segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Farmer's Market, inglês e cansaço

 Faltam 3 dias para pegar as chaves de nosso apartamento definitivo. A casa velha alugada cansou. Aos adultos e às crianças. Faz quase 3 meses que vivemos nesse esquema acampamento provisório e toda vez que colocamos os pés na rua sentimos certo alívio.

No meio desse cansaço físico e mental de resolver pepinos burocráticos em outra língua, de ter de lembrar que na casa nova não tem nem vassoura nem lixo do banheiro, de não encontrar suas coisas porque está tudo empacotado e realmente não lembrar se você trouxe o não o abridor de latas, há aqueles momentos tranquilizadores que são um espaço extra para respirar.

Como o dia em que descobri os farmer's markets do bairro. Estava chovendo, as crianças estavam cansadas, e quando os adultos estão cansados, convenhamos, nós ficamos birrentos também.

Vi aquelas tendas brancas à distância, e conforme me aproximei do burburinho, comecei a avistar uma infinidade de cores alegres e folhas e bulbos e flores, e aromas que me atingiram em cheio como um golpe de bom humor.

Havia pêssegos perfumados, e blueberries, pães, queijos, mel, vagens verdes, amarelas e roxas, abobrinhas de formatos diferentes, tomates os mais coloridos e absurdos, couves de todos os tipos, beterrabas cor-de-laranja...

Não fui apenas eu que fiquei encantada. Thomas e Laura queriam levar tudo, experimentar tudo. Sorte minha que havia pouco dinheiro na carteira. Levei o que pude (e o que poderia preparar sem uma tabua de corte decente e sem um ralador ou os temperos que costumava ter no Brasil)
e comecei a planejar as refeições.
 As crianças me ajudaram a desfolhar a couve, que foi picada e temperada com um molhinho de iogurte, azeite, cebola roxa e limão, e misturada a pêssegos, croutons de sourdough, queijo feta e rabanetes.

Abobrinhas verdes e amarelas foram fatiadas. Quando Thomas roubou uma fatia da amarela ainda crua, surpreendeu-se: "mamãe! Tem gosto de melão!" De fato tinha. Já imaginei tiras finíssimas da abobrinha amarela crua em uma salada. Mas sem descascador de legumes, elas foram refogadas em alho e cebola, misturadas a tomates vermelhos picados e serviram de molho de macarrão.

As beterrabas douradas foram fatiadas fino e misturadas a grão de bico cozido, folhas de beterraba refogadas, rabanetes, feta e temperadas com azeite e limão. 

O restante das abobrinhas foi refogada e misturada a feijões brancos pequenos, com gosto de feijão-manteiguinha, salsinha, e acompanhadas de uma salada de tomates diferentes, cor de laranja, listrado, manchado, apenas com sal e o que restara de queijo. 

Não vejo a hora de entrar no apartamento novo para poder de fato montar minha despensa.  

Outra fonte de bom humor tem sido a adaptação das crianças. O modo como vão pegando uma palavra aqui e outra ali, sem resistência, sem vergonha, interessadas no novo idioma, nas novas pessoas, nos novos lugares. Esse interesse às vezes é excessivo: eles querem tocar em tudo e explorar tudo, não importando se é um café, uma farmácia ou um escritório. Isso pode ser uma chateação quando tudo o que você quer é entrar e sair rápido de um lugar. Mas fico feliz por eles não se sentirem intimidados pelo desconhecido. 

Cada Thank you, cada Sorry, cada vez que Laura apreende uma palavra no meio de uma frase, pensa por ela mesma e conclui sozinha a tradução, meu coração se aquece e esquece de todas as dificuldades, todos os contratempos. 

Everything is going to be ok.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Quatro pratos, piqueniques, one pot meals

Estou sentada num banco de pedra coberto de areia molhada. Laura está escalando coisas no playground e Thomas está cavando buracos e construindo diques no maior sand box que já vi. O parque tem cheiro de terra úmida  e cachorro quente. O zumbido das vespas e o canto das cigarras se confunde com a brincadeira em inglês, que parece ter um timbre diferente, de alguma forma. Ouço conversas em espanhol, russo, italiano e português de Portugal.  Thomas e Laura tentam se fazer entender para brincar com outras crianças, e às vezes desistem e brincam sozinhos, mas têm se arriscado mais a cada dia. Eles podem ficar horas aqui. E é isso o que temos feito.

É fácil ficar fora de casa durante o verão em Toronto. Há parques e praças por todos os lados, há wading pools e splash pads para se refrescar do calor, e há equipes cuidando dos parques que também vendem comida simples por preços mais do que justos: 50 centavos por um cookie do tamanho de minha mão, 2,50 dólares por um prato de quinoa com legumes.

Já faz dez dias que estamos aqui e a última vez que as crianças viram tv foi durante o vôo vindo para cá. Thomas pergunta quando vou voltar a fazer bolos e biscoitos, mas não me pergunta quando vamos comprar uma televisão. Prometeu escrever uma carta ao Papai Noel pedindo uma batedeira nova para a mamãe. Mas Laura está preocupada pois talvez Papai Noel só entenda cartas em inglês, agora. Enquanto o Papai Noel não traz a neve e o frio, no entanto, a vida é mais interessante do lado de fora, cavando buracos, explorando parquinhos diferentes, perseguindo esquilos e observando os diferentes pássaros e flores da cidade.





 Porque estamos fora o dia todo, piqueniques têm sido a opção mais agradável e também a mais conveniente. Lembro-me de quando viajei à Califórnia, uma década atrás, e me encantei com o hábito do piquenique, essa liberdade de sentar em qualquer gramado e almoçar sem sapatos. Lembro-me também de ter sido xingada nos comentários, por ser mais uma brasileira que acha chique piquenique em outros países, mas cafona a farofa na praia no Brasil. Xingamento injusto. Sempre fui farofeira. E o verão aqui libertou o Kraken da Farofa e não hesito em entrar em qualquer grocery store, apanhar uma fruta, um queijo e um pão, delícias universais, esticar minha toalha de acampamento que também serve para secar as crianças no fim de um dia de brincadeira na água, arrancar as sandálias e relaxar. Almoçamos com os pés na grama sob réstias de sol e a cabeça sob a sombra de um carvalho, sentindo-me num desenho animado toda a vez que Thomas encontra uma bolota mordida por um esquilo.

Voltamos para casa com aquela sensação de fim de tarde na praia, areia nos sapatos e corpos cansados, e passamos no mercado para resolver a questão do jantar. O mercado ainda é confuso. Muitas opções, muitos rótulos para ler. Eu tentando entender a diferença entre esta e aquela lata de grão de bico, as crianças cansadas correndo pelo mercado e tocando em tudo, e eu preciso interromper o diagrama de compreensão que meu cérebro está montando em inglês para dar uma bronca em português. Quando volto ao texto em inglês, esqueço tudo e tenho de começar tudo de novo. Esse vai e volta de idiomas é cansativo. Boto na cesta qualquer lata de grão de bico, e quando chego à casa descubro que há 3 enormes abridores de lata na gaveta dos armários de 1940, e nenhum deles funciona direito. Levo 25 minutos para descobrir como abrir a maldita lata e me xingo mentalmente por não ter trazido meu abridor de R$1,99. Bobagem, compro outro abridor no Canadá, pensei. Mãe, se estiver lendo, pode me trazer meu abridor brasileiro mequetrefe, please.

 Pensar que em três semanas nos mudamos novamente me faz pensar uma refeição de cada vez. Hoje são abobrinhas refogadas em alho e azeite, com tomates cereja, salsinha, os danados grãos de bico e atum. One pot meal. Amanhã, uma frittata simples com salsinha e cheddar, tomatinhos e alguma fruta. Depois, provavelmente alguma variação de legumes e grãos. Refeições simples, fáceis de preparar numa cozinha pouco familiar. Essa aliás é uma fórmula fácil contra a falta de idéias saudáveis para o jantar: dois legumes/verduras refogados, misturados a algum grão/feijão já cozido ou em lata, temperados com alguma erva e misturados a alguma proteína. Noutro dia refoguei cogumelos cremini e rapini (um tipo de brócolis italiano, como o brócolis ramoso) em alho e azeite, misturei a uma lata de feijões borlotti, aquecendo tudo, temperei com salsinha  e uma espremida de limão e servi com um punhado de parmesão por cima.

O fato de a casa ter quatro pratos descombinando e três tigelas, o fato de estar usando uma faquinha serrilhada sobre um dos pratos para todo o mis en place, faz-me pensar na lista de compras de tralhas de cozinha e cortar dois terços dela fora. A batedeira continua na lista, no entanto. ;) Mas se o desentulhar da casa, depois a escolha do que levar na mudança, já me haviam feito pensar sobre o que de fato preciso em minha casa e minha vida, esse um mês sendo vivido nessa casa, com tufo o que tenho ainda empacotado, faz essa noção se aguçar ainda mais. Eu preciso de 4 pratos. O importante é o que coloco dentro deles e a companhia com a qual aprecio esse conteúdo. Os pratos não são importantes.



Ao nos darmos conta de que o sol se punha às 9 da noite, resolvemos terminar nossas noites no minúsculo quintalzinho da casa. Uma música tocando. Os pratos sujos do jantar terminado atraindo pequenas vespas de listras amarelo-fluorescente. Uma brisa fresca querendo refrescar minha nuca enquanto prendo os cabelos. Ouvimos um barulho forte. Um esquilo preto sobe aos pulos a lateral da casa e desaparece no telhado. Alguns minutos depois, vem outro. E mais outro, cinza, desta vez. Quando a conversa continua, avisto um movimento através da cerca do vizinho. Penso que é um esquilo, e quando me ergo para ver melhor, é um rato imenso que olha para mim assustado e foge de volta para o buraco de onde veio. Ainda na mesma noite, enquanto recolhemos as coisas para entrar em casa, mais um barulho. E desta vez é um enorme guaxinim que nos observa, e, sem medo nenhum, perde o interesse, nos dá as costas e segue o caminho.

Apenas bizarro.


domingo, 6 de agosto de 2017

Uma cozinha que não é minha

 
 
Escrevo este texto capenga com um dedo só, em meu celular, sentada numa cama que não é minha, num apartamento pequeno em uma casa vitoriana velha capenga, que tem aquele jeito estranho de casa de praia que se divide com tios e primas, que não é de ninguém, é limpa mas ninguém se dá ao trabalho de cuidar de fato. Nossas malas estão espalhadas pela pequenina sala e pelos dois quartos, ocupando o pouco chão disponível, meio feitas, meio desfeitas, pois não queremos de fato desmontar tudo para remontar em um mês. Vamos nos espalhar o menos possível, disse Allex, já prevendo o stress de perder miudezas durante a próxima mudança.

Viemos com 14 malas no fim. Três malas grandes, 2 médias, 2 mochilas de acampamento, 3 malinhas de bordo e uma mochila comum para cada um da família. Podíamos ter trazido mais, porém foi bom não o termos feito, pois sequer haveria como carregar tudo no aeroporto. Conseguimos trazer todos os nossos essenciais e até mesmo algumas futilidades, o que acho que faz bem para o espírito. Veio comigo minha colher de pau. Vieram minhas facas. Veio minha panela vermelha.

A imigração nos tomou mais tempo do que imaginávamos, e as crianças estavam já pedindo arrego, exaustas de filas, de lugares sem banheiro, de não poderem saltitar longe e cantarem alto enquanto tínhamos importantes conversas em outro idioma com nossos passaportes nas mãos.

"Welcome to Canada" foi uma frase que nos deu um tremendo alívio, uma sensação vitoriosa depois de mais de dois anos nesse processo, e um enorme frio na barriga quando nos demos conta de que Toronto é nossa casa agora.

A gente mora aqui.

A gente MORA aqui.

F*ck.

Fomos muitíssimo bem recebidos por nossos novos amigos, vindos do novo emprego do Allex, e passamos uma excelente manhã em sua casa enquanto não podíamos entrar em nosso apartamento temporário. Isso foi maravilhoso e fez toda a diferença em nossa chegada. :)

Nossos filhos brincaram todos juntos independente do idioma e nós conversamos sobre todas as particularidades da cidade e do recém chegado. Nessa hora me dei conta de como não sei nada. Não sei usar a lavanderia, não sei se deixo gorjeta quando compro café no balcão, não sei para que lado fica o supermercado nem se o leite 3,5% é o integral e se está caro ou barato. Não sei o que procurar num carro bom para a neve, não sei quais são as regras no parquinho.


Olho as gôndolas do supermercado e há 37 diferentes tipos de cereais matinais, e minha cabeça dói, information overload! information overload! E tenho vontade de sair e viver de luz por um tempo pra não precisar escolher. Apanhamos um cereal orgânico-gluten-free-fru-fru da caixa bonita, um pote grande de iogurte, uma caixa de mirtilos, leite orgânico, que era só pouca coisa mais cara que o comum, um suco, e saímos do mercado com nosso primeiro café da manhã e nos sentindo meio burros, sem jeito e desengonçados. A gente demora pra contar as moedas, a gente não sabe onde fica o botão que faz a esteira andar pra empacotar as compras.

Allex tira essa insegurança muito mais de letra. Sou eu, a control freak da família, que fico ansiosa correndo por aí feito galinha cabeça.


Almoçamos algo que conhecemos bem lá da Liberdade, em São Paulo, e que sabemos que as crianças vão gostar: lamen. Restaurante delicioso, preço justo, e as tigelas são raspadas até a última gota do espesso caldo com sabor marcante de ossos de porco. Logo de cara já temos um restaurante onde certamente seremos clientes regulares.

Passeamos pela vizinhança e me impressiono com a quantidade de verde na cidade. Há arvores e flores para todos os lados e basta sair da rua principal para encontrar silêncio e passarinhos. E parquinhos. As escolas deixam seus parques abertos para quem quiser usar e meus filhos rapidamente se aproveitam disso. Eles estão empolgados mas também exaustos da falta de rotina, um pouco frustrados por não falarem inglês. É preciso muita paciência e carinho. E parquinhos. Os daqui são muito legais. :D

Na volta apanhamos um sanduíche qualquer, alguns doughnuts e voltamos à casa. É o sono dos justos. Um sono pesado de quem cumpriu uma jornada.

Mas assim que acordamos nos damos conta de que a jornada só começou e que há muita, muita coisa a ser feita ainda.

Achei que meu primeiro post canadense viria acompanhado de receita, mas ainda não me senti à vontade o bastante na casa para cozinhar.

Sempre que viajamos, parece que é hora de ir embora justamente quando você já sabe chegar fácil de volta ao hotel, quando começa a chamar o quarto alugado de "lá em casa". Espero ansiosamente esse momento, quando começar a pegar o Bonde sem pensar muito e quando não precisar mais olhar para cada moeda para descobrir se é um dólar ou 25 centavos. Talvez esse momento nunca chegue. Vai saber. Estou aqui há apenas dois dias.

Amanhã vamos fazer a primeira compra para começarmos a cozinhar aqui. Coisas simples. Talvez ovos. Talvez cogumelos. Há lindos cogumelos no supermercado, do tamanho da cabeça de uma criança. Vamos ver. :)

Um dia de cada vez. Mas todos os dias com parquinho para as crianças.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Crepes de centeio, uma casa sem coisa nenhuma

Prometo que vou voltar a tirar fotos bonitas para o blog. 😛
"Mamãaaae! Mas agora não tem mais espaço pra fazer a massa do pão! Como você vai fazer, mamãaaaae???"

Ah, Laura. Acho que não vai ter pão de jeito nenhum, agora que meu forno resolveu cometer suicídio, num ato de revolta contra o fato de ser o único eletrodoméstico da casa que não será vendido. Vê-se logo por quê. Foi bom, no fim das contas, o danado desistir da vida, pois assim pude terminar de me livrar de assadeiras e travessas refratárias que não tinham mais nenhuma função. Ainda que seja uma dor de cabeça ter que pensar em refeições que possam ser feitas exclusivamente na chama do fogão.

Na cozinha, há ainda aquele móvel de madeira com tampo de granito, que será doado sabe-se lá pra quem. Ele anda acomodando os últimos copos e pratos e as únicas duas tigelas da casa, as de vidro. Nesta semana requentei na frigideira os últimos waffles congelados e fiz a última leva de panquecas com o que sobrou da farinha branca. Cada farinha que acaba faz seu respectivo pote de vidro sumir para a pilha do UT - A Fronteira Final. Sobre o tal móvel, jaz ainda a cafeteira e o kettle, porque ninguém aqui sobrevive sem café e sem chá. Sem sofá, ok. Sem café, de jeito nenhum.

Thomas comenta com Laura durante o jantar: "Olha só... estão acabando as coisas de cozinha para cozinhar... E o alimento também." - Afinal, a geladeira tem só o mínimo necessário para dois dias, para podermos limpar tudo e entregá-la rapidamente. Também porque mamãe anda sem nenhuma paciência para grandes aventuras culinárias. Sanduíche, por favor.

Almoço e janto de pé, apoiada à pia, pois agora que o frio chegou, é impossível sentar no chão sem congelar a busanfa.

A mesa do jardim veio para a cozinha para acomodar os últimos itens da despensa. A mesinha verde está lá, o mini-restaurante das crianças, e vira e mexe paro para tomar meu chá com bolo ali, mal acomodada naquela cadeirinha miniatura, e rio de mim mesma, dessa situação ridícula em que nos colocamos.

