sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Seed-crusted CORN biscuits

Desde o bizarro soufflé de amaranto que eu tinha da sementinha na geladeira, esperando por um novo uso. Quando decidi que faria farinha das sementes para produzir os biscoitos salgados de Heidi Swanson, sabia que seria chato amassá-las no pilão, tanto quanto fora com a quinua, mas não fazia idéia de que seria impossível. Voltei as sementes para o pacote, frustrada, olhando para os outros ingredientes misturados e a pequenina fortuna gasta com sementes de nigella e papoula.

Mmmmmm... Pensa, pensa, pensa.

Cortei a receita pela metade, para não desperdiçar tanta comida caso tudo desse errado, substituí parte da farinha integral por farinha comum e a de amaranto por farinha de milho fina. Como acontecera com o soufflé, Heidi fizera mais propaganda das sementes polvilhadas sobre o biscoito do que elas de fato merecem. Mas, apesar do efeito dramático ser mais por conta do visual, os biscoitos ficaram saborosos e com certeza devem ser repetidos por sua facilidade e versatilidade, lembrando um pouco a textura de scones, mais do que cookies ou shortbread, como a receita sugere. Acredito que isso seja devido à pequena quantidade de manteiga.

O "plus a mais" fica por conta da estréia dos meus cortadores de biscoito! A única estranheza da receita é o fato de Heidi indicar que a receita inteira produz cerca de 18 biscoitos de 4cm de diâmetro, quando, com metade dela, eu produzi 25. Talvez tenha estendido a massa um pouco mais fina do que deveria. Será? De qualquer forma, prefiro-os assim, com essa cara de biscoitos para serem tomados com chá ou café, no meio da tarde.


SEED-CRUSTED CORN BISCUITS

(Adaptado do livro Super Natural Cooking, de Heidi Swanson)
Tempo de preparo: 15min. + 20min. de forno
Rendimento: 20-25 biscoitos


Ingredientes:
  • 1/2 xíc. de farinha de trigo tipo 00 ou 1
  • 1/2 xíc. de farinha de milho fina orgânica
  • 1 xíc. de farinha de trigo integral orgânica
  • 1 colh. (sopa) de fermento químico em pó
  • 3/4 colh. (chá) de sal
  • 1/4 de xíc. de manteiga sem sal gelada
  • 3/4 de xíc. de leite integral
  • 1 clara de ovo
  • 3 colh. (sopa) de sementes à sua escolha (usei as do livro: gergelim, papoula e nigella, mas acredito que erva-doce, alcaravia, cominho, entre outras, possam ser tão boas quanto)
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 220ºC e forre uma assadeira com papel-manteiga.
  2. Misture as farinhas, o fermento e o sal. Corte a manteiga em pedacinhos pequenos e junte-a às farinhas, esfregando entre os dedos até que tudo tenha a textura de uma farofa fina.
  3. Junte o leite e misture com um garfo até formar uma massa uniforme.
  4. Forme uma bola e achate-a sobre uma superfície levemente enfarinhada, abrindo com um rolo de massa até que tenha cerca de 1,5cm de espessura. Com um cortador de biscoito, uma carretilha de massa ou uma faca, corte biscoitos de cerca de 4cm de diâmetro. Junte as aparas, abra-as novamente e continue cortando até que toda a massa tenha sido usada.
  5. Coloque os biscoitos na assadeira, pincele-os com a clara de ovo e polvilhe as sementes por cima. Leve ao forno por 15-20 minutos, até dourarem muito ligeiramente. Retire-os com uma espátula e deixe que esfriem sobre uma grade.
[UPDATE: ignorância é fogo. A anta aqui achava que "biscuits" eram "biscoitos", quando na verdade são como scones. Não é a toa que a quantidade deu toda errada... Santa paciência...]

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Gosto se discute... exaustivamente.

