. Levei o bastante para o jantar com as sobras e mais um tanto para produzir orzotto na semana seguinte.

A promoção se estendia às couves-flor, que eram mais em conta se levadas em par. Uma delas virou aquele bolo de couve-flor maravilhoso do Ottolenghi, e outra virou cobertura de pizza, cheia de azeitonas pretas, segundo a receita do Jim Lahey

Eu pretendia assar as batatas com ervilhas num tray bake, mas de última hora resolvi cozinhá-las e misturá-las a um pouco daquele pesto de folha de erva-doce que ainda havia no freezer. Acompanhei com ovos fritos e um purê de ervilha que estava uma delícia, mas que as crianças não gostaram. (Uns dias depois, o purê de ervilha recusado foi misturado a ovos e farinha e fermento e transformado em  panquequinhas para o lanche da escola. Sucesso.)

Os abacates foram para meu almoço junto com aquele grapefruit pequeno, as maçãs foram para os lanches da escola, e as bananas viraram bolo. O creme de leite e os ovos viraram sorvete de baunilha e a despensa estava novamente vazia no domingo seguinte. 
 

As lentilhas com salsicha não têm segredo. Dourar as linguiças na panela até estarem cozidas, dourar cebola e alho na gordura das linguiças e mais um fio de azeite, e juntar as lentilhas já cozidas, misturando bem para os gostos apurarem. (No caso, minha lentilha sempre leva cenouras e louro.). Uma bela polvilhada de salsinha e um fio de vinagre e pronto. Servir. As folhas de mostarda foram branqueadas e puxadas no azeite e alho. Só.

No caso da cevadinha, eu tinha uma memória fugaz de um prato da Heidi Swanson com cevadinha e raspas de limão, temperada como se fosse um risotto. Primeiro branqueei o broccolini, e depois usei a água do legume para cozinhar a cevadinha. Quando ela estava no ponto, refoguei os broccolini em azeite, alho e pimenta calabresa, juntei a cevadinha com um pouco de caldo, para os gostos se misturarem, e quando o líquido evaporou quase todo, juntei uma bela quantidade de azeite, raspas de limão siciliano, uma espremida do limão para trazer acidez, e um belo punhado de parmesão ralado. O ovo frito é sempre meu acompanhamento favorito para completar uma refeição.



O jeito que melhor funciona para mim na hora de pensar no que fazer para comer, é fazer um quebra cabeças de PRINCIPAL + ACOMPANHAMENTO QUENTE + SALADA com o que tem na geladeira, tentando trocar os papéis dos legumes, como se fosse um jogo de combinações em que as posições não podem se repetir. Ou seja: quem é acompanhamento quente hoje, amanhã tem que ser salada ou principal. O brócolis pode ser o principal se estiver gratinado, por exemplo, e o arroz é o acompanhamento. Mas se o arroz, por sua vez, for de forno, com ovos e queijo, o brócolis e só refogado e acompanha. A cenoura num dia é cozida e temperada com manteiga, no outro dia vai dentro do soufflé, e no outro é raladinha como salada. Se o principal for mais robusto e já tiver legumes, pulo ou o acompanhamento quente ou a salada. 

Eu era muito fã de pratos únicos quando éramos só Allex e eu. Mas com crianças, é com certeza mais fácil pensar em pares ou trios de pratos. Se Laura ou Thomas teimam de não gostar de algo, tem sempre outro elemento no prato para mantê-los alimentados. A única obrigação deles é experimentar de tudo. Mas não precisam gostar nem precisam comer um monte do que não gostaram.(Aliás, sempre foi a melhor estratégia com os dois: eu dizia que só precisava experimentar, e que não precisava gostar; se não gostassem, não precisavam comer mais; mas se eles nem experimentassem, eu nunca saberia que eles não gostam, e então continuaria preparando aquilo TODOS OS DIAS; em contrapartida, se eles experimentassem e não gostassem e me dissessem, eu NUNCA MAIS faria aquilo para eles. FUNCIONA SEMPRE. E quase sempre eles acabam gostando.)

O fato de ter os pratos ali anotados não quer dizer que eu vá de fato prepará-los. Mas tendo eles ali, e sabendo quanto tempo eles levam para ficar prontos, posso trocar, misturar e reinventar, ou escolher de acordo com o meu dia o que é melhor preparar. Se o dia foi um lixo e eu mando tudo às favas e preparo um spaghetti cacio e pepe, não tem problema. Como comprei pouco, nada vai estragar só porque não usei naquele dia. Não há pressão. A cozinha é leve.

No fim, como disse, o exercício de criatividade quando há pouco na geladeira é o que mais empolga como cozinheira. Quem me recomendou o show Salt Fat Acid Heat, com certeza sabe o quando adorei o último episódio, quando Samin Nosrat diz que o que a faz feliz é cozinhar ingredientes simples, de todo dia, que estão disponíveis o ano todo, como cenouras e batatas. Demorei muito para entender esse prazer, contaminada pelos shows e livros de cozinha cheios de ingredientes exóticos e caros para o brasileiro médio. 

Daí que quando o Masterchef Profissionais propôs aquela prova de cozinhar com uma cebola como elemento principal, eu tive essa epifania: se você quer ser um bom cozinheiro, não precisa de nada mais do que cebola, cenoura e salsão. Não apenas como temperos, mas como elementos em si. Quantas refeições você consegue fazer numa semana, se tiver apenas esses três legumes em mãos? Inúmeras. 

Náo existe foto bonita de salsáo gratinado, ainda mais com essa nhaca de luz branca horrorosa do meu teto.
E houve mesmo uma semana depois desta das fotos, em os únicos legumes na minha geladeira eram esses três. E rolou clafoutis de cebola com cenouras vichy, teve risotto de salsão (super delicado) com caldo caseiro, teve arroz integral com salada de cenoura e um incrível salsão gratinado da Marcella Hazan, que estava delicioso. Sim, salsão gratinado. Você tira os filamentos mais duros dos talos externos de uns dois maços de salsão, corta em pedaços de uns sete centímetros e branqueia os pedaços em água fervente. Numa panela larga, você refoga um pouco de cebola e umas fatias picadas de prosciutto na manteiga e azeite, junta os pedaços de salsão, e um de pouco de caldo de carne, só o bastante para brasear. Eu não tinha caldo de carne, mas tinha o caldo do cozimento de grão de bico (que estava bem temperado e uma delícia), e foi isso que usei. Deixa o caldo ferver até quase sumir e o salsão ficar macio. Coloca os talos de salsão numa travessa refratária como se fossem canoinhas, espalhando as cebolas e prosciutto por cima. Polvilha generosamente de parmesão e leva ao forno médio-alto até formar uma casquinha dourada. MARAVILHOSO. Thomas, que não gosta de salsão cru, repetiu e pediu para fazer sempre. Laura, como sempre, para ser do contra, ama salsão cru, mas não gostou dele cozido. Minha sina. Eu faria sim isso de novo. Com simples cogumelos refogados e um panelão de arroz integral, foi uma refeição deliciosa.   

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