No supermercado, cestinha de metal na mão, tomei uma decisão impulsiva. Consciente de que restava apenas um naco de manteiga na geladeira, suficiente para as torradas do dia seguinte, respirei fundo e apanhei uma garrafa de 1kg de creme de leite fresco. Imbuída de orgulho e expectativas, voltei para casa decidida a fazer manteiga.
Apesar de já ter visto uma centena de blogs falando a respeito e outra dezena de livros com instruções precisas, foi o Forgotten Skills of Cooking que abri para ser meu guia. Ando apaixonada por esse livro, suas histórias e suas preciosas informações a respeito de comida de verdade. Não apenas a autora nos fornece relatos apaixonados sobre uma vida mais natural – que vou começar a chamar de uma vida "normal", porque a vida que se têm hoje em dia simplesmente não é –, mas ela também se apoia em estudos recentes que corroboram com o retorno do leite cru, das gorduras naturais, dos orgânicos, do ritmo mais lento, do feito em casa, do artesanal. Não é apenas moda, é uma necessidade.
É claro que na minha cozinha pequena e ainda um pouco atrapalhada – a gravidez parece ter colocado alguns neurônios meus para dormir, e ando distraída e sem foco – acabei fazendo bagunça e sujando mais louça do que o necessário. O que tornou o processo de limpeza da bagunça, desengordurando todos os utensílios que usei sem precisar deles, um pouco chato. Fazer a manteiga, no entanto, é um prazer, e é tão fácil que me sinto tentada a nunca mais comprar os tabletes prontos. A única coisa de que você precisa se lembrar é de encher algumas garrafas com água e colocar para gelar no dia anterior. E comprar seu creme de leite fresco. O seu favorito. O mais saboroso. O que bate o melhor chantilly. Pois sua manteiga, obviamente, só será tão boa quanto o creme que você usar. Se puder, compre um que seja apenas pasteurizado, e não homogeneizado. Aliás, isso vale para seu leite também. A textura e o sabor são melhores. Se puder colocar suas patinhas em creme de leite fresco de verdade, ainda cru, melhor ainda. Mas, voltando a nós pobres mortais que vivemos em São Paulo e só temos o pasteurizado nas gôndolas do supermercado. CLARO: estou falando de creme de leite de garrafa, aquele que fica na geladeira. Pelamordedeus, não vá me tentar fazer manteiga com o creme de lata ou o de caixinha. Muito menos com aqueles de caixinha que dizem que são feitos para chantilly. Aquilo é um creme mequetrefe misturado a gomas para criar textura e não deve nunca entrar na sua cozinha. Eca... :P
Bom... a manteiga. Você só precisa de creme de leite. Com 1kg de creme, produzi 2 tabletes de 210g e cerca de 500ml de buttermilk. Mas isso, acredito, vai depender do teor de gordura do seu creme, assim como a cor do produto final. Se o dia estiver quente, coloque a tigela da batedeira para gelar um pouco antes de começar. Tenha à mão uma outra tigela de inox e uma peneira fina ou um escorredor forrado com um pano fino (cheesecloth). Tenha certeza de que há água gelada o bastante na geladeira (uns 3 litros) e mãos à obra.
Bata o creme de leite em velocidade média na batedeira. Dependendo da quantidade de creme e de sua batedeira, pode demorar um pouco, mas ele vai ficar com consistência de chantilly, vai começar a ficar granulado e, de repente, você verá que os glóbulos de gordura se separaram do líquido, parecendo ovos mexidos nadando em leite. Pare a batedeira. Esse líquido esbranquiçado é o buttermilk, e você quer retirá-lo da manteiga e guardá-lo. Passe todo o conteúdo da batedeira pela peneira e escorra bem, recolhendo o buttermilk na tigela. Volte a manteiga para tigela da batedeira e bata por mais 30-60 segundos, para ter certeza de que todo o buttermilk saiu. Se algum líquido se desprender, escorra novamente pela peneira e volte a manteiga para a tigela da batedeira. Pronto, você já tem seu buttermilk e pode guardá-lo numa garrafinha fechada na geladeira.
Cubra a manteiga com água gelada. Mergulhe suas mãos (limpas, claro) na água gelada, e amasse, sove a manteiga, para desprender qualquer buttermilk que tenha sobrado. Quando a água parecer um pouco turva, escorra (agora na pia! Essa água não deve ser acrescida ao buttermilk!) e coloque mais água gelada. Repita a sova – é mais uma massagem espremendo do que uma sova propriamente dita – e a troca de água até que a água permaneça cristalina. Tenha certeza de que a água e suas mãos, principalmente, estão bem geladas, ou a manteiga começará a se liquefazer.
Escorra a água e divida a manteiga em pedaços de 100g ou 200g, lembrando-se de que a manteiga fresca vai durar alguns dias apenas na sua geladeira, então é melhor deixar na mantegueira apenas o que conseguirá consumir rapidamente e embrulhar as porções restantes em papel-manteiga ou filme plástico e guardar no freezer. Se quiser salgar sua manteiga, preservando-a por 2 ou 3 semanas, espalhe-a numa camada fina e salpique 1/4 colh. (chá) de sal fino para cada 100g de manteiga. Misture "sovando" com as mãos molhadas e geladas e então divida nas porções desejadas.
Se você tiver daquelas espátulas de madeira com ranhuras, próprias para a produção de manteiga, deixe-as de molho em água gelada por meia hora antes de começar e use-as para moldar a manteiga em tabletes e misturar o sal. Eu não tenho. Meus tabletes ficaram tortos, mas quem se importa?!
O resultado, feito com um creme bastante gorduroso, foi uma manteiga muito clara, delicadamente amarelada, e muito doce, mesmo o tablete que salguei para deixar na mantegueira (o tablete sem sal foi para o freezer, para ser usado depois). Ficou deliciosa, e não vejo a hora de tentar variações sobre o tema, como a manteiga "azeda", estilo francês, feita com creme azedo, quase um crème fraîche.
Achara estranho ler no livro que eu poderia usar o buttermilk em receitas ou para beber. "Manias irlandesas estranhas", pensei. Mas ao prová-lo entendi. É delicioso. Guarde-o na geladeira e use em poucos dias. O meu provavelmente virará Irish Soda Bread, só para manter a linha do livro. ;)