Prometo sim. 😣

 Chá com bolo sim, pois enquanto ainda tinha alguns ingredientes, usei o forno de minha mãe para preparar O TAL BOLO DE IOGURTE, que ganhou versão mármore, de chocolate e laranja (bastou separar 1/3 da massa, juntando 1/4 xic de cacau - o que sobrara - a ela, e ao resto, raspas de laranja e uma dose generosa de Cointreau, e então despejar alternado na forma, fazendo o zigzag com a faca antes de levar ao forno) e versão limão com sementes de papoula (juntando o suco e as raspas de 1 limão à massa e o que eu tinha de sementes de papoula ainda, cerca de 3 colh. de sopa). Agora que minha farinha e minha paciência acabaram, acabaram também os bolos.

Você nunca sabe o quanto vai sentir falta de um sofá até passar um mês sentando num banco de jardim. Lembra aquela sensação Hygge delicinha? Não há meia luz, chá e mantinha que sobreviva a uma bunda listrada de ripa de madeira. Não consegui ler um único livro nos últimos dois meses.

E quando você se livra dos móveis, as tralhas parecem brotar de fendas no chão.

"Eu tenho poucas coisas", sempre proferi, orgulhosa. Mentira, mentira, mentira. Percebi que a rotina invisível, aquela que a gente repete ad infinitum sem pensar a respeito, contém muitos objetos invisíveis também. E vão aparecendo pentes, e elásticos, e cabos, e vasos, e caixinhas, e potes, e clips, e papéis, muuuuuitos papéis. E lanternas, e canecas, e lápis, e canetas, e mais cabos, e mais papéis, e enfeites de Natal, e trabalhos de escola, e recortes de revista, e porta-incenso, e adaptadores de tomada, e colheres de pau, e bolinhas de plástico, de borracha, de tênis, meu deus, por que essa casa tem tantas bolas???

Enfim, as crianças separaram o que gostavam muito e fizeram uma pilha de coisas que achavam chatas. Para minha surpresa, Laura se livrou de todos os vestidos de princesa e, dois dias depois, pediu para cortar os cabelos bem curtos de novo. Foi uma estranha surpresa, mas confirmou a teoria do pai de que essa coisa toda de princesa era mais influência das amigas da escola do que gosto pessoal. Thomas separou dinossauros que não queria mais. Então pediram que eu terminasse de fazer a rapa, e assim fiz. E mesmo separando para doar e vender mais de 2/3 dos brinquedos e livros, dei-me conta de que eles AINDA tinham MUITOS brinquedos. E que daquele monte todo, não havia mais do que 6 que Allex e eu havíamos dado. Prova cabal de que de fato, durante esses anos, ninguém nos ouviu quando pedimos para não darem presentes fora de Natal e aniversário.

Quando as crianças voltaram da avó, sequer perguntaram onde tinham ido parar tudo o que não estava mais em seu quarto. Demorou mais de uma semana para me perguntarem sobre o paradeiro de dois ou três itens específicos. Expliquei. Rolou um momento chateado. Distraíram-se com outras coisas. Passou. 

Depois que tudo foi mais ou menos separado, o que vai e o que fica, chegou o momento de fazer o quebra-cabeça das malas. Aquela pilha toda de roupas, livros meus, do Allex, das crianças, brinquedos, objetos, sketchbooks, foi separada em novas pilhas de 30kg. Primeira surpresa: poderemos levar todos os nossos livros na primeira viagem. Segunda surpresa: é mais fácil levantar um kettlebell de 32kg do que uma caixa de livros de 32kg. 😓

A ideia de levar tudo em caixas é econômica mas pouco prática quando se têm dois adultos para carregarem dois carrinhos de malas, mochilas nas costas e duas crianças empolgadas por aeroportos cheios, e por isso vamos pela rota do saco à vácuo e malas novas. Porque temos 120kg de livros, sketchbooks, HQs, mas temos apenas 45kg de roupas e sapatos da família toda. A gente vê logo qual é a prioridade aqui em casa. hahaha. :)

Além disso, não ajuda em nada chegar no seu país novo e dar mau jeito nas costas tentando tirar da esteira do aeroporto uma caixa em movimento de 30kg de livros sem alça nenhuma.

No quebra-cabeça, você se dá conta de que talvez aquela primeira seleção tenha sido excessivamente emocional, e acaba abandonando para trás mais alguns livros, a panela verde da le Creuset, pilhas de desenhos de quinze anos atrás. Mas percebe que aquele pinguim de geladeira velho e lascado que você e seu marido compraram quando juntaram os trapos PRECISA ir junto, para habitar todas as geladeiras do seu futuro.

Então você olha em volta e percebe que as coisas estão meio que encaminhadas, tudo que importava já foi vendido, o que resta pode ser doado sem problemas, e basta apanhar um dia com as crianças nos avós para terminar de jogar fora todas as mini tralhas da rotina invisível que continuam por aí.

E agora? E agora?

Agora é hora de marcar de ver os amigos e dizer tchau.

:(

E se já era difícil fazer isso por si só, ainda complica no meio das viagens para São Paulo para ir a cartórios, as traduções de documentos, venda de carro, entrega de móveis, contratação de mão de obra para consertar a casa alugada, busca por um apartamento para ficar no primeiro mês em Toronto, trâmites para levar o Gnocchi na segunda viagem...

Eu tinha lido sobre essa fase em outros blogs de gente que se mudou para outro país, mas sempre achei que isso era causado por procrastinação da parte dos envolvidos. Morde a língua, sua tosca. É simplesmente muita coisa para fazer mesmo. E da mesma forma como eu não via toda essa trabalheira no processo dos outros, há sempre amigos e familiares sem a menor noção do que você está passando e que acham que você está no sofá vendo seriado e esperando o dia do embarque, e que o horário esdrúxulo que você escolheu para tentar encontrar com a pessoa é mero capricho seu. 😒

Num dia, eu sentei no chão da casa.

Eram três da tarde. Eu não conseguia mais me lembrar do que precisava terminar de fazer àquele dia, meu corpo doía inteiro e eu me sentia exausta como se tivesse feito uma trilha de 90km montanha acima. Dei-me conta de que se me deitasse naquele momento, dormiria por 24 horas direto. Estava irritada, distribuindo impropérios a quem ousasse qualquer tentativa de comunicação. Eu tinha vontade de chorar de puro cansaço, como uma criança.

Mesmo assim, levantei-me, apanhei a agenda onde tinha anotado tudo o que precisava ser feito, e continuei, vendo o mundo através de uma névoa anestesiante que me permitia terminar as tarefas sem no entanto me dar conta delas.

E naquele fim de semana, parei tudo e passeei. Levamos as crianças ao Butantã, onde eles queriam muito ir havia tempos, fomos comer feijoada num bar que gostamos (morri de orgulho de ver a pimpolhada comendo orelha de porco), e saí com minha irmã para bater papo e tomar Spritz. Recarregar as energias é bom.

Hoje, de novo, vi que todos aqui precisavam de um tempo. Ao invés de passar minha tarde desmontando os últimos móveis vendidos e empacotando coisas, passei três horas no parquinho com a pimpolhada e mais duas passeando os cachorros. Chegaram todos exaustos em casa, mas muito mais felizes e tranquilos do que nos últimos tempos, com todos trancafiados no meio dessa imensa desordem desestruturada que virou minha casa.

Banho quente, desenho e sanduíche.

Não vai dar tempo de ver todo mundo. Não vai dar tempo de fazer tudo o que eu gostaria.

E por não estar dando tempo de cozinhar muita coisa, resolvi usar toda a farinha de centeio que tinha em casa nesses crepes. Tinha ficado cabreira com a possibilidade de jogar fora a farinha de centeio por não poder mais fazer pães no meu forno quebrado, e achei que esses crepes que eu preparara pela primeira vez nos primórdios desse blog seriam a redenção. E foram. Fáceis de preparar como qualquer massa de crepe, mas a receita rende 20 unidades grandes, feitas numa frigideira de 30cm. Preparei metade dos crepes num dia, e durante a semana fui preparando mais conforme a necessidade.

Na primeira noite, recheei com couve refogada, queijo estepe e cebola roxa. No dia seguinte, esquentei os crepes e servi com limão e açúcar, e ninguém reparou que não se tratava da receita de sempre de farinha branca. Aliás, ficaram fantásticos com algumas peras super maduras que caramelizei rapidamente num breve surto de firulice culinária. Quando acabaram e vi que ainda tinha farinha de centeio, não tive dúvidas e fiz de novo a mesma receita. E servi os crepes como se fossem wraps, com alface, tomate, queijo gruyère e presunto cru. Terminei com meio pezinho de radicchio refogando-o em cebola roxa e usando como recheio de um crepe apenas para mim, com queijo  gruyère derretido e nozes picadas. Fantasticamente práticos e versáteis, esse tigelão de massa de crepe de centeio na minha geladeira me salvou nas últimas duas semanas.

Agora faltam mais duas semanas. >_<

Vou dormir o sono dos justos naquele avião. 

CREPES DE CENTEIO 
(Do sempre bom blog 101 Cookbooks, da Heidi Swanson, ainda que eu tenha conhecido essa receita pela primeira vez no livro dela - Super Natural Everyday). 

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. farinha de centeio
  • 2 1/2 xic. farinha de trigo 
  • 1 colh. (chá) rasa de sal
  • 6 ovos grandes
  • 4 xic. água ou mais se precisar

Preparo:
  1. Misture todos os ingredientes em um tigela BEM grande. Eu acho mais fácil misturar todos os ingredientes secos numa tigela, bater os ovos e um pouco da água em outra, e ir misturando os líquidos aos secos aos poucos, com um fouet, e então incorporando o restante da água aos poucos. Isso evita os grumos e a necessidade de passar por uma peneira. Se restarem grumos muito grandes, fazer o quê?, passe por uma peneira. Se os grumos forem pequenos, ignore, pois não vai fazer diferença depois de cozido. 
  2. Você pode deixar a massa na geladeira, coberta, por até uma semana e ir usando conforme a necessidade. Basta misturar de novo antes de usar. 
  3. Na hora de fazer os crepes, aqueça BEM uma frigideira. Eu uso uma grande, de 26-30cm, mas pode-se usar qualquer tamanho de frigideira, desde que se adeque a quantidade de massa usada para cada crepe.
  4. Derreta uma colherinha de manteiga nela, girando a frigideira para ter certeza de que a manteiga cobrirá toda a superfície. MANTEIGA evita que o crepe grude. Óleo ou azeite parece não ser tão eficiente. Toda vez que um crepe começar a grudar, unte novamente com um naquinho de manteiga antes do próximo crepe (geralmente coloco mais manteiga a cada 4 crepes).
  5. Retire a frigideira do fogo e, se estiver usando uma frigideira grande como a minha, despeje no centro 1/2 xic rasa de massa, e imediatamente comece a entortar a frigideira para os lados, num movimento giratório horário ou anti-horário, para que a massa escorra como os ponteiros de um relógio e recubra todo o fundo da frigideira.
  6. Pare de girar assim que a massa parar de escorrer. Volte ao fogo médio-alto e cozinhe até que as beiradas comecem a se soltar, sinal de que a massa desgrudou da panela e está sequinha. Com uma espátula de silicone, termine de soltar as beiradas, deslize a espátula por baixo do crepe até o centro, e rapidamente e com confiança, erga-o e vire-o para cozinhar do outro lado. Dependendo da espessura do crepe, deve demorar cerca de 2 minutos do primeiro lado e 30 segundos do outro.
  7. Retire da frigideira e coloque num prato ou numa grade. Repita com o restante da massa. Para uma frigideira pequena e crepes pequeninos, cerca de 16-20cm, use não mais que 1/4xic. de massa por crepe. O primeiro sempre sai meio porcaria e mais engordurado de manteiga. Os seguintes se corrigem e saem bons. Prática traz a perfeição.
  8. Uma vez feitos os crepes, você pode deixar que esfriem. Empilhe-os sobre um prato grande, cubra-os com filme plástico e deixe-os na geladeira para serem usados depois. Eles ficam bem assim por uns 4 dias. Basta colocá-los na frigideira quente um por um para aquecê-los, rechear metade dele e fechá-los, até que o recheio fique igualmente quente e a superfície externa do crepe, dourada. Ou recheie os crepes frios, disponha numa travessa refratária untada e leve ao forno médio por uns 15-20 minutos, dependendo do recheio.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Diário da mudança, café da manhã para encher de Maple Syrup e, para bom entendedor, meia música basta



Quando vieram levar embora nossa mesa de jantar e todas as oito cadeiras da casa, olhei para o espaço vazio na sala, para o rostinho atônito dos meus filhos, e lhes disse, empolgada: "Êeeeee! Um mês de piquenique!!!"

Eles acharam ótimo. Mas logo decidiram que era mais fácil comer na mesinha verde-limão, onde os dois, assim, um de frente para o outro, sentados numa mobília que lhes respeita a proporção, com louça, talheres, guardanapo de pano, pareciam clientes de um mini-restaurante. Morri de fofura.

"Vem fazer companhia pra gente, mamãe!", pediu Laura. E lá fui eu sentar no chão em frente a eles, com meu prato raso, garfo e faca, e o Gnocchi curioso passando com o rabo peludo balançando no meu prato e querendo lamber meu rosto, como ele sempre tenta toda vez que um ser humano resolve dividir o chão com ele.

Rapidamente percebi que isso não daria certo. Então veio um novo anúncio: "Ó, galera, a partir de hoje a gente só come em tigela. One bowl dinners. Ok?" Assim, só um garfo resolve a vida e dá pra comer até em pé, sem correr o risco do cachorro pisar bem no meio do seu prato enquanto você tenta cortar seus legumes.

Exemplo disso foi o Kedgeree do Jamie Oliver, que eu sempre faço para aproveitar sobras de peixe grelhado, frito, empanado, assado, o que for. Fica uma delícia e transforma dois filés de peixe ressecados de geladeira em uma refeição deliciosa para quatro pessoas novamente. Recomendo.


Uns dias depois, meu filho voltou de um passeio da escola à feira do bairro com uma enorme melancia, feliz da vida, e quando ele me pediu suco de melancia, eu disse sim automaticamente, até me dar conta de que não tinha mais liquidificador. Ou mixer. Ou processador. Ou batedeira.
Era já noite escura e não havia nada para o lanche da escola no dia seguinte. Pensei em fazer de novo aquele pound cake de louro e laranja, mas lembrei que tinha uma forma só e não era de bolo inglês. Pensei em outras receitas, mas também lembrei que não tinha nada mais para fazer o bolo além de uma tigela e uma colher de pau. Então puxei da memória o bolo de iogurte de sempre, e, tendo já preparado um dele na semana anterior na versão chocolate (substituindo 1/2 xic. de farinha por cacau em pó, omitindo a casca de laranja e acrescentando uma barra de 100g de chocolate ao leite picado), fiz num piscar de olhos mais uma versão, desta vez com baunilha e extrato de amêndoas. Eu e minha tigela e minha colher. Até pensei... o próximo vou transformar em bolo mármore para terminar de usar o restinho do cacau em pó.

Porque agora tem disso: preciso usar a despensa toda. Mas não é mais como das outras vezes, em que eu precisava esvaziar a geladeira, fazer meu Angel Food Cake com todas as claras congeladas, mas colocar minhas farinhas e temperos numa caixa e levar de carro até a casa nova. Eu abro a gaveta de temperos e sei que aquelas sementes de mostarda não têm a menor chance: eu não vou conseguir usá-las em um mês. E não posso fazer mostarda com elas, pois não há tempo de maturar o condimento ou consumi-lo. É estranho jogar fora as aparas de frutas e legumes ao invés de congelá-las para geleias e caldos. Meu freezer está vazio. Isso nunca aconteceu.

Mais estranho é entrar em casa e se sentir estapeada pela sensação de caos. Há livros empilhados, caixas com itens de cozinha para serem vendidos, mangás separados em fardos, brinquedos para serem doados, os poucos móveis que restam estão fora de lugar, e não há meios de trazer uma noção de ordem a tudo aquilo.

Conforme vou vendendo as coisas e levando ao correio, o vazio vai trazendo paz. O espaço vazio, que normalmente traz inquietude quando nos mudamos para um lugar novo, o espaço vazio que não vemos a hora de ocupar com coisas para apaziguar aquela palpitação no peito, esse espaço vazio me traz calma. Mostra que as coisas estão caminhando. Percebo como hoje gosto mais de espaço do que de móveis. Como quero ter tão menos do que eu tinha no meu próximo lar.

Mas uma coisa é ter poucas coisas que servem a você. Outra é você se ver sem aquelas coisas que não parecem importantes mas faziam parte da sua rotina invisível, aquela parte do seu dia que você faz automaticamente, sem pensar, como prometer suco de melancia para o seu filho. E daí que você entra em casa e pela oitava vez se vê zonza, segurando sua bolsa na ponta dos dedos, se movendo pela sala como uma galinha sem cabeça, confusa, simplesmente porque NÃO TEM ONDE DEIXAR SUA BOLSA. o_O

Isso é ridículo.

Mas eu me pego atordoada pela rotina invisível quebrada, e de repente parece que você tem que voltar a prestar atenção a tudo o que faz novamente. Toda vez que entra em casa tem que procurar um novo espaço vazio para depositar sua bolsa.

Dã.

As crianças às vezes surtam. "Mamãaaaaae! Você NÃO PODE vender as forminhas de picolé!!!" Aí vai mamãe explicar que a gente está vendendo tudo o que não cabe na mala, e que vai usar esse dinheiro para comprar novamente aquilo de que realmente precisamos.

Aí eles apanham um saco e brincam de escolher o que vão levar e o que vão vender. "Mamãe, eu não vou levar meu carrinho de boneca. Ele é muito grande. Eu vou dar para uma menina que não tem. Uma menina da França. Porque as meninas na França não têm carrinho de boneca."

Não, eu NÃO VOU para a França. Sabe-se lá porque diabos ela encasquetou com a França ou com esse problema grave de ausência de carrinhos de boneca que aparentemente acontece por lá. o_O

De qualquer forma, as crianças estão empolgadas. Mas a ansiedade e a insegurança gerada por toda essa movimentação em casa as faz mais agitadas, mais cansadas, um pouco mais briguentas. Há toda uma dose extra de paciência que preciso resgatar dentro de mim para lidar com os dois nesse momento.

Passo meus dias tirando coisas de dentro dos móveis, limpando, embalando, levando ao correio, recebendo gente que leva embora meus armários. Aquele vazio na casa se torna intermitente, pois o caos se instaura a cada armário que vai embora, deixando seu conteúdo no chão da sala, e então esse conteúdo é separado, limpo, embalado, enviado a outras pessoas.

Allex sugere que usemos o método Lean 5S para lidar com a bagunça. Eu fico fula, dizendo que é o que tento fazer na nossa casa há quase dez anos e ninguém deixa. o_O Mas vamos lá. Há muito o que fazer na casa ainda antes de entregá-la ao proprietário. Fiz então o canto do UT - A Fronteira Final (lembra do UT?), e o canto do Vai Na Mala, em polos opostos da sala. Porque isso de ficar separando as coisas que ficam em cada cômodo não estava dando uma noção exata do que teríamos de levar. Já veio o primeiro susto: é muita coisa. Quando a gente brinca de ilha deserta, se convence de que consegue levar só dois livros com você. Quando tira tudo da estante o bicho pega: muitos dos livros são edições que você não acha mais, ou traduções que você gosta muito.

Quando criança, meus pais tinham O Tesouro da Juventude, uma enciclopédia que eu adorava, que continha uma tradução do monólogo de Hamlet feita por Machado de Assis que eu sabia de cor, e versões originais dos contos de fada, com direito a toda a violência e lições de moral típicas das histórias antigas - a Cinderella do Tesouro da Juventude botava Game of Thrones no chinelo, com olhos furados por pássaros e calcanhares serrados fora. Até hoje me dá uma tristeza por terem mandado embora aqueles livros. Nunca mais achei essas histórias ou aquela linda tradução de Hamlet em lugar nenhum. Hoje sei bem quais livros são substituíveis, recompráveis, e quais devem ser mantidos com você.

Convenço-me então de que aquela pilha enorme é apenas uma pré-seleção. Ou que talvez eu precise sim que meus pais levem uma caixa de livros para mim quando forem visitar. >_<

Aviso as crianças que quando o sofá for embora, vamos usar o banco do jardim para ver TV na sala. Tempos estranhos. Compram minha cama. Resta apenas meu colchão.

Gnocchi já está super adaptado à gaiola. Logo no primeiro dia se enfiou lá dentro e dormiu a noite toda, o que nos deixou muito mais tranquilos. Ele adorou seu novo cantinho e acho que fará bem a viagem.

Estou imensamente feliz por estar vendendo todas as minhas obras. Restam muito poucas, e acho que vou conseguir viajar apenas com meus sketchbooks e meus desenhos de infância, para começar toda uma nova fase de pintura por lá.

Neste fim de semana, entrego minhas panelas WMF a quem as comprou, com dor no coração. São panelas maravilhosas. Mas não faz o menor sentido levá-las comigo. Eu sei que com meus panelões vermelho e verde e com as outras duas frigideiras que ficam pelo menos esse mês aqui em casa, consigo cozinhar tudo. Mas é estranho não usar a panela de vapor ou a leiteira. Novamente, uma quebra da sua rotina invisível.

As refeições têm sido extremamente simples. Usando o que tem na despensa ao máximo, e com apenas uma bancadinha para trabalhar. Logo vêm gente pegar minha estante da despensa, e então esse espaço diminuirá ainda mais. Uma grande cozinha vazia sem ter onde apoiar a tigela do bolo. Prometi às crianças que vamos comer pastel na feira toda quinta e domingo até o dia da viagem. Deu-me uma súbita vontade de queijo minas, requeijão e farofa. Farofa de verdade, feita com farinha de mandioca, cebola, uma tonelada de manteiga... não essas farofas compradas prontas, com gosto de serragem e sal. Vai entender como funciona a cabeça da gente. Água de coco e caldo de cana. Só penso nisso. E tenho planos para uma comida mais relaxada e divertida nesse mês de julho.

Estou ansiosa para o fim das aulas, daqui a alguns dias. Para eliminar pelo menos essa correria de manhã e poder tomar café da manhã com calma com as crianças. Novamente inventar mais um pouco, pois esse semestre, com Thomas no primeiro ano, entrando meia hora mais cedo na escola, quebrou completamente esse nosso hábito do café variado.

Para inspirar vocês nos cafés da manhã das férias, deixo aqui um apanhado das ideias de café da manhã do meu finado Facebook, que ainda estão com os textos originais dos posts. Única coisa que guardei daquela época. Um monte de panquecas e mingaus para besuntar de Maple Syrup.

Vamos ver se por aqui conseguimos fazer um repeteco disso tudo. O objetivo é acabar com o garrafão de Maple que Allex trouxe de viagem. Ele ri da minha cara quando sirvo o xarope sobre as panquecas das crianças, dizendo que ando muito perdulária agora que sei que vou poder comprar disso mais barato depois da mudança. Aliás, por incrível que pareça, Maple Syrup barato e a perspectiva de panquecas e waffles todas as manhãs tem sido o grande selling point da mudança para as crianças. ^_^

E vamos nessa. Respira fundo. Faltam pouco mais de trinta dias. E dia 4 de agosto vamos de casa até o aeroporto ouvindo essa música:

https://www.youtube.com/watch?v=CiCselxgw8s

Para bom entendedor, meia música basta. Quem adivinhar para onde vamos ganha um pirulito de nabo. ;)

OBRIGADA A TODOS pela força, pelo carinho, pelos emails de incentivo, pelas histórias, por nos ajudar nessa transição com cada comprinha de nossas coisas e minhas obras. Fiquei realmente emocionada com a reação de todos vocês. Num mundo que anda tão frio e capenga em termos de empatia, vocês me surpreenderam positivamente e encheram meus olhos de lágrimas.
VOCÊS SÃO SENSACIONAIS!!!  

Agora, de volta à nossa programação normal... ;)

 
Panqueca básica de iogurte

Sexta-feira de panquecas de iogurte. 1 de tudo: 1xic de farinha, 1 colh(sopa) rasinha de fermento, 1 colh (sopa) rasa de açúcar, 1 pitada de sal, 1 xic de iogurte, 1 ovo, 1 colh. (Sopa) manteiga.

Panquecas de banana e quinoa

Usando bananas que estavam na geladeira e me esperaram ir e vir de Trinidad. Dá pra imaginar o estado das pobrezinhas. A parte seca das panquecas leva 3/4xic de farinha de trigo, 1/4xic de farinha de quinua, 1 colh (Sopa) de fermento, 1 pitada de canela e 1 pitada de sal. Parte liquida, 1 ovo, 3/4xic de leite e 1colh (sopa) de manteiga, derretida. Misture secos com molhados e junte 2 bananas bem amassadas, de preferencia já de casca bem marrom. As bananas nesse estado não estão estragadas. Apenas difíceis de comer. ;) Mas elas assim já começando a escurecer por dentro dão às panquecas um sabor caramelado delicioso, que combina bem com os tons terrosos da quinua.


Panquecas de trigo sarraceno

Quando você já não lembra mais se já publicou uma receita ou não... De qualquer forma, essa panqueca de trigo sarraceno vale um repeteco.  :) Numa tigela, 1/2xic de farinha branca, 1/2xic de farinha de sarraceno, 3/4 colh (sopa) fermento, 1/4 colh (Cha) de bicarbonato, 1 pitada de sal. Em outra, 1 ovo, 1 xic de iogurte natural, 1 colh (sopa) de óleo vegetal e outra de melado. Só misturar tudo e dourar em um fio de óleo em porções de 1/4xic.

Panquecas de sarraceno e pera

Panqueca de sarraceno e pera, adaptado do livro lindo da Kim boyce, good to the grain. Uma pera ralada, com seus sucos, um ovo, uma colher de manteiga derretida, 1/4 xic de farinha integral, 1/4 xic de farinha comum, 1/2 xic de farinha de sarraceno, 1 colh sopa rasa de fermento, 2 de açúcar e uma pitada de sal. Leite, começo com meia xícara e acrescento mais conforme a suculência da pera. Delícia absoluta.
German Puff Pancake

Fim de semana teve café da manha diferente: German puff pancake. Basta derreter 3 colh(sopa) de manteiga numa frigideira de 23cm, juntar 1 maçã grande em fatias finas, polvilhada com 1 colh (sopa) de açúcar mascavo, 1 colh (cha) de canela e um pouco de noz moscada. Cozinhe por dois minutos. Em uma tigela, bata 3 ovos, 3/4 xic de leite e 3/4 xic de farinha. Despeje sobre as maçãs e leve ao forno preaquecido a 190oC por 15-20 minutos, ate que esteja inflado e dourado nas laterais. Aí é só espremer umlimaozinho por cima, polvilhar açúcar e mandar ver. Delicioso. De um livro ótimo, mas comum titulo ridículo: yummy mummy.

Waffles com chocolate


Crêpes doces

Outra opção delicia para o café da manhã, principalmente no fim de semana, quando se tem mais tempo. Você prepara a massa dos crepes na noite anterior, deixa ela descansando na geladeira durante a noite, e cozinha de manhã. Só misturar 1 1/2xic de farinha, 1 pitada de açúcar e de sal, 2 ovos e cerca de 2 1/4 xic de leite, misturando ate ficar homogêneo e com consistência de creme de leite fresco, sem bater demais, para os crepes não ficarem borrachudos. Deixe descansar durante a noite na geladeira (isso hidrata e relaxa a farinha e melhora o resultado dos crepes) e no dia seguinte junte mais umas colheradas de leite, se a mistura tiver engrossado muito. Esquente um pouquinho de manteiga numa frigideira de 23cm e cozinhe porções de cerca de 1/3xic de massa, dos dois lados. Recheie como quiser. Eu comi com ricotta e mel. Marido e crianças preferiram apenas uma espremidinha de limão e açúcar de confeiteiro polvilhado por cima. Do lindo livro da Rachel Khoo, The Little Paris Kitchen.

Crepioca

É só misturar 1 ovo, 2 colheres de goma para tapioca, 2 colheres de ricotta ou cottage e uma pitada de sal. Levar à frigideira quente com um pouco de manteiga, coberta com tampa até que firme o bastante para virar com espátula e dourar do outro lado. Receita do meu treinador de Kettlebell, e eu sei que isso virou a comida fit da moda por um bom tempo, mas é uma delícia: parece um pão de queijo de frigideira. :D

Mingau de aveia básico

Eu não canso de postar mingau por aqui, pois é uma das minhas coisas favoritas no mundo. Meus filhos comeram mingau de tudo que é jeito na época em que estavam desmamando, e continuam gostando. Assim, aveia cozida em água com bananas, uvas passas, linhaça, papoula, sal e canela, e depois coberta de mais banana, um naco de manteiga, um nada de leite frio e adoçada com mel, é clássico dos clássicos aqui em casa.

Mingau de trigo sarraceno

Trigo sarraceno cozido em água por uns 10 minutos, junto com frutas secas picadas (no meu caso, Cranberries e damascos orgânicos, marronzinhos e com gosto de caramelo), canela em pau, extrato de baunilha, uma pitada de sal, um nadinha de semente de cardamomo e uma ralada de gengibre fresco. No potinho, acompanhado de um pouco de leite, melado de cana e figos frescos. Do livro Vegetarian Everyday, lá do blog Green Kitchen Stories. Bom dia.

Mingau de sarraceno, coco e chocolate

Mingau de sarraceno de novo. Desta vez batido com linhaça, cozido em leite de coco, água e açúcar baunilha do, e servido com nozes picadas, iogurte e gotas de chocolate.

Mingau de feijão azuki

Estranho comer feijão no café da manhã. Mas gostoso. Pra quem gosta de mingau que parece apenas naturalmente doce. Fãs de Sucrilhos, olhem para o lado. Cozinhe 90g de feijão azuki em 6xic de água até ficar macio, bata no liquidificador deixando um pouco pedaçudo, misture 1/4xic de açúcar, 1/4xic de farinha de arroz glutinoso e cozinhe até engrossar. Coma com passas e nozes picadas. Essa quantidade serviu um adulto e duas crianças curiosas. A receita original estava no Serious Eats:http://www.seriouseats.com/recipes/2010/01/seriously-asian-korean-red-bean-porridge.html

Mingau de aveia com marmelos

Nem só de banana e canela vive um mingau. Aveia em lâminas cozida em agua e leite, com marmelo poche e castanhas de baru picadinhas. Um pouquinho de iogurte natural por cima para arrematar. Marmelos poche feitos assim: http://www.lacucinetta.com.br/2010/05/compre-marmelos-compre-marmelos-compre.html

Iogurte com sarraceno e figos dourados

Figos dourados em quase nada de manteiga, iogurte caseiro, nozes picadas, trigo sarraceno e mel. Bom dia. :)


Iogurte com geleia de nectarina

Simples: um pouco de iogurte caseiro, uma colher de geleia de nectarina, gengibre e cardamomo. 900g nectarinas, descascadas e sem caroço, 3/4 xic açúcar orgânico, suco de um limão, 1 colh sopa gengibre fresco ralado, 4 bagas de cardamomo moídas no pilão. Cozinhar tudo ate dar o ponto quase como uma goiabada cremosa.


Iogurte, frutas e trigo sarraceno cru

Parece esquisito, mas o trigo sarraceno cru assim sobre frutas, iogurte e mel fica uma delícia, crocante como granola.

Suco de pepino, maçã e hortelã

Suco de pepino, maçã e hortelã, de um livro da Heloísa Bacelar que eu adoro, mas que seria ainda melhor com um índice remissivo. Suquinho acompanhou o iogurte com granola das crianças e foi para o lanche da escola. Me sentindo muito virtuosa hoje. 
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Tartine de Abacate e Grapefruit
 
Pão caseiro tostado, fatias de abacate, segmentos de grapefruit, sal e azeite. Estranho mas bom. O abacate cremoso e gorduroso contrasta com o amargor refrescante do grapefruit. Delícia. 


Tartine de morango e iogurte

Pão caseiro tostado, uma colherada de iogurte, morangos fatiados, menta fresca e um polvilhar de açúcar baunilhado. PERFEITO.

Granola

Às vezes gosto de tomar café da manhã mais tarde, com criança na escola e cachorro passeado. Fui dormir ontem à noite contente em saber que tinha iogurte e granola caseiros pro dia seguinte. Uso sempre uma receita da revista do Jamie Oliver. Misturo 2 colh (sopa) de algum óleo vegetal, 6 colh (sopa) mel, 300g de aveia laminada, e um punhado de quaisquer sementes e castanhas que houver em casa. Espalho numa assadeira e levo ao forno a 180oC por 15 minutos. Junto um punhado de frutas secas e asso por mais 10 minutos. Deixo esfriar e guardo num pote fechado. O da foto tem uvas passas, goji berries (também caí nesse conto), castanha de caju, linhaça e sementes de girassol e melão.
(Post republicado. Fui editar o outro e acabei excluindo sem querer. :P)

terça-feira, 6 de junho de 2017

Meu pão. E esse blog vai ficar mais interessante em três... dois... um...

Pão branco feito com a água do cozimento da batata.
 Há quem diga que a vida é como uma montanha-russa, com altos e baixos. O que mais há de semelhante entre uma e outra, é, na verdade, o fato de que você pega o embalo no começo e simplesmente vai, com aquele impulso inicial, até o fim dos trilhos. E quando se dá conta, o passeio acabou, e você passou mais tempo esperando alguma coisa acontecer do que de fato vivendo aquilo que tanto aguardou.

Eu não quero que minha vida seja uma montanha-russa.

Quando percebi que estava naquele embalo, indo em frente por inércia do impulso inicial, acionei o freio e saltei dos trilhos. Prefiro que minha vida seja uma trilha aberta no meio da mata, onde eu tenha a oportunidade de mudar de rumo quando bem entender, onde eu ainda possa me surpreender com o andar em frente.

Eu não quero saber como vai ser o resto de minha vida.

Eu quero uma aventura.

E por isso estamos embarcando em uma. Uma aventura que começou há dois anos, na verdade, quando decidimos que queríamos saber como era morar fora. Conhecemos tanta gente que fez isso, sempre quisemos, mas sempre nos vimos enrolados com a vida por aqui, no embalo da montanha-russa, sem oportunidade de sair.

Não vou entrar no mérito dos "porquês" ou dos "comos". Apenas estamos indo. Sem data definida ainda, mas indo. E daí que todo o desapego dos livros e das tralhas começa a fazer mais sentido na mente de quem lê esse blog. Começou com a pergunta dos livros para levar para uma ilha deserta, impulsionada por aquele desejo de vida simples que eu sempre tive, e terminou com nós de fato nos perguntando sobre quais livros cabem em duas malas de 32kg.