Ando pensando muito nas questões do paladar. Minha mãe sempre foi boa cozinheira, ainda que nunca se aventurasse fora de seu mundo gastronômico já bem estabelecido. Comi, durante toda a minha vida, seu mesmo feijão com arroz, mesmo creme de espinafre, mesmo strogonoff, mesma lasagne, mesma caponata de berinjelas, mesmo bolo de liqüidificador. Foi só quando minha irmã e eu demonstramos algum interesse pela cozinha, que se começou a "inventar moda" por aqueles lados.

Minha primeira incursão na cozinha, como eu já falei por aqui outras vezes, foi com brownies, aos 11 anos, e talvez por isso mesmo seja obcecada por eles. O próximo prato foi uma sopa de cebolas francesa, gratinada no forno (uma de minhas favoritas). E daí fui para lasagne de massa verde com mozzarella de búfala, tomates e berinjelas, risotto de cogumelos, frango com molho de laranja (na época eu comia), vichyssoise, cheesecakes marmorizados e por aí foi. À parte alguns pudins de leite e molhos de tomate, minha mãe sempre vinha à cozinha com ares de preocupação e me perguntava porque eu não preparava algo mais simples, porque gostava de me complicar tanto. E enquanto alguns pratos eram sucesso com ela e meu pai, outros faziam toda a família torcer o nariz, e minha mãe dizia, sem jeito, que não era para seu paladar.

Depois que visitei a Itália (ai, que saudades...), as coisas só pioraram. Foram tortas piemontesas de alho-poró, alcachofras recheadas alla romana, ravioli de ricotta e menta, tortas della nonna (com pinoli), panna cotta com calda de chocolate, salada quente de folhas de beterraba... E me lembro de cada um desses pratos: dos que deram certo e dos que deram horrivelmente errado.

Quero acreditar que minha exploração alimentícia foi me conduzindo aos poucos a determinados sabores e texturas, mas não consigo deixar de levar em conta meu estranho gosto para sorvetes e doces quando ainda criança: enquanto minha irmã se esbaldava com sorvetes de uva ou chocolate, eu procurava nas geladeiras da antiga Brunella ou da Ofner, as cores pouco atraentes dos pistaches, das nozes e das ameixas secas. Ao menos o amor pelas frutas secas é algo que minha irmã compartilhava comigo, já que sempre fomos grandes defensoras do panettone tradicional, em detrimento das deturpações modernas, enjoativamente abarrotadas de chocolate. Tenho lembranças vivas do sabor dos biscoitos de passas que minha avó fazia e outro dia lembrei-me do gosto e da textura firme de um doce que, acredito, era feito com tâmaras ou figos secos; pequenos quadrados escuros passados no açúcar de confeiteiro, de que minha mãe se recorda mas não sabe a receita ou mesmo o nome. E é justamente esse tipo de coisa de que sempre gostei.

Adoro doces feitos com frutas secas, independente de quais sejam. Gosto de especiarias, gosto de frutas vermelhas, gosto de castanhas. Ainda que haja dias em que apenas brigadeiro resolva, prefiro um clafoutis de cerejas a um mousse de chocolate. E, muitas vezes, me pego alterando receitas para que se encaixem melhor em meu paladar, trocando pedaços de chocolate por cerejas cristalizadas, ou acrescentando alguma especiaria onde ela não existia. Mesmo as receitas mais populares no Brasil, como pudim de leite, prefiro fazê-lo pelo método tradicional, com ovos e leite, ignorando as versões com leite condensado, preferindo sabores mais suaves.

Ainda que, quando recebo convidados, tente não assustá-los com pratos demasiado diferentes, não foi apenas uma vez que notei um amigo ligeiramente desconfortável, empurrando seu risotto de radicchio ou seu clafoutis de pêssegos de um lado para o outro no prato. Não os culpo. Acredito que se deve experimentar de tudo, mas não condeno gosto pessoal. Não posso forçar ninguém a gostar de meu gargouillau de poires se o indivíduo só está acostumado a comer bolo de chocolate da Pullman.

E dizendo isso, não digo que um está certo e o outro errado. Apenas que é um cuidado que preciso ter, pois minha mãe tem de fato razão: eu gosto de complicar as coisas, e tenho um paladar muito "europeu", ainda que deteste o quão esnobe soa essa frase. Às vezes me esqueço disso, e erro muito a mão quando cozinhando para gente desavisada. Um bom exemplo disso é este último bolo aqui publicado, Il Moro; só depois me ocorreu que era melhor avisar que não era um bolo de chocolate para crianças, ou mesmo para adultos chocólatras, e sim um bolo de chocolate que se poderia esperar de uma avó italiana do século XIX, muito mais semelhante em textura e sabor aos bolos europeus de especiarias, do que a um bolo de chocolate de uma mãe brasileira.

Tentarei, então, ser mais cuidadosa por aqui e avisar quando um prato for um sucesso incontestável ou um gosto adquirido. Tenho certeza de que todos têm uma história de alguma receita que parecia fantástica pela descrição do autor, e, ao ficar pronta, revelou-se ótima... mas não para você. E ela fica ali, uma torta inteira, um bolo inteiro, um jantar inteiro, olhando para a sua cara, e você não quer chegar nem perto. Nada pior do que gastar fortunas em ingredientes e tempo na cozinha só para descobrir que você não divide com o autor da receita o mesmo entusiasmo por doces tradicionais de algum vilarejo perdido na Europa.

Cenouras gratinadas para variar um pouco



Resolvi tentar algo diferente ontem, e substituí por cenouras as batatas do gratinado que costumo fazer. Fatiei fino as cenouras e um dente de alho e levei ao fogo baixo com leite suficiente para cobrir, temperado com sal, pimenta e um ramo de tomilho, até que as cenouras estivessem parcialmente cozidas. Despejei a mistura em camadas em uma travessa untada com manteiga, temperando bem cada camada. Polvilhei muito parmesão por cima, cobri com papel alumínio e levei ao forno médio por 1 hora, retirando o papel no final e deixando que o queijo dourasse. Ficou bastante interessante.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A curiosidade matou o gato: minha cozinha fica mais charmosa em preto-e-branco

Detesto Big Brother e todo reality show a que assisto precisa necessariamente ser sobre comida. No entanto, se existe uma coisa que aguça meu lado voyeur é a cozinha alheia. Adoro conhecer as cozinhas das casas de amigos, olhar suas panelas, fuçar em suas gavetas de utensílios, ver o que eles têm na despensa.

Mesmo o lugar onde cresci, a casa de meus pais, continua sendo constante fonte de curiosidade, e minha mãe bem o sabe, pois a primeira coisa que faço ao entrar é abrir sua geladeira. Não sei por quê. Talvez busque alguma inspiração.

Quero saber o que os outros estão comendo, se há xícaras novas no armário, se alguém arranjou algum utensílio novo e utilíssimo que eu possa estar precisando sem nem saber, que livros estão sempre sobre a bancada.

Alguns lêem sobre a vida das celebridades. Eu vejo cozinhas em revistas de decoração. Imagino se pintaria a parede da mesma cor, o que eu faria com aquele espaço, como organizaria minhas quinquilharias naquele armário, imagino como seria cozinhar olhando por aquela janela, para aquela vista. Então, pressupondo que também existam outros curiosos querendo saber com que infraestrutura seu próximo prepara quitutes, compartilho aqui a minha cozinhazinha, minha cucinetta.

Um bolo feio para um prato bonito (UPDATED)

Há uma semana atrás, pedi pela internet um prato de bolo de cerâmica preta, estilosíssimo, que eu queria havia muito tempo. Ok, meu lado prático diz: casa pequena, coisas demais; você não precisa de mais uma tranqueira. Mas meu lado cozinheira (e possivelmente meu lado menininha cor-de-rosa sem noção, completamente suprimido por uma personalidade "tô nem aí") acha um horror não ter um prato decente para expor um bolo.

Quando o bendito chegou, entretanto, foi a decepção das decepções. A cerâmica era vagabunda e o prato viera todo riscado. Estava na cara que a pintura não duraria nem três esfregões com esponja macia. Fazer o quê? Devolvi e pedi meu dinheiro de volta.

Tendo testemunhado minha profunda frustração por causa do prato, minha mãe resolveu ser um doce (para não dizer "mãe do ano") e aplacar minha tristeza com um prato de bolo decente (mais do que decente) da Le Creuset. Lindo, vermelho como minha panela, com bordinhas para aparar caldas que escorrem e que ainda por cima pode ir ao forno. Não fiquei contente, não...

Para estrear o prato, resolvi preparar um bolo do tipo "dá certo sempre", para evitar maiores problemas, e um a que sempre recorro quando estou com preguiça de lavar louça, pois ele não suja mais do que uma tigela e uma colher. Recorri a um livrinho que adoro, que comprei em Verona, nem tanto pelas receitas mas (e é aí que a profissão toma conta) pelo projeto gráfico: Torte Rustiche Come Le Faceva La Nonna ("Bolos rústicos como fazia a vovó"). A carinha de caderno pautado de páginas amareladas, as ilustrações aquareladas, as receitas italianíssimas (e algumas austríacas, como Sacher Torte, Stollen e Apfelstrudel; vê-se que os autores eram do norte)... Como eu poderia resistir?

A primeira vez que fiz esse bolo foi ainda na casa de meus pais, e lembro-me de ter ficado surpresa com sua intensidade. Adoro também seu nome: Il Moro ("O Mouro"), que sempre faz com que me lembre de quando li Othelo pela primeira vez, e me deixa curiosa a respeito da época em que a receita foi criada. Todos os bolos, doces e tortas do livro são, segundo seus idealizadores, parte de uma compilação de vários cadernos de receita antigos e tradicionais, e por isso quase todas as receitas são bastante simples e podem ser feitas com apenas uma colher de pau, ou, no máximo, um liqüidificador. Nada de processadores, nada de etapas complicadas, nada de ingredientes exóticos. E é justamente essa característica tão doméstica que me atrai a esse livro específico, o que considero estranho, já que, em geral, fujo de receitas-lambança "feitas para a dona de casa". Tudo o que, sou obrigada a admitir, afasta-me da cozinha "doméstica" brasileira, me atrai à cucina casalinga... Não consigo evitar, e sei que para muitos é como dizer que não gosto de música brasileira.

Desvios à parte, este não é o bolo mais bonito que eu poderia produzir para estrear o prato, mas é, sem sombra de dúvida, o bolo de chocolate mais fácil do mundo. Como não havia laranjas, usei 1 colher de chá de água de flor de laranjeira, mas acho que ainda prefiro o frescor das próprias frutas, ainda que a flor de laranjeira tenha contribuído com um sabor ligeiramente exótico e, por que não, um toque ainda mais "mourisco". Transcrevo aqui a receita, traduzida, pois eu sinceramente duvide-o-dó que alguém encontre esse livro para comprar em outra língua que não o italiano.

IL MORO
(do livro Torte Rustiche Come Le Faceva La Nonna)
Tempo de preparo: 10 minutos + 20-25 minutos de forno
Rendimento: 8 fatias


Ingredientes:
  • 150g de farinha de trigo
  • 170g de açúcar cristal orgânico
  • 1 ou 2 pitadas de canela
  • 2 colh. (chá) de fermento químico em pó
  • 80g de cacau em pó (NÃO USE chocolate em pó)
  • casca ralada de 1 laranja
  • 100ml de leite
  • 1 ovo

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Unte e enfarinhe uma forma de bolo de 20cm, forrando o fundo com papel vegetal manteiga. Como o bolo leva muito cacau, ele tende a queimar mais rapidamente.
  2. Peneire os ingredientes secos em uma tigela, misturando-os bem. Junte a casca de laranja e o ovo e misture com uma colher de pau (esqueça aquela sua espátula delicada e use o utensílio mais bruto que tiver, pois a massa é um reboco!). Vá diluindo com o leite, até que fique homogêneo. A massa ficará espessa, escura e brilhante.
  3. Espalhe-a da melhor forma possível na forma, mas não se preocupe demais, pois ela preencherá a forma conforme esquentar. Leve ao forno. A receita original diz para deixar 30 minutos, mas aos 20 ele já dá sinais de estar pronto. Fique de olho e teste com um palito assim que a superfície estiver seca e inflada, pois o bolo precisa conservar certa umidade. Se o palito tiver ainda alguns indícios de massa, está pronto. Se estiver completamente limpo, passou. Ele ficará ainda muito gostoso, mas será um pouco seco. Desenforme, retire o papel do fundo do bolo e deixe esfriar sobre uma grade.
Já fiz esse bolo com sucesso em uma forma de bolo com furo no meio, bem pequena.

[UPDATE: Levei parte do bolo à minha mãe, e minha irmã fez um comentário pertinente: a textura lembra um pouco a de pão-de-mel. Não a agradou muito, pois, segundo ela, é um "bolo de chocolate que não tem gosto de bolo de chocolate". De fato, ele tem qualquer coisa que lembra a intensidade dos bolos de especiarias que europeus adoram fazer no natal. Claro, o livro sendo italiano, com receitas de avós italianas de verdade, não poderia se esperar um bolo com gosto de brasileiro. De qualquer forma, achei bom deixar isso muito bem avisado, para que ninguém saísse produzindo o bendito desavisado, achando que é um daqueles bolos que qualquer criança gosta. Ok?]

"Não gosto" não é desculpa

Desde que nos mudamos ouço do Allex "não gosto de mandioquinha; nem precisa fazer, que eu não vou comer". Eu, contudo, adoro mandioquinha. Mas até aí eu gosto de tudo. E lá veio a danada na cesta orgânica. Pobre Allex, pensei.

Como preparara arroz e feijão preto para o jantar, resolvi aproveitar a deixa para preparar as danadas. Mas não as queria de um jeito muito comum, ou Allex sequer as olharia. Era preciso um algo mais, um quê de exótico, que tornasse o tubérculo mais interessante aos seus olhos.

Folheando o livro de Nigella, Feast, encontrei uma receita de parsnips assados com maple syrup, e imediatamente soube o que fazer com minhas mandioquinhas.

Para duas pessoas, descasquei e cortei em palitos grossos 1 mandioquinha grande; cobri os palitos com água e sal e levei ao fogo até que elas estivessem macias, mas não se desmanchando. Escorri-as, e misturei-as a 3 colh. (sopa) de azeite de oliva e 1 colh. (sopa) de maple syrup, e levei a assadeira ao forno a 200ºC por cerca de 20 minutos, virando-as uma ou duas vezes, até que estivessem douradas e crocantes por fora.

O Sr. "Não Gosto De Mandioquinhas" confessou ter ido à cozinha surrupiar mais alguns palitos crocantes e adocicados após o jantar. Acabou tudo tão rápido, que nem foto deu para tirar.

Encerro meu caso.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Torta "Fui ver Waitress e fiquei morrendo de vontade de fazer torta"

Ontem finalmente consegui ver o filme Waitress, e tive, provavelmente, a mesma reação que todos os outros expectadores: corri para casa e fiz uma torta.

Há pontos positivos e negativos nessa receita inventada à la Jenna. Por um lado, os sabores realmente funcionaram (e não havia por que ser diferente). Por outro, a pressa e a distração quase puseram a torta a perder.

Havia pêras orgânicas na geladeira e um pote de mascarpone pela metade, e imediatamente soube que queria uma torta feita dessa mistura. Descasquei três pêras pequenas, retirei seus miolos e cozinhei-as em fogo baixo em 625ml de água e 150g de açúcar cristal orgânico, até que estivessem macias. Este é o primeiro ponto negativo: tive tanto medo de que as pêras desmanchassem, que não as cozinhei o suficiente, e elas ficaram mais firmes do que eu pretendia. Deixei que elas esfriassem no xarope enquanto preparava a massa.

Esta, por sua vez, foi tirada ipsis literis do livro Jamie At Home, com a única substituição de raspas de limão por noz-moscada. Adianto desde já que não gostei do resultado. Estou acostumada a produzir massas de torta muito leves e flocosas, e esta ficou dura como um biscoito, o que não era meu objetivo quando imaginei essa torta suave e macia. De qualquer forma, fiz metade da receita do livro e forrei com 2/3 da massa (o resto foi para o freezer) uma forma de 21cm. Assei-a no forno a 180ºC, forrada com papel alumínio e feijões por 15 minutos e depois terminei de dourá-la, sem os feijões e o papel, por mais 10 minutos. Retirei-a da forma e deixei que esfriasse sobre uma grade, para que eu aplicasse o recheio.

Em uma tigela, misturei a cerca de 150g de mascarpone 3 colh. (sopa) de açúcar baunilhado, 2 colh. (chá) de aguardente de pera, 1 colh. (chá) de leite e uma pitada de noz-moscada, até que o creme ficasse homogêneo e acetinado. Apliquei essa mistura sobre o fundo da torta fria, espalhando bem. Então fatiei as pêras e as dispus de forma um pouco displicente sobre o mascarpone.

Aí entra a distração que causou o erro no julgamento. A torta estava pronta, e poderia ir à geladeira ou à mesa. No entanto, eu não estava satisfeita com o aspecto pálido das frutas, e queria que elas tivessem as pontas mais coradas. Se tivesse um maçarico e boa pontaria, teria resolvido isso rapidamente, carmelizando apenas as pêras e deixando o creme (que jazia por baixo das fatias de fruta, devidamente escondido e protegido) intacto. No entanto, polvilhei açúcar por cima e coloquei a torta sob o grill do forno, apenas para me dar conta de que as pêras jamais caramelizariam sob o grill tão rapidamente a ponto de não interferir na textura do creme, pelo simples fato de terem sido cozidas, e precisarem de tempo para perder toda a água absorvida até que só restasse o açúcar a ser queimado. Além disso, esqueci-me do fato de que a equação fruta+açúcar+calor geraria um xarope indesejado, que tornaria o queijo aguado. A mistura do queijo, antes firme, de repente não suportava mais o peso das frutas, que afundaram, colocando a perder a minha trabalheira de tentar construir alguma forma geométrica visualmente agradável com três pêras de formatos tão variados.

Na hora de servir, fiquei decepcionada com justamente esses atributos, mas só hoje, depois de uma noite na geladeira, seu sabor suplantou seus defeitos e me arrependi de ter falado tão mal dela ontem ao meu convidado.

É uma torta a ser repetida com certeza, mas com pêras muito bem cozidas, sem a parte do grill e com uma massa melhor.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Risotto de alho-poró e mascarpone

O vício em risotto sempre fala mais alto quando me falta inspiração para fazer qualquer outra coisa com um legume.

Para 300g de arroz arbóreo, refoguei no azeite 2 ramos de tomilho, 1 dente de alho e 1/2 cebola picados até amaciar, juntei 2 alhos-poró médios fatiados fino e deixei que amaciassem e ficassem translúcidos, sem dourar. Acrescentei o arroz e prossegui normalmente, com caldo de legumes. Quando risotto estava no ponto, juntei um naco generosíssimo de manteiga, um punhado igualmente exagerado de parmesão ralado na hora, pimenta-do-reino e o toque final: 2 colheres (sopa) cheias de queijo mascarpone trazido diretamente da Itália pela cunhada.

Barriga cheia e paladar satisfeitíssimo.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Terror de ontem, delícia de hoje

Coisas como gibis contribuíram para a formação de meu preconceito infantil contra legumes como o quiabo. Afinal, sempre que se coloca em uma história infantil algum alimento que a criança, dentro do contexto da trama, deva achar nojento, é sempre quiabo ou jiló. Por isso, detestava quiabo sem nunca tê-lo provado. E olha que eu era uma criança razoavelmente aventureira.

Demorei cerca de 23 anos para provar meu primeiro quiabo, e só porque minha mãe me garantiu que sua técnica o livrava da "baba". Bom, foi amor à primeira mordida, e me arrependi por ter demorado tanto tempo para me desfazer do preconceito.

Fiquei pensando o quanto o coitado do quiabo não sofre simplesmente pelo modo como é descrito. Se fosse dito que o legume tem o centro gelatinoso, isso seria mais ou menos repulsivo do que dizer que ele possui "baba"?

Acredito piamente no amadurecimento do paladar de um ser humano, e acho que isso está diretamente relacionado ao amadurecimento em geral de um indivíduo. Quando era pequena, coisas como espinafre e escarola faziam com que eu torcesse o nariz e cruzasse os braços à mesa, e ria quando meus pais diziam que começaria a gostar de coisas amargas quando ficasse adulta. De fato, as pessoas crescem e surgem um milhão de oportunidades de se experimentar novamente ou pela primeira vez algo que era um terror de infância, e, a não ser que haja algum episódio traumático relacionado, dificilmente obtém-se o mesmo veredito.

Sendo sincera, tenho uma cisma violenta com adultos que têm paladar de criança. Gente com mais de 20 anos na cara que se recusa a sair da tríade arroz, bife e batata-frita me dá verdadeiros calafrios, e normalmente não consigo conversar com uma pessoa que se recuse a experimentar qualquer coisa de nova. Parece-me falta de confiança no outro. Quando meus pais diziam "experimenta que é gostoso", eu confiava neles. Não prometia gostar da coisa, mas pelo menos tentaria, pois meus pais nunca mentiriam para mim ou tentariam me envenenar. Já ouvi calamidades na minha própria casa quando uma convidada fez cara de nojo para um pão recheado com molho pesto, simplesmente pelo recheio ser verde. Pode uma pessoa destas? Deveria ou não ter abandonado o bom senso e chutado a mulher para fora do prédio??

De qualquer forma, não preciso dizer para ninguém que hoje espinafre e escarola estão entre minhas verduras favoritas.

Quando recebi o quiabo na cesta orgânica, fiquei feliz, pois, apesar de gostar dele, acho que o marido jogaria uma tigela na minha cabeça se eu saísse especificamente para comprar algo que ele (de novo, ai, ai) não gosta. Usei como base algumas receitas árabes (o pessoal naquela parte do mundo sabe o que é bom e come muito quiabo) e as dicas maternas (o vinagre é a peça-chave), e o resultado não decepcionou. Allex nem provou ainda, mas acho que, desta vez e apenas desta vez, vou poupá-lo. Desde que o conheci até que ele tem sido muito colaborador, e tem experimentado de tudo, mesmo quando me garante de pé junto que não consegue nem ficar na mesma sala que a comida em questão.

Sem problemas. Fica tudo para mim, acompanhado de uma salada de alface e lentilhas verdes ao curry.

Quanto ao jiló, ainda não tive chances de experimentar. Quem sabe ele não vem um dia na cesta?

QUIABO (sem baba) DO MEU JEITO
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 3-4 porções como acompanhamento


Ingredientes:
  • 400g de quiabo
  • 1/2 cebola fatiada fino
  • 1 dente de alho fatiado fino
  • 1 colh. (sopa) de azeite
  • 1/2 colh. (sopa) de vinagre branco suave (de Champagne)
  • 1 pitada de açúcar
  • sal e pimenta-do-reino
  • 1 punhado de salsinha picada

Preparo:
  1. Corte fora as duas extremidades dos quiabos. Corte-os em pedaços de 2-3cm e os coloque em uma tigela. Lave em umas 3 trocas de água e escorra.
  2. Em uma panela ou frigideira funda, aqueça o azeite e doure a cebola e o alho em fogo baixo, até que fiquem macios e ligeiramente dourados. Junte o quiabo, mexendo bem, por cerca de 5 minutos.
  3. Coloque água suficiente para quase cobri-los, salgue bem, tempere com pimenta e junte o açúcar e o vinagre. Mexa e deixe ferver em fogo baixo até que os quiabos estejam cozidos. Junte mais água se necessário.
  4. Escorra, acerte o tempero, polvilhe com a salsinha picada e sirva quente ou frio.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

VÍTIMAS CULINÁRIAS 4: cookies sensacionais para o mais analfabeto dos cozinheiros

Uni agradavelmente minha recente vontade de fazer cookies ao apetite de meus colegas de corrida. Eu lhes prometi que levaria quitutes amanhã, e me pus logo a procurar uma receita de cookies que superasse a última batelada que lhes levara. Fui a meu livro mais confiável e a foto (a única de todo o capítulo) dos Double Chocolate Macadamia Chunk Cookies me conquistou com sua cor castanha intensa pontilhada de branco e dourado. Fiz muito poucas adaptações à receita, de acordo com o que havia na despensa e com meus caprichos.

Estes são sem sombra de dúvida os cookies mais deliciosamente intensos, e ao mesmo tempo mais ridiculamente fáceis que já provei. A massa feita de muito chocolate amargo derretido e cacau em pó fica escura, intensa, macia, derretendo na boca. O que lhe adiciona profundidade e um toque extra de doçura são, respectivamente, as castanhas de caju sem sal e o chocolate branco, crocantes. Com certeza encontrei um novo favorito.

No que se refere à produção, que tal fazer cookies que não requerem nem batedeiras nem braços fortes? Basta uma colher. É inclusive aconselhável que não se misture demais a massa. Podia ser mais fácil? Esses são os doces perfeitos para um cozinheiro de primeira viagem ou para crianças. Mas peço encarecidamente para que sejam usados ingredientes de qualidade: um chocolate tipo cobertura que não tenha cacau suficiente pode deixar o cookie doce demais. Mas, até aí, há quem goste de qualquer coisa.

Os biscoitos já estão devidamente guardados, esperando para serem devorados amanhã de manhã. E azar de quem faltar no treino...

COOKIES DE CHOCOLATE COM CASTANHAS DE CAJU
(Ligeiramente adaptado do livro Professional Baking)
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 30 cookies de 5cm de diâmetro


Ingredientes:
  • 250g de chocolate amargo com 50% de cacau
  • 85g de manteiga sem sal
  • 45g de açúcar cristal orgânico
  • 1 ovo extra-grande orgânico
  • 2 pitadas de sal
  • 125g de farinha de trigo
  • 10g de cacau em pó de qualidade (NÃO use chocolate em pó)
  • 3g de fermento químico em pó
  • 95g de chocolate branco de qualidade picado (que tenha como única gordura a manteiga de cacau)
  • 45g de castanhas de caju SEM SAL picadas
Preparo:
  1. Derreta o chocolate amargo e a manteiga em banho maria e reserve.
  2. Misture em uma tigela grande o ovo, o açúcar e o sal, apenas até que fique homogêneo. (Não deixe que espume, ou o cookie crescerá muito e ficará esfarelento demais.) Junte o chocolate derretido e misture.
  3. Peneire a farinha, o cacau e o fermento e misture ao chocolate, incorporando bem. Junte as castanhas e o chocolate branco e mexa até que fiquem bem espalhados na massa, que parecerá um pouco com massa de brownies.
  4. Forre uma assadeira bem grande com papel-manteiga e, com a ajuda de uma colher de sopa, disponha os pedaços de massa, uns 3-4cm distantes umas das outras. Você pode fazê-los menores, com uma colher de chá. Faça isso rapidamente, pois a massa endurece conforme passa o tempo.
  5. Com as costas de uma colher ou o socador de um pilão, pressione ligeiramente os pedaços de massa para que fiquem com 1cm de altura. Leve ao forno pré-aquecido a 180ºC por 15 minutos (10 minutos, de os biscoitos forem menores).
  6. Retire do forno. Os biscoitos parecerão secos na superfície, sem aquele aspecto brilhante de massa crua, mas estarão bastante moles. Deixe-os na assadeira por 5 minutos (longe de correntes de ar, pois elas podem rachar os cookies) e então retire-os cuidadosamente com uma espátula fina de metal, deixando que terminem de esfriar sobre uma grade. Quando frios, guarde-os em um pote fechado hermeticamente.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails