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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Verão, refeições colaborativas, cozinhando sem me dar conta

Basler Leckerli depois de cortado.


Ah, o verão.

Esse bafo quente do inferno.
Esse ar parado onde só se movimentam mosquitos.
Essa vontade de me jogar no sofá em frente ao ventilador e permanecer ali até a noite chegar.
Esse asfalto quente que queima as patas do cão quando a gente sai pra passear.
Esse sol escaldante que torra a nossa nuca enquanto a gente tenta ler no parquinho que não tem sombra.
Essa chuva à tarde que frustra todas as minhas tentativas de levar as crianças pra passear na cidade.
As moscas.

Ah.

O verão.

Dezembro passou num piscar de olhos e com alívio. Natal e Reveillon com a família foram muito muito bons, mas parece que mesmo não mexendo minha busanfa para fazer ceia nem nada, ainda assim os compromissos, o trânsito caótico de São Paulo e o preço das cerejas deixa você meio que em estado irritadiço e ansioso o tempo todo. Quando você se dá conta, está de férias há um mês, mas parece que alguém esqueceu de avisá-lo disso, pois você nem passeou nem descansou durante esses trinta dias que passaram voando.

Aquela velha rotina de infindáveis receitas de Natal durante Dezembro com certeza não existiu por aqui. Concentrei mais meu tempo em ficar com as crianças e colocá-las para me ajudar na cozinha do dia-a-dia propriamente dita.

Para não dizer que não fiz NADA-NADA especial para Natal e Reveillon, fiz sim. Coisas bem simples e muito poucas.

Fiz ESSES BISCOITOS de canela da Martha Stewart para dar às professoras no último dia de aula. No fim das contas, as crianças acabaram se animando e correram para escolher os cortadores. Para minha surpresa, eles foram extremamente cuidadosos e organizados, e os biscoitos saíram perfeitos. Tanto, que pensei que as professoras não acreditariam em mim quando dissesse que eles os haviam feito. :P

Também fiz, a pedido do marido, e novamente com a ajuda da pimpolhada empolgada, os Spekulatius de sempre, receita AQUI NO BLOG.

Esse ano combinamos de só dar presentes para as crianças. Mas como minha sogra e meus pais se encarregaram da ceia, e eu não queria ir assim tão de mãos vazias, resolvi fazer um biscoito suíço chamado Basler Leckerli, do livro Minha Cozinha em Berlim, da Luisa Weiss, que fora presente de Natal de minha sogra há uns bons anos atrás, e foi um dos livros que mantive por ter algumas receitas alemãs que eu ainda queria testar - essa entre elas. Os biscoitos, que com o passar dos dias vão ficando mais sequinhos e crocantes, e que meus filhos chamaram de "biscoito de balinhas", por causa das frutas cristalizadas coloridas, para mim tinham gostinho bom de panettone, e foram embalados e dados de presente para a família na noite do dia 24.

Basler Leckerli antes de separar.


BASLER LECKERLI
(Do livro Minha Cozinha em Berlim, de Luisa Weiss)
Rendimento: cerca de 40 biscoitos de 2,5cm

Ingredientes:
  • 3/4 xic mel
  • 1/3 xic açúcar + 1 colh (sopa)
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 2 1/2xic. farinha de trigo
  • 2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 ovo grande
  • raspas da casca de 1 laranja orgânica
  • raspas da casca de 1 limão-siciliano orgânico (usei taiti)
  • 1/8 colh(chá) noz moscada ralada
  • 1/8 colh (chá) cravo em pó
  • 1 1/2 colh(chá) canela em pó
  • 2/3 xic. (rasa) de amêndoas sem pele, bem picadas
  • 3/4 xic.casca de laranja cristalizada, bem picada (ou substiua as duas cascas cristalizadas pelas mesmas quantidades de frutas cristalizadas sortidas, como eu fiz)
  • 3/4 xic. casca de cidra cristalizada, bem picada 
  • 1/4 xic. açúcar de confeiteiro
Preparo:
  1. Numa panela em fogo médio, derreta o açúcar, mel e sal e passe a mistura para uma tigela. deixe esfriar. 
  2. Aqueça o forno a 190oC. Em outra tigela, peneire a farinha e o fermento.
  3. À mistura de mel, junte o ovo batido, as raspas, as especiarias e 2/3 da farinha. Misture bem enquanto acrescenta as amêndoas e as frutas cristalizadas. Junte o restante da farinha e misture. A massa fica bem dura.
  4. Forre uma assadeira grande (50x30cm) com papel-manteiga ou silpat. Unte as mãos e aperte a massa na assadeira, espalhando, até que fique com pouco menos de 0,5cm de espessura e mais ou menos uniforme. 
  5. Coloque a assadeira no forno e asse por 15 minutos. Abaixe o fogo para 175oC e asse por mais 10 minutos ou até que esteja dourada e ligeiramente inchada. Cuidado para não queimar embaixo. 
  6. Quando a massa estiver quase pronta, prepare o glacê. Numa panela, em fogo médio-alto, coloque o açúcar de confeiteiro e 2 colh (sopa) de água. Cozinhe até que a água tenha evaporado e o glacê esteja formando bolhas grandes. Ainda deve estar mais líquido que grosso, para poder espalhar. 
  7. Retire a massa do forno e imediatamente cubra com o glacê, usando um pincel para ajudar a espalhar. 
  8. Imediatamente corte a massa em quadrados de 2,5cm, sem retirar da assadeira. (Se estiver usando um silpat, use uma espátula ou um raspador de pão, pois uma faca pode danificar o silpat.) Deixe esfriar até temperatura ambiente. Então separe os quadradinhose guarde em um pote hermético por até 2 meses.
Aliás, continuo mandando embora meus livros de cozinha, e às vezes, quando surge um arrependimento, uma receita que eu queria mas não tenho mais, corro para a internert, onde tenho redescoberto alguns blogs. Nisso, reencontrei o Wednesday Chef, da Luisa Weiss, e descobri que ela fizera um livro inteirinho de baking da Alemanha que parece puro amor. Confesso que me deu um comichão imenso para comprar o livro, mas me refreei, pelo menos por enquanto. O processo é de "down sizing" e economia, então não convém botar nada de novo na casa que não seja absolutamente necessário. Ao invés disso, resolvi testar as receitas do livro que encontrei disponíveis por aí net afora. Na própria página da Amazon, fiquei namorando a foto dos pãezinhos em forma de croissants, cobertos de sementes de papoula, mas a única página que se podia visualizar era a dos ingredientes. Sem problemas, pensei. Pelos ingredientes deduzi como deveria ser o preparo, e assim fiz os danados, que nada mais são que pãezinhos de leite que se enrolam como os croissants e se cobrem de sementes. Uma delícia e muito fáceis, presumindo que o preparo dela era o mesmo que o meu... ;)

MOHNHÖRNCHEN
(adaptado do livro Classic German Baking, de Luisa Weiss)
Rendimento: 10-12 pãezinhos

Ingredientes:
  • 2 colh(chá) fermento biológico seco
  • 3 colh(sopa) açúcar
  • 1 colh(chá) sal
  • 3 colh(sopa) manteiga, derretida
  • 1 xic. + 2 colh(sopa) leite morno (ou temperatura ambiente se o dia estiver quente)
  • 1 ovo
  • 500g farinha de trigo
 (cobertura)
  • 1 gema de ovo
  • 1 colh (chá) leite
  • 1-2 colh (sopa) sementes de papoula
Preparo:
  1. Numa tigela grande ou na tigela da batedeira planetária, dissolva o fermento e o açúcar no leite morno e deixe espumar por uns 5-10 minutos.
  2. Junte o sal, a manteiga, o ovo e a farinha e misture bem até formar uma massa. Sove por 5-10 minutos, à mão ou com o gancho da batedeira, até que ela fique lisa e elástica
  3. Forme uma bola, coloque numa tigela untada e cubra com filme plástico.  Deixe fermentar por 1 hora ou até que dobre de tamanho.
  4. Abra a massa com um rolo numa superfície ligeiramente enfarinhada, até obter um retângulo de mais ou menos 50x20cm. Corte 10-12 triângulos (use as sobrinhas da massa para abrir novamente em forma de triângulo). Como com croissants, segure as duas pontas da lateral mais estreita do triângulo e puxe um pouco para fora, fazendo orelhas. Então comece a enrolar em direção à ponta, apertando para que o rolinho fique compacto. Coloque numa assadeira forrada de papel manteiga ou silpat, com a pontinha enrolada para baixo (para que não se abra durante o cozimento) e entorte as pontas externas para que fique curvo como uma meia-lua. Repita com os triângulos restantes. 
  5. Cubra com um pano de linho ou coloque a assadeira dentro de uma sacola plástica grande e deixe fermentar por mais 45 minutos ou até que os crescentes dobrem de tamanho novamente. 
  6. Pré-aqueça o forno a 205oC. 
  7. Misture o ovo e o leite da cobertura num potinho. Pincele a mistura em todos  os pãezinhos e polvilhe com as sementes. Leve ao forno por cerca de 25 minutos, ou até que estejam dourados e emitam um som oco quando lhes bater os nós dos dedos na parte debaixo. Retire-os da assadeira e deixe que esfriem sobre uma grade. Depois de frios podem ser congelados dentro de sacos plásticos ou se mantém frescos de um dia para o outro, bem envoltos num pano de prato. 
Mas ainda para o Natal, a noite do dia 24 fora responsabilidade dos outros, mas o almoço do dia 25 foi a bagunça daqui de casa. Minha irmã me pedira encarecidamente pela PASTINHA DE FIGO SECO E AVELÃS que ela pede todo ano desde aquele almoço de Natal há um milhão de anos, e que, tendo encontrado ambos mais baratinho num mercado de São Paulo (porque onde moro você tem que vender um rim para comprar castanhas e frutas secas), resolvi fazer.

Minha mãe trouxe uma carne de panela da minha infância, um lagarto fatiado fino e comido frio, sempre ótimo pro bafão quente de verão, e eu acompanhei com o clássico Orecchiette al forno do Jamie Oliver que é sempre bom e uma torta de alho poró muito simples da Tessa Kiros, do livro Twelve, que foi devorada. O bom tanto do prato de massa quanto da torta é que eu pude preparar no dia anterior. Então no dia 25 mesmo, pude acordar com calma e me concentrar apenas em deixar a casa em ordem e passar maquiagem o bastante para cobrir a cara de ressaquinha. ;)

Meu pai havia dito que traria casquinha de siri de entrada, um clássico familiar que em tempos difíceis fora feito até com atum em lata, e o que era para ser uma entradinha meio que virou almoço, e todos comemos tanto que quase não sobrou espaço para o almoço de fato.

Quando chegou a hora da sobremesa, já era quase hora do jantar, na verdade. Eu preparara um repeteco de um SORVETE DE LIMÃO simples e refrescante (sorvete é sempre bom de fazer, porque você pode fazer com uma semana de antecedência e ficar sossegada até o dia do evento) e era para ser apenas isso. Não tivesse eu no dia anterior tido um siricotico e resolvido de última hora preparar uma receita de brownies de cappuccino de uma revistinha de Natal da Martha Stewart. Eu adoro aquela revistinha específica e acho que já fiz quase todas as receitas dela. Lembrava desse brownie, que eu jurava que tinha vindo parar no blog, e o que me lembrava era de que ele tinha ficado bom mas meio sequinho. Então resolvi mexer na receita. E troquei metade do açúcar orgânico branco pelo mascavo, para trazer tons de caramelo ao sabor e deixá-lo mais "fudgy". Também omiti as gotas de chocolate. E usei chocolate 80% (tenho usado da marca Casino, do Pão de Açúcar) no lugar do unsweetened. Mas acho que o pulo do gato foi a forma. Da primeira vez que fiz, usei minha forma de alumínio quadrada de 20cm, que eu nunca forro porque tem fundo removível. Desta vez, usei minha forma de vidro quadrada de 21cm e forrei com papel manteiga. Não parece muita coisa, mas o brownie ficou mais fino e não secou tanto. O resultado foi maravilhoso. Tomei cuidado de tirar do forno ainda molinho no meio, e os brownies ficaram perfeitos, dignos de infinitos repetecos. :) Receita AQUI.

No Reveillon, meu pai preparou um belo pernil assado para fazermos sanduíches. Foi todo um exagero em que todos da família trouxeram comida e acabou que no fim da noite não houve uma pessoa sem uma quentinha embaixo do braço cheia de sobras gostosas. Sobrou tanto pernil aqui em casa que ele rendeu diversas refeições. No dia primeiro do ano foi sanduíche no almoço e jantar, pois ainda tinha muito pão e muito vinaigrette do meu pai. No dia 2, refoguei um pouco de cebola, gengibre, cebolinha e pimenta fresca em óleo de gergelim, juntei o pernil desfiado e arroz branco de transantontem, temperei com um pouco de vinagre de arroz e shoyu e comemos esse stir-fry muito bom acompanhado de uma saladinha de repolho roxo, cenoura, cebolinha e amendoim torrado. O restante do pernil já havia sido desfiado e incorporado a um molho de tomate com alecrim e louro, e esse ragù rápido foi congelado em 3 porções generosas para ser comido depois, com pappardelle feito em casa ou polenta quentinha. Isso porque eu já congelara o pernil desfiado ano passado, e ele queimara e estragara. Envolta em molho, não há chance da carne queimar de frio.

Os ossos do pernil foram para o Gnocchi, claro, que se esbaldou.

Como todos voltariam dirigindo tarde da noite do Reveillon aqui em casa, pensei numa sobremesa diferente, para dar uma acordada no povo. Nesse calor dantesco, sorvete parecia o mais apropriado outra vez: por ser refrescante e por ser prático de fazer - de novo eu poderia fazer com antecedência. Fiz um SORVETE DE CHOCOLATE REPETIDO DAQUI a pedido das crianças, mas para os motoristas de plantão, o escolhido foi uma GRANITA de café bocoió de fácil, que apesar dos olhares desconfiados de todo mundo, acabou sendo sucesso... até com os pimpolhos! O segredo da granita de café, além de usar café saboroso e forte, é servir com chantilly batido na hora e com quase nada de açúcar, pois a granita já é surpreendentemente doce. O chantilly cremoso é um contraste delicioso aos cristais de gelo da granita, e não houve um só comensal que não tenha sentindo o PUNCH! do café na madrugada.

GRANITA DE CAFÉ
(do livro The Perfect Scoop, do David Leibovitz)
Rendimento: ele diz que dá tipo 6 porções, mas acho que nessa quantidade da foto serve 8-10 pessoas)

Ingredientes:
  • 4 xic. (1 litro) de café espresso ou café bem forte ainda quente
  • 1 1/2 xic. (300g) açúcar

Preparo: 
Dissolva o açúcar no café quente, mexendo com uma colher até que desapareça. Despeje numa assadeira de 20x30cm e bordas altas e leve ao freezer tomando mais cuidado do que eu tomei: fui empurrar a assadeira no freezer, o café balançou lá dentro e derramou no chão do freezer e eu tive de ficar limpando aquela joça naquele calorão de 35oC, torcendo pra tudo lá dentro não derreter enquanto isso. Bom... Deixe 1 hora no freezer. Retire, misture ou raspe com um garfo e leve de novo ao freezer. Vá checando a cada meia hora ou a cada hora, e raspando com o garfo. Vai depender da potência do freezer. Você vai fazer isso acho que umas seis vezes até obter aquela boa consistência de raspadinha. Pode parar e deixar no freezer até a hora de servir. Pronto. Bocoió de fácil. 


No fim, em Dezembro eu descobri que toda aquela alegria das férias de inverno era provocada pelo... inverno. E que no calorão eu realmente não estou afim de brincar de pega-pega ou ficar três horas debaixo do sol no parquinho. Quando mais nova eu brincava que minhas células eram fotovoltaicas, e eu só funcionava em dia de sol. Aparentemente meu organismo evoluiu para sistemas mais avançados e sensíveis e eu claramente preciso de refrigeração para meu melhor funcionamento.

Produtividade zero no verão.

Janeiro portanto começou com as crianças indo passar uns dias na casa da avó. Eles não aguentavam mais olhar para a cara da mãe e essa mãe aqui aproveitou a tranquilidade para... descansar? Não. Trabalhar, que graças à boa vontade do universo esse ano o trabalho promete voltar ao ritmo normal, e fechei três encomendas diferentes durante as festas. Ieeeei!

Antes de a pimpolhada se jogar nos braços dos avós que levam pra tomar sorvete todo dia, mamãe preparou waffles de ano novo para a criançada. A boa e velha receita de sempre, fofinha por dentro, crocante por fora, de quem, de quem? Da Tessa Kiros. Eu jurava que essa receita estava no blog, mas aparentemente foi só para o facebook na época em que eu ainda usava aquela joça. Então deixe-me corrigir isso:


WAFFLES
(do livro Apples for Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:
  • 2 ovos, separados
  • 1/3 xic. açúcar (uso o baunilhado e omito a baunilha depois) 
  • 1/2 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 4 1/2 colh (sopa) manteiga, derretida
  • 3/4 xic. leite
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
Preparo:
  1. Numa tigela, bata com um fouet as gemas e o açúcar até que fique homogêneo e claro. 
  2. Junte a baunilha e a manteiga derretida e misture bem.
  3. Junte o leite e quando estiver incorporado, a farinha e o fermento. A massa ficará espessa. 
  4. Bata as claras em neve e incorpore à massa anterior. Aqueça o ferro de waffle e asse cerca de 1/3 xic. por vez. Rende o bastante para uma família de quatro gulosos se esbaldar. 
Pimpolhada continuou no bom e velho maple syrup trazido da Califórnia pela titia Maria Rosa, e eu bati um pouco de chantilly com pouco açúcar e comi meus waffles quentinhos com minha compota de cereja, feita com as cerejas que ganhei de Natal da minha mãe, que sabe do que eu gosto. :) Lembrei imediatamente da viagem a Amsterdam, há tanto tempo, e dos waffles servidos da mesma forma que comi por lá. Delícia.

Daí que no meio da correria louca de dezembro, cada evento pareceu parar um pouco o tempo e durar o bastante para aproveitarmos. Cada um fez um pouco e ninguém ficou (muito) cansado, e acho que esse foi o melhor Natal e Reveillon que tivemos nos últimos anos. Foi um fim de ano caloroso e feliz, cheio de muita comida gostosa.

Acho também que preciso editar esse post e rever aquela frase lá em cima. Que para alguém que disse que não faria nada para o Natal, e que disse que preparara pouca coisa simples, fiquei besta com a quantidade de links para receitas que tive de inserir no meio do texto. Sem a pressão de PRECISAR fazer um monte de comida, acho que fui fazendo e nem me dei conta.

E vamos para 2017 então.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

De uma abóbora, de um churrasco

Uma bruschetta de abóbora feita na grelha. 
Naquele fim de semana de feriado havíamos combinado de relaxar. Marido acenderia mais uma vez a churrasqueira para usarmos o que sobrara de um evento anterior, tomaríamos uma cerveja das nossas, uma Chocolate Stout que dera muito certo, e deixaríamos as crianças brincarem na piscininha de plástico montada no quintal, para aproveitar o que prometiam ser os últimos dias de calor antes de o Outono já bem atrasado emplacar.

Mas o marido, infelizmente, precisou ir a um enterro de um familiar de amigos nossos.

Ele saiu cedo, enquanto eu passeava o cachorro. Laura acelerava no patinete azul pelas ruas, e Thomas parava nos terrenos baldios, colecionando galhos da minha altura como um pequeno caçador buscando fazer uma fogueira para assar um alce inteiro. Seus dedos se esverdeavam com o líquen que esfarelava dos galhos enquanto ele os movimentava, dando vida a cada um deles, seus dragões de combate, com asas imensas, caudas compridas e habilidades as mais variadas.

Voltamos para a casa vazia, sentindo o sol das nove horas já quente sobre os ombros, e tão logo Laura presenteou Gnocchi com um biscoito, Thomas girou sobre os calcanhares e pediu: Vamos ao parquinho!

Fomos. Novamente apanhei meu livro e caminhamos ladeira acima até o parquinho ensolarado, onde outra vez pude chafurdar meus pés na areia sob os balanços e observar a brincadeira silenciosa dos dois enquanto lia sobre aventuras parisienses. Às vezes desviava os olhos das páginas para ver Laura empoleirada no topo de um brinquedo de madeira, testando seus limites. Em outros momentos, largava o livro aberto para empurrá-la no balanço, mais alto, mais alto até ela acreditar que poderia tocar os dedinhos dos pés nos galhos das árvores. Enquanto isso, Thomas continuava mergulhado no mundo dos dragões feitos de galhos que invadem castelos de areia defendidos por pedras que ele colecionara no caminho. Ele erguia a cabeça de seu universo de vez em quando para chamar minha atenção e me fazer assistir a uma batalha épica entre inimigos mortais.

Passou-se uma hora. Ou duas. Ninguém sabe. Eu não tivera notícias do marido, mas acreditava que ele voltaria para o almoço e achei que poderia já deixar tudo preparado.

Voltamos para casa, areia nos pés, nos cabelos, pele quente, como quem volta da praia. Sunguinha e biquini e crianças na piscininha.

Olhei para a churrasqueira. Ela olhou de volta com ares desafiadores. Desde que lera Cooked, do Michael Pollan, em que ele apontava o fato de que churrasco parecia ser universalmente um campo da cozinha relegado aos homens, eu andava com vontade de aprender a pilotar a churrasqueira. Sabe como é. Controladora como sou, não gosto de depender de ninguém, e é da minha natureza gostar de aprender coisas novas.

Allex já me ensinara os macetes uma vez, mas fora aquele meu churrasco supervisionado, eu nunca mais me aventurara realmente sozinha.

Montei uma mesa com algumas castanhas e pepinos fatiados para as crianças, rasguei o saco do carvão e saltei para o precipício.

A churrasqueira foi resistente. Ela parecia não apreciar a configuração de carvão que eu criara e demorou bem uns vinte minutos e umas quatro tentativas para então render-se a minhas mãos femininas e permitir que aquele fogo crepitasse como se deve. Não contive uma pequena dancinha de satsisfação.

Minha dancinha é interrompida por um recado do marido, dizendo que vai ficar por lá dando apoio aos amigos, o que considero apropriado.

Bom...

O fogo está aceso. As crianças estão contentes.

Churrasco de menina, então. ;)

Entrei para apanhar uma cerveja e uma abobrinha em fatias finas e ri de meu reflexo na janela, aquela mulher meio descabelada, de avental florido e pó de carvão tão uniformemente espalhado por meus braços e rosto que eu parecia ter saído de uma mina.

Coloquei as abobrinhas na grelha para testar o fogo. Pois sempre que Allex acende o fogo, é isso que faço: uso as labaredas mais altas para grelhar as abobrinhas, e quando elas estão prontas, o calor está bom para entrarem os primeiros espetos de queijo-coalho.

Alegro-me em ver as fatias verdes ganhando marcas negras no tempo certo, e da grelha elas vão direto para uma tigela com azeite, alho picado, sal, pimenta-do-reino e ervas frescas, para marinarem e absorverem os temperos. Não pretendo servi-las naquele momento. Ao invés disso, elas viram uma conservinha rápida e saborosa que vai direto pra geladeira para compor uma refeição no meio da semana.

Levanto os olhos para ver as crianças correndo em volta da casa com espadas e escudos nas mãos, e levanto a grelha para rearranjar o carvão, criando uma rampa, para ter duas temperaturas distintas. Na parte mais quente, coloco alguns espetinhos de queijo. Na parte mais morna, coloco fatias de abóbora, de mais ou menos 2cm de espessura, para cozinharem lentamente até ficarem negras por fora e desmanchando por dentro.

De repente percebo que as crianças se cansaram do maiô molhado e vejo dois bumbuns branquinhos em contraste com o verde das plantas, enquanto eles quebram galhos do meu pé de manjericão morto para fazerem armadilhas para os dragões de pelúcia. Eventualmente vejo suas mãos de soslaio, roubando as castanhas e os cubinhos de queijo quente e dourado da tábua. Então somem novamente para suas brincadeiras, encenando Chapeuzinho Vermelho, Laura deitada na rede usando meu chapéu de sol e sendo a vovó que vira o lobo, Thomas alternando entre a voz aguda da Chapeuzinho assustada e o tom grave do caçador, de espingarda de plástico e escudo do Capitão América.

Coloco fatias de pão de fermentação natural para esquentarem sobre o fogo, enquanto fatio um tomate. O pães tostam mais do que devem, num momento distraído em que tive de ajudar a pimpolha no banheiro, e então tenho que raspar a parte queimada com a faca antes de esfregar-lhe um dente de alho cortado e cobri-lo com tomate, sal e azeite.

Mesmo queimadinhas, as bruschette desaparecem dos pratos tão logo as coloco na mesa.

E agora é a hora da verdade.

Volto à cozinha para apanhar a linguiça.

Coloco a mão espalmada bem perto da grelha para sentir sua temperatura como faço com a frigideira no fogo. Espeto as linguiças de forma inegavelmente desajeitada, fazendo com que uma delas se rompa. Torço pelo melhor e coloco o espeto na grelha quente.

Sento um pouco no banco ao lado da mesa para roubar o último pedaço de queijo e bebericar minha cerveja. Gnocchi está deitado ao lado dos tijolos quentes da churrasqueira, preguiçosamente esparramado. As crianças tentam acertar as teias das aranhas com folhas, na tentativa de fazê-las grudar. Branquelinhas, de cabelos dourados herdados da parte alemã da família, elas são quase iridescentes sob o sol forte. Observo seus movimentos com calma, o vento fresco balançando as plantas devagar, e fico ouvindo o canto variado do sabiá do campo no telhado do vizinho e o estalar da gordura pingando sobre a brasa quente.

Volto às linguiças, preocupada com o fato de que elas parecem ter ficado prontas mais rápido do que o que levam quando preparadas por outra pessoa. Mas quando abro uma para testar, vejo que estão bem douradas por fora e cozidas por dentro, mas ainda suculentas, não ressecadas. Presenteio o cão com uma pontinha delas e chamo as crianças para comer.

Quando os pimpolhos, enfim vestidos e cansados, se recolhem voluntariamente para um cochilo, Thomas na rede, Laura no sofá, eu volto à churrasqueira com uma última fatia de pão, um pedaço de parmesão e uma latinha de azeite de oliva francês aromatizado com pimenta, presente de minha irmã.

Esquento o pão desta vez com cuidado, apenas para que doure, e nele esfrego um dente de alho, com cuidado para não queimar as pontas dos dedos. Apanho um ramo de sálvia do jardim e repouso sobre a grelha por meio minutinho, só para que o calor chamusque as pontas das folhas e libere seus óleos essenciais. Então pico as folhas. Apanho algumas fatias de abóbora, um purê de um laranja vivo apenas contido em sua forma por uma película enegrecida, e coloco sobre os crostini, onde elas são esmagadas com um garfo sem nenhuma resistência. Sal. Pimenta-do-reino. A sálvia perfumadíssima picada. Raspas delicadas de parmesão. O azeite picante.

Sento-me com os pés apoiados numa cadeirinha verde limão que Thomas trouxera de seu quarto, abro meu livro e dou uma mordida farta na minha bruschetta de abóbora, sentindo a força da sálvia e do azeite apimentado no nariz, a maciez quente e adocicada da abóbora no céu da boca e o pão crocante quebrando sob os dentes com um som alto que poderia espantar os passarinhos. Sinto um alívio imenso por nenhum vizinho ter ligado música naquela tarde e ouço as nuvens se desmanchando sob o vento.

Quando Allex retorna, as crianças ainda estão dormindo, exaustas. Ele vem sentar comigo no quintal sentindo o calor residual da cinzas na churrasqueira e do sol que começa a perder sua força. Há brinquedos e galhos e folhas, e maiôs coloridos e toalhas por toda a parte, testemunhos de um dia bom. Allex ri da minha empreitada, dando algumas dicas para o fogo acender mais rápido da próxima vez, e brincando que agora que eu faço churrasco ele não tem mais nenhuma função na casa. ;)

Eu lhe conto, empolgada, sobre tudo o que as crianças aprontaram e sobre meus planos de usar minhas novas habilidades para produzir um churrasco alla toscana, com outros cortes de carne, muitos legumes e um molho diferente do nosso vinagrete de sempre.

Na noite do dia seguinte, os espólios de meu churrasco de menina, abóbora assada e um pedaço de linguiça que não fora para o fogo, unem-se a tomates e cebolas e fusilli para um prato de pasta con la zucca, de Tessa Kiros, simples de preparo e complexo de gosto, salgado-adocicado, delicioso, reconfortante, devorado sem pressa. As crianças põem a mesa, servem-se de macarrão e queijo, divertem-se em identificar cada componente no prato e de caçar a "carninha" escondida no molho. "Achei mais uma!", dizem.

Tudo vai bem.

Porque faz tempo que não tem uma foto dos pimpolhos no blog. :)

PASTA CON LA ZUCCA
(Do maravilhoso Twelve, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 3colh.(sopa) azeite
  • 1 cebola média, picada
  • 1 linguiça de cerca de 80g, sem a pele e esmigalhada, ou 80g de pancetta não defumada, picada
  • 300g abóbora, descascada em cubinhos de no máximo 2cm
  • 400g tomate pelado transformado em purê (fresco ou em lata)
  • pimenta calabresa seca à gosto
  • 500g massa curta como penne ou fusilli
  • parmesão ralado na hora para servir


Preparo:

  1. Aqueça o azeite em uma panela e refogue a cebola com uma pitada de sal até que amacie. 
  2. Junte a linguiça ou a pancetta em fogo médio e refogue até que tenha dourado ligeiramente.
  3. Acrescente a abóbora, misturando bem, deixando que ela pegue os temperos. 
  4. Então junte o purê de tomate, a pimenta calabresa, uma pitada de sal e pimenta-do-reino e 750ml (3xic) de água. Leve à fervura branda, abaixe o fogo e deixe apurar por 30-40 minutos, juntando mais água de tiver engrossado demais antes do tempo. Uma boa dica é pegar essa água da panela do macarrão que cozinha, para que o amido dessa água ajude a encorpar o molho.
  5. Enquanto isso, cozinhe o macarrão. O molho não deve ficar muito líquido, e boa parte da abóbora deve ter se desmanchado dentro dele. Misture-o ao macarrão cozido e escorrido com mais um fio de azeite, e sirva com parmesão por cima.  


segunda-feira, 28 de março de 2016

Cortando os excessos, eliminando desperdícios, fazendo bolo de radicchio



Acreditava que meu ano começaria normalmente após o carnaval, como o da maioria dos brasileiros, mas o que aconteceu nos últimos dois meses, imprevistos grandes e pequenos e variados, foi como ter diferentes tipos de terremotos abalando a estrutura de minha casa. E, ainda dentro dessa imagem, esses abalos romperam canos que a partir de então deixaram escoar água num fluxo constante mas não tão evidente, de modo que quando me dei conta, a caixa d'água estava vazia.

Uso essa figura de linguagem pois uma vez, tendo vazamentos em minha casa – esses de verdade –uma grande amiga me disse: "cuide logo desses vazamentos, Ana, eles não apenas são dinheiro indo embora, mas também energia".

Isso ficou em minha mente por muito tempo, mas só recentemente a metáfora ficou clara.

Nesses dias em que as coisas ruins parecem drenar tanto minha energia que não sobra nada para aquilo que é bom, perdi muito tempo tentando me ater a atividades que costumavam me restabelecer e energizar. Mas ao invés de me sentir revigorada, percebia-me com a sensação de sobrecarga.

Então a voz dela ressoou em meus ouvidos: cuide dos vazamentos. Não me adiantava de nada tentar gerar mais energia se ela estava simplesmente indo embora para o lugar errado.

Uma luz tênue iluminou todo o ambiente e de repente vislumbrei as pequenas rachaduras por onde aquela água fluía, livre, para longe de mim. Ficou claro o modo como minha energia escapava para lugares que não me retornavam coisa nenhuma, que não me revigoravam, e que eventualmente me arrastavam para situações opostas ao que eu desejava para mim e minha família.

Evidentemente é mais fácil começar por vazamentos tangíveis. Aqueles mais controláveis. Eliminar o facebook e toda espécie de interação digital que não me faça bem. Ou rearranjar os horários das crianças para ser mais eficiente e não desperdiçar tanto tempo indo e vindo dos compromissos. Ou reduzir meu armário para não cair na pegadinha de sair todo dia como um deprimente saco de batata ou perder tempo escolhendo uma coisa melhor pra vestir – tudo combina com tudo e está visualmente ok, e sobra tempo para passar um rímel e tomar mais um café.

Mas comecei a perceber energia indo embora de outras formas. Em forma de objetos. Coisas. Porque quando você tem coisas, precisa de coisas para guardar as coisas, e precisa de coisas para limpar as coisas, e precisa de coisas para consertar as coisas e então mais coisas para substituir as coisas que quebraram mas que você não consegue jogar fora e então mais coisas para organizar essas coisas dentro das coisas.

Coisas ocupam espaço e acumulam pó e exigem tempo e trabalho para manutenção. E se você NÃO precisa dessas coisas, então está desperdiçando espaço, tempo e energia mantendo elas ali.

Coisas também são envoltas em frustrações e expectativas. Aquela coisa que você guardou para uma situação que nunca aconteceu. Aquela coisa que você ganhou de alguém com quem você não tem mais amizade. Aquela coisa que está lá pro dia em que você for alguém que você não é. Alguém me disse outro dia que frustração é excesso de passado e expectativa é excesso de futuro. E estamos aqui cortando os excessos, porque tudo o que é excesso é desperdício.

Se não me traz uma memória feliz, eu não quero. Se eu não uso agora, sendo a pessoa que eu sou hoje, também não. Porque ter coisas repletas de frustação e expectativa é como aquela torneira da cozinha pingando sem parar. É aquele barulhinho irritando você o dia todo sem você perceber.

Fora com os materiais de arte do tipo de artista que eu não sou. Fora com os cd's que eu não ouço porque me lembram uma fase ruim, fora com a linda terrine da le Creuset que eu NUNCA usei e nem vou usar (à venda, se alguém quiser), e todas as formas de bolo paradas, e todos os livros e mangás que não vou ler de novo, e todos os livros de arte ruins que estavam lá "só para referência", e as coisas quebradas que eu não vou consertar nunca, e até mesmo meu computador, meu Mac, esse computador "extra" na casa que eu uso apenas para responder emails e postar no blog.

Conforme vou resolvendo esse vazamento específico das coisas, no entanto, tentando controlar o ambiente à minha volta para resolver minha situação emocional, dou-me conta de outro grande vazamento de energia: justamente meu controle. Que eu sou control freak nunca foi novidade para ninguém. Mas só agora percebo quanta energia joguei fora tentando controlar o que eu não posso. Toda a preocupação, todo o gerenciamento, todo o planejamento direcionado a situações completamente fora da minha alçada.

Quando li um texto sobre zen outro dia, sugerindo o exercício de simplesmente deixar a situação descontrolada chegar, instaurar-se e ir embora sozinha, sem que você tentasse fazer nada para controlá-la, senti pânico apenas de imaginar. Mas identifiquei nisso uma necessidade em mim. Aprender a deixar as crises da vida virem e irem, sem que elas de fato abalem a estrutura da casa e drenem sua energia. Não deixar que um pequeno tremor se transforme num terremoto.

Inspira, expira.

E eu sei que esse rearranjo do meu ambiente é apenas mais uma forma de controle para obter conforto emocional. Mas eliminar o estresse bobo de algumas decisões desnecessárias pode tornar a mente mais leve para lidar de forma mais relaxada com esse caminho difícil de aprender a abrir mão do controle. Simplificar em volta para simplificar por dentro.

Voltei a olhar para os livros de cozinha. Aqueles mais de duzentos que haviam se tornado cem. E que ainda pareciam demais. Todo dia que queria fazer um bolo, vinha aquela indecisão. Tentava basear a escolha na despensa, mas mesmo assim era difícil.

Um bolo de maçã. Simples ou com alguma cobertura? Tradicional ou com farinhas especiais? Porque eu tenho aquela farinha de spelta pra usar. Ou a de quinoa. E tenho uvas passas, mas também tenho cranberries. Com óleo ou com manteiga? Leite ou iogurte? Ou vegan? Ou sem glúten? Ou invertido? A que usa só uma maçã ou que usa todas as que eu tenho? Mas essa receita de novo? Ela é perfeita, mas e aquelas outras setenta e duas receitas de bolo de maçã que eu tenho e nunca fiz? E se eu usar todas as maçãs pra fazer esse bolo? Vai ter maçã de novo semana que vem pra fazer aquele outro? Será que eu faço aquele outro? Será que aquele outro é melhor? Mas eu nunca usei esse livro. Tinha que usar esse livro. Mas esse bolo dá mais trabalho. Queria um mais fácil. Mas aquele mais fácil eu já fiz e eu tinha que usar esse livro que eu nunca usei. Opa, esse bolo de banana parece mais legal. Tem banana?

Entendem onde estou querendo chegar?

É SÓ UMA DROGA DE UM BOLO. ¬_¬

Não é paz mundial.

Você vai comer o bolo e seguir com a vida. Não era para ser tão importante. Não era para gerar tanta tensão. Quando um hobby virou uma fonte de estresse? Não sei. Talvez eu tenha de ler o blog todo de novo para descobrir. ;)

Reduzi novamente minha coleção de livros para 48, incluindo uns seis ou sete que eu nunca uso mas que são de estimação, como meu livro de receitas do Veneto do Alessandro Pradelli. Metade desses 48 estão ainda no "purgatório".


Percebi que tudo o que quero é ter uma boa receita de bolo de maçã. Ter maçãs, escolher entre no máximo duas ou três opções baseado no que tenho da despensa e seguir a vida. Parar de perder tempo procurando no eat your books, então apanhando meia dúzia de livros e lendo as receitas, e então me martirizando para decidir a droga do almoço. E parar de me sentir pressionada a usar um dos livros que eu tenho e parar de me sentir mal por estar usando uma receita da internet de novo. Ficar folheando livros de cozinha e planejando cardápios era um prazer na época em que tinha uma tonelada de tempo livre. Hoje em dia simplicidade tem me dado mais prazer do que refeições elaboradas.

Num dia desses, nesse frenesi de hora do almoço, fazendo um enorme quebra-cabeças de ingredientes e tempo e nutrição e curiosidade culinária, simplesmente larguei tudo e preparei uova in purgatorio (ovo frito com molho de tomate) acompanhado de torradas de pão caseiro. E fim. Todo mundo bem almoçado e feliz, que esse é o objetivo no fim das contas.

E essa ficha caiu com força há duas semanas, quando meu filho de meros cinco anos quebrou um dente e teve de fazer o canal. Foi um dia estressante para todo mundo e tudo o que eu queria era melhorar aquela sensação para todos e principalmente para ele. Fizemos juntos uma mousse de chocolate da Alice Medrich que fica pronta para comer em meia hora, e uma pizza bianca (só de queijo, sem molho de tomate) da Tessa Kiros para o jantar, acompanhada de uma saladinha verde. Assim como o dia do peixe com batatas, foi uma refeição deliciosa e tranquila. E vendo meu filho comer todo o alface primeiro para só então atacar a pizza, percebi que eu DE FATO não preciso mais ficar neurótica. Eles já estão educados. Eles já comem coisas verdes. Segue a vida.

Não quero apenas simplificar meu guarda-roupa. Quero simplificar minha vida. Preocupar-me com o que de fato importa. Não me ocupar da nada fora do meu controle. Numa realidade em que temos tantas decisões importantes para tomar, como qual novo dentista escolher para seu filho numa emergência em que seu dentista sumiu do consultório, eu realmente não quero transformar num estresse extra a escolha do jantar ou de uma blusa pra vestir.

Fui brutal com meus livros.

Amo de paixão os livros do Nigel Slater, do David Tanis e da Diana Henry, mas toda vez que eles estão na cabeceira da minha cama ou ao lado da minha poltrona de leitura, eu estouro o orçamento do supermercado. Idem para os livros naturebas que usam uma miríade de castanhas e farinhas especiais. Estão no purgatório o meu favorito do Nigel e meu favorito do David. O da Diana está indo embora.

Não apenas os livros, até a despensa urge por simplificação. Aqueles dezoito potes de farinhas diferentes vencendo.

Depois de todos esses anos de esquizofrenia culinária, momentos de extremos e chiliques alimentares, me vejo gravitacionando em torno da minha querida cozinha italiana, onde estão minhas raízes, ramificando para o restante do mediterrâneo, com breves e pontuais incursões na Ásia.

Tenho querido o bom e velho arroz simples. Uma boa salada verde bem temperada. Batatas cozidas regadas de azeite. Um filé de pescada frito. Um bolo de maçã com canela sem frescuras.

Como se toda a complexa busca dos últimos anos tivessem servido para me dar certeza do lugar de onde eu vim. Cada vez que janto na casa de minha mãe um prato de strogonofe de frango, um bolo de cenoura, creme de espinafre... vou amolecendo por dentro. Ouvir noutro dia que o prato favorito do meu marido é aquele spaghetti com o molho de tomates mais simples do mundo, da Marcella Hazan, tocou um ponto em mim.

Depois de fazer esse corte, olhei para os livros na estante (a de cima com os que ficam, a debaixo com o purgatório), e me dei conta de que são receitas bastantes para uma vida inteira. E que eu talvez finalmente consiga cozinhar um livro inteiro, ideia que sempre me apeteceu mas sempre foi impossível dado o excesso de opções dos meus duzentos e cinquenta livros.

Enchi-me de satisfação ao me ver preparando coisas que de outra forma não faria. Com tantas receitas de bolo de maçã pra testar, por que alguém pararia pra preparar um bolo de radicchio?

Porque é bom. Estou dizendo que é bom.

Allex veio me perguntar o que diabos eu tinha contra bolos de chocolate, mas uma vez tendo dado uma mordida num pedaço das crianças, ele estava convertido. "Caramba, eu não esperava que fosse bom!"

As crianças adoraram. Levaram para a escola todos os dias, pobres crianças estranhas levando pro lanche da escola bolo de radicchio. ;) Quando fui tentar tirar uma foto melhor, o bolo já não existia mais.

Usei para a cobertura um chocolate branco da marca Casino, que é cheio de pontinhos de baunilha e mais escuro que o normal, e quando o derreti por mais tempo do que precisava, ele acabou escurecendo como um caramelo leve. Parece estranho simplesmente besuntar o bolo de chocolate branco derretido, mas como o bolo é pouco doce, o açucarado do chocolate complementa bem.

Não se sente o amargo do radicchio no bolo. Ele é um variegado roxo no meio da massa clara que, combinado à noz moscada, sugere um sabor completamente novo e irreconhecível. Um bolo italiano vindo de Chioggia, um lugar onde um dia alguém se viu com radicchio demais ocupando espaço e resolveu simplificar a vida e colocar o radicchio no bolo.

Então, preparem-se. Vem aí mais uma edição da Rapa dos Livros. o_O

Simplificando, cortando os excessos, eliminando desperdícios e relaxando a bisteca.

BOLO DE RADICCHIO
(Do livro Recipes and Dreams from an Italian Life, de Tessa Kiros)
Rendimento: 1 bolo pequeno

Ingredientes:

  • 1 generosa colh (sopa) de farinha de rosca
  • 2 1/2 colh (sopa) + 1/2 xic. açúcar
  • 170g radicchio (metade de um pequeno)
  • 7 colh. (sopa) manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 3 ovos
  • 1 colh. (chá) casca ralada de limão
  • 1 colh (sopa) conhaque ou rum
  • 1 colh (chá) extrato natural da baunilha
  • 1 pitada de noz moscada ralada
  • 1 xic. farinha de trigo
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1 pitada de sal
  • 150g chocolate branco


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte uma forma de 20cm com manteiga e polvilhe com a farinha de rosca, descartando o excesso.
  2. Leve 1 litro de água para ferver com as 2 1/2 colh. (sopa) de açúcar. Solte as folhas do radicchio e coloque-as na água, cozinhando por alguns minutos até que amaciem. Escorra, esprema e pique.
  3. Na batedeira, bata a manteiga, o resto do açúcar e a casca de limão até que fique cremoso.
  4. Junte os ovos, um a um, batendo bem a cada adição. 
  5. Junte o conhaque ou rum, baunilha e noz moscada. 
  6. Desligue a batedeira, junte a farinha, o fermento e o sal e misture com uma espátula só até não ver mais farinha. Junte o radicchio e misture uniformemente. 
  7. Despeje na forma  e asse por 40 minutos ou até que um palito inserido no meio do bolo saia limpo.
  8. Deixe que esfrie completamente antes de desenformar. Derreta o chocolate branco em banho maria (se o chocolate não estiver derretendo bem, junte uma colher de água filtrada). Espalhe o chocolate sobre o bolo. Coberto, em temperatura ambiente, o bolo se conserva bem por uns 3 dias. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Risotto cor de rosa, de folha de beterraba


Eu já andava morrendo de vontade de fazer risotto. Principalmente porque os dois pimpolhos adoram e comem mesmo quando ele é completamente verde e cheio de legumes dentro. E porque adoro usar as sobras para arancini, apesar de, hoje em dia, nunca sobrar risotto (1 xícara de arroz arbóreo produz jantar o bastante para dois adultos e duas crianças).

Daí que, no usual "dia de processamento" da feira, já assara meia dúzia de beterrabas, e andava com risotto de beterraba na cabeça. Depois de ver a Rita Lobo preparando também (de um jeito que achei mais trabalhoso, mas que também deve ficar bom), aí não deu jeito. Eu PRECISAVA de risotto de beterraba no fim de semana.

Só que...

Quando abri a geladeira para apanhar as beterrabas, bati os olhos na tigela com suas folhas. Lindas, verde-esmeralda, com talos de rubi.

E mudei de ideia. Pois não queria deixá-las murcharem, e as beterrabas já cozidas, assim na geladeira, se conservam por mais tempo do que as folhas cruas no gavetão.

Lembrei-me de uma massa que adoro, da Alice Waters, e resolvi usá-la de inspiração para o risotto. E decidi que não queria que os verdes das folhas interferissem na cor do risotto. Imaginei o quanto os talos vermelhos tingiriam o arroz, se nada ou se como as beterrabas, e por isso usei-os separadamente.

Enquanto mexia o risotto, senti um delicioso conforto no peito ao ver os talos tingindo gradualmente os grãos. Já perto do fim do cozimento, aquele rosa antigo e elegante me trouxe lembranças estranhas. Talvez porque eu já andasse pensando em alguns pratos bonitos que meus pais têm guardados, presentes de casamento que nunca usam, e que eu estava com intenções de surrupiar para minha casa... talvez por isso aquele risotto tenha me lembrado... um vaso. Dois, aliás.


O primeiro, um vaso rosa como o risotto, de formas angulosas, numa mistura de partes de um rosa leitoso e outras brilhantes e translúcidas, que minha avó materna tinha em casa e que eu sempre achei... hmmm... meio... feio. Minha mãe adorava o tal vaso, e eu nunca entendi  muito bem por quê.

O segundo, um vaso verde fluorescente, em forma de taça de campeonato, cravejado de bolinhas, que meus pais ganharam de presente de casamento sabe-se lá de quem. Eles sabem. Eu não me lembro. O caso é que o tal do vaso é uma ode à feiura. Por muitos anos tentei convencer meus pais a usá-lo de alguma forma, e a gente tentava por planta dentro, e a gente tentava por num canto e no outro, e no fim ele ficou trancafiado durante as últimas três décadas no armário da sala, e todas as vezes que meus pais resolvem fazer uma limpeza nas tralhas, eu me pergunto por que diabos aquilo ainda está lá.

Ambos os vasos, diziam, eram de Murano. O cor-de-rosa era até mais "usável". Dependendo da sua sala, fica ok. O verde, meu deus, era de imaginar o que se passara na cabeça do cara que soprou aquele vidro.

Lembro-me de quando fui a Murano, única vez, com a intenção de substituir o vaso verde feio da minha mãe por outro mais bonito. Claro, caí pra trás com os preços de tudo aquilo que eu achava bonito, e com o fato de que meu pobre dinheirinho só podia comprar outro vaso verde-feio para minha mãe. Ahn... deixa pra lá.

Talvez seja mais fácil produzir um risotto verde-vaso-feio-de-mãe, da mesma forma como eu fizera um risotto rosa-vaso-feio-de-vó.

O risotto é com certeza mais bonito. E mais gostoso. Os talos das folhas dão uma suave doçura ao risotto, reforçada pelo salsão da base e pelas frutas secas, e contrastam com o ligeiro amargor das folhas refogadas em alho. Apenas um pouco de hortelã fresca para refrescar.

Enquanto via a pimpolhada comer com gosto, fiquei matutando. Estou quase pensando em pegar o tal vaso verde pra mim, porque ele é tão esquisito, que é capaz de gerar assunto se você deixá-lo assim, em cima da mesa, como se fosse coisa bonita. ;)

RISOTTO DE FOLHAS DE BETERRABA
Rendimento: 4 porções pequenas ou como primo piatto

Ingredientes:

  • 1 maço de folhas de beterrabas, com os talos
  • 1 dente de alho, picado
  • azeite de oliva
  • 1 cebola, picada
  • 1 talo pequeno de salsão, picado
  • 1 xic. arroz arbóreo
  • 1/2 xic. vinho branco
  • 1 litro de caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. uvas passas ou cranberries
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado 
  • 1 colh. (sopa) cheia de manteiga
  • algumas folhas de hortelã ou menta fresca, em tirinhas finas
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora


Preparo:



  1. Separe os talos vermelhos das folhas verdes. Pique os talos em pedacinhos pequenos e reserve. Corte as folhas em tirinhas finas, como couve. 
  2. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira grande e junte o alho picado. Quando começar a perfumar, junte as folhas de beterraba, uma pitada de sal, e refogue em fogo médio até que murchem bem. Desligue o fogo e ajuste o tempero. Reserve.
  3. Aqueça o caldo até a fervura branda. Separe algumas colheres do caldo numa tigelinha e coloque ali as passas ou cranberries, para reidratarem. Reserve.
  4. Numa panela grande, aqueça mais um fio de azeite e junte a cebola e o salsão. Refogue em fogo até que amaciem bem, sem deixar dourar. Aumente o fogo, junte os talos de beterraba picados e o arroz e misture bem,  até que os grãos de arroz estejam ligeiramente translúcidos.
  5. Junte o vinho, mexendo bem, deixando evaporar.
  6. Junte duas conchas de caldo, mexa constantemente, em fogo baixo, até que o líquido reduza pela metade. Junte mais duas conchas e repita o processo até que o arroz esteja cozido (experimente, e se, ao morder, grudar no seu dente, ainda está cru; se estiver macio mas ainda resistente, está no ponto). Caso o caldo acabe durante o cozimento, use água quente. Se sobrar, não tem problema, use para outro prato.
  7. Quando o arroz estiver cozido, junte o parmesão, a manteiga, a hortelã e as passas, e misture bem. Acerte o tempero. Se o risotto estiver muito firme, acrescente mais uma concha de caldo para soltá-lo um pouco, pois ao descansar ele continua absorvendo líquido. Desligue o fogo, tampe e deixe descansar por 5 minutos.
  8. Enquanto isso, dê uma aquecidinha nas folhas de beterraba. Sirva o risotto com as folhas refogadas por cima e um pouquinho de parmesão, se quiser.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Torta de ricotta e catalogna para amantes de amargos ou não

A foto é feia, mas a torta é uma delícia.
Quando era criança, e empurrava o espinafre para o canto do prato, minha mãe me dizia com cândida confiança que um dia eu viria a apreciar os sabores amargos e fortes em detrimento de gostos mais doces ou empastelados. Eu ria, e, diante de sua insistência, ficava brava, como se as palavras de minha mãe fossem uma praga rogada, e eu me contorcia ao imaginar um futuro em que gostasse de comer espinafre ao invés de brigadeiro.

Praga de mãe funciona.

Não precisou sequer chegar ao meio da adolescência, e já me via enchendo o prato de escarola. A descoberta do radicchio foi uma maravilha. E quando provei todo o amargor da catalogna, foi amor à primeira mordida.

Já mais velha, já imersa na cozinha e lendo um bocado principalmente sobre cozinha italiana, caí numa nota, acho que de Marcella Hazan, sobre o amor dos italianos pelos sabores amargos, das verduras aos licores. Lembrei-me da ladainha materna de infância, e me perguntei se o apreço que eu tinha pela catalogna era:

a) uma tendência genética, trazida da Itália pelos meus bisavós;
b) resultado do amadurecimento natural do paladar ao entrar na vida adulta;
c) um bom treinamento da parte de meus pais, que sempre colocavam no nosso prato coisas amargas como escarola ou fígado de frango;
d) mera coincidência.

Tem uma partezinha pretensiosa de mim que adora pensar que existe um gene italiano em algum lugar do meu DNA responsável por eu gostar de crostini com fígado. Mas vamos e venhamos que... eh. Não.

Acho que paladar não amadurece naturalmente, ou eu não teria tantos amigos com quase quarenta anos que ainda se alimentam como se fossem crianças enjoadas.

Pode ser mera coincidência, mas eu boto dinheiro na letra C. Acho que meus pais fizeram um bom trabalho. E ainda que eu tenha feito cara feia durante a infância para comer espinafre, hoje ela é uma de minhas verduras favoritas. E sempre que posso, saio da feira com maços e maços de todas as verduras amargas que encontro.

Mas, claro, a vida não é perfeita e nem todo mundo gosta das mesmas coisas.

Quando juntei os trapos, aconteceu todo um treinamento com o marido para habituá-lo aos sabores amargos que eu tanto queria incorporar na comida. Comecei devagarinho, com espinafre, rúcula, agrião, escarola... o radicchio e a endívia... estava tudo indo bem. Até a catalogna. "Ah, não. Catalogna, não." Atingi um limite.

O máximo que eu conseguia fazer com a coitadinha da catalogna, se eu não quisesse comer sozinha, era sopa, pois o amargor dela parece que suaviza com o cozimento. E era justo sopa que eu pretendia preparar, quando comprei uma braçada dessa chicória na feira.

No entanto, comprei verduras demais, e me vi tendo que cozinhar tudo de uma vez, para não deixar nada estragar. As folhas do agrião viraram bolo, os talos grossos dele viraram sopa com batatas (direto pro freezer), a couve virou parte pesto (dois potes, também pro freezer) e parte minestrone, junto com parte do repolho, e a catalogna... não dava para virar sopa, pois eu já havia feito o minestrone para aqueles dias, e eu sabia que a sopa de catalogna não congelaria bem.

Então encontrei essa receita lindinha de torta no site da revista La Cucina Italiana: torta de ricotta com catalogna. Hmmm... mas o povo vai comer a catalogna assim? Resolvi arriscar.

A massa é facílima, feita com azeite de oliva, sem precisar gelar. A catalogna passa por três cozimentos: aferventada, refogada com pancetta defumada e enfim assada dentro da torta. E, combinada à doçura natural da ticotta, seu amargor quase desaparece. É uma torta simples e deliciosa, a ser repetida muitas e muitas vezes. E quão fácil é substituir a catalogna por qualquer outra verdura escura? Espinafre? Escarola? Nham.

A única dificuldade foi em relação à ricotta. A receita original usa dois tipos: ricotta fresca e ricotta salata (ricotta que foi salgada, prensada, e que nunca vi por aqui). A ricotta fresca deve ser bem úmida e cremosa, com gosto adocicado de leite. Use a sua favorita, mas evite ricottas muito secas e esfarelentas. Para substituir a ricotta salata, aumentei um pouco a proporção de ricotta fresca e usei parmesão ralado na hora, fininho, no para o toque salgado. E ficou muito bom.

O veredito? Povo comeu, gostou, e só foi saber depois que era catalogna. ;)

Espero que o treinamento dos pimpolhos por aqui seja tão eficiente quanto o dos meus pais.

TORTA DE CATALOGNA E RICOTTA
(adaptado daqui)
Rendimento: 8 porções

Ingredientes:
(massa)

  • 500g farinha de trigo
  • 80g azeite
  • 250g água fria
  • sal a gosto

(recheio)

  • 650g catalogna
  • 350g ricotta fresca
  • 100g parmesão ralado fino
  • 100g pancetta defumada ou bacon, cortada em pedacinhos pequenos*
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

* para uma versão vegetariana, eu substituiria o bacon por um dente de alho picado.

Preparo:

  1. Coloque a farinha numa tigela e faça um buraco no meio. Junte o azeite, a água e sal a gosto e misture bem até formar uma massa. Sove na bancada ligeiramente enfarinhada, apenas até obter uma massa macia e elástica. Envolva em filme plástico e deixe repousar por pelo menos meia hora.
  2. Enquanto isso, leve água com sal para ferver. Mergulhe a catalogna, cozinhe por 1 minuto e escorra. Quando estiver fria o suficiente para manipular, esprema bem a água das folhas e pique finamente. 
  3. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira e junte a pancetta ou bacon, e cozinhe até começar a dourar. Junte a catalogna picada e refogue por alguns minutos. Passe para uma tigela grande.
  4. Coloque uma peneira sobre a tigela e passe a ricotta por ela, amassando bem com a ajuda de uma colher. Junte o parmesão, tempere com sal e pimenta e reserve.
  5. Pré-aqueça o forno a 250ºC.
  6. Numa bancada enfarinhada, divida a massa da torta em duas partes, uma maior que a outra. Abra a parte maior, enfarinhando, se necessário, e disponha a massa sobre uma forma de torta de 26cm. Coloque o recheio dentro da torta, espalhando bem. Abra a parte de cima da massa, cubra a torta, apare os excessos e feche as beiradas.
  7. Faça talhos paralelos na torta com uma faquinha, ou fure com um garfo, ou use as aparas para decorar como quiser. Pincele com azeite e asse por cerca de 45 minutos.


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Spaghetti con pomodorini scoppiati, à minha maneira


Ainda bem que é apenas na cozinha que sou influenciável. Não consigo imaginar o tipo de apuro em que já teria me metido, se fosse tão mosca-morta na vida quanto sou no jeito de cozinhar. :P

Daí que, fazendo a minha lista anual de livros de aniversário... Sim, eu faço uma lista anual. Parei de comprar livros o tempo todo. Ao invés disso, vou juntando todos os que me interessam na Wish List, e quando chega perto do meu aniversário (3 de outubro, pros curiosos), faço uma seleção do que mais me apetece e compro de uma vez. Isso evita aquelas compras por impulso de livros que você nunca vai usar na vida e dá tempo de fuçar no que o povo anda preparando dos livros depois do lançamento, vendo se vale mesmo a pena. [Para os ainda mais curiosos, estão chegando em casa: Recipes and Dreams from an Italian Life, da Tessa Kiros, Marcella's Italian Kitchen, da Marcella Hazan, My Paris Kitchen, do David Lebovitz, My Calabria, da Rosetta Costantino, Flavor Flours, da Alice Medrich e Baking Chez Moi, da Dorie Greenspan. Dá pra ver uma tendência.]

Então. Fazendo minha lista anual de livros de aniversário, li uma avaliação do livro Cooking With Italian Grandmothers, que mencionava um molho de tomates-cereja que atiçou minhas lombrigas. Busco, procuro, fuço, não encontro o tal molho em lugar nenhum, mas sim, diversas versões diferentes.

Tendo aquela tigela imensa de tomates cereja explodindo de maduros, metade do quintal, metade da feira, resolvi fazer minha própria versão de spaghetti con pomodorini scoppiati, segundo o resultado que eu queria.

Se você, como eu, achava que não existia um molho de tomates mais preguiçoso do que aquele famoso da Marcella Hazan, de cebola inteira, lata de tomate e manteiga, enganou-se. Esse é para aquele dia em que nem pegar na faca você quer. Você não precisa picar nada, nem abrir lata nenhuma. Você precisa de um garfo para amassar os tomates, e, veja só, o mesmo garfo para comer o spaghetti. ;)

No fim, foi um dos molhos de tomate mais gostosos que comi nos últimos anos, ainda que o de cebola e manteiga da Marcella continue sendo hors concours.

Claro, depende completamente dos tomates. Eles precisam estar tão maduros, que alguns até estejam começando a soltar líquido, querendo explodir. À beira de estragar. Daquele que você pega na mão e sente que já está meio mole por dentro. Tomates durinhos ou esverdeados não se prestam a isso. Compre os tomates-cereja e deixe-os numa tigela em temperatura ambiente, até que estejam ridiculamente vermelhos e macios. Deixe ao lado de bananas ou cebolas, e seus gases ajudarão os tomates a amadurecerem infinitamente mais rápido.

O molho pode ser feito com antecedência e reaquecido na hora de servir com o spaghetti. Apenas não misture o parmesão enquanto não for momento de servir, e reserve algumas folhas de manjericão fresco para incorporar no último minuto.

SPAGHETTI CON POMODORINI SCOPPIATI
Rendimento: 4 porções (400g de spaghetti)

Ingredientes:
  • 1/4 xic. azeite e mais para finalizar
  • 1kg tomate cereja (se tiver lavado os tomates antes de usar, lembre-se de secá-los muito bem, para que o azeite não espirre)
  • 2 dentes de alho descascados, inteiros
  • um punhado de manjericão fresco, só as folhas
  • vinagre balsâmico
  • sal e pimenta-do-reino
  • queijo parmesão

Preparo:

  1. Aqueça o azeite em fogo médio-alto numa frigideira grande, que possa acomodar todos os tomates numa frigideira única. Quando o azeite estiver quente, junte os tomates-cereja INTEIROS, com cuidado. Cozinhe, por alguns minutos, virando-os uma vez com uma colher para que o azeite quente recubra toda a casca.
  2. Quando os tomates começarem a arrebentar, junte os dentes de alho inteiros. Abaixe o fogo e cozinhe por uns 15 minutos, amassando os tomates com um garfo, cuidadosamente para que eles não espirrem. O molho deve ficar grosso, mas pedaçudo, com alguns tomates ainda reconhecíveis. 
  3. Quando você vir pocinhas de azeite sobre o molho, desligue, rasgue as folhas de manjericão com as mãos, e junte-as ao molho. Tempere com sal e pimenta e uma colherinha de vinagre balsâmico ou a gosto, dependendo da acidez ou doçura do seu vinagre.
  4. Na hora de servir, junte ao spaghetti cozido e recém-escorrido numa travessa, e misture com um punhado de parmesão ralado fino e mais um fio generoso de azeite. Disponha parmesão extra para polvilhar por cima, se quiser. 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Uma refeição natureba. Eh, quer dizer... italiana.


Daí que o marido andava meio ressabiado com isso de feijão azuki no café da manhã e qualquer coisa sem glúten, sem lactose, com inhame e painço no jantar. Ainda que eu estivesse me divertindo horrores com os experimentos mega-naturebas, achei que, ok, talvez estivesse abusando da boa vontade do restante da família, que não cozinha e portanto não escolhe. ;)

Calhou de eu ter sido altamente influenciada pelos vídeos recomendados pelo leitor querido Edu Piloni, e quando vi, estava passando minhas noites assistindo a séries e documentários sobre a culinária italiana, com todos, TODOS, os meus livros de cozinha italiana no colo, folheando, relendo, planejando cardápios que eu não preparava havia tempos ou que eu nunca preparara por conta do pseudo-vegetarianismo.

Sou tão influenciável na cozinha, que chega ao ridículo de ter visto a Rita Lobo preparando molho à bolonhesa, e agora acordo e vou dormir pensando nisso, e estou só esperando uma boa oportunidade para preparar o que será o meu primeiro ragù alla bolognese EVER. (O que me surpreende muito, quando paro pra pensar, mas eu já era pseudo-vegetariana quando comecei a cozinhar de verdade e juntei os trapos.)

Sorte da pimpolhada, que voltou a se refestelar com sabores mais familiares, e azar do marido, pobrezinho, que anda trabalhando até altas horas da noite e não tem provado nada da minha comida, desde que eu voltei a cozinhar à italiana. :(

No entanto, se o povo aqui de casa achava que meu retorno às origens era garantia de macarrão todo dia, enganou-se um bocado. Se existe uma cozinha que consegue ser altamente natureba, se você deixar a superficialidade e mergulhar nos legumes, é a italiana.

Um cozido de ervilhas-tortas parece mais natureba do que gostoso, mas o sabor me surpreendeu maravilhosamente. Comi colheradas fartas dos legumes caudalosos, suculentos e perfumados sobre o arroz branco, e, depois, as sobras, sobre polenta veneziana, cozida com leite, o que a torna tão cremosa quanto um purezinho de batatas.

O gratinado de abobrinhas foi feito com certo preconceito. Em geral, não entendo por que alguém cozinharia uma abobrinha no vapor, se pode dourá-la em azeite. No entanto, o prato ficou delicioso, as abobrinhas muito macias, contrastando com o crocantinho da cobertura de pão, queijo e ervas. As sobras foram misturadas a ovos e um pouco mais de queijo, para uma frittata saborosíssima, acompanhada por uma saladinha verde, agora que os pimpolhos viraram, finalmente, devoradores de alface.

A receita original do cozido de ervilhas pedia por guanciale, que é uma carne que vem da bochecha do porco, muito usada nos molhos all' amatriciana e carbonara, em Roma. Na última vez que fui à Itália, pude experimentar o molho feito assim, e, apesar de a descrição da wikipedia dizer que o sabor é mais forte, eu achei o resultado mais suave em sabor e textura do que quando o prato é feito com pancetta ou bacon. Talvez por não ser defumado. Como eu tinha toucinho fresco no freezer, usei uma fatia dele, sem a pele, com ótimos resultados. Se não quiser usar o toucinho ou não encontrar nem guanciale nem pancetta italiana, use um pouquinho de bacon. O sabor do defumado vai ficar mais forte, mas acho que ficará igualmente gostoso.

ZUCCHINE GRATINATE CON OLIVE
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções grandes ou 6 menores

Ingredientes:

  • 350g abobrinhas em rodelas finas
  • 40g queijo parmesão ralado fino
  • 4 fatias de pão amanhecido ou um punhado de farinha de rosca feita em casa
  • 10 azeitonas sem caroço (pretas ou verdes), cortadas em fatias
  • cebolinha
  • tomilho fresco (só as folhas)
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • salsinha fresca
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as abobrinhas no vapor até mais ou menos a metade do cozimento. Elas devem estar cozidas, mas ainda firmes. (Alternativamente, use o microondas.)
  2. No processador, moa o pão amanhecido junto com as ervas e o queijo. (Ou pique na faca as ervas e misture ao queijo e à farinha de rosca, que foi o que eu fiz.)
  3. Numa travessa grande e rasa, disponha as fatias de abobrinha como escamas de peixe. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Espalhe as azeitonas e polvilhe com a mistura de pão e ervas. Tempere com um fio de azeite e leve ao grill do forno por 10 minutos, até que doure. Se você não tiver grill, coloque em forno bem quente. 

.....


TACCOLE IN UMIDO DI POMODORO
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções fartas, para acompanhar algum carboidrato que absorva o caldo, como arroz, couscous ou polenta.

Ingredientes:

  • azeite de oliva
  • 1 folha de louro
  • 500g ervilha-torta, sem as pontas e filamentos
  • 200g polpa de tomate (usei 2 tomates frescos bem maduros, picadinhos)
  • 40g toucinho sem a pele, cortado em pedaços pequenos (ou bacon, ou pancetta italiana, ou guanciale, se encontrar)
  • 1 talo de aipo em cubinhos
  • 1 cenoura média em cubinhos
  • 1 cebola em cubinhos
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • 400g caldo de legumes
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • farinha-de-rosca para polvilhar por cima
  • queijo parmesão para ralar por cima
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as ervilhas-tortas em água fervente e salgada por 10 minutos, com uma colher de azeite e uma folha de louro. 
  2. Enquanto isso, numa panela grande, refogue o restante dos legumes e o toucinho em um fio de azeite, até amaciar e começar a dourar. 
  3. Escorra as ervilhas e junte-as ao refogado, misturando bem.
  4. Junte a polpa de tomate, a manjerona, o açúcar, o caldo de legumes, e tempere com um pouco de sal e pimenta. Cozinhe em fogo médio-baixo por cerca 40 minutos para que o caldo reduza um pouco.
  5. Sirva bem quente, polvilhado de farinha-de-rosca e parmesão, e mais um fio de azeite.  





segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Finalmente, ricciarelli


Na casa de meus pais tinha formigas. 

Eu ficava louca, que era só deixar um pedacinho de bolo em cima da mesa, e em quinze minutos, lá estavam elas. A gente tentava de tudo para se livrar delas, mas elas sempre, sempre voltavam. Isso não era apenas frustrante por perder meu pedaço de bolo, ou ter que lembrar de deixar o mel e o açucareiro dentro de um pires com água o tempo todo. Era frustrante porque eu não podia fazer ricciarelli. 

Eu havia comprado o livro How to be a Domestic Goddess, da Nigella, e andava louca, querendo preparar tudo. Mas tendo voltado da Itália havia pouco tempo, eu me via quase sempre gravitando em torno de qualquer receita com sotaque italiano. E eu olhava para o nome do biscoito, a foto dos losangos esbranquiçados de açúcar, e sem mesmo ter jamais experimentado deles, sonhava com os biscoitos ao lado de uma xícara de café quentinho da Bialetti.

Acontece que tinha formigas. 

E a receita pedia para que os biscoitos fossem formados e deixados para secar sobre a mesa durante a noite. E eu já bem imaginava o que encontraria de manhã cedo se deixasse montinhos de doces envoltos em açúcar em qualquer lugar da casa. 

E os ricciarelli continuaram no campo dos sonhos, como um pedacinho inalcançável da Itália. 

O tempo passou, eu juntei os trapos com meu marido, e em nossa casa havia formigas. Mas não muitas. Elas eram mais fáceis de enganar. Mas eu não queria arriscar perder meus sonhados docinhos. 

O tempo passou mais um pouco, e nos mudamos para outro apartamento. Lá não havia formigas. Mas já passara tantos anos da ideia de produzir os biscoitos, que eles acabaram virando apenas isso: uma ideia. Acostumei-me a pensar que "um dia faria ricciarelli", e nunca me ocorreu de fato prepará-los.

O tempo passou ainda mais e mudei de cidade. Ironicamente, nessa casa com quintal quase não há formigas. Do lado de dentro, pelo menos. Mas acho que elas tem mais o que comer lá fora. E depois de muita esquizofrenia culinária, me vejo novamente namorando todos os meus livros de cozinha italiana, de todas as partezinhas deliciosas da Itália. E, folheando aquele mesmo livro toscano da Tessa Kiros (ou tentando, com Madame Bochechas querendo parar em todas as páginas com foto, esperando que eu diga o nome do prato), dei de cara com eles de novo, os ricciarelli. 

Talvez tenha sido o fato de a receita vir de outro livro, mantendo aquela outra intocada no campo das ideias no livro da Nigella, como um vestido de festa que você nunca tem coragem de usar. Talvez tenha sido o fato de, na última viagem à Itália, ter enfim provado o danado do biscoito, em Siena, onde são feitos, e trazido o docinho mais para perto da terra firme. 

O que importa é que apanhei claras, pelei e moí amêndoas, e produzi ricciarelli. Ou não. 

As amêndoas moídas não ficaram tão finas quanto a receita pedia, e elas não se misturaram como deviam às claras em neve, que também não incorporou bem o açúcar orgânico, já que era para usar uma mistura do comum com o de confeiteiro. A textura do biscoito ficou errada, úmida demais, não os sequei por tempo o bastante, e os biscoitos espalharam como cookies no forno. Ficaram uma delícia, é verdade, e minha mãe e eu (amantes de biscoitos italianos de amêndoas ou qualquer coisa parecida), devoramos tudo. Mas não eram ricciarelli.

O bom de errar uma receita simples como essa, é que hoje em dia não me conformo com o erro. Quero logo fazer de novo, provar que consigo, entender que bobagem eu fiz. Isso bem aconteceu com os últimos pães que fiz. E aqui vai um pequeno adendo à história dos biscoitos... 

Quando começamos a fazer cerveja em casa, incorremos no erro de principiante de comprar uma saca imensa de um tipo de malte que só se usa em quantidades ínfimas de poucas receitas. E havia um tempo que, para não jogar tudo fora, eu estava com a ideia de moer o malte em forma de farinha para usar em pães e doces. Deu super certo com cookies de chocolate, substituindo toda a farinha de trigo pela de malte torrado. Mas o pão... O primeiro solou. O segundo solou. O terceiro solou. E, usando uma receita super básica, que já transformei à exaustão com bons resultados, não conseguia imaginar o que estava acontecendo. 

Foi só ao preparar o pão italiano integral de uns dias atrás, que me lembrei do erro boçal que cometera: moera o malte com a casca, achando lindo usar aquela farinha tão integral, mas esqueci que as pontas afiadas da casca estavam estourando o glúten e as bolhas de ar dentro do pão. ¬_¬ Informação aprendida no último livro do Pollan, quando ele tenta fazer pão de fermentação natural totalmente integral.

A gente erra, erra de novo, aprende, e conserta. 

Imbuída pelo desejo de redimir os ricciarelli e trazê-los de vez do mundo das ideias direto para meu pires de café, descongelei algumas claras, raspei a casca de uma tangerina (pois não tinha laranjas ou limão siciliano) e usei farinha de amêndoas comprada pronta, bem fininha. E açúcar de confeiteiro. Quando fui misturar as claras em neve com a mistura de amêndoas, achei que não fosse dar certo. Achei que ficaria seco demais. Mas funciona. As amêndoas absorvem  as claras o bastante para formar uma mistura arenosa e firme, apenas um pouco grudenta. Deixei que secassem por mais de três horas. E, no forno, eles mantiveram sua forma. 

A tangerina e as amêndoas funcionaram lindamente, e os biscoitos são aromáticos e deliciosos, do jeitinho que os biscoitos italianos são, com um toque de austeridade. Eles são crocantes na mordida, e vão ficando mais macios no centro, e derretem na língua. Acompanham maravilhosamente uma xícara de café. E são tão fáceis de fazer, que sei que eles vão aparecer muito mais vezes na minha cozinha, redimidos, trazidos definitivamente para terra firme. E sem formigas. Quer dizer... não com Thomas saindo pela casa deixando açúcar de confeiteiro cair pelo chão a cada mordida... ¬_¬

RICCIARELLI
(do ótimo Twelve, de Tessa Kiros)
Rendimento: cerca de 20 biscoitos

Ingredientes:
  • 300g farinha de amêndoas
  • 280g açúcar 
  • 150g açúcar de confeiteiro
  • 1 colh. (chá) fermento químico em pó
  • casca ralada de 1 laranja (ou tangerina, ou limão siciliano)
  • 2 claras de ovo grandes


Preparo:
  1. Forre uma assadeira com papel-manteiga ou silpat (usei silpat). 
  2. Numa tigela grande, misture a farinha de amêndoas, o açúcar comum, 100g do açúcar de confeiteiro, a casca de laranja e o fermento.
  3. Bata as claras até obter picos suaves, não muito firmes. Usando uma colher de pau, incorpore as claras às amêndoas. Não se preocupe em manter o ar das claras. Amasse bem com a colher, até obter uma massa úmida e firme. 
  4. Forme pequenos ovais de 6x4cm, com a ajuda de uma colher. Transfira os ovais para uma assadeira ou duas, deixando algum espaço para que se espalhem um pouco. Polvilhe com metade do açúcar de confeiteiro restante, e deixe os biscoitos secarem por 2-3 horas em temperatura ambiente. 
  5. Pré-aqueça o forno a 140ºC (se seu forno não mantiver uma temperatura tão baixa, prenda uma colher de pau na porta, para mantê-lo ligeiramente entreaberto – foi o que fiz, checando no termômetro se a temperatura estava correta). 
  6. Asse os biscoitos por 30 minutos, ou até que estejam ligeiramente dourados e pareçam firmes por fora. O interior deles estará mole ainda. Retire do forno e deixe que esfriem um pouco antes de polvilhar o restante do açúcar por cima. Os biscoitos se mantém por cerca de 1 semana em pote fechado.




Cozinhe isso também!

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