De repente faz sentido o motivo de ter escrito tão pouco aqui nos últimos dois anos. Sentei-me à frente do computador dezenas e dezenas de vezes querendo dividir uma receita e escrever, e, principalmente, desabafar. O texto vinha aos pedaços em minha mente, mas não se completava, não se concluía, e percebia que não eram aquelas palavras que eu queria ali, mas as que eu queria não podiam ser ainda escritas. O plano estava muito no começo, e por razões pessoais e profissionais, não podia ser ainda divulgado até termos mais certeza do andamento das coisas.

Dá-me um alívio imenso poder ser franca enfim. Lembra-me daquele período quando se está grávida e não se pode contar a ninguém, aquela ansiedade louca de dividir notícias e experiências, de poder conversar e aplacar a insegurança.

Quando saímos de São Paulo, escrevi sobre como eu tinha a sensação de que aquela mudança era apenas o primeiro passo para algo mais radical. Bem... palavras proféticas. Nada mais radical que mudar de país.

Foram dois anos tensos. De muito planejamento, muita expectativa, muita frustração. Dois anos tentando explicar para a família e alguns amigos o que pretendíamos fazer e nem sempre sendo compreendidos. Dois anos de pequenas mortes, a cada venda de algo que nos era muito querido, e que fazia parte daquela eterna esperança de um futuro condicional e potencial de nós mesmos. A cada vez que nos dávamos conta de que eu jamais terminaria meu curso de pintura realista e que Allex não teria mais uma banda. Foram dois anos intensos, de muita conversa, muito choro por todos os rompimentos, todas as quebras de expectativas, todas as mudanças internas que precisamos operar em nós mesmos para seguir em frente.

A incerteza foi complicada. Foi complicado com as crianças, ainda sem tanta noção de passagem do tempo, ansiosas para ir logo mas também com medo. Foi complicado para nós: e se eu vender minha batedeira e meu cavalete de pintura e os planos não derem certo? Foi complicado até em termos práticos, quando queríamos trocar as mini-camas das crianças por camas maiores e não podíamos - gastar dinheiro com móveis que não levaríamos conosco não parecia prudente.

Entretanto, cada camiseta que estragava era uma coisa a menos a ir na mala. Cada xícara que quebrava era um objeto a menos com o qual lidar. Isso foi nos dando um certo desprendimento divertido, em não se preocupar tanto em comprar ou substituir, em aprender a se virar com menos. Putz, o liquidificador quebrou. Ótimo. Menos uma coisa. Usa o processador no lugar e boa noite. E pensar naquilo que de fato precisamos quando estamos sozinhos num lugar sem panela nem saca-rolhas foi ótimo para essa empreitada rumo a uma vida mais simplificada. De quantas tigelas eu preciso de fato? Consigo me virar só com meus dois panelões coloridos? Qual foi a última vez que usei minha caixa de lápis Caran d´Ache? Pra quê diabos a gente tem uma mesa na cozinha e outra de jantar? o_O

Todos os posts introspectivos que soam como uma reestruturação mental e comportamental dos últimos tempos não foram à toa não. Espero que as peças do quebra-cabeça da minha insanidade estejam se encaixando para vocês agora.  

Mas esses também foram dois anos de muita esperança, otimismo e empolgação, com as epifanias que nos trouxeram mais qualidade de vida e mais amor em casa, e principalmente nos últimos meses, quando as coisas começaram a de fato vingar. É triste se desvencilhar de algo que acreditávamos que nos definia, seja um objeto, um hábito ou um relacionamento; mas ao mesmo tempo isso nos torna leves, como se abríssemos espaço em nós para coisas completamente novas e empolgantes, coisas, hábitos e pessoas que de fato sejam de valor, que nos ajudem a crescer, que nos envolvam em amor e respeito.

Pensando nisso, coloquei firme para mim uma meta de não deixar nada para trás. Se é para dar um passo em direção ao desconhecido abismo, que eu vá leve o bastante para flutuar até alcançar o chão lá na frente outra vez. Quando amigos meus foram morar fora e dividiram comigo sua preocupação com o que fazer com suas coisas, eu sempre fui a primeira a dizer que eles poderiam deixar caixas para trás para pegar depois. Mas agora que chegou minha vez, acho que esse não foi um bom conselho. E eu olho para tudo o que eu tenho, que é menos do que eu achava, mas mais do que eu gostaria, e me pergunto: vou precisar disso agora? Tipo... agora, agora mesmo? Eu realmente PRECISO de um rolo de monotipia AGORA? Do que eu preciso para continuar trabalhando assim que pular do avião? Meus pincéis, minhas tintas básicas de aquarela, um lápis, um caderno. Só.

Também é uma questão prática. Não dá pra chegar num aeroporto com oito malas, duas crianças e uma gaiola gigante com um cachorro de 26kg. Há só dois adultos para empurrar carrinhos e segurar mão de filho.

Estamos vendendo tudo. E o que não for vendido a tempo será doado para alguma instituição. Isso inclui desde os Silpats que uso pra fazer biscoitos, o meu cesto de fermentar pão, meu material de arte, até minha batedeira e minhas obras. Meus desenhos e pinturas não poderão ser todos levados. Até consigo levar as aquarelas pequenas, mas as telas, aquilo que está emoldurado e as obras maiores... PRECISAM ser vendidas. A partir de hoje, se você quiser uma pechincha, fique de olho no meu Instagram (@anaelisagg) que vou anunciar uma obra por dia a preço de banana. Ou veja a loja> http://anaelisagg.iluria.com/ Se você tinha vontade de ter uma pintura minha mas sempre achou caro, essa é a oportunidade.

Estou avisando dessa venda massiva aqui, no Instagram, aos amigos, aos colegas de trabalho, anunciando no Mercado Livre... todos os canais possíveis. Sempre prefiro vender as coisas de cozinha aqui, no entanto, pois sei que vocês darão bons lares às minhas coisinhas queridas.

Essa parte é a que me dá mais medo. Porque o que restou aqui em casa é aquilo que eu realmente uso. Como minha máquina de waffle (waffle iron). Laura ficou em choque quando viu o danado na mesa para ser vendido. o_O Meus filhos vão sentir tanta falta, que eu sei que preciso preparar uma quantidade brutal de waffles e meter no freezer para quando eles quiserem waffles até o dia de vender a geladeira. Ou minha batedeira. Vai ser muito estranho passar nem que seja uma semana sem ela, depois de tantos anos.

É fácil pensar em continuar a vida até o embarque sem um criado-mudo, sem TV ou até sem sofá. Mas quando a coisa mexe com minha cozinha, com aquelas coisinhas que fazem parte do meu dia-a-dia, como o processador, a cafeteira, a forma de bolo... a coisa pega. Estou respirando fundo e ligando no volume máximo meu Super Master Adaptômetro Simplificador 2.0. E tentando imaginar como vai ser minha cozinha do dia-a-dia sem essas coisas às quais me habituei.

Confesso que dá uma preguiça. Vontade de deixar tudo aí até o último dia e decidir na hora o que faço com tudo. Mas sei que isso não é nem prudente nem inteligente. E que, no fim das contas, é uma experiência que vai me ajudar a só recomprar para a casa nova aquilo que for de fato necessário e útil.

Quer vida simples? Aê, vamos voltar a bater clara em neve no muque.

Enquanto tiver o forno, no entanto, meu forno velho e capenga que não serve pra mais nada a não ser doação para um ferro-velho, ainda consigo fazer pão. Sovando a mão, medindo no olho, sem batedeira e sem balança. Isso eu sei fazer.

E me lembro do primeiro pãozinho que fiz na vida, o primeiro aqui do blog, e fui relembrando cada um deles enquanto criava um índice de receitas, finalmente. (Vocês notaram? Lá em cima no blog? Estou finalmente montando um índice de receitas.Vai demorar para ficar pronto, que é um trabalho do cão, mas estou fazendo.) Meu deus, quanto pão diferente eu já fiz! :) Quando eu digo que tudo o que se precisa na vida é prática... Está aí a prova.

E para começar essa que vai ser uma nova fase no blog, pois assunto aqui é o que não vai faltar daqui pra frente... aqui vai meu pãozinho, cuja receita já dei em outros formatos específicos antes por aqui, mas que nunca havia sido descrito assim como um guia para inventar o SEU pão. Porque um dos motivos pelos quais mandei embora TODOS os meus livros de panificação é que percebi que faço sempre o meu, infinitas variações dele, e que o que gosto é dessa experimentação, incorporar ingredientes inusitados, brincar com os tempos de fermentação. Também porque meu forno deixou de ser confiável e não doura mais os pães, asso todos na panela a não ser os pães de forma.

Eis.

Pão.

E para quem ficou curioso e ansioso por mais detalhes sobre a mudança, não se aflija. Tudo será revelado a seu tempo. ;)
Pão integral com purê de mandioquinha e leite.
MEU PÃO
(rende 2 pães médios, suficiente para uma família de 2 adultos e 2 crianças por 1 semana)

Ingredientes:
  • 1kg de farinha de trigo orgânica
  • 3  1/2 colh. (chá) de fermento biológico seco (aquele de envelope, mas que eu compro de pote, porque uso muito)
  • 3 colh. (chá) sal marinho
  • 1 colh. (sopa) mel, melado ou extrato de malte
  • 600-700ml de água, dependendo da absorção da farinha
Preparo:
  1. Dissolva o fermento em metade da água morna e o mel (ou melado ou extrato) e deixe descansar dez minutos.
  2. Quando espumar, junte toda a farinha e o sal, misture e vá acrescentando o restante da água, sovando na bancada ou na batedeira planetária até obter uma massa uniforme, macia, mas que ainda grude ligeiramente nos dedos.
  3. Enfarinhe a bancada ligeiramente sob a massa e molde uma bola, puxando as laterais para o centro até que sinta que a superfície da massa está bem firme e estirada. Coloque uma tigela grande untada com um fio de azeite, cubra com filme plástico e deixe fermentar até que dobre ou triplique de tamanho.
  4. Retire a massa da tigela, desinflando com as mãos, e divida a massa numa bancada ligeiramente enfarinhada em duas partes iguais. Molde como quiser (como bolas ou ovais), e coloque, de cabeça para baixo, em  tigelas forradas com um pano de linho enfarinhado ou cestos muito bem enfarinhados. (Funciona forrar travessas retangulares ou ovais com o pano de linho em polvilhar de farinha, para formatos diferentes. Apenas lembre-se que o pão fermentado tem que caber na panela.) Cubra com um pano e deixe fermentar até que dobrem de tamanho. Se você pressionar um dedo delicadamente, a massa deve voltar para o lugar devagar. Se voltar muito rápido, precisa fermentar um pouco mais. Se a marca permanecer, passou do ponto - se isso acontecer, desinfle, deixe a massa relaxar por dez minutos e molde novamente, para fermentar outra vez. até o ponto certo.
  5. Durante a segunda fermentação, ligue o forno no máximo. Quando estiver bem quente, coloque uma panela de ferro tampada no forno e deixe por meia hora.
  6. Quando a massa estiver fermentada, retire a panela com cuidado, retire a tampa, e vire o pão o mais delicadamente possível lá dentro, com cuidado para não se queimar.
  7. Com uma faca bem afiada, faça cortes na superfície da forma que achar mais bonito. Despeje uma colher de água em temperatura ambiente do lado da massa, dentro da panela, feche a tampa rapidamente e leve ao forno por 25-30 minutos. Essa colher de água vai produzir um pouco mais de vapor ali dentro e garantir uma casca fina e crocante.
  8. Depois desse tempo, retire a tampa com cuidado e deixe o pão assar destampado por 10 -15 minutos, até que esteja bem dourado e que produza um som oco quando bater embaixo com os nós dos dedos. Deixe o primeiro pão esfriar numa grade enquanto imediatamente repete o processo com o segundo pão.
Pão Multigrãos, com farinha branca, integral, centeio, sarraceno, teff e sementes de girassol e gergelim.
PÃES INTEGRAIS:
  • Você pode substituir qualquer quantidade da farinha branca por farinha integral orgânica. Nesse caso, provavelmente vai usar os 700ml de água, pois a farinha integral tende a absorver mais água. Se sua farinha tiver muitos pedacinhos de casca, você pode peneirá-la. Use as cascas para polvilhar a tigela junto com a farinha branca onde a massa vai fermentar. Assim o pão fica mais leve (pois as cascas não rasgam o glúten nem furam as bolhas de ar do miolo) e ao mesmo tempo você consome os nutrientes das cascas, que ficarão sobre a casca do pão.
  • Você pode substituir até 50% do peso da farinha branca por farinhas integrais que contenham algum glúten ou até 30% por farinhas sem glúten. Mais do que isso, o pão tende a ficar muito pesado e com uma textura estranha.
  • Costumo fazer um multigrãos usando 30% farinha branca, 30% farinha de trigo integral, 20% farinha integral com pouco glúten (centeio e cevada, por exemplo) e 20% de quaisquer farinhas sem glúten que houver (sarraceno, painço, milho, teff, aveia...)

ACRESCENTE:
  • Você pode acrescentar até 1 1/2xic de sementes cruas ou tostadas, frutas secas, queijos, salames, legumes já cozidos e bem sequinhos (que não soltem água na massa), frutas que não soltem muita água na massa, cascas picadas de manga, de tomate, de cenoura... Você pode acrescentar os itens mais secos antes de sovar, e os mais úmidos antes da segunda fermentação. Você pode acrescentar coisas frescas antes da primeira fermentação, mas elas tendem a sumir mais na massa, pois o fermento vai se alimentar deles também.
  • Você pode acrescentar até uma xíc de qualquer purê que sobrou na geladeira durante a primeira sova (1/2 xíc para cada pão), como de batata, mandioquinha, mandioca, abóbora... se o purê estiver muito mole, observe a textura da massa ao juntar a água e não se exceda. A massa deve grudar um tiquinho mas ainda ser possível de sovar.
  • Sobrou mingau de aveia? Mesmo temperado com canela? Mesmo com banana? Junte até uma xícara desse mingau no pão durante a primeira sova ((1/2 xíc para cada pão). Ou mesmo aquela meia xícara de arroz que sobrou.
  • Você pode acrescentar até 3 colh (sopa) de manteiga ou azeite à massa.
Pão branco com um pouco de azeite. Esse da frente fermentei na travessa branca menor que está à venda, forrada com linhom e o pão saiu assim nesse retângulo gordinho, excelentes para tirar fatias para sanduíche.
A ÁGUA
  • Você pode trocar parte ou toda a água por leite, iogurte, leite vegetal ou água do cozimento de grãos, legumes ou tubérculos. Se usar água do cozimento de outro alimento, fique atento à quantidade de sal. Se a água estiver já bem salgada, reduza ou omita o sal da receita.
  • Misture metade água gelada com metade água fervendo, para obter a temperatura perfeita para o bom funcionamento do fermento.
  • Se o dia estiver frio, a 18oC, use água morna com o método acima ou água em temperatura ambiente para a fermentação ocorrer lentamente. A massa assim pode demorar mais de 3 horas para dobrar de tamanho. Não tem problema, isso desenvolve o sabor.
  • Se o dia estiver mais frio que isso ( e sua cozinha também), use água morna com o método acima e ligue o forno para aquecer a cozinha.
  • Se o dia estiver mais quente que 23oC, use água em temperatura ambiente.
  • Se o dia estiver esturricando, com temperaturas acima de 30oC, use metade água gelada, metade temperatura ambiente, ou só água gelada. Também pode valer a pena usar água morna com o método acima e deixar a massa fermentando na gaveta de legumes da geladeira, para que a temperatura fique mais estável durante a primeira fermentação.Ele pode demorar muitas horas para fermentar, mas vai desenvolver mais sabor, ao contrário de uma fermentação rápida demais.
AS TRALHAS...

Esta é a lista de tudo o que tenho à venda de cozinha e que me dá dor no coração mas não vou conseguir levar comigo. Caso se interesse por algo, por favor, mande-me um email COM SEU ENDEREÇO para lacucinetta@gmail.com. Leve em consideração que moro em Santana de Parnaíba e que os itens muito pesados ou muito grandes terão de ser retirados aqui, ter frete especial combinado, ou, se possível, retirados em São Paulo.
Se houver grande interesse por algum item, dou prioridade à ordem de chegada dos emails. Muito, muito obrigada! ^_^


 TRALHAS DE COZINHA
(só estão à venda os itens listados abaixo. Os que não estiverem listados, já foram vendidos.)


LIVROS

  R$35,00 + frete , cada um
  • FRANCES MAYES -In Tuscany (excelente estado)
R$25,00 + frete, cada um
  • MARC VEYRAT & GÉRARD GILBERT - La cuisine paysanne   (excelente - tamanho pocket, mas lindo, cheio de fotos)
  • THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (novo)


MÓVEIS
(a quem se interessar, posso mandar fotos. Frete ou retirada a combinar.)
ESCRIVANINHA DE VIDRO E METAL TOKSTOK - R$150 + frete

MINI-MESA e MINI-CADEIRAS de madeira, com tampo que abre para guardar coisas, pintada de verde-limão. Sinais de uso intenso - R$80,00 + frete

MINI-BANCO DE PRAÇA de madeira, colorido, para crianças, bom estado - R$50,00 + frete
 
CAVALETE DE PINTURA TRIDENT, com sinais de uso -R$200,00 + frete

PRANCHETA DE DESENHO TRIDENT (100cm largura), sinais de uso intenso, forro com um corte acidental de estilete -R$150,00 + frete (acompanha banco de madeira











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