sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

UMA SEXTA FEIRA FRUGAL 10: caldo de peixe e risotto de robalo

Estava eu feliz e contente esperando o peixeiro terminar de embalar os dois belos filés de robalo que eu comprara, quando, de repente, ele se vira para mim e pergunta, casualmente:

"Vai querer levar a cabeça?"
Sem pensar muito a respeito, apenas ligeiramente atordoada pela pergunta, devolvi:
"E o que diabos eu vou fazer com isso?"
"Caldo, ué", respondeu ele, muito natural.

Imediatamente a senhora-joga-nada-fora dentro de mim despertou e aceitou o presente, estendendo as mãos para receber o pacote ensanguentado como uma criança pedindo doce.

Chegando em casa, abri o embrulho sobre a tábua de corte, deparando-me com aquela estranha cabeça prateada, de boca aberta, completamente desproporcional à fina fileira de ossos delicados ao longo de sua coluna até o rabo. Corri para meus livros, buscando uma receita de caldo de peixe confiável. E ao ler as instruções, encontrei meu primeiro obstáculo: o peixeiro retirara as guelras, que amargam o caldo, mas eu esquecera de lhe pedir para se livrar também dos olhos. E, para minha surpresa, todos os meus livros de técnicas ensinam como filetar maravilhosamente bem um peixe, mas nenhum deles ensina como diabos arrancar os olhos de um.

E fiquei ali. Olhando para aquela cabeça. A cabeça olhando de volta. A mesma estranheza que me causava quando minha avó preparava o peixe inteiro, assado: eu não gostava de olhar nos olhos ressecados do bicho. Ok, vamos lá. Para tudo tem uma primeira vez. Segurei a cabeça. Levantei. Olhei por fora. Olhei por dentro. Como eu vou fazer isso? Coloquei-a de volta na tábua. Apanhei uma faca. Aproximei meus dedos do olho esquerdo. Um calafrio percorreu minha espinha.

Larguei a faca e a cabeça e dei um pulinho aflito para trás.

Eu NÃO VOU ENCOSTAR NESSE OLHO!, pensei. A mera expectativa da sensação gelatinosa sob a ponta dos meus dedos me dava arrepios. E pensar em, de repente, sem querer, estourar aquela bola branca e sentir sabe deus lá o quê que tem lá dentro escorrendo em minha pele me deu vontade de desistir e jogar tudo fora. Ninguém vai ficar sabendo. Ninguém me viu trazendo essa cabeça para cá.

No entanto, a possibilidade da desistência me envergonhou. E esse misto de vergonha e decepção comigo mesma foi sempre o que me moveu a ultrapassar meus próprios limites. Foi assim com o medo de altura. Vai ser assim com o olho de peixe. Porque, afinal, isso DEVERIA SER NORMAL. Não é normal para mim, que cresci comprando filés sem rosto embalados em bandejinhas de isopor no supermercado. Lembrei-me imediatamente de minha avó materna e de seu alívio quando a primeira granja surgiu em seu bairro, livrando-a do desconforto de ter de torcer o pescoço e depenar as próprias galinhas. O que sempre me fez pensar que, sendo a opção mais óbvia simplesmente deixar de comê-las em lugar de se obrigar a passar por aquela situação todo domingo, concluo que minha avó deveria gostar muito, muito de frango.

Tendo isso em mente, apanhei, munida de toda a coragem do mundo, a cabeça novamente. Mas, espertinha, levei-a à pia. Pois se algum olho explodisse, era melhor que eu pudesse jogá-lo ralo abaixo do que ter de limpá-lo de minha preciosa bancada.

E de volta ao dilema. Como diabos eu faço isso?? Talvez eu possa empurrá-los para fora das órbitas. Enfiei meu dedo por dentro da cabeça do peixe, o que fez com que ela parecesse um fantoche macabro em minha mão, e empurrei. Tudo o que consegui foi um peixe de olhos esbugalhados. E os olhos olhavam para mim e diziam: "Ô, menina! Pare de brincar com meu cadáver, por favor. Que falta de respeito!"

No fim, respirei fundo e reuni o que havia de mais selvagem dentro de mim, explodi os coitados com a ponta da faca e retirei todos os resquícios com o dedo, embaixo da torneira aberta. Nada profissional. Mas funcionou.

Terminei de lavar muito bem o peixe, retirando qualquer vestígio de sangue, e acomodei-o na panela, cobrindo-o com água, vinho e temperos, de modo que uma hora depois, eu tinha um caldo leve, perfumado e saboroso, pronto para ser coado e congelado.

Seu primeiro destino foi esse risotto de robalo, muito leve e interessante. Eu nunca havia preparado risotto de peixe, e gostei do resultado, ainda que esteja mais acostumada a risotti de verduras. Senti um pouco a falta do queijo para engrossá-lo, e talvez da próxima vez eu o acrescente mesmo assim.

Enquanto isso, se alguém souber como tirar os olhos de um peixe, por favor, me ilumine (ainda que provavelmente vá deixar a tarefa para o peixeiro, da próxima vez).

CALDO DE PEIXE:
  • Você pode usar apenas os ossos. Use a cabeça e qualquer resto da carne apenas se o peixe estiver MUITO fresco. Retire as guelras e os olhos para que o caldo não amargue. Lave bem a carcaça, retirando quaisquer resquícios de entranhas ou sangue.
  • Coloque o peixe numa panela (corte-o em pedaços menores, se necessário). Coloque água suficiente para cobrir a carcaça, vinho branco seco e vegetais aromáticos, na seguinte proporção: para cada 1kg de peixe, cerca de 1l água fria, 1 xic. vinho branco seco, 2 xic. de vegetais aromáticos picados (cebola, alho-poró, salsão, cenoura, segundo o que você tiver) e um sachê com alguns talos de salsinha, tomilho, 1 folha de louro, 1 dente de alho e 1 colh. (chá) de grãos de pimenta-do-reino e sal a gosto.
  • Coloque em fogo médio-baixo, espere ferver, deixe o fogo no mínimo e cozinhe em fervura branda por 30-60 minutos, ou até que o caldo esteja com o sabor e intensidade desejados. Durante o cozimento, impurezas subirão para a superfície em forma de espuma: retire-a com uma espátula.
  • Assim que o caldo estiver pronto, passe por uma peneira bem fina ou por um pano, sem perturbar muito os pedaços sólidos, para que o caldo não fique muito opaco. Se não for usar imediatamente, leve à geladeira. Retire quaisquer partículas sólidas de gordura que subam à superfície. O caldo vai solidificar na geladeira, e você pode usá-lo em 3 ou 4 dias. Ou congele assim que estiver suficientemente frio, e você poderá usá-lo dentro de 4 a 6 meses.
  • Antes de consumir o caldo, avalie o cheiro e o gosto: ambos devem estar apetitosos, e não azedos ou amargos.

RISOTTO AL BRANZINO
(Do livro Gastronomy of Italy, de Anna del Conte)
Rendimento: 3 porções
Tempo de preparo: 30 minutos


Ingredientes:
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva extra-virgem
  • 1 dente de alho, ligeiramente amassado
  • 100g filé de robalo, sem pele, cortado em pedaços pequenos
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 1 colh. (chá) páprica doce
  • 5 colh. (sopa) xerez seco (usei Marsala seco)
  • 5 colh. (sopa) conhaque
  • 1 litro caldo de peixe
  • 4 colh. (chá) azeite
  • 50g manteiga sem sal
  • 1/2 cebola, fatiada
  • 250g arroz arbório ou carnaroli
  • 2 colh. (sopa) vinho branco seco
  • Salsinha picada

Preparo:
  1. Aqueça o azeite e o alho numa frigideira e junte os pedaços de peixe. Tempere com sal, pimenta e páprica. Junte o xerez ou Marsala e o conhaque, e junte umas duas colheres de caldo de peixe. Mexa algumas vezes, cozinhe por um minutinho e retire do fogo, removendo o alho. Reserve.
  2. Aqueça o caldo de peixe numa panela. Em outra, aqueça o azeite, metade da manteiga e refogue a cebola, até que fique macia mas não dourada. Junte o arroz em fogo méio-alto e mexa bem até que ele fique transparente e estale.
  3. Junte o vinho e mexa bem com uma colher de pau, até que o vinho tenha evaporado. Junte umas duas conchas de caldo quente e mexa, deixando que o arroz absorva quase todo o caldo, em fogo baixo.
  4. Continue adicionando o caldo e cozinhando, mexendo de vez em quando, por uns 12 minutos. Então junte o peixe e seu molho e continue cozinhando e adicionando tanto caldo quanto necessário, até completar uns 15-18 minutos de cozimento, até que o arroz esteja cozido e al dente.
  5. Desligue o fogo, junte a manteiga e a salsinha, acerte o sal e a piment, tampe e deixe descansar por 5 minutos. Sirva imediatamente.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails