quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Da simplicidade de uma sopa e do surto histérico da quinoa


Uma amiga era dona de um café. Ela usava apenas ingredientes orgânicos e frescos para produzir seus pães de fermentação natural e seus bolos. Bolos de limão, de chocolate, de cenoura. Um dia, uma cliente lhe pergunta se ela não poderia fazer um bolo, assim, mais natural: integral, sem glúten, sem açúcar, sem gordura. Ela respondeu que seus bolos já eram naturais. E que o de banana era feito com farinha integral, se ela fizesse mesmo questão disso. O assunto morreu ali. Ela andava cansada de gente perguntando se não havia pão sem glúten no cardápio, ao mesmo tempo que se revoltavam por ela não vender refrigerante. Cadê minha coca zero? Mas eu quero pão sem glúten e cappuccino sem lactose. Ela sabia que ninguém ali era alérgico, celíaco ou intolerante. Só louco e chato mesmo.

Eu achei divertido experimentar com alternativas vegan ou sem glúten para facilitar minha vida e variar um pouco. Quando acaba o ovo, sei que ainda consigo fazer panquecas usando chia e água. Ou posso fazer meus bolinhos de lentilha usando inhame para dar liga. Quando estou sem farinha de trigo, ainda consigo fazer crêpes para o almoço, ou uma massa de torta, sem ter que encaixar uma ida ao supermercado num dia já suficientemente corrido. Quando todo mundo se refestelou muito de bolo de chocolate numa semana, acho prudente fazer quitutes sem açúcar adicionado na semana seguinte. É prático, é gostoso, mas a neurose para por aí, porque eu adoro fazer um belo lombo de porco com batatas assadas de vez em quando, meu risotto de legumes sempre vira supplì, devidamente frito como se deve, meus filhos adoram quando faço um bom e velho sorvete de chocolate, e eu amo finalizar uma refeição leve com uma fatia de algum queijo forte, no melhor estilo franco-italiano.

Se por um lado de início me encantei com alguns sites ou programas de youtube naturebas, porque adoro descobrir essas alternativas ou pelo simples fato de amar verduras e legumes, por outro, comecei a ficar um bocado incomodada com a abordagem reducionista do que essas pessoas consideram uma "alimentação natural" – apesar de continuar gostando dos sites e programas.

Grosso modo, vejo uma alimentação natural como você prover seu corpo com comida pouco ou nada processada, que tenha sido produzida de modo a gerar a menor quantidade de impacto negativo no seu ambiente e na sua comunidade (o que quer dizer orgânica, biodinâmica, caipira, fair trade, local, etc.). Se é azeite ou óleo de coco, se é cevadinha ou painço, se é abobrinha ou uma galinha criada feliz e saltitante... realmente tanto faz.

Acho que todo mundo que envereda para uma comida natural acaba caindo na boa e velha cestinha de óleo de coco, quinoa, abacate, couve e batata-doce. Mas pare e pense bem: uma pessoa que more na Inglaterra ou na Suécia e pretenda se alimentar quase que exclusivamente desses alimentos, pode estar super bem nutrido e pagando de hippie ambientalista, mas a verdade é que quase todos esses alimentos são produzidos do outro lado do mundo e transportados até seu mercadinho natural gastando um absurdo de combustível e embalagens. Isso não é lá muito natural, vai dizer... ¬_¬

Pare e pense na quinoa. No modo como os pequenos produtores andinos estão perdendo espaço para grandes produções de quinoa para abastecer o resto do mundo com sua fome de "super foods". Procure. Há várias reportagens a respeito.

Quanto óleo de coco um país tropical subdesenvolvido consegue produzir para que todas as novaiorquinas zero-waste possam produzir seu próprio desodorante?

Complicado.

Podemos até mesmo deixar a esfera do mundo natureba. Lembro-me de uma reportagem antiga numa revista Gourmet que mostrava a verdade sobre a produção dos tomates pelados enlatados. Que mesmo que fossem pelados e enlatados na Itália (o que lhes garante o texto: "produzido na Itália"), os tomates na verdade vinham do norte da África e várias outras localidades, em que produtores eram mal pagos pela indústria e trabalhadores eram explorados de formas vergonhosas. Apenas para que o mundo todo possa se sentir virtuoso abrindo uma lata de tomates pelados italianos para produzir seu molho.

Há outros textos ainda que dizem que é impossível abastecer o mundo todo de azeite de oliva extra-virgem, e que por isso a maior parte das marcas de azeite extra-virgem não é sequer virgem e muitas vezes sequer 100% azeite de oliva.

Num mundo ideal em que todas as cidades são abastecidas por um cinturão verde de agricultores responsáveis, nós teríamos uma alimentação natural de produtos nativos e locais. Uma inglesa natureba comeria comida pouco processada usando ingredientes comuns à sua cultura culinária, deixando o ingrediente exótico para uma ocasião especial.

Mas sabemos que isso é impossível. Tendo já visitado cidades brasileiras cercadas por centenas de quilômetros de monoculturas de vegetais destinados a se transformarem exclusivamente em combustível ou produtos alimentícios altamente processados (cana-de-açúcar, milho e soja), sei bem a cara que têm os mercados desses lugares: comida extremamente processada que veio de longe e meia dúzia de frutas e verduras que viajaram mal por tempo demais e longas distâncias, atravessando aquele deserto verde que deveria ser ocupado por agricultura familiar orgânica para abastecer de comida fresca e verdadeira aquela cidadezinha ali no meio.

Mas largando a política um pouco, porque, afinal, eu continuo comprando macarrão italiano e azeite português...

As pessoas parecem ter entrado nessa paranóia de que comida saudável só é saudável se for quinoa com couve e batata-doce, e pior, demonizando ingredientes maravilhosos como o trigo, com todos os seus nutrientes e sua versatilidade, além de sua abundante contribuição para as culturas culinárias do mundo todo.

Peguei um bode particular da onda do sem-glúten depois que li um estudo dizendo que o consumo de macarrão na Itália anda caindo vertiginosamente por conta disso. Se isso não te deixa com raiva, saiba que eu fico furiosa.

Noutro dia meu filho pediu peixe frito. "Eu aaaaaaamo peixe frito." Às vezes ele cisma de forma adorável com algum alimento específico, mesmo nunca tendo provado. O que faz com que ele me peça coisas estranhas como uma sopa de amendoim ou uma panqueca de atum. "Eu aaaaaaamo panqueca de atum."

Mas sendo quem eu sou, não resisti a fazer-lhe essa vontade e comprei peixe fresco. Envolvi os filés cortados ao meio em uma massa de farinha, ovo e cerveja de boa qualidade, como nos famosos Fish & Chips e fritei-os lindamente. Servi com um purê de batatas e ervilhas delicioso. Tudo fresco, tudo orgânico, tudo natural, local e sustentável. Família amou, Thomas ficou contentíssimo, e eu fiquei pensando nisso: olha só, comida boa e de verdade, e sem quinoa, sem couve e sem batata-doce.

Ri silenciosamente dessa constatação.

É tão fácil entrar na neurose que seu prato tem que sempre ter aquela cara de "tigela de quarenta e três ingredientes" (eu adoro tigelas de quarenta e três ingredienres), e que se não tiver linhaça no meio você não está sendo bem nutrido (e eu adoro linhaça)... que eu tenho intercalado a compra de arroz integral e arroz branco simplesmente pelo prazer de me lembrar que peixe frito com purê de batata também é comida de verdade.

Usei uma abóbora inteira, ainda que pequena, para preparar essa sopa, que, como sempre, sendo do livro da Ginette Mathiot, surpreendeu-me por ser tão ridiculamente simples e ao mesmo tempo tão fantasticamente deliciosa. Tanto, que até o marido que continua não gostando de abóbora repetiu.

E veja só. Ela usa um só legume. E é maravilhosamente natural. E saudável, e orgânica, e todos os outros adjetivos que hoje em dia precisamos incorporar ao nosso prato para nos sentirmos bons e virtuosos. E é amanteigada sem ser cheia de manteiga, e saborosa como se tivesse quarenta e três ingredientes, e suave e cremosa e com gosto de comida que você come quando quer um abraço. Para melhorar, ela ainda é francesa. O que nos coloca sempre na posição obrigatória de terminar a refeição com uma fatia de algum queijo forte e um suspiro de satisfação.

SOPA DE ABÓBORA
(Do sempre excelente I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)
Tempo de preparo: 30 minutos + 15 de preparo
Rendimento: 6 porções generosas.

Ingredientes:

  • 1,6kg de abóbora (de preferência Kabocha), descascada, sem sementes e cortada em cubos (uma abóbora inteira de cerca de 2kg)
  • 2-4 xic. leite *
  • 2 colh. (sopa) generosas de manteiga
  • sal e pimenta
  • croûtons caseiros (pão amanhecido, cortado em cubos e dourado em azeite e um dente de alho inteiro)


Preparo:

  1. Coloque a abóbora em uma panela grande e cubra com 4-6xic, de água. Leve à fervura, reduza o fogo e cozinhe por 25 minutos sem tampa, até que fique macia. 
  2. Bata num processador ou liquidificador até que fique cremosa. Retorne à panela, junte o leite até obter a consistência que você prefere na sopa, tempere com sal e pimenta e cozinhe por mais 5 minutos.
  3. Coloque a manteiga e os croûtons na sopeira (ou divida entre os pratos), derrame a sopa sobre eles e sirva imediatamente. 
* Observação: eu usei a quantidade menor de água para cozinhar, pois não queria uma sopa líquida demais e achei que seria mais fácil afinar uma sopa grossa na hora de incorporar o leite do que engrossá-la novamente, por razões óbvias. Também acabei não usando todo o leite. 










terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Um monte de sorvete, um monte de livros


Pimpolhada come como gente grande. Às vezes fala que não está afim de comer toda a berinjela. Mas come a berinjela. E come escarola. E come a salsinha no meio da comida. E experimenta uma coisa nova quando eu digo que eles nunca comeram aquilo na vida.

Minha vida culinária anda muito tranquila. :)

Valeu a pena encher tanto os pacová dos meus filhos durante esses quatro anos e meio.

Tanto que pude dar um tempo em toda a quinua e toda a mousse de chocolate com abacate. Não precisei enfiar linhaça em mais nenhum prato, porque eu não preciso mais esconder o espinafre. Todo mundo está forte e saudável e come o espinafre sem muita birra assim, só aquela coisa verde no centro do prato. (Mas confesso que toda a carne que rolou nos últimos meses nos fez desejar um ano vegetariano em 2016...)

A naturebice então deu uma relaxada, e depois de alguns picolés feitos apenas de fruta gelada, comecei a produzir sorvetes mais complexos de novo, coisa que eu não fazia havia um tempo, tentando fazer crianças que empurravam a abobrinha para longe comer pelo menos fruta de sobremesa então.

Aconteceu uma avalanche de sorvete nos últimos meses, para a alegria geral da família. Primeiro o de chocolate, que fez o povo aqui revirar os olhos de tão bom. Quase ganache congelada. O de iogurte já fiz mais de sete vezes. O de café e canela foi uma surpresa, como um cappuccino geladinho e cremoso, tão bom que até o marido que não gosta de sorvete de café gostou. O de buttermilk acabou no dia em que foi feito, no Natal, e todo mundo aprovou e elogiou e lambeu os beiços. O de pão era uma ideia estranha que ficou ótima, pois usei o panettone amanhecido e ele ficou parecendo um crocante dentro do sorvete. A receita original não usava açúcar no creme de ovos, mas achei isso muito esquisito, então acrescentei um pouco. Também só coloquei o crocante de panettone depois de tirar o sorvete da sorveteira, pois gente que acrescentou antes, como a receita pedia, reclamou que o pão meio que dissolveu lá dentro. Do meu jeito, o crocante continuou crocante. Ainda rolou sorvete de limão com spekulatius e sorvete de chocolate ao leite com Guinness e crocante de aveia, os dois do David Leibovitz. Mas as receitas são mais complexas e mais caras, então só vou colocar se muita gente pedir, ok?

E enquanto a comida de todo dia anda mais relaxada e mais simples, eu comecei a perceber que mesmo os livros que eu havia guardado depois da primeira rapa andavam abandonados.

Separei-os então e os apaguei da minha lista do Eat Your Books. E prossegui a vida, usando apenas os que ficaram na minha estante.

E para minha surpresa, ninguém morreu de fome. ;)

Fiz então mais uma rapa entre meus livros favoritos, mantendo em mente o que eu levaria se pudesse levar para uma ilha deserta apenas uma mala pequena de livros. Alguns dos selecionados para ir embora contém receitas que amo muito, mas que já tenho aqui no blog ou anotadas em outro caderno. Ou essas receitas já sei de cor e não preciso mais do livro. Ou elas são excelentes mas são muito parecidas com outras que já tenho,  e não preciso duas coisas parecidas ocupando lugar na estante se podia haver uma só. Eu manteria todos eles, não fosse meu desejo forte de limpar um pouco a casa de tantos livros e coisas.

Então deixo aqui para vocês a lista dos livros que estão indo agora, se alguém se interessar. Caso haja interesse em um ou mais de um, mande-me um email em lacucinetta@gmail.com (NÃO mande pelos comentários, só via email, para eu controlar melhor), informando seu cep para o cálculo do frete. Quando o livro for pago, risco aqui da lista.

Os livros estão todos usados, mas em bom estado. Estão empoeirados, alguns com a capa externa (dust cover) com sinais claros de uso, de quando você puxa a lombada para tirar da estante, mas o interior está perfeito. Alguns têm anotações. Os preços estão relativos ao menor valor do livro usado na Amazon americana, de onde comprei, e convertidos de real para dólar, mais ou menos.

Lembre-se que a maior parte dos livros de 60 reais é GRANDE e se você morar muito longe de SP, o frete pode ficar meio caro.

E para quem não quer os livros, ou para quem quer também, deixo aqui as receitas dos sorvetes. :D


Update: Já foi tudo vendido! Obrigada! ^_^
LIVROS POR 60 REAIS + FRETE:

  • THE COUNTRY COOKING OF FRANCE, Anne Willan (Lindo, grande, cheio de imagens, melhor ensopado de peixe e melhor caramelo salgado que já fiz)
  • THE BLUE CHAIR JAM COOKBOOK, Rachel Saunders (Lindo, gigante, muitas receitas muito bem explicadas, para quantidades razoavelmente grandes de geleia – eu costumava dividir pela metade ou em quartos para quantidades pequenas. Mas combinações maravilhosas.)
  • FOOD FROM MANY GREEK KITCHENS, Tessa Kiros (Ótimas receitas, mas sinto que já tenho o que quero dela em termos de influência grega em todos os outros livros que tenho da Tessa.)
  • MARCELLA's ITALIAN KITCHEN, Marcella Hazan (Muito bom, livro raro, fotos antigas, receitas ótimas, mas no fim volto sempre para os meus outros livros dela.)

LIVROS POR 30 REAIS + FRETE:
  • LOCAL FLAVORS, Deborah Madison (Excelentes receitas acho que quase tudo vegerariano, mas acabam sendo variações de tudo o que já tenho da Deborah Madison. )
  • THE ART OF FERMENTATION, Sandor Ellix Katz (Nunca usei, mas ganhou prêmios e ensina a ciência de se fermentar qualquer coisa.)
  • A16 FOOD + WINE, Nate Appleman e Shelley Lindgren (Melhor pizza. Fiz bastante coisa desse livro, com a conserva de atum, as almôndegas de frango, as cenouras com ervilhas, o ragù com polenta de castanha...)
  • THE SWEET LIFE, Kate Zuckermann (Livro lindo, receitas super apetitosas, a Pat do Technicolor Kitchen já me mandou largar mão de ser besta e usar o livro, mas eu simplesmente nunca me animei. Sempre acabo achando outra coisa pra preparar. Me arrependo de nunca ter usado o livro, mas no espírito da rapa, não vou nem tentar usar, pra não acabar ficando com ele.)
  • DESSERTS BY THE YARD, Sherry Yard (ótimo. O Devilish Angel Food Cake é maravilhoso. O Corn Bread docinho docinho parece um bolinho de fubá bem molhadinho.)
  • COZINHA DE ORIGEM, THiago Castanho (Comprei pra me aventurar mais em cozinha brasileira, mas acabei não usando.)
  • THE NEW PORTUGUESE TABLE, David Leite (Muitas receitas apetitosas de muitas coisas que parecem brasileiras, por motivos óbvios. Mas também sempre esqueço de usar.)
  • CHARLÔ EM PARIS, Nina Horta (Comprei pela ilustração há mais de dez anos. Aprendi a fazer com ele as torradas com claras em neve no forno e o bolo de mel, que era uma delícia. Uma fofura para crianças.)
  • GIADA'S KITCHEN, Giada di Laurentiis (A pastinha de figo seco com avelã é a favorita da minha irmã, e eu aprendi com esse livro a comer sanduíche de pera com taleggio. Livro muito bom.)
  • SATURDAY's & SUNDAY"s, Kay Francis (Muitas receitas de cardápios para fazer em diferentes situações de fim de semana.)
  • MIETTE, Meg Ray (Saiu daí o meu menor bolo de aniversário do mundo, do ano passado, e meus marshmallows favoritos, um maravilhoso bolo de abóbora, thumbprint cookies, etc... E o livro é uma fofura. Pena que minha filha fez o favor de rasgar a capa externa e uma das páginas internas. Ainda assim, o livro vale. 
  • CHEZ PANISSE VEGETABLES, Alice WAters (Gravuras lindas, mas nenhuma foto. Receitas impecáveis.)
  • CHEZ PANISSE FRUIT, Alice Waters (Mesma coisa do Vegetables. Muitas receitas com frutas em pratos salgados, o que é bem legal.)

LIVROS POR 20 REAIS + FRETE:

  • THE GHIRARDELLI CHOCOLATE COOKBOOK
  • SEASONAL FRUIT DESSERTS, Deborah Madison (O foco é totalmente a fruta. Vários jeitos diferentes de se servir as frutas, seja com caldas, com queijos, com bolos ou biscoitos, transformados em pudins, em tortas...)
  • THE NAKED CHEF, Jamie Oliver
  • THE ULTIMATE FROZEN DESSERT BOOK, Bruce Weinstein e Mark Scarbrough (Ótimos sorvetes. Usei horrores esse livro.)
  • THE BOOZY BAKER, Lucy Baker (Gracinha de livro, com receitas de doces e drinks.)
  • MACRINA BAKERY AND CAFE COOKBOOK, Leslie Mackies (Pão de batata maravilhoso e muffins gigantes – tem que dividir a receita pela metade para assar em forma de muffin tradicional. Mas muito bons. Vários pratinhos salgados no fim do livro.)
  • COMO COZINHAR UM LOBO, MFK Fisher (Em português, sobre como economizar dinheiro na cozinha em época de recessão.)
  • FORMAGGI, Fiona BECKETT (Comprei na Itália, então está em italiano – melhor receita de fondue.)
  • THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (Comprei em Trinidad. A cozinha de lá é uma mistura de chinesa, indiana e inglesa, muito interessante e apimentada. Mas no fim não estou usando o livro, que funciona mais ou menos como aqueles livros do SESI, com tamanho de porção, calorias, nutrição... é usado nas escolas de lá. Está em inglês.)
  • COOK 1.0, Heidi Swanson (Livrinho fofo mostrando variações sobre métodos de cozinha rápida. Vegetariano. Receitas simples, fáceis e gostosas.)


E agora... SORVETE!!!


SORVETE DE BAUNILHA
(Do Livro Twelve, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 700ml leite integral
  • 250ml creme de leite fresco
  • 1 fava de baunilha*
  • 4 gemas de ovo
  • 200g açúcar
* eu uso 200g do meu próprio açúcar baunilhado e acrescento mais 1 colh (chá) de extrato natural de baunilha.

Preparo:
  1. Se estiver usando a fava, abra-a ao meio com uma faca e raspe as sementes pra dentro de uma panela. Jogue a fava lá dentro junto. Junte o leite e o creme e leve à fervura. Retire do fogo. 
  2. Enquanto isso, bata as gemas e o açúcar (e o extrato se estiver usando no lugar da fava) até que fique homogêneo. 
  3. Junte o leite quente aos poucos, batendo sempre, pra que os ovos não cozinhem.
  4. Volte essa mistura para a panela e mexa com uma colher de pau, em fogo baixo, até engrossar um pouco. Não deixe ferver. (A medida certa é quanto você passa a ponta do dedo nas costas da colher – cuidado, está bem quente – e o líquido não escorre imediatamente, mas sim mantém o rastro do seu dedo intacto.)
  5. Desligue o fogo, passe por uma peneira para dentro de uma tigela grande (a peneira retira a fava e qualquer pedacinho de ovo que pode ter empelotado). Misture o conteúdo da tigela até que pare de sair vapor. Leve à geladeira por no mínimo 4 horas ou até uma noite inteira antes de colocar na sorveteira. Isso garante que a mistura vai gelar bem devagar e não vai criar nenhum cristalzinho de gelo. 


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SORVETE DE CAFÉ E CANELA
(Do livro Recipes & Dreams From An Italian Life, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 2 xic. creme de leite fresco
  • 1 pau de canela
  • 1 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 colh (chá) cacau em pó sem açúcar
  • 4 gemas de ovo
  • 2/3 xic açúcar
  • 1 xic (250ml) de café bem forte, de preferência espresso, se você tiver uma máquina de espresso
Preparo:
  1. Aqueça o creme, canela, baunilha e cacau em uma panela grande.
  2. Bata as gemas e o açúcar até que fique fofo e claro. 
  3. Quando o creme estiver quase fervendo, misture o café.
  4. Junte devagar o creme quente às gemas, batendo sempre. Volte para a panela e cozinhe como no passo 4 e 5 do sorvete de baunilha.
  5. Remova o pau de canela antes de colocar na sorveteira. 



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BUTTERMILK ICE CREAM OU SORVETE DE IOGURTE DO DAVID LEIBOVITZ
(Do livro Apples For Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 1xic. de creme de leite fresco
  • 1 xic açúcar
  • 1 colh.(sopa) extrato de baunilha
  • 2 xic. buttermilk*
*Use o soro do iogurte quando você o drena para obter "iogurte grego" ou "labneh", ou use o soro restante da fabricação de queijo, que foi o que eu usei.

Preparo:
  1. Misture o creme, o açúcar e a baunilha e bata na batedeira ou com um fouet até começar a engrossar e o açúcar ter-se dissolvido. Junte o buttermilk, misturando sempre para incorporar. Leve à geladeira por 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira.
  2. Alternativamente, pra fazer o sorvete de iogurte, você só precisa substituir o buttermilk por iogurte integral. Se quiser, pode omitir o buttermilk E o creme e usar 3 xic apenas de iogurte integral. Já fiz ambos e ficam ótimos 



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SORVETE DE PÃO COM MANTEIGA (OU DE PANETTONE)
(Adaptado do livro Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 1 litro

Ingredientes:
  • 3 fatias de pão caseiro ou panettone
  • 3/4 xic. açúcar mascavo
  • 4 colh. (sopa) manteiga e mais para untar
  • 2 gemas de ovo
  • 1 colh (chá) extrato natural de baunilha
  • 1/2 xic. leite
  • 1 1/2xic creme de leite fresco
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Unte uma assadeira com manteiga. Esfarele o pão ou panettone com as mãos e espalhe as migalhas na assadeira. Polvilhe com 1/2 xic do açúcar mascavo, misture bem e leve ao forno pré-aquecido.
  2. Asse por 10-12 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar. As migalhas devem ficar razoavelmente crocantes e douradas, mas não podem queimar. Retire e transfira para um prato frio para que não continuem cozinhando.
  3. Numa panela, derreta a manteiga e continue cozinhando em fogo baixo até que ela adquira um tom de caramelo e um aroma de avelã. Retire do fogo e reserve em outro recipiente, pois se deixada na panela, ela vai continuar cozinhando até queimar.
  4. Enquanto isso, aqueça o leite e o creme numa panela. Bata as gemas com o restante do açúcar mascavo e a baunilha até que fique homogêneo. Junte o leite quente aos poucos, volte para a panela e cozinhe como no passo 4 do sorvete de baunilha. Junte a manteiga reservada e misture bem.
  5. Leve o creme e o pão torrado separados à geladeira por 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira. Assim que o retirar o sorvete da sorveteira e colocá-lo num recipiente, incorpore o pão torrado. (Vai parecer pouco sorvete, mas ao misturar o pão ele vai preencher 1 litro.)



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SORVETE DE CHOCOLATE
(Do livro The Perfect Scoop, de David Leibovitz)
Rendimento: 1 litro

Ingredientes:
  • 2xic. de creme de leite fresco
  • 3 colh (sopa) cacau em pó sem açúcar
  • 140g chocolate amargo picado (SEM gordura hidrogenada)
  • 1 xic leite integral
  • 3/4 xic açúcar
  • 1 pitada de sal
  • 5 gemas de ovo
  • 1/2 colh (chá) extrato natural de baunilha
Preparo
  1. Aqueça 1 xic do creme misturado ao cacau em pó numa panela média, misturando bem para o cacau dissolver. 
  2. Leve à fervura, abaixe o fogo e mantenha em fervura branda por 30 segundos, mexendo sempre. 
  3. Retire do fogo, junte o chocolate picado e misture até que fique bem homogêneo. Então junte o restante do creme. 
  4. Coloque a mistura em uma tigela grande com uma peneira por cima e reserve.
  5. Aqueça o leite, açúcar e sal na panela agora vazia. Em outra tigela vazia, bata as gemas. Junte o leite quente às gemas aos poucos, volte para a panela e cozinhe como no passo 4 do sorvete de baunilha. 
  6. Derrame na tigela com o chocolate, passando pela peneira. Junte a baunilha e leve à geladeira por pelo menos 4 horas ou durante a noite antes de colocar na sorveteira. 



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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A ida e a volta da porca louca – trabalhando com o que se tem. No caso, rabada.

Quando tinha meus poucos 11 anos, desenhando loucamente minhas ideias descabidas, comprei um livro recém-editado chamado "Como Fazer Histórias em Quadrinhos", da editora Global. Nele, havia a seguinte tira: "A Ida e a Volta da Porca Louca".


Essa é a sensação que ficou de meus sete dias de férias em Paris: a ida e a volta da Ana Elisa a Paris. Foi, voltou, acabou. Foi tão curto. Foi tão rápido. Mas foi tão, tão bom.

Como dizia Mark Twain, você jamais saberá o asno que pode ser até viajar para o exterior. (“The gentle reader will never, never know what a consummate ass he can become until he goes abroad.” – Mark Twain, The Innocents Abroad) 

Viajar te deixa menos burro.

Aprendi em Paris que uma cidade pode ser linda e suja ao mesmo tempo. Como haviam me alertado, fiquei desconcertada com a quantidade de lixo no chão em áreas menos turísticas. Um amontoado de cocô de cachorro, bitucas de cigarro e embalagens vazias de isopor com restos de comida da madrugada passada. Dependendo do horário que você passa na rua, se o lixeiro ainda não passou, você até acha São Paulo mais limpa que Paris. No entanto, você olha para cima e parece que há um descompasso na noção de respeito com o passado, pois se por um lado os parisienses não titubeiam antes de jogar um cigarro aceso na calçada, por outro aqueles prédios de centenas de anos estão todos ali, conservados, reformados, coerentes com a paisagem, lindos mesmo quando ligeiramente decadentes. Assim como me aconteceu em Milão, não foi difícil vislumbrar como seria o centro de São Paulo se alguém tivesse tido a boa vontade de conservar as construções mais antigas do modo como elas mereciam, antes de virarem cortiços, garagens ou lojas de produtos contrabandeados, descaracterizando ou mesmo destruindo fachadas, condenando as casas e prédios antes lindos e históricos à fatídica demolição ansiada pelos especuladores imobiliários.

Também aprendi que, de modo geral, os parisienses têm aquela característica que muito aprecio, o orgulho de se fazer bem feito. Não fui a nenhum restaurante mega estrelado, nenhum lugar moderno e inovador e cheio de frufru. Nenhum lugar caro, se você desconsiderar a explosão do euro. Mas comi maravilhosamente bem em todas as refeições.



No Astier, pedi pato confitado, de pele crocante e carne macia, e uma tábua de queijos descomunal e deliciosa. Meu primeiro confit de canard, e aquele que será para sempre a base de comparação. Marido que não gosta de pato provou e aprendeu que daquele pato ele gostava.



No Comptoir Saint Germain, pé de porco desossado e empanado, acompanhado de purê de maçãs, a carne, a gordura e a cartilagem derretendo deliciosamente na boca. Aprendi que se você não se aventurar na hora da comida, jamais vai descobrir como pode ser gostoso um pé de porco, por mais estranha que a ideia soe. De sobremesa, um financier de pistache com sorvete de queijo de cabra e coulis de manjericão, acompanhado de frutas vermelhas. Ok, esse era mais moderno. Mas surpreendentemente bom e refrescante. Do tipo que quero reproduzir em casa.

No Café Constant, pernas de rã com purê de salsinha, deliciosa codorna recheada de foie gras, e îles flotantes, um merengue cozido nadando num creme pontilhado de sementes de baunilha e coberto de caramelo. Achei que a sobremesa era grande demais para mim, mas sem demora o prato estava vazio e teria sido lambido se eu estivesse no conforto de minha casa. Marido cheio de gordice roubava do meu creme para banhar seu enorme pedaço de crème caramel.

No Au Pied du Fouet, terrine de campagne absolutamente cremosa e deliciosa, uma salada verde com tomates, lardons (bacon) e queijo de cabra, e ameixas ao vinho de sobremesa (ex-vegetariana comendo carne todo dia com certeza precisa de ameixas ao vinho no meio da viagem).

Aprendi que se tivesse ido à França vegetariana, teria sido a viagem do omelette. Porque até a salada vinha com bacon. Melhor coisa que fiz pelo meu amor à comida foi ter ido a Paris depois de voltar a comer carne, ou talvez tivesse saído de lá um pouco frustrada.

No Café des Musées, foie gras com pãozinho de figo e geleia e steak tartare. E depois de comer duas vezes foie gras, aprendi que é sim muito gostoso, mas não tanto assim pra justificar o que se faz com o pobre ganso ou pato. Patê de fígado de frango basta pra mim. Nesse café aprendi também que as crianças francesas se comportam tão bem em restaurantes quanto uma criança pode se comportar. Elas não paravam quietas nas cadeiras, perambulavam por todo o restaurante e falavam alto como todas as crianças. Um casal de franceses ao nosso lado bufou e reclamou durante todo o jantar da algazarra dos pimpolhos. Tendo já presenciado coisa bem pior em restaurantes do Brasil, achei louvável os adultos tentarem controlar a pimpolhada sem nenhum jogo eletrônico, e achei toda a movimentação e barulho bem ok. O casal reclamão me incomodou bem mais.



No Robert et Louise, onde estávamos presos no restaurante por uma chuva forte, aprendi que adoro boudin noir (linguiça de sangue) com purê de maçã. Também pedi gigot d'agneau (um bife de cordeiro maravilhoso) feito numa chapa de ferro dentro de uma enorme lareira no fundo do salão, acompanhado das melhores batatas sautée que comi na vida, cozidas e salteadas na gordura restante na chapa de ferro. Aprendi que esse é o único jeito de se fazer batatas sauté. Pura perfeição. E de sobremesa, o melhor crème brulée da minha vida, com a proporção perfeita de gemas, amarelo, cremoso mas firme, substancioso, repleto de sementes de baunilha. Também aprendi que adoro Armagnac.

No Breizh Café, galette complète, um crepe fino de trigo sarraceno, com queijo gruyère de leite cru, presunto da Savóia e ovo frito, e de sobremesa um simples crêpe com limão e mel da Bretanha. Tão. Bom. Aprendi que aquilo que eu chamava de galette não é galette. Até eu conseguir produzi-la tão fina quanto se deve, eu simplesmente não estou fazendo direito.



Na Du Pain et Des Idées, simplesmente a melhor flûte (uma baguette menorzinha) e excelente pain au chocolat. Aprendi que um pão excelente e um queijo ok podem ser um jantar melhor do que um queijo excelente num pão mequetrefe. Aprendi que a gente definitivamente não sabe fazer pão direito e não tem o menor respeito por pão. Aprendi que o pãozinho está sempre lá para ser embebido no que resta de molho no prato, e isso é uma delícia, porque mesmo que você coma uma salada, o pãozinho está ali para saciá-lo. E que se você vai num pub e pede um hambúrguer (marido pediu um hambúrguer de porco espanhol que estava uma delícia), você recebe pãozinho pra acompanhar. Porque... né? Pão pra acompanhar o sanduíche. Por que não?

Também aprendi que os parisienses servem cerveja sem espuma. WTF? Só vinho salva.



Na Éclairs de Génie, aprendi que existe uma bomba de baunilha para estragar seu paladar para sempre. Nunca mais vou conseguir comer outra. Marido mandou eu comprar o livro do homem e aprender a fazer igual. Taí uma meta.

Na Bertillon, aprendi que uma bolinha minúscula de um sorvete extremamente bem feito pode ser melhor do que um pote inteiro de um sorvete mediano. Quando serviram o sorvete de baunilha, achei esquisito ele ser cinza, até olhá-lo de perto e me dar conta de que eram todas aquelas sementes de baunilha no sorvete claro que davam esse efeito. O sorvete de chocolate é tão escuro, denso e intenso, que também estraga você para a vida. Tipo colocar uma barra de chocolate belga inteira no freezer. Só que cremosa.

Aprendi também que a coisa toda das mulheres parisienses parecerem bonitas sem esforço é meio que verdade. Mas que o tal glamour parisiense é um mito descabido. Andei por toda a cidade em todos os horários, e as únicas pessoas vestidas de parisienses glamourosas eram as turistas tentando parecer parisienses glamourosas. O que vi, no entanto, foram mulheres francesas sabendo usar o que elas têm de melhor ao invés de tentar mudar o que são. Não vi uma francesa de chapinha no cabelo. Quem tinha cabelo liso, tinha cabelo liso, quem tinha cacheado tinha cacheado, etc, etc. Aquela coisa linda de ter o cabelo crespo ou cacheado ou ondulado e simplesmente dar uma arrumada com os dedos e sair na rua, e deixar o cabelo meio bagunçado porque é isso aí, a gente é assim, e cabelo cacheado que foi penteado fica horroroso.

Marido num dado momento começou a me perguntar por que diabos as francesas não penteavam o cabelo. Porque mesmo quem tinha cabelo liso escorrido parecia ter prendido o cabelo num rabo sem olhar no espelho. Expliquei o conceito engraçado do "sou linda, acordei assim". Ele riu. Então notei como isso só funcionava porque elas estavam minimamente maquiadas. Minimamente mesmo. Do tipo que você olha de longe e parece que só tem um realce nos olhos, um corado saudável nas bochechas. Nada de sombras pesadas, contornos evidentes.

Fiz o teste em mim mesma. Acordei com o cabelo do cão chupando manga. Coisa fácil para quem tem cabelo meio liso na raiz, meio cacheado no meio, meio ondulado nas pontas, e cheio de poinhóin que nasce torto bem no alto da testa e que se recusa a formar cacho ou seguir liso. Altos traumas com os poinhóin, esse cabelo que fica uma aura de desleixo em torno no rosto e que foi alvo já de muita escova, chapinha e até tratamento químico.

Larguei o cabelo como estava e ao invés de tentar domá-lo, amassei-o para fazer ainda mais volume. Com aquela cara cinza de quem dormiu nada, parecia que eu tinha saído do hospício. Então fiz minha maquiagem. Nem tanta coisa assim. Um bb cream bem leve, um jeito nas sobrancelhas falhadas, corretivo, rímel (porque meus cílios são inexistentes) e blush bem levinho. De longe, tô usando nada. Só trazendo à tona aquilo que se tem de bom.

Olhei no espelho.

I woke up like this. Flawless.

Uma roupa simples que me vestia bem, uma maquiagem simples bem feita, e o meu cabelo o mais natural possível. E ao invés de ficar com cara de quem tinha levado quarenta minutos pra se arrumar, aquele jeito de quem  simplesmente tá se esforçando além da conta, que sempre fica meio ridículo, fiquei com cara de "sou linda, acordei assim". Funciona de um jeito tão fantástico, que tive vontade de voltar no tempo e avisar meu eu-adolescente dessa coisa mágica de parar de gastar tanto tempo com cabelo e simplesmente usá-lo do jeito que ele é.

Aceitação. Sabe? É. Larga o terapeuta e simplesmente aceita o teu cabelo. Pronto. Problemas resolvidos.

No fim, o marido mesmo começou a notar como parecia que esse jeito de se aceitar e usar o que se tem de melhor parecia permear franceses e francesas de todas as idades. Com peito, sem peito, com bunda, sem bunda, magrinha, gordinha, todos pareciam vestir bem seus corpos como eles eram ao invés de se espremerem em modelos inapropriados para suas formas ou suas idades. Logo... todos pareciam elegantes e bonitos, mesmo de jeans e camiseta branca.

Enfim... aprendi que bonito é se trabalhar com o que se tem e saber tirar o melhor do que você é, ao invés de se apertar em soutiens que apertam os peitos, estragar o cabelo com a chapinha, e ficar usando roupas para uma realidade que não é a sua, seja sua idade, sua condição financeira ou seu tipo físico.

Também aprendi que o seu dia fica de fato mais gostoso quando todo mundo com quem você fala te diz "bom dia" e te deseja uma "boa jornada" quando você se despede. Um hábito que eu já tinha e que, aqui onde eu moro, me irritava muito por não ser correspondido. Brasileiro pode ser um povo muito caloroso em alguns aspectos, mas, meu deus, como é difícil arrancar um "bom dia" de um ser humano em São Paulo. Cansei de olhar nos olhos das pessoas, abrir um sorriso e dizer "boa tarde" e ser completamente ignorada. Mesmo nos restaurantes em que os garçons eram muito ocupados e o serviço era brusco, um "bom dia" e um elogio à comida bastavam para que eles sorrissem de volta, contentes, em Paris.

E não tem como: viajar deixa você menos burro porque você tem a oportunidade de confrontar sua realidade com a dos outros, e, então, aprender alguma coisa com esse evento. Que toda cidade grande tem problemas, que o que torna algumas mulheres mais bem resolvidas pode ser justamente o tipo de auto-aceitação que me faltava, que eu amo arte tanto quanto ou mais do que comida, que eu sou mais cosmopolita do que gostaria de admitir, e que talvez meu problema não fossem cidades em geral, e sim apenas São Paulo. Porque eu me sinto muito à vontade em outras grandes cidades do mundo, de um jeito que não me sinto mais em São Paulo, que parece me agredir os sentidos toda vez que piso nela.

Pensei no modo como os condomínios de apartamentos são cada vez mais feitos para que você nunca precise sair de casa, até mesmo incorporando shoppings centers e clubes. Como aqui nós estamos relacionando cada vez mais qualidade de vida à possessão de coisas: casa grande, carro bom, sofá caro, tv gigante, varanda gourmet... Quando fui à Amsterdam, chamou-me a atenção os apartamentos pequenos, clean, minimalistas. E agora em Paris, o mesmo. Marido ficou em choque com o apartamento de 25m2 que alugamos, e mais ainda quando expliquei que aquilo era meio que padrão, mesmo para alguém de classe média. Mas quando você entende o quanto sua vida acontece do lado de fora, o quanto a cidade permite que você fique ao ar livre, você se dá conta de que não precisa mesmo de mais espaço. Sua geladeira pode ser um frigobar (como era o caso no apartamentozinho) se você tem acesso fácil a comida fresca todos os dias. Você não precisa de um carro se o transporte público funciona. Você não precisa de uma tv gigante se a cidade provê cultura e entretenimento variado fora da sua sala. Você não precisa de clube se os parques são seguros e agradáveis.

Enfim.

Sua mente se expande e nunca mais volta ao tamanho original, e você aprende, então, muitas coisas a seu respeito, sobre o que é importante para você e o que é de fato qualidade de vida.

E enquanto eu bebericava meu vinho bom e barato e beliscava mais um pedaço de boudin noir, vi-me explicando ao marido porque todos os cardápios dos bistrozinhos pareciam ter apenas cortes "estranhos" de carnes. Eram pés, orelhas, rins, fígados, cabeças... Dividindo espaço com rãs e codornas e foie gras e peixes nobres. Fiquei pensando sobre quanta fome um ser humano precisou ter para catar um sapo no brejo e resolver comê-lo. Mas achei lindo ter tanta variedade desses cortes e partes mais "difíceis". Primeiro, porque estava morrendo de vontade de experimentar tudo. Segundo, porque amo essa noção de que se é pra matar um bicho para comer, é bom usá-lo todo. Quando vejo essa bizarrice de povo que só come o peito do frango, me dá aflição.

Povo! Compre o frango inteiro, pelamordedeus, que é bem mais barato e você tem mais refeições variadas, saborosas e interessantes do que comprando uma bandeja só de peito.

Além disso, isso dos "cortes estranhos" mostra claramente como comida excelente precisa de ingredientes BONS, não ingredientes CAROS. Lembrei de um artigo publicado há muito tempo atrás de alguém xingando o fato de todos os restaurantes paulistanos servirem o mesmo atum selado em crosta de gergelim. Eu ri. Porque era verdade. Conheço muita gente que não come nada além de "carne de primeira" (termo estúpido) e peitinho de frango, porque acha que todo o restante é "comida de pobre". Chique é falar de "cucina povvera" italiana. Mas comer língua ninguém quer. Bobagens, bobagens. Troco um filé mignon por uma rabada numa boa.

Peraí. Essa frase ficou horrível. >_<

Vamos começar de novo.

Aprendi que cozinha francesa mesmo, assim como a italiana, é muito mais pautada no que o povo teve que usar para se virar e encher a barriga do que em qualquer fricote de pratinhos minúsculos de ingredientes carésimos. Uma terrine de porco bem feita, cheia de partes "estranhas" dá um couro em qualquer foie gras. Pelo menos eu acho.

Voltei da França com vontade de continuar me cuidando, com vontade de pintar alucinadamente, com vontade de comer pão bom em todas as refeições, com vontade de terminar todas as refeições com queijos, com vontade de cozinhar carnes "estranhas".

Começando com rabada (oxtail), que comi pela primeira vez em Trinidad & Tobago, e adorei.

Essa é receita de Nigel Slater, e ficou deliciosa. As crianças acharam esquisito mas interessante comer o rabo do boi, ou, como diz Thomas, "a cauda". Ficou muito bom com purê de batatas bem cheio de manteiga e o molho é de lamber o prato. Único problema é que eu calculei mal o tempo de forno e tive de tirar o bicho lá de dentro antes de estar de fato desmanchando, o que nos fez comer uma rabada ainda um pouco dura. Outra coisa: as ameixas ficam deliciosas, mas achei 200g coisa demais. Recomendo que se use menos. Ninguém consegue comer tanta ameixa em uma só refeição.

Enfim, fico feliz de ter conseguido FINALMENTE colocar esse post no ar. A vida anda uma loucura e uma bagunça, cheia de novidades e contratempos. Uma novidade é o meu canal de Youtube, Desenhoquê (Ana Elisa Gaiarsa Granziera), em que estou postando videos semanais com meu processo de trabalho. Porque, como eu disse, descobri em Paris que arte é de fato o que mais amo na vida, (tanto que fotografei mais quadros do que comida) e gostaria de enfim dedicar mais tempo "de internet" ao meu ofício de verdade. Além disso, ando muito empolgada com a linguagem do video, enquanto a do blog tem me cansado um pouco. Os posts aqui continuam existindo, mas mais esporadicamente. Espero que compreendam, que me visitem lá no meu canal e que gostem do meu trabalho. :)

Também espero que gostem de rabada... ;)



RABADA COM AMEIXAS SECAS
(do livro Notes from the Larder, de Nigel Slater)
Rendimento: 2 porções bem servidas

Ingredientes:

  • 2 colh. (sopa) azeite
  • 1,3kg rabada
  • 2 cebolas picadas grosseiramente
  • 5-6 tiras de casca de uma laranja + o suco da laranja
  • 200g ameixas secas macias, sem caroço
  • 1 colh. (chá) sementes de zimbro
  • 2 xic. vinho tinto


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 220ºC.
  2. Aqueça o azeite em uma panela grande, com tampa, que comporte toda a rabada numa camada única e que possa ir ao forno.
  3. Junte os pedaços de rabada, lado cortado para baixo, e cozinhe por 4-5 minutos de cada lado, até que o óleo esteja chiando e a carne esteja dourada. Transfira para um prato.
  4. Junte as cebolas ao óleo quente, e refogue em fogo mais baixo, até que comecem a amolecer. 
  5. Volte a rabada para a panela, junte as cascas de laranja, o suco, as ameixas, o zimbro e o vinho. Tempere com sal e pimenta.
  6. Aumente o fogo e leve à fervura. Tampe imediatamente e transfira para o forno. 
  7. Cozinhe por 25 minutos, então abaixa o fogo para o mínimo e cozinhe por 2 horas ou até que a carne esteja se soltando do osso facilmente. (Se parecer que o líquido está reduzindo muito rápido, acrescente um pouco de água ao molho e tampe novamente.)


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Pato, Purê, Paris, Mãe, Maçã, Maquiagem



Título de doido. Mas vem comigo.

Depois de um ano e meio de reeducação alimentar e muita, muita corrida, eu finalmente me sentia bem comigo mesma. Estava em forma, com uma rotina saudável, o trabalho apontava para direções animadoras, e tudo ia muito bem. Tão bem, que decidi que era hora de vir o primeiro pimpolho.

O primeiro pimpolho veio, e com ele aquele choque em perceber que um filho não era apenas mais uma tarefa incorporada ao seu dia, mas meio que o seu dia inteiro. Junto com todo o amor e a coisa doida que é ver aquela fofura se tornando um ser humano independente e com personalidade, veio aquele outro choque: eu sou mãe. Rolou uma bizarrice de sair me livrando de roupas que eu não julgava mais apropriadas para minha nova fase, rolou um stress de querer ser um modelo de perfeição natureba suprema para meu filho, e, como toda a despirocação para um extremo, o pêndulo volta todo o caminho e você despiroca pro lado oposto não muito tempo depois. E de jogar fora minha saia curta e sair vestida igual à minha mãe de sessenta anos, eu comprei um novo par de coturnos, usei meu short jeans até ele ter mais buracos do que jeans de fato, e... pintei o cabelo de roxo. ROXO. Mesmo. Inteiro. Roxo.

Eu quis pintar o cabelo de roxo minha adolescência inteira, mas não conhecia na época um cabeleireiro que tivesse uma tintura mais ousada do que o vermelho que a Claire Danes usou em Minha Vida de Cão. Precisei esperar ter mais de trinta anos, mais coragem e mais saco cheio daquilo que eu achava que esperavam de mim por ser mãe.

Erro.

Pintar cabelo colorido é um comprometimento. E eu já estava comprometida com meu filho e meu trabalho. Cabelo colorido que a gente não tem tempo de cuidar fica um show de horror. E pouco tempo depois de pintar o cabelo, eu engravidei de novo, e tive de passar nove meses com o cabelo descolorido-amarelo-piupiu, manchado de roxo-desbotado e com textura ressecada de cabelo de Barbie enfiada na piscina cheia de cloro.

Olhar para isso no espelho durante quase um ano não foi legal.

O cansaço de trabalhar, cuidar de casa, de criança na fase dos terríveis dois anos e de um bebê recém-nascido também não ajudou.

Passaram-se quatro anos desde o nascimento do meu primeiro filho, e parecia que o trabalho ainda não tinha engatado de novo do jeito que era, eu não conseguira voltar a correr todos os dias, a segunda gravidez deixou meu abdome mais flácido do que a primeira, não dava tempo de ir ao cabeleireiro, e aos poucos eu fui esquecendo de cuidar de mim. A gente fica trancafiada em casa, olhando só pra criança, pra prancheta e pro computador, e começa a achar que dá pra ir buscar os filhos na escola de chinelo e sem pentear o cabelo. Eu tivera aquele plano lindo de vestidos de cintura marcada, mas me via todo dia com o mesmo moletom velho.

:(

A gota d'água foi ir ao supermercado com minha filha, eu vestida de mendigo, ela fazendo uma birra escalafobética porque estava entediada e o moço dos frios estava demorando vinte minutos para cortar 200g de queijo Prato, e aparece, linda, radiante, perfumada, uma das mães da escola, super simpática, e sempre impecável – aquele tipo que você quer muito odiar, porque ela tem tempo de lavar o cabelo e você não. Ela vem, conversa, e eu me sentindo um lixo, tentando impedir a pimpolha revoltada de escalar a prateleira de vinhos. Estrelinha para a mãe simpática que teve a classe de ignorar a birra e agir como se nada estivesse acontecendo. [Sério, você que não tem filhos, nunca, nunca olhe feio para uma mãe tentando conter a birra do filho em local público. Você simplesmente não sabe o que está de fato acontecendo, e a mãe já está se sentindo suficientemente mal sem precisar de olhares de julgamento sobre sua capacidade materna.]

Voltei para casa querendo chorar de raiva. Raiva de mim.

Então, num dia particularmente cansativo, marido chega em casa, liga o rádio e coloca Charles Aznavour. Eu sorri, contente pela delicadeza: ele sabe como gosto de Chanson Française e como esse tipo de música melhora meu humor. Ouço um "pirulim!" vindo do meu celular ao lado, de capinha roxa como um dia fora meu cabelo. Apanho o aparelho para pegar uma mensagem do wasapp e demoro um bocado a entender quando vejo uma imagem de uma confirmação de vôo.

Para Paris.

Amo meu marido, pois nos momentos em que mais preciso, ele sabe como me motivar novamente. Seja com um cafuné, minha cerveja favorita ou uma viagem para um dos lugares que mais quero conhecer na vida.

Comecei a pesquisar loucamente sobre Paris. Coisas pra fazer, para ver, para comer. E o que vestir. Porque no auge do cabelo roxo, eu estava na Itália. Em outra viagem de uma semaninha que marido usou para me resgatar das minhas nóias "Maternidade x Individualidade". E, de cabelo roxo, maquiagem feita, me sentindo estilosa mas meio cheinha (estava na primeira semana da gravidez e não sabia, inchada sem saber por quê), vem um velhinho e, ignorante do fato de que falo italiano, virou pro colega e me chamou de Medusa.

:(

Adoro acreditar que sou o tipo de pessoa que não se importa com a opinião dos outros. Mas eu me importo sim, e aquilo doeu. Então, sim, quis saber o que vestir. Não só para não fazer muito feio, mas porque não fazia ideia do clima de lá na época em que vou.

Acabei caindo em um monte de sites de moda, coisa em que não fuçava havia anos. Eu sempre curti dar uma fuçada em sites de moda e sempre gostei de maquiagem, razão pela qual ninguém da família entendia porque diabos eu andava tão porqueira. Mas no pós-filhos, todas as vezes em que tentei me inspirar nesses sites para me arrumar mais, foi uma frustração atrás da outra. Porque você via um look legal, e percebia que tinha todas as peças menos AQUELA jaqueta que era o que compunha tudo de um jeito fantástico. E a grana pra comprar aquela jaqueta? Quem tem? Eu não. Ou quando você tinha TODAS as peças necessárias para ficar fantástica como aquela foto, mas você então se dava conta de que a razão pela qual a foto era maravilhosa era o fato de a mocinha ali ter dez anos a menos e não ter nenhuma pelanca marcando na camiseta. Todo mundo sabe como isso é troncho e besta, mas como te pega de jeito em momentos em que você está mais insegura. E o pior era perceber que aos trinta e cinco anos eu ainda estava insegura feito meu eu-adolescente. Muito disso vinha do fato de que eu ainda não conseguia me enxergar com meus trinta e cinco anos.

Por isso amei a coisa toda do Parisian Chic, do minimalismo francês e do "capsule wardrobe". Que coisa genial. Finalmente parecia ter encontrado algo que casava minha falta de tempo para ficar pensando em roupa de manhã, minha muquiranice, minha falta de saco para comprar roupa, meu desejo de minimalismo e praticidade e minha vontade de voltar a sair por aí... bonita. Olhei meu guarda-roupa e me dei conta de que já metade dele era preto, branco, cinza e listrado: fácil de combinar. O problema é que havia tantas, tantas outras peças escalafobéticas, difíceis de combinar, velhas capengas, que a vida de manhã cedo andava difícil e eu acabava usando sempre a mesma porcaria fácil e confortável, mas velha e mal ajambrada.

Fiz a rapa nos livros, mas também fiz a rapa no guarda-roupa. Mandei embora uma quantidade absurda de coisas velhas ou que eu não usava, comprei três ou quatro blusas básicas, uma botinha e um tênis para substituir o velho rasgado que fora pro lixo, e reorganizei meu armário, maravilhada com a mudança. Agora tudo combinava, nada tinha cara de farrapo, e, principalmente, tudo vestia bem no meu corpo, mesmo ele ainda não estando do jeito que eu gostaria. Finalmente fui ao cabeleireiro e deixei lá uma aquarela e meia por uma hidratação e um corte perfeito [eu meço coisas caras em termos de quantas aquarelas preciso vender para pagar por aquilo].

E enquanto continuava a fuçar em coisas de Paris, caí num vlog de viagem da Chata de Galocha (de quem eu nunca ouvira falar, veja só como sou alienada com algumas coisas...) e adorei o jeito dela; identifiquei-me com muitas coisas pessoais suas. E ainda que não tenha me interessado muito pela parte da moda, pois acho que temos gostos diferentes e eu realmente gostei da ideia do minimalismo francês, dei-me conta de que eu já havia sido uma pessoa que se dava quinze minutos para passar um creminho, só pra ter aquela coisa gostosa de ir dormir com o cheirinho gostoso que você escolheu. Aquele cuidadinho com você. Aquele cuidado que eu tinha parado de ter nos últimos quatro anos, tão preocupada em cuidar dos outros.

Voltei a usar um creminho. A passar hidratantezinho especial pro rosto. A passar maquiagem antes de sair de casa. E de repente a vontade de correr voltou. Voltou forte o bastante para me forçar a sair e correr e treinar ANTES de cuidar de qualquer tarefa de casa ou de trabalho. Pois eu sempre fui muito responsável, e acreditava que precisava primeiro dar conta das obrigações, para então ter lazer. Nunca me dei conta de que bastava encarar a corrida e os cuidados comigo como uma tarefa tão prioritária quanto responder email de cliente ou lavar a louça.

E voltei a correr de manhã, junto com o cachorro. Coisa pouca por enquanto, 3,5km, que é a volta do muro do condomínio, com direito a duas ladeiras consideráveis. Volto para casa, e faço um treino bom de kettlebell, que sumiu com a corcunda de mãe, tem botado aquela pelanca no lugar e fez meus braços e pernas afinarem super rápido, além da maravilha que é simplesmente ficar mais forte (não grande, que kettlebell não incha músculo, mas FORTE): poder pegar um filho em cada braço sem morrer de dor nas costas, por exemplo, é lindo. Se sentir saudável novamente é fantástico.

De repente me olhei no espelho e pela primeira vez vi aquela pessoa de trinta e cinco anos na minha frente. Mas não era mais uma mulher cansada vestindo as roupas da faculdade. Eu realmente gostei do que vi. :)

Nunca pensei que essa viagem a Paris seria o empurrãozinho que me faltava para voltar a ser Ana Elisa. Busquei a mim mesma durante todos esses anos nas minhas atividades, tentando voltar a ser a Ana que lia, a Ana que trabalhava, a Ana que que ia a museus, a Ana que saía à noite com os amigos, e esqueci completamente que, antes de ser alguém que fazia coisas, eu era simplesmente alguém que precisava de um pouco de carinho de mim mesma, e que eu só precisava olhar no espelho e gostar de mim de novo. E gostando de mim, eu me permito relaxar mais, eu me cobro menos, eu me estresso menos com coisas bestas. Até com a bagunça da casa, veja só.

Claro que a pesquisa sobre Paris rendeu dezenas de anotações sobre lugares e coisas para comer no meu pequeno guiazinho azul. E minha curiosidade foi atiçada a tal ponto, que comecei a ter uma vontade louca de preparar pratos franceses.

Pato é com certeza uma carne bem comum na França, bem menos do que aqui no Brasil. O que é uma pena, pois acho uma delícia, e no que se refere às coxas e sobrecoxas, tão fácil de preparar quanto frango.

Os pimpolhos adoraram, e no dia seguinte o Matador de Dragões veio pedir pra comer pato de novo. As maçãs assadas, as cebolas, o molho, o purê de batatas bem amanteigado, tudo combina e se complementa de um jeito tão perfeito... você precisa colocar no garfo bocados com todos os elementos ao mesmo tempo. E a gordura do pato, que a receita manda retirar duas vezes durante o processo, eu guardei num pote na geladeira para dourar batatas alguns dias depois. Delícia. :D

Às vezes me pergunto se eu compartilho demais das minhas loucuras aqui. Mas então penso que pode ter outra mãe cansada se afundando em obrigações e que possa, de repente, querer um empurrãozinho para voltar a se cuidar também. Eu me enganava dizendo a mim mesma de que não precisava de nada disso. Tentei me enfiar pelas vias naturebas mais extremas, mas eventualmente a gente tem que dar o braço a torcer e admitir que é muito lindo e ecológico o conceito de usar vinagre e bicarbonato pra tudo, mas que eu curto mesmo é um cheirinho de lavanda, e que meu cabelo meio ondulado, meio cacheado, precisa sim de um creminho modelador de vez em quando, e que eu amei o modo como o bb cream tirou um 5 anos do meu rosto (nunca tinha usado nenhum tipo de base antes, e agora estou apaixonada por esse troço). ;) Eu acho que eu mereço algum cuidado, eu mereço um tempo para mim, eu mereço sentar e ler um livro ao invés de tirar pó dos móveis e eu com certeza mereço um jantarzinho de pato assado enquanto a viagem a Paris não chega.

PATO COM MAÇÃS E CEBOLAS
(Ligeiramente adaptado do ótimo Good Things to Eat, de Lucas Hollweg)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 4 cebolas bem pequenas, descascadas e cortadas em quartos
  • azeite de oliva
  • 4 pernas de pato (coxa e sobrecoxa juntas)
  • sal e pimenta-do-reino
  • 2 grandes galhos de alecrim fresco
  • 3 anis-estrelados
  • 1 pau de canela, quebrado ao meio
  • 4 maçãs, sem miolo e cortadas em quartos
  • 200ml vinho branco seco (usei um pouco de Calvados com água, pois não tinha o vinho na hora)
  • 1 colh. (sopa) mel


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 240ºC.
  2. Espalhe as ervas e especiarias em uma assadeira. Misture as cebolas com um pouco de azeite e disponha na assadeira, sobre as ervas. 
  3. Esfregue as pernas de pato com azeite e tempere generosamente com sal e pimenta. (Pode abusar um pouquinho do sal. Eu coloquei bem mais do que costumo usar na comida e mesmo assim havia partes mais internas da carne sem sal.)
  4. Disponha as pernas na assadeira e leve ao forno, imediatamente abaixando a temperatura para 180ºC. Cozinhe por trinta minutos.
  5. Regue o pato com a gordura que tiver se depositado na assadeira, então retire quase toda ela, deixando apenas 2 colh. (sopa), mais ou menos. Junte as maçãs, volte ao forno e cozinhe por mais 30 minutos.
  6. Retire a gordura novamente, deixando qualquer molho escuro ou meleca grudada na assadeira. Misture o vinho ao mel, junte à assadeira, raspando com uma espátula de madeira, para soltar qualquer coisa grudada no fundo que vá formar o molho. Volte ao forno por 15 minutos. 
  7. Cheque o tempero e sirva quente, regado de molho. Lucas Hollweg sugere acompanhar com purê de batatas, batatas assadas ou uma salada de agrião. Eu fui com o purê de batatas e acho que fui bem feliz na minha escolha.  

quarta-feira, 29 de julho de 2015

As maravilhas do grão de bico e do abacate e um pãozinho chato e simples

FOTO HORROROSA, tirada com sono, do celular, no dia seguinte, com o que sobrou. :P
Certa vez, quando o Matador de Dragões ainda era um bebezinho aprendendo a comer, um casal de amigos veio nos visitar, assim meio de supetão. "Temos um jantar depois, então só vamos dar uma passadinha pra dizer oi", disseram eles. Quando eles chegaram, conversamos, conversamos, abrimos uma cerveja, conversamos mais, o tempo foi passando, bateu uma fominha, e não havia nenhum petisco preparado, já que eu esperava que a visita durasse não mais de meia hora e eles pretendiam justamente sair para comer. O marido comedor de porcarias logo abriu um salgadinho reservado para os momentos de video-game, e naquele momento eu não me importei, porque eles teriam um jantar depois, então não tinham vindo à minha casa com expectativas gastronômicas. A conversa continua, mais uma cerveja, o salgadinho acaba, marido abre outro, e chega a hora do jantar do Matador. Eu não havia planejado muito, então no improviso fiz um macarrãozinho com molho de gorgonzola para o pimpolho, e, de repente, senti olhares estranhos para aquela massinha fumegante. As visitas estavam já no terceiro pacote de salgadinhos, já haviam rolado muitas cervejas, e de repente me dei conta de que já se haviam passado mais de duas horas.

"A que horas é o jantar de vocês?"
"Ah, não, nosso jantar foi cancelado."

Meu coração afundou de vergonha.

"Pombas! E eu aqui entupindo vocês de salgadinho? Por que vocês não falaram nada? Eu teria feito jantar pra todo mundo!"

No fim das contas, já era tarde, e nossos queridos amigos nos deixaram assim, de dedos cor-de-laranja e a boca amarrada de tanto sal dos três sacos de salgadinhos consumidos. E eu fiquei prostrada no sofá, arrasada por ter sido uma anfitriã tão porcaria. Eventualmente, eles voltaram à nossa casa e servi comida de verdade para compensá-los.

Esse foi um episódio extremo. Os outros episódios extremos foram para o lado oposto, quando me esgoelei por dias planejando e preparando pratos complicados para servir a convidados, quando me estressei por alguma coisa não sair perfeita, e quando fiquei confinada à cozinha, esbaforida e irritada, ao invés de aproveitar a companhia dos amigos na sala como uma pessoa normal.

Então, há pouco mais de seis meses, resolvi ler um livro maravilhoso que me fora dado de presente por uma leitora querida: o fantástico An Everlasting Meal, de Tamar Adler. Um livro de cozinha como nenhum outro, um livro de cozinha que eu gostaria de ter escrito, pois ele muda completamente o seu modo de enxergar os ingredientes, os restos, os potenciais, e, principalmente, os defeitos. Como transformar arroz queimado ou empapado em algo comestível novamente, como aproveitar os ingredientes ao máximo, de talos até o óleo da lata de sardinha, e, o que mais me marcou, como aprontar um petisquinho no melhor do improviso quando aparece gente em casa de surpresa e, assim como com os livros do David Tanis, como manter em mente que é a companhia que interessa, e que simplicidade e boas intenções contam mais do que qualquer técnica culinária. Ela fala de modo tão caloroso e poético sobre a delícia simples de um pãozinho amanhecido dourado no azeite, que é como se ela viesse e desse um tabefe em toda aquela pesada pretensão e preciosismo que sentavam nos seus ombros, encurvando suas costas e tornando o ato de receber tão, tão exaustivo.

Uma vez por semana, um amigo nosso e também nosso treinador vem aqui em casa, à noite, para treinarmos Kettlebell (que recomendo muitíssimo, principalmente se você também teve filhos e já não sabe mais o que fazer com suas adoráveis pelancas). Minha irmã também vem, e é sempre um treino muito bom e divertido, que sempre, sempre, sempre, termina com cerveja e um petisquinho. Às vezes, é simplesmente um pacote de qualquer salgadinho que o marido tenha estocado para as noites de video-game, pois ninguém é perfeito. Mas em outras ocasiões, eu abro a geladeira e encontro possibilidades. Um queijo coalho, que corto em cubos, douro no azeite e sirvo com um pouco de mel e palitinhos para espetar. Castanhas de caju douradas no óleo de coco e polvilhadas de cominho, sal e pimenta caiena. Hommus com o que tiver: palitos de cenoura, de pepino, pãozinho, o que for. Pãozinho dourado em manteiga e polvilhado de ervas secas. É divertido tentar ver o que consigo fazer com o que há na geladeira e que seja mais saudável para um pós-treino do que um monte de salgadinho porcaria.

Então, noutro dia, o marido me lembrou de que viria gente em casa à noite, num dia em que eu estava ainda com a cabeça atrapalhada com a finalização de um trabalho grande e as crianças já de férias. Antes de entrar em pânico e começar a pensar coisas muito complicadas, respirei fundo e fui olhar a geladeira. Havia um abacate super maduro. Havia grão-de-bico cozido no freezer. Havia castanhas de caju.

Preparei um guacamole simples. Preparei hommus, pois sempre tenho limão e tahini em casa. Preparei minhas castanhas apimentadas. Cortei alguns legumes para acompanhar o hommus. Abri um pacote daquele salgadinho que finge ser nachos para acompanhar o guacamole. Havia já muito o que comer, que eu preparara em menos de meia hora, e ainda sobrara tempo. Resolvi sovar em cinco minutinhos um pão chato integral com cominho, para uma alternativa mais saudável aos tais nachos, e deixei fermentando enquanto dava jantar e banho nas crianças. Quando o povo chegou, eu estava tirando os pãezinhos do forno. Não fosse o fato de terem decidido pedir uma pizza, eu tinha ainda outras cartas na manga, como cortar um queijo branco em cubos e polvilhar com ervas e azeite, ou preparar mini crepiocazinhas, com metadinhas de tomate cereja, como se fossem blinis ou pizzinhas.

Foi divertido preparar tudo, povo comeu à beça, e no fim das contas, achei o máximo que aquilo que terminei servindo (legumes, guacamole, hommus, pão chato e castanhas apimentadas) era saudável, natureba e vegan. ;) Ok, descontado o doritos. :P

Enfim.

Lembrei-me de épocas em que jamais teria servido hommus e guacamole no mesmo "evento", pois acreditava que precisava seguir uma temática mais precisa ou qualquer bobagem do gênero. E fiquei contente por ter aprendido FINALMENTE a relaxar um pouco.

E achei que esse post valia, se não pela foto medonha aí de cima, pela receita desse pãozinho gostoso e fácil e para deixar essa dica tão besta, tão óbvia, mas que nunca tinha me ocorrido: abacate e grão-de-bico congelado (ou em lata) salvam qualquer visita. Nem precisa ter ingredientes de hommus ou de guacamole. Durante anos preparei uma pastinha de grão-de-bico do Jamie Oliver que consistia em amassar uma lata de grão-de-bico escorrido, 1 dente de alho, suco de limão, um pouco de pimenta calabresa e um pouco de cominho em pó. Dá pra fazer hommus com tomate, com beterraba... Nem precisa ser hommus. Qualquer feijão congelado pode virar uma pastinha gostosa, principalmente se for feijão branco. Guacamole, faço cada hora de um jeito, dependendo do que tenho em casa: às vezes coloco coentro, às vezes coloco cebolinha, às vezes tomate; quando não tem nada disso, apenas suco de limão, sal e tabasco já bastam. Mas certa vez fiz uma pastinha de abacate da Rachel Khoo que era apenas 1 abacate pequeno bem maduro batido no processador com um pouco de suco de limão, sal, pimenta do reino e 50g de amêndoas tostadas no forno: delícia e super diferente.

E viva uma vida menos complicada.

PÃO CHATO COM COMINHO
(Quase nada adaptado do ótimo livro A Change of Appetite, de Diana Henry)
Faz 6 pães chatos, feitos para serem quebrados ou rasgados à mesa

Ingredientes:

  • 3/4 xic. farinha de trigo integral
  • 2/3 xic. farinha de trigo branca
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 1/2colh (chá) fermento biológico seco
  • 1/4 colh (chá) açúcar
  • 2/3 xic. água morna
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1 colh. (chá) sementes de cominho


Preparo:

  1. Misture as farinhas e o sal numa tigela. Em outra, dissolva o açúcar e o fermento em metade da água e espere formar espuma. Junte o fermento à farinha, adicione o azeite e o cominho e misture, juntando o restante da água aos poucos.
  2. Sove por dez minutos em uma bancada ligeiramente untada com azeite, até que a massa esteja macia, uniforme, brilhante e elástica. Coloque em uma tigela ligeiramente untada, cubra com filme plástico e deixe que que dobre de tamanho por aproximadamente duas horas.
  3. Ligue o forno na temperatura máxima e coloque uma pedra de pizza nele. Sove a massa fermentada por alguns segundos e divida em seis porções iguais. Disponha em uma assadeira ligeiramente enfarinhada, cubra com um pano e deixe que descanse por dez minutos.
  4. Abra cada pedaço de massa com um rolo, em formato oval, com cerca de 15cm de comprimento ou mais se conseguir. Asse os pães diretamente sobre a pedra, em quantas levas for necessário, por cerca de 2-3 minutos ou até que inflem e criem bolhas. Para mantê-los quentes e macios, envolva em guardanapos assim que saírem do forno. 


terça-feira, 7 de julho de 2015

Quesadillas de espinafre solitárias porque educar criança não é só ensinar a comer escarola



Uma das coisas que eu mais ouço de quem está aprendendo a cozinhar é sobre o desânimo de se cozinhar apenas para si. Durante anos tentei convencer essas pessoas sobre as vantagens de fazê-lo, mas ao mesmo tempo pensava como era de fato bom cozinhar para os outros. Por muito tempo fantasiei com o dia em que tivesse filhos e pudesse preparar coisas gostosas para eles, e imaginei como seria bom ter companhia para o almoço.

Até que...

Tive filhos.

É gostoso preparar um bolo para eles, ou ouvi-los correndo para a cozinha gritando "Oba! Hora de comer!" Mas não vou mentir para ninguém. Não é um momento fofo e relaxante como em minhas fantasias. É uma boa hora e meia de muito...

"senta direito",
"não coma com as mãos",
"não limpe a boca na camiseta",
"pare de enrolar e coma logo que já esfriou tudo",
"não é pra tirar a salsinha",
"não fale com a boca cheia",
"você gosta sim de couve-flor",
"pare de bater o garfo na mesa",
"isso é uma batata, não um dinossauro",
"tira o pé da mesa." (Esse é especial pra Madame Bochechas, que cisma de tirar o sapato e começa a querer me mostrar a sola do pé, que ela machucou mês passado ao pisar descalça numa pinha.)

Quando você percebe, engoliu seu prato sem nem sentir o gosto, para poder cortar as vagens, enrolar o spaghetti, enxugar o copo d'água derramado por um cotovelo desastrado, mandar todo mundo usar a droga do guardanapo e mandar sua filha de castigo por ter se recusado a tirar pé sujo de cima da porcaria da mesa. E enquanto todo mundo come / derruba a sobremesa, você lava a louça, de costas para as crianças, suspirando fundo e pensando que enquanto não vir a bagunça acontecendo atrás de você, é como se ela não existisse.

Acontece. Nem tudo são flores com crianças de 2 e 4 anos. Principalmente quando a de 2 anos está justamente naquela fase enlouquecedora de dizer não pra tudo e o mais velho, que até então era uma coisa fofa e comportada, resolve achar que também tem certas liberdades, e começa a me dar uma prévia do que será ter um adolescente respondão em casa.

Pronto. Para quem achava que o fato de seus filhos comerem escarola fosse garantia de paz, sossego, amor e felicidade o dia todo, acabei de estourar a bolha da doce ilusão. Há almoços sossegados em que eles querem experimentar tudo, em que damos risada e acho que tenho os filhos mais fofos do mundo, e há jantares arranca-rabo, quando as crianças estão cansadas (e a mãe também) e ninguém colabora. Como em toda a família. Mas como você nunca, NUNCA, sabe quando vai acontecer um ou outro, a tensão na base da nuca toda vez que você termina de cozinhar a refeição e chama a pimpolhada pra comer é inegável. Há sempre aquela esperança tímida de ter um almoço-propaganda-de-margarina, mas algo no fundo do seu estômago sempre traz você de volta à realidade com a quase certeza de que sim, você vai passar quase toda a próxima hora tentando ensinar bons modos à mesa para crianças que parecem sempre esperar que um dia eu sirva bolo de chocolate de jantar enquanto eles pulam nas cadeiras e fingem que os pratos são naves espaciais.

Então, há aquele dia em que eu tenho tanto trabalho para entregar, que deixo as crianças na minha mãe, para poder sentar na prancheta por doze horas ininterruptas e não perder meu prazo. E nesses momentos, algo estranho acontece: redescubro o prazer de cozinhar apenas para mim. Mesmo que seja às pressas, para comer ao lado do teclado do computador.

Poder escolher o que você quer comer sem a tensão da expectativa é libertador. Depois de quatro anos apenas cozinhando para o apetite dos outros, de vez em quando é bom poder olhar para as beterrabas na geladeira e decidir que VOCÊ QUER jantar salada de beterrabas com agrião e vinaigrette de laranja, sem precisar pensar se as crianças vão morrer de fome caso decidam que não estão afim de beterraba e que o agrião está muito fibroso, muito picante ou simplesmente muito verde aquele dia.

Quando terminei meu trabalho, naquela noite, eram quase oito. Olhei para a geladeira e decidi que queria uma quesadilla de espinafre. Pensei em comprar pão pita para acelerar as coisas, mas a preguiça de ir ao mercado foi maior do que a de fazer minhas próprias tortillas.

Misturei a farinha à àgua, óleo e sal, sovei, cobri e deixei que descansasse por meia hora. Cozinhar sem horário era bom também. Cozinhar quando EU tenho fome.

Enquanto a massa descansava, refoguei o espinafre em alho e cebola. Desliguei o fogo e fui passear o cachorro. A noite estava silenciosa, como fora todo o meu dia. Sempre gostei de silêncio. Saí de São Paulo para ter silêncio. Hoje aprecio o silêncio de quando as crianças estão na escola. À tarde, silêncio quer dizer duas coisas: ou estão cochilando, ou estão aprontando alguma coisa. Respiro fundo, o ruído aveludado do ar passando por minhas narinas é alto e reconfortante. Está escuro lá fora, e só há meu cachorro e eu na rua. Solto-o da coleira um pouco para que corra no terreno baldio ao lado de casa, pisando na grama fofa e espantando os quero-queros, que saem em assustada revoada, quebrando o silêncio com seus cacá-cacá.

Volto, aqueço a grelha até que cheire a ferro queimado, e começo a abrir uma por uma as tortillas, tão finas que podia ver meus dedos através delas, e as deito na grelha esturricante, vendo-as inflarem em bolhas e criarem círculos carbonizados aqui e e ali. Guardo-as num guardanapo de linho.


Monto minha quesadilla com um pouco de queijo e espinafre e tosto na frigideira quente, derretendo o queijo. Quando coloco a quesadilla na tábua, sorrio ao cortá-la em cunhas com minha grande faca de chef, satisfeita com o som da massa crocante se partindo, com a sensação dela afundando sob o queijo derretido. Fatio um pouco de abacate para acompanhar, uma colherada de iogurte bem gordo e firme, e muito tabasco.

O jantar era exatamente o que eu queria. Sento-me à mesa e aprecio cada mordida, montando meu garfo com calma com um pedaço de cada elemento do prato. Decido que preciso fazer quesadillas para as crianças, mas me pergunto se elas vão topar o espinafre. Meneio a cabeça, dispersando os pensamentos, e volto a me ater ao prato de comida fumegante à minha frente.

O prazer de se cozinhar para si. Há de se aprender a tê-lo.

Tentei encontrar receitas de tortilla de farinha de trigo aqui no blog, mas não encontrei. Se estou repetindo receita, peço desculpas. Mas vale a repetição, de qualquer forma. Tortillas assim são mais fáceis de fazer do que se comprar, e se conservam maravilhosamente por alguns dias embaladas em guardanapos ou panos de prato. Elas ficarão rígidas, mas voltarão a amaciar e ficar maleáveis tão logo toquem uma frigideira quente.

Como eu disse, essas quesadillas valem repetição, e enquanto havia tortillas na cozinha, eu continuei preparando e comendo. Aaaah, repetição. Como mandar seus filhos tirarem os cotovelos da mesa. Alguém uma vez me disse que eu iria repetir isso até os dezoito anos deles ou até o comportamento entrar no automático. O que vier primeiro.

QUESADILLAS DE ESPINAFRE
(Tortillas do livro Vegetarian Cooking for Everyone, de Deborah Madison)
Rendimenro: 4 quesadillas

Ingredientes:
(Tortillas)

  • 2 xic. de farinha de trigo branca ou integral (se integral, a mais fininha que encontrar) - e mais para polvilhar a bancada
  • 1 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh. (chá) sal
  • 2 colh. (chá) óleo vegetal (ou azeite)
  • 3/4 xic. de água

(Recheio)

  • azeite
  • folhas de um maço de espinafre, picadas grosseiramente
  • 2 dentes de alho, fatiados
  • 1 cebola pequena, picada
  • sal e pimenta-do-reino

queijo amarelo que derreta fácil (Prato, Gruyère, Cheddar, o que preferir)
(acompanhamentos)

  • abacate maduro em fatias
  • iogurte ou sour cream
  • tabasco


Preparo:

  1. Misture a farinha, o sal e o fermento numa tigela e junte o óleo, esfregando com os dedos até perceber que a farinha mudou de textura e criou gruminhos como uma farofa. Será uma farofa mais sutil do que quando se faz massa de torta. 
  2. Junte a água, misture bem com um garfo até formar uma massa, e então sove um pouco dentro da tigela, e depois na bancada, sem acrescentar mais farinha, vigorosamente, até a massa parecer uniforme e macia. Não coloque mais farinha na massa do que o necessário. Depois de sovar por um minuto ou dois, a massa ganhará liga e grudará menos. E é essa umidade que permitirá que você abra a tortilla bem fina. Ela pode continuar grudando um pouco, mas você precisa ser capaz de formar uma bola uniforme. Só acrescente mais farinha se o dia estiver MUITO úmido e você não conseguir manipular a massa de modo nenhum. 
  3. Forme uma bola, cubra com a tigela e deixe descansando por meia hora para relaxar o glúten, ou a massa resistirá quando você tentar abri-la. 
  4. Divida a massa em 8 bolinhas iguais. Na bancada enfarinhada, abra cada uma com o rolo, puxando do centro para as extremidades, ajudando com a mão para manter o outro lado da tortilla parada na bancada. Você quer 8 discos (não tem problema se ficarem irregulares em formato) de cerca de 20cm, tão finos que pareçam que vão rasgar. 
  5. Aqueça uma grelha de ferro ou uma frigideira SEM ÓLEO até quase começar a soltar fumaça, e coloque cuidadosamente uma tortilla sobre ela, estirada. Cozinhe por 40-60 segundos de cada lado, ou até que comece a criar pontos pretos do lado em contato com a panela. Retire e mantenha embrulhada em um guardanapo ou pano de prato.
  6. Em uma panela média, aqueça o azeite em fogo baixo e junte a cebola, o alho picado e uma pitada de sal. Cozinhe devagar, até que a cebola amacie e comece a dourar, e então junte o espinafre e mais uma pitada de sal, misturando bem e trazendo as folhas debaixo para cima, para que todas cozinhem por igual. Quando as folhas estiverem bem murchas mas ainda não muito secas, desligue o fogo e acerte o tempero. 
  7. Numa frigideira seca e bem quente, coloque uma das tortillas. Espalhe um pouco de queijo por cima (se o queijo for fatiado fino, pense cerca de 6 fatias por tortilla; se for ralado grosso, pense um punhado generoso).
  8. Espalhe 1/4 do espinafre sobre o queijo, cubra com outra tortilla e pressione para manter tudo no lugar. Conforme o queijo for derretendo, vá pressionando, para garantir que as tortillas ficarão grudadas.
  9. Depois de cerca de 1 minuto, vire a quesadilla com cuidado e cozinhe por mais 30-40 segundos, até que esteja tudo quente e derretido, mas sem queimar as tortillas. Remova para uma tábua e corte em cunhas com uma faca afiada. 
  10. Sirva quente, acompanhado de abacate, iogurte ou sour cream e muito tabasco. 


sexta-feira, 3 de julho de 2015

Um biscoito sem glúten e o resultado parcial da rapa dos livros


Agora que minha coleção de livros de culinária foi cortada quase que pela metade (e ao longo do tempo quero diminuí-la ainda mais), acho que os volumes que ficaram merecem um post. Não foi fácil decidir com quais ficar e de quais me desfazer. Primeiro, pensei em tentar cozinhar daqueles que me causavam dúvida para ajudar na decisão e documentar tudo aqui, o que daria vida nova ao blog. Mas isso demoraria tempo demais, e os livros continuariam entulhando minha casa. Além disso, foi justamente folheando e procurando o que cozinhar que percebi que não queria preparar nada deles.

Então, para também não ter de passar um mês inteiro folheando e anotando mais de 250 livros, criei um sistema:

- primeiro, tirei todos os meus livros das estantes, limpei as mesmas e separei todos os livros por autores.
- então estabeleci quais eram meus autores favoritos e vi se havia algum livro deles que já não me interessava tanto. Foi interessante perceber o amor com que escolhi e guardei meus favoritos. Desses ainda separei um ou dois volumes que, apesar de autores de que gosto, não eram muito usados. E, sem dó, esses foram para o UT.
- voltei os livros dos autores favoritos para as estantes e vislumbrei o fato de que apenas esses já eram livros de cozinha para uma vida inteira. Isso me deu uma sensação de alívio que me ajudou a desapegar do restante.
- E esse restante comecei a folhear, tentando ser sincera comigo mesma, lembrando o que preparara de cada livro, se repetiria o preparo, se tivera algum percalço, se aquele tipo de comida ainda tinha a ver comigo. E, principalmente, se os livros que já tinham sido repostos na estante continham receitas suficientemente semelhantes. Bem, 99% das vezes a resposta foi "sim, eu posso viver 'só' com os cento e poucos livros que ficaram".

E para o UT foram indo muitos e muitos livros, e, logo logo irão tantos mais.

Agora fica a questão que deve (será?) estar na cabeça de quem lê esse negócio: quais ficaram?

Ficaram os livros que eu uso todo dia, aqueles que me inspiram positivamente, aqueles que me trazem boas lembranças. Não ficou nenhum que me faça sentir inadequada, despreparada, que me deixe triste por não ter XYZ ingredientes, que me deixe triste por não ter XYZ oportunidades. Ficaram meus livros de ilha deserta e alguns outros aos quais estou dando a chance de se tornarem meus livros de ilha deserta.

A primeira pilha de livros que separei com inegável certeza foi a de Marcella Hazan. Se eu só preciso de uma autora de cozinha italiana é ela e não me dá nem vontade de tentar qualquer clássico que não venha dela. Ela fazia as coisas do jeito que eu gosto: ingredientes bons e frescos, preparados direito e de forma simples, e sem a menor pressa (olá, ragù bolognese que ficou 5 horas cozinhando!) Andei comprando um outro livro seu há pouco tempo, e confesso que este anda na berlinda, pois não me apaixonou como os dois outros, que foram dos primeiros livros de cozinha que comprei na vida: Marcella Cucina (ou La Cucina, como deixaram a versão em português) e Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, que é um dos livros que pretendo deixar pros meus filhos – ou comprar cópias de presente – quando saírem de casa, junto com uma máquina de macarrão pra cada um, que foi o que minha mãe me deu no dia em que deixei o ninho. ^_^

A segunda pilha de livros que voltou pra estante com um estrondo retumbante foi a de Tessa Kiros. Meu deus, como uso seus livros! Ainda não tenho plena certeza do volume de cozinha grega, que é o que menos abro. Mas O Apples For Jam, Falling Cloudberries, Venezia, Recipes & Dreams for An Italian Life e o Twelve (seu livro sobre a Toscana) irão comigo para onde quer que eu vá pelo resto da vida. Tudo é delicioso, acessível e fácil sem fazer uso de absolutamente nenhum produto mais industrializado que um pedaço de queijo. E ainda que eu tenha dito que Marcella é a única autora italiana de que preciso, os livros italianos da Tessa Kiros têm uma autenticidade aconchegante que me mantém cativa. Os pratos que cozinhei deles me levaram imediatamente a momentos meus na Itália, há dez anos atrás, comendo pici al pepperoncino numa osteria em Siena. Sua lasanha de tomate tem o gosto da lasanha que minha avó preparava quando eu era criança. Se um dia eu me mudar pra fora do país, deixo minhas roupas aqui para abrir espaço para esses livros. Isso é amor.

Logo em seguida, com uma vitória menos emocional, veio Bill Granger, que me foi apresentado e presenteado há muitos anos pela Patrícia Scarpin, do Technicolor Kitchen e cujos livros usei à exaustão durante a minha primeira gravidez e durante os primeiros dois anos do Matador de Dragões. As receitas são tão dia-a-dia, frescas, fáceis, sem ingredientes mais difíceis que um filé de peixe e um pouco de espinafre, que é quase impossível manter os livros muito tempo na estante. Acho que o primeiro dele que ganhei foi o Feed Me Now, cuja sessão de comida para congelar eu fiz inteirinha no último mês da primeira gravidez, e que me apresentou a um dos meus pratos favoritos: ovos fritos com croûtons e radicchio. Depois vieram os Bill's Open Kitchen, Bill's Food, Simply Bill, Bill's Sidney Food e Easy. Eventualmente você se dá conta de que ele não foge muito das panquecas, dos fritos de legumes ralados, da proteína com salada, do risotto de alguma coisa. Mas gosto muito do modo sutil como ele incorpora sabores asiáticos e mediterrâneos na comida de todo o dia. Tudo fica bom. E o que fica bom eu continuo repetindo e repetindo, como o risotto de forno cheio de legumes, os fritos de cenoura, o bolo de banana. O livro que menos uso é o de comida asiática, que anda na berlinda. Mas agora que as crianças andam mais abertas a sabores, cores e formas diferentes na comida (além de ter voltado a comer carne), quero tentar cozinhar mais dele antes de me decidir.

Depois, também voltaram para a estante os livros de Nigel Slater: Tender I, Tender II (publicado como Ripe nos EUA), Eat, Kitchen Diaries, Notes From the Larder. Esses são do tipo inspirador, pelas fotos e pelos textos. Eventualmente encontro algo para cozinhar exatamente como na receita, mas quase sempre uma folheada me dá uma simples idéia do que fazer. Vejo-me usando mais o livro nas fases em que minha despensa anda mais européia e com mais proteína animal. Quando tive tempo de preparar pães brancos de casca grossa ou bons pães de centeio, quando há presunto cru e algum queijo mais elaborado. Quando tenho vontade de gosto de picles. Dias frios parecem colaborar mais para que eu escolha receitas suas, pois seus cozidos e seus gratinados são sempre sucesso absoluto. Para os pratos mais simples parece que sempre falta algum ingrediente, pois minha despensa básica, meus leftovers, nunca são muito parecidos com os dele. Mas seus textos me aquecem o coração de alguma forma, lembram-me de acima de tudo não complicar as coisas na cozinha mais do que o necessário. Acho que nada do que eu possa falar sobre Nigel Slater vai ser tão preciso quanto este artigo da revista New Yorker: http://www.newyorker.com/books/page-turner/dark-side-of-the-spoon-the-moods-and-recipes-of-nigel-slater

Então, quase que pelo mesmo motivo, ficaram os livros do David Tanis: A Platter of Figs, The Heart of the Artichoke e One Good Dish (seu livro mais simples e o que mais uso). Há receitas bem pouco acessíveis, como risotto de lagosta e rémoulade de orelha de porco nos primeiros dois, mas eu jamais poderia mandar embora o livro que me ensinou a cozinhar um ovo com a gema perfeitamente macia e laranja. Ou que me lembrou do prazer de comer um pedaço de queijo de uma fruta madura de sobremesa. Ou que me apresentou à ideia de fazer queijo quente no ferro de waffles, para ter o pão todinho cheio de buraquinhos tostadinhos de manteiga.

Os da Deborah Madison e da Alice Waters vieram de carona com David Tanis, por conta do feeling "cozinha californiana" de que eu gosto e que mais tem a ver com o modo como gosto de comer: muitos legumes e frutas da estação, tudo colorido, tudo fresco. Os da Deborah, vegetarianos, em primeiro lugar: The Greens Cookbook (trabalhoso mas de resultados excelentes), Vegetarian Cooking for Everyone (um dos melhores livros vegetarianos que existe, e que foi reeditado esse ano), Vegetable Literacy (excelente, com receitas bem originais, mas que ainda não explorei o bastante), Local Flavors, e Seasonal Fruit Desserts (que me deixava meio na dúvida, mas agora que ando comendo mais frutas do que doces, ando redescobrindo - e um livro que tenha me ensinado a comer caquis com uma pitada de sal, avelãs picadas e um splash de Frangelico merece um lugar na minha estante). De modo geral, já usei mais os livros dela, que andam meio encostados. Mas adoro as influências mexicanas e asiáticas nos pratos, a variedade de verduras e legumes, os resultados leves e deliciosos. E todos esses livros têm mais de meia dúzia de receitas às quais retorno com frequência.

O mesmo acontece com os da Alice: Chez Panisse Vegetables e Chez Panisse Fruit. Os livros são lindos, com gravuras coloridas das frutas e verduras que eu realmente amo. Às vezes acho que eles estão parados há muito tempo, mas então me lembro dos pratos que já preparei deles, e de como eram absolutamente bons, e me refreio: não consigo mandar embora. Eles ficam com uma promessa minha de voltar a usá-los mais. Comecei apanhando o Chez Panisse Fruits para usar um abacaxi maduro, que virou um bolo invertido de abacaxi e gengibre, que fez meu filho me perguntar por que diabos eu estava virando o bolo de cabeça para baixo. Mais de duas semanas depois do bolo acabar, ele veio me pedir para fazer de novo o bolo-de-ponta-cabeça. That's a keeper.

Ficaram também meus dois favoritos da Heidi Swanson, Super Natural Everyday e Super Natural Cooking, cujas receitas acho que já fiz quase todas, e cuja grande maioria virou papinha para meus filhos quando nenês. Foram os livros que me empurraram para o uso de grãos integrais no dia-a-dia.

Por incrível que pareça, olhei um bocado de tempo para os livros de Jamie Oliver e Nigella. Não sabia muito bem o que fazer com eles. Percebi que eles estavam lá mais por apego emocional, aquele saudosismo da época em que eu via os programas do Jamie no canal People & Arts e ficava anotando as receitas no meu caderno, rapidamente, tentando não me confundir com o fato de o responsável pela legenda apenas ter trocado ounces por gramas, mantendo o número o mesmo. Lembro da época em que via encantada a primeira temporada da Nigella, ela linda e relaxada na cozinha, preparando tudo aquilo que eu queria comer. Em oposição a seus atuais programas, tão ensaiados, de sensualidade forçada, ela tentando me convencer de que não faz mal nenhum comer um caramel croissant pudding tamanho família sozinha de madrugada, enquanto eu consigo ver na silhueta dela de que isso não é bem verdade. E aquele frescor e autenticidade dos primeiros livros parece ter sido substituída por uma praticidade não muito saudável, e os pratos dela parecem todos mais cheios de creme, mais cheios de açúcar, mais pesados no prato e na mente do que costumavam ser. Eu tinha muito mais amor pelo soba que ela fazia na primeira temporada (que virou meu prato-salvação durante todos esses anos e que meus filhos amam de paixão) do que pelos cheesecakes de manteiga de amendoim que ela prepara hoje em dia. Fiquei com os livros mais antigos de que gosto, Feast (que por algum motivo me deixa feliz de folhear) e o clássico How to be a Domestic Goddess (que eu usei à exaustão e tem tanta mancha de comida que eu jamais poderia vendê-lo), mas confesso que olho o Nigella Kitchen com indecisão. Ok, os brownies são fantásticos e alguns pratos salgados são muito bons – mas confesso que sempre que ela manda usar algo comprado pronto, eu acabo fazendo a versão mais longa e mais natural. A frittata de mortadella é gostosa? É. Mas tãaaaaaao pesada em relação ao que eu realmente prefiro comer no dia-a-dia, que justo esse livro dela, que se propõe a ser um livro de todo dia, eu acabo usando esporadicamente, pois não suporto o peso no estômago após as refeições. Além disso, eu brinco que há tantas receitas com frango no livro (que eu raramente faço), que deveria chamar Nigella Chicken.

Jamie, por outro lado, parece que ficou datado para mim. Era daquela época. Acabo preparando seus pratos sem de fato precisar de receitas. Vendi quase todos. Fiquei com o que mais gosto, Jamie's Italy. Um dos meus favoritos, e de longe seu melhor livro, Jamie at Home, dei de presente para minha irmã, que sempre o cobiçou. Assim, quando quiser alguma receita, basta pedir emprestado. Ainda que, novamente, acabe fazendo tudo sem a  receita, de memória e no improviso. Acho que vou manter o The Naked Chef por mero apego emocional.

Outro que ficou, isoladinho, mas com sucesso, foi Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin. Sem sombra de dúvida um dos melhores livros de cozinha que já tive, com resultados impressionantemente gostosos. Livro trabalhoso, do tipo que faz você cozinhar todos os ingredientes separados para juntar tudo no final. Mas o que acontece é que você consegue sentir o sabor e a textura de cada um individualmente e a composição do conjunto na boca fica muito mais complexa e deliciosa. Não cozinho nada dele há anos, desde antes de ter filhos. Mas sei que o tempo de voltar a cozinhar dele virá novamente, e não há nada ali que eu não queira preparar de novo.

Meu deus, esse post está ficando comprido.

Você ainda está comigo?

O que a saudades não faz, não?

;)

Mas está acabando. O que sobrou, dos desgarrados, separei em estilos. Os franceses. Os livros da Rachel Khoo (Little Paris Kitchen e My Little French Kitchen, que eu apenas comecei a explorar? Ficam. Um livro que começa com uma salada de fígado de frango tem que ter meu amor.  I Know How to Cook? Fica pela simplicidade elegante e impecável de tudo o que produz. Country Cooking of France, fica, por conta da melhor sopa de peixe que já comi na vida. My Paris Kitchen, do David Leibovitz parecia uma compra equivocada quando folheei a primeira vez; mas assim que comecei a cozinhar dele revelou-se um achado. Tudo absolutamente bom. E os textos, como sempre, fantásticos. O mesmo para The Sweet Life in Paris, que estou lendo agora pela terceira vez. Por conta dos sucessos de David Leibovitz, o The Perfect Scoop é hoje meu único livro de sorvetes. E tudo o que fiz do seu Ready for Dessert ficou ótimo.

Os italianos. Culinária Itália, gigantesco, coffee table book? Fica, nem que seja apenas para olhar as fotos, que eu amo. Tuscan Cookbook, da Stephanie Alexander e Maggie Beer  (e cuja versão tenho em português de Portugal) fica com louvor, pelas fotos, pelas receitas impecáveis, inclusive a pappa al pomodoro que eu mais gosto no mundo. (Andei vendo povo de televisão fazendo uma pappa al pomodoro que mais parece um reboco: pappa al pomodoro é uma sopa, não um purê de pão.) My Calabria fica nem que seja só pelo extrato de tomate. A16 Food + Wine? Best pizza ever. Giada's Kitchen. Por incrível que pareça, esse livro é muito bom.

Forgotten Skills of Cooking de Darinna Allen? Fica, fica, fica. O melhor iogurte do mundo. Sem mais.

The New Portuguese Table é muito familiar. Quase comida brasileira. Cozinhei pouco dele ainda.

Culinaria Germany? Pela referência. Também pela referência fica o Professional Chef.

Os de panificação foram fáceis: ficam todos. Mesmo. Todos. Bertinet, Paul Hollywood, Jim Lahey, Professional Baking, The Italian Baker... Todos.

The conservas, fiquei com o Blue Chair Jam Cookbook pelas fotos de referência para pinturas. Confesso. Ele está junto com meus livros de arte, e não com os de cozinha. Para cozinhar, fiquei com o Tart & Sweet, Jams & Chutneys (que tenho em português, da Publifolha) e ainda estou explorando o The Art of Fermentation. Tem um repolho orgânico esperando pra virar sauerkraut.

Os de confeitaria foram mais difíceis. Precisei parar e ver o que reeeeeaaaaalmeeeeente eu pretendia preparar. Não aquela Ana que eu vislumbrava fazendo o bolo de casamento de vinte e cinco camadas da minha filha, mas a nonna que eu estou fadada a me tornar. Eu não sou uma pessoa que faz tuilles. Eu sou uma pessoa que faz cookies. E brutti ma buoni. E biscotti. E pound cake. E coffee-cakes. E quick breads. E assim me dei conta de que poderia viver o resto da vida apenas com os livros da Alice Medrich e os da Dorie Greenspan, que já cobrem todas as bases de sobremesas e quitutes doces que gosto de preparar e comer. Todos os meus favoritos são de uma ou de outra. Da Alice, ficaram o Pure Desserts, um dos melhores livros de confeitaria que tenho e um dos que mais uso, Chewy Gooey Crispy Crunchy, um livro só de biscoitos e que é sempre o primeiro que abro quando quero biscoitos, Sinfully Easy Delicious Desserts, que é sem sombra de dúvida o livro de sobremesas que mais usei até hoje, e de onde saíram todos os bolos de aniversário nos últimos quatro anos (ninguém bate um layer cake de chocolate que se faz com uma colher de pau ou um de baunilha que se faz no processador, em três minutos), e Bittersweet, porque se preciso ter um livro só sobre chocolate, que seja esse. Melhor bolo mármore do mundo vem desse livro. O que adaptei para se tornar meu pudding básico, veio dele. Melhor sorbet de chocolate. Brownies à exaustão.

Já Dorie vai para sempre ter um lugar no meu coração. Eu preparei todos – TO-DOS – os coffe cakes e quick breads e barrinhas e brownies do seu livro Baking From My Home to Yours. Nunca fiz nada que não tenha ficado ótimo. A única coisa que não acertei ainda são as madeleines, mas confesso que não acertei madeleines de ninguém ainda, não só as dela. Recentemente fiz sua torta de limão, que promete ser a melhor torta de limão do mundo, e é. Simplesmente é. Eu pretendia fotografar e colocar a receita aqui, mas não deu tempo. Comeram tudo. Aqui não tem a receita da massa, mas tem do recheio: http://www.seriouseats.com/recipes/2008/04/lemon-lemon-lemon-cream-recipe.html Quando ela lançou Baking Chez Moi, comprei correndo. Outra maravilha. O bolo de cenoura e tangerina é delicioso. A empolgação foi tanta, que comprei seu livro de receitas salgada, Around My French Table. O "cake" de queijo e ervas foi para o piquenique da escola do meu filho e a rilettes de sardinha (uma pastinha de sardinha para comer de aperitivo) foi repetida à exaustão até o dia em que eu peguei uma virose no mesmo dia em que comera a pasta, e ainda não consegui desassociar a receita da sensação de passar mal de madrugada. Uma pena. Espero que não aconteça com essa rilettes a mesma coisa que me aconteceu com tequila, que hoje eu não gosto nem de sentir o cheiro.

Mas tantos outros livros ainda me cercavam e minhas estantes já estavam cheias. Magnolia? Ficaram os dois: Magnolia Bakery Cookbook e More From Magnolia. Os quick breads são muito bons. O de maçã e pecans foi pro piquenique da escola da minha filha. De carona ficou um do Macrina Café, que ainda tenho que explorar um pouco mais antes de decidir. Assim como o livro da Ghirardelli, que eu trouxe de viagem e é bom. Menção Honrosa para Baking for All Occasions, excelente, Sky High (porque eu ainda vou voltar a preparar os bolos dele), e Baking Handbook da tia Martha, de onde vem meu panettone oficial ultimamente. Bon Appétit Desserts é um que é muito bom mas que eu não uso tanto quanto deveria. Estou na dúvida ainda, pois é muito grande para manter encostado. Os livros da Baked me dividiram. O segundo uso muito, e é deles meu spekulatius, o primeiro, nem tanto, não sei por quê. Mas ficaram os dois por enquanto. Dolci, um livro só de sobremesas italianas, ainda está na berlinda: houve o que funcionasse lindamente, houve o que nem tanto e eu precisaria retestar. O The Sweet Life é um livro lindo para o qual estou dando a última chance. Se não preparar nada dele nos próximos meses, ele vai embora. Acho que nunca usei. E é LIN-DO.

Ficaram os da Heloísa Bacellar, Cozinhando com Amigos 1 e 2. O Cozinha de Origem, que eu ainda quero explorar, também.

Dos naturebas, ficaram o Vegetarian Everyday e o Green Kitchen Travels, ambos do blog Green Kitchen Stories. São simplesmente excelentes. SuperGrains, da Chrissy Freer, tenho usado horrores. Whole Grains for a New Generation, idem. Aliás, gosto tanto desse, que quando perdi o meu (sim, ele nunca mais apareceu), comprei outro. E, hours concours, Good to The Grain, perfeito, perfeito.

A Change of Appetite, da Diane Henry, fica no meio do caminho entre um natureba e um David Tanis. Amo. Tenho usado muito. Good Thins to Eat, do Lucas Hollweg, fica entre o David Tanis e o Nigel Slater. Amo também. Uso muito.

Dois que me surpreenderam e ficaram com certo louvor, foram os livros sem glúten, ambos vindos de blogs, Small Plates & Sweet Treats, e La Tartine Gourmande. Quase tudo que preparei deles ficou ótimo e eu simplesmente adoro o uso de farinhas diversas. O último sucesso retumbante foi o biscoito de quinua e chocolate branco com cranberries. Eu esperava uma textura esfarelenta num biscoito sem glúten, mas esse ficou crocante e doce, com pequenas explosões de sal e azedinho, e o gosto da quinua apenas como uma nota complexa no fundo... Maravilhoso. As crianças amaram. Eu fiquei triste quando Thomas pegou o último, que eu estava guardando para mim, mãe egoísta que eu sou. ;)

Não teve jeito. Ficaram comigo "apenas" os livros que têm a ver comigo hoje e com o que gosto de cozinhar e de comer. Segundo o Eat Your Books, tenho 106 livros, ao invés dos 256 que tinha antes. Mas isso é mentira. Pois há os brasileiros e uns e outros não indexados. Da última vez que contei, tinham 152. Mas ainda há uma caixa aqui do meu lado de livros para serem vendidos. Uns 15 de culinária, uns dicionários e gramáticas de japonês (porque eu não vou voltar a estudar japonês tão cedo) e livros diversos que não vou ler mais. Minha estante continua entulhada. A rapa continua.

Enquanto isso, biscoitos.

PS: Pra quem continuou apreciando o blog durante essa ausência, uma explicação: tá difícil. Trabalho, crianças, vida em geral, anda me deixando longe do computador. Duas horas que passo escrevendo um post são duas horas que não estou trabalhando enquanto as crianças estão na escola. Quero tentar ao máximo voltar a postar com regularidade. Enquanto isso, o facebook vai dando pitadinhas aqui e ali de receitas rápidas. Sei que é chato ou impossível procurar as coisas no facebook, mas para mim não tem sido viável postar aqui todo dia. Vamos ver. Vou tentar conciliar as coisas. Enquanto isso, obrigada pelo carinho. :)

BISCOITO DE AVEIA, QUINUA, CHOCOLATE BRANCO E CRANBERRIES
(Do ótimo livro La Tartine Gourmande)
Faz cerca de 18 biscoitos, mas eu consegui uns 25. 

Ingredientes:

  • 60g farinha de quinoa
  • 30g farinha de painço
  • 45g farinha de arroz integral
  • 50g aveia laminada ou flocos de quinua (usei meio a meio, pois era o que tinha)
  • 1/2 colh (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh (chá) flor de sal
  • 115g manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 110g açúcar mascavo
  • 1 ovo
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 100g de amêndoas ou nozes picadas grosseiramente (usei nozes)
  • 125g chocolate branco picado grosseiramente
  • 60g cranberries secas


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 190ºC. Forre duas assadeiras com papel manteiga ou silpat. 
  2. Numa tigela, combine as farinhas, aveia (ou flocos de quinua), bicarbonato, flor de sal.
  3. Na tigela da batedeira, bata a manteiga com o açúcar até que fique claro e cremoso.
  4. Junte o ovo e bata até ficar bem incorporado. Junte a baunilha e a mistura de farinha e bata em velocidade baixa (ou misture com uma espátula) até não ver mais farinha na mistura.
  5. Incorpore as amêndoas ou nozes, o chocolate e os cranberries.
  6. Coloque colheradas (colher de sopa) cheias de massa nas assadeiras, deixando uns 5cm de espaço entre os biscoitos para que espalhem. Amasse um pouco as bolas de massa, para que não fiquem altos demais (os meus espalharam bem pouco, tive de abrir a porta do forno e esmagar um pouco a primeira fornada com as costas de uma colher).
  7. Asse uma assadeira por vez por 14-15 minutos, ou até  que estejam ligeiramente dourados.
  8. Remova do forno e, com uma espátula, transfira os biscoitos imediatamente para uma grade. Frios e em pote fechado, mantêm-se bem por 1 semana. 

  